O DIREITO AO ESQUECIMENTO E AS DIFICULDADES DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO NO BRASIL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10341248


Carlos Eduardo Sousa De Carvalho


Resumo:

O presente artigo tem como objeto central a análise da situação da tutela dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos apenados e ex-apenados, oriundo do sistema penitenciário pátrio, em especial do direito ao esquecimento e a vida privada x direito de acesso a informação. O tema, sem dúvida alguma, é de grande valia e se justifica a fim de que seja realizada uma análise aprofundada por meio da presente pesquisa, já que busca traduzir a real situação vivida pelos ex-apenados ou que ai nda cumprem pena em regime simaberto/aberto e buscam uma reinserção social e no mercado de trabalho, os quais sofrem diariamente pelo preconceito em virtude de sua condição, sendo que o direito ao esquecimento seria um fundamental instrumento para amenizar essa situação.

Palavras-chave: Direito ao Esquecimento. Intimidade. Privacidade. Direito a Personalidade.

Abstract: This article has as its central object the analysis of the situation of protection of the fundamental rights and guarantees of convicts and ex-convicts, coming from the country’s penitentiary system, in particular the right to be forgotten and private life x right of access to information. The theme, without a doubt, is of great value and is justified so that an in-depth analysis can be carried out through the present research, since it seeks to translate the real situation experienced by former convicts or who are still serving their sentence in an open regime. /open and seek a social reintegration and in the labor market, who suffer daily from prejudice due to their condition, and the right to be forgotten would be a fundamental instrument to alleviate this situation.

Keywords: Right to Oblivion. Intimacy. Privacy. Right to Personality.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como seu enfoque principal a abordagem acerca do direito ao esquecimento do apenado e ex-apenado no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em visto os preceitos constitucionais aplicáveis à espécie, visando o reconhecimento de seu direito de reinserção social e ao mercado de trabalho.

O tema, sem dúvida alguma, é de grande valia e se justifica a fim de que seja realizada uma análise aprofundada por meio da presente pesquisa, já que busca traduzir a real situação vivida pelas pessoas que passaram que sistema carcerário brasileiro, as quais sofrem diariamente pelo preconceito em virtude de suas penas sofridas, as quais já foram pagas em parte ou completamente, sendo que o direito ao esquecimento seria um fundamental instrumento para amenizar essa situação.

Para isso, o tema merece uma delimitação, a fim de que aborde necessariamente os motivos que levam a doutrina e a jurisprudência a serem reticentes (ou não) em relação ao direito ao esquecimento para os apenas e ex-apenados no Brasil.

Para a melhor abordagem do tema no presente artigo, foram levantadas as seguintes problemáticas:

a) É possível e cabível o deferimento do direito ao esquecimento em benefício de condenados criminalmente e que já cumpriram sua pena ou foram considerados inocentes posteriormente sua injusta condenação?

b) O direito ao esquecimento é uma garantia fundamental prevista pela Constituição Federal? Quais os motivos que os Tribunais têm levado em conta na análise do seu cabimento?

O objetivo geral do presente trabalho científico é analisar, portanto, a viabilidade de aplicar o direito ao esquecimento em benefício dos ex-apenados e inocentes que foram condenados injustamente, assim como outros indivíduos que dele queiram usufruir para adquirir uma maior dignidade em sua vida, apagando memórias do passado que não são pertinentes na nova fase da vida em que essas pessoas estão atualmente.

Os objetivos específicos são:

  1. Conceituar o direito ao esquecimento;
  2. Entender como o instituto é tratado pela Constituição Federal;
  • Entender os direitos garantidos aos apenados e ex-apenados no Brasil;
  • Analisar de que forma o tema tem sido visto pelos Tribunais pátrios, em especial as Cortes Superiores.

Por fim, para o desenvolvimento do trabalho, cumpre informar que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e os resultados expressos no presente artigo é composto na base lógica indutiva. Já nas fases da Pesquisa, foram utilizadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Ademais, destaca-se que o presente artigo não pretende esgotar as discussões sobre o tema ou estabelecer qualquer tese definitiva sobre a questão aventada, mas, tão somente, fomentar e acender os debates jurídicos sobre a questão do direito ao esquecimento para os apenados e ex-apenados no ordenamento jurídico pátrio, bem como de outras pessoas que queiram se valer dessa benesse.

2. DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

O direito ao esquecimento consiste no direito de ser deixado em paz e recair no esquecimento e no anonimato após certo período de tempo concernente a um evento público, impedindo que um fato seja relembrado por muito tempo após a sua ocorrência, reavivando no público informações que denigrem de forma intensa a pessoa, causando-lhe dor, sofrimento moral e psicológico, prejuízos de diversas ordens e, no âmbito criminal, impedindo e dificultando a reinserção social do indivíduo (SANTOS, 2021. p. 702).

Nas palavras de François Ost (2005, p. 160-161), qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.

O direito ao esquecimento, a despeito de inúmeras vozes contrárias, também encontra respaldo na seara penal, enquadrando-se como direito fundamental implícito, corolário da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade (MENDES, 2020. p. 779).

Para RODRIGUEZ (2022), o direito ao esquecimento tem origem na expressão em inglês “right to be forgotten”, inicialmente definida como o direito a não ser lembrado por atos vexatórios, decepcionantes e constrangedores, ocorridos no passado.

Na esfera penal, o direito ao esquecimento é pautado na ideia de que o fato de que as pessoas, na qualidade de autor, vítima ou familiar, não devem arcar eternamente com os erros praticados, ou a que tenham sido submetidas preteritamente, pela dor, angústia ou transtorno vividos (SILVA, 2014. p. 478).

Em suma, sempre que a (re)lembrança de um fato não mais se justificar em face das necessidades históricas, não sendo mais essencial para representar o papel social e pessoal daquele indivíduo na atualidade, emerge o direito ao esquecimento, sendo que o tempo necessário para o exercício do direito ao esquecimento não deve ser analisado com base na quantidade de anos que se passaram, mas sim com base nas transformações da personalidade do próprio indivíduo no processo de (re)construção da própria biografia, de modo a evitar que os fatos do passado sejam usados de forma a impedir a (re)construção de um novo eu individual, ceifando ou mitigando a vida social, afetiva, psicológica e, até mesmo, fisiológica da pessoa (SANTOS, 2021. p. 702-703).

Em contrapartida, tem-se que o direito ao esquecimento não confere a ninguém o direito de apagar os fatos passados ou de reescrever a história, mesmo que seja a própria história.

Na verdade, o direito ao esquecimento garante a possibilidade de se debater a forma e a finalidade como os fatos passados estão sendo usados e lembrados por outras pessoas ou por veículos de comunicação de massa, como por programas de televisão ou mesmo sítios eletrônicos da rede mundial de computadores (internet), assegurando ao indivíduo o direito de reconstruir a própria vida sem ter de conviver com a reprodução e (re)lembrança de fatos passados que inviabilizem a dignidade de sua vida social, afetiva, psicológica e fisiológica (SCHREIBER, 2021. p. 164).

Necessário salutar, ainda, que o direito ao esquecimento se tornou um direito fundamental da pessoa humana, reconhecido desde o caso Lebach, de 05 de junho de 1973, pela Corte Constitucional alemã, sendo considerado um direito fundamental atípico no constitucionalismo brasileiro, reconhecido através da cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, em que pese seu desenvolvimento e reconhecimento ainda seja embrionário em nosso ordenamento jurídico (SANTOS, 2021. p. 703).

Nada obstante, já há precedentes em nossas cortes superiores reconhecendo o direito ao esquecimento, dentre os quais destaca-se o seguinte: 1) REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012. Neste caso, apresentadora Xuxa Meneguel propôs ação contra o Google, pretendendo que a empresa não propiciasse acesso à pesquisa que ligasse a imagem da apresentadora à nudez infantil ou à pedofilia, em razão da apresentadora de programas infantis no passado ter sido atriz de um filme, no qual aparece em cenas eróticas com uma criança (STJ, 2012).

Ao apreciar o caso, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido. Ademais, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça a ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital (SANTOS, 2021. p. 704).

Também vale ser lembrado o caso do REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013. Neste julgamento, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao esquecimento para um homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária, que anos depois de absolvido foi retratado pelo programa Linha Direta, da TV Globo, condenando a emissora ao pagamento de indenização por danos morais (STJ, 2013).

3. DA REINSERÇÃO DO APENADO NA SOCIEDADE E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Um dos princípios mais relevantes (se não o mais importante) a se sopesar e levar em conta quanto o assunto em pauta é o direito ao esquecimento do ex-apenado se encontra na dignidade da pessoa humana.

O direito ao esquecimento está intimamente ligado a possibilidade do individuo seguir sua vida de maneira normal, sem ter que relembrar todos os dias fatos pretéritos que o mesmo deseja esquecer e apagar, sendo que tal possibilidade reflete a defesa da dignidade da pessoa humana em sua essência pura.

Consagrada expressamente no inciso III do artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, a dignidade da pessoa humana desempenha um papel de proeminência entre os fundamentos do Estado brasileiro. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade é considerada o valor constitucional supremo e, enquanto tal, deve servir, não apenas como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular (NOVELINO, 2021).

É crível pontuar que o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelas constituições em diversos países ocidentais tiveram um vertiginoso aumento após a Segunda Guerra Mundial, como forma de reação às práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo e contra o aviltamento desta dignidade praticado pelas ditaduras ao redor do mundo.

A escravidão, a tortura e, derradeiramente, as terríveis experiências feitas pelos nazistas com seres humanos, fizeram despertar a consciência sobre a necessidade de proteção da pessoa, com o intuito de evitar sua redução à condição de mero objeto. A partir do início da década de 1990, com a queda do comunismo, a dignidade foi consagrada também em diversos textos constitucionais de países do leste europeu (NOVELINO, 2021).

Os direitos fundamentais, sob o escólio de SARLET (2001), “ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Em verdade, a dignidade da pessoa ganha, a cada momento, um novo contexto e necessita novas proteções. Não há como estancar os direitos fundamentais em um rol fixo. A partir do momento em que a realidade alcança novas perspectivas, sua limitação poderia induzir a erro quem a isso se proponha (SALEME, 2021).

Inclusive, BOBBIO (1992) aponta quatro dificuldades na delimitação de tais direitos:

a) a primeira refere-se ao fato da expressão “direitos do homem” ser mal definível, o que leva o intérprete a escolher a ideologia mais afinada a ele;

b) trata-se de direitos relativos e não absolutos, o que induz a uma permanente mutabilidade;

c) a heterogeneidade dos direitos fundamentais é outro fator que estabelece a existência de determinado rol de direitos válidos para determinadas categorias e para outras não;

d) existência de direitos que consignam liberdades em antinomia com outros que atribuem poderes – enquanto os primeiros exigem do Estado um non facere, nos segundos deve existir uma ação positiva. Segundo ele, “quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos.

Em suma, o problema mantém-se centrado no princípio da dignidade da pessoa humana e suas repercussões. A evolução no tempo/espaço depende do reconhecimento de alguns direitos em tratados internacionais de direitos humanos, geralmente. Por esse motivo, reputa-se ao direito internacional público, sobretudo, aquele que viabiliza o reconhecimento de cada vez maior número de princípios implícitos.

Certamente, a inserção do §3º no artigo 5º da Constituição Federal trouxe a possibilidade de deixar clara a questão da fundamentalidade de um direito, exigindo votação diferenciada aos tratados de direitos humanos e, consequentemente, a possibilidade de torná-los explícitos (SALEME, 2021).

Inclusive, há forte crítica por parte de alguns autores acerca da divisão dos direitos fundamentais em gerações. Sustentam que diante da integralidade, interdependência e indivisibilidade dos direitos fundamentais, não seria possível esse fracionamento que é proposto pela doutrina (GAJARDONI, 2012).

Embora se encampe esta crítica, não se pode deixar de negar que a divisão tem prestado um bom papel didático no desenvolvimento e no estudo da matéria. Aliás, se realizada uma (criticável) expansão da garantia supraconstitucional da dignidade da pessoa humana, não haveria necessidade alguma de elaboração desta classificação dos direitos fundamentais. Afinal, a dignidade da pessoa humana já abarcaria todas as gerações de direitos fundamentais (GAJARDONI, 2012).

Nesse sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional (PIOVESAN, 2021).

A dignidade nem sempre foi compreendida como sendo uma qualidade especial que atribui a cada ser humano um valor intrínseco indissociável. Num primeiro momento, a dignidade da pessoa humana referia-se à posição social e aos cargos ocupados pelo indivíduo, isto é, cada indivíduo possuía, ou não possuía, uma dignidade de acordo com a posição social e os cargos ocupados, podendo falar-se, inclusive, numa hierarquização ou quantificação de dignidade. Essa concepção da dignidade, enquanto status social, pode ser encontrada desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média, até a ascensão do Estado Liberal (BARROSO, 2013).

Para BONAVIDES (2000), “nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Na visão de SANTOS (2021), a dignidade da pessoa humana possui muitos marcos teóricos, destacando-se, contudo, três: o monoteísmo judaico-cristão como marco religioso, os desenvolvimentos filosóficos do Iluminismo, especialmente os de Immanuel Kant, como marco filosófico e o período imediatamente posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial como marco histórico, por ter incorporado e alçado a dignidade da pessoa humana ao centro do debate jurídico-político.

Segundo BARROSO (2013), no Superior Tribunal de Justiça têm se multiplicado as referências à dignidade da pessoa humana em decisões as mais variadas. Há precedentes em quase todas as áreas do direito, envolvendo a) mínimo existencial; b) restrição ao direito de propriedade; c) uso de algemas; d) crime de racismo; e) tortura; f) vedação do trabalho escravo; g) direito de moradia; h) direito à saúde; i) aposentadoria de servidor público por invalidez; j) vedação do corte de energia elétrica para serviços públicos essenciais; k) dívidas de alimentos; l) adoção; m) investigação de paternidade; n) disputa de guarda de menor; o) direito ao nome; p) uniões homoafetivas; q) redesignação sexual; e r) proteção aos portadores de deficiência física. em meio a muitos outros.

O fato de ser cada vez maior o número de declarações universais de direitos e de constituições que a consagram expressamente é relevante na medida em que confere a esta noção um inquestionável caráter jurídico. Vale dizer:

a positivação impõe que a dignidade, enquanto valor originariamente moral, seja reconhecida também como um valor tipicamente jurídico, revestido de normatividade. Ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana possa ser deduzido do sistema de direitos fundamentais, a consagração expressa, no mínimo, reduz o ônus argumentativo do intérprete (NOVELINO, 2021).

O direito ao esquecimento, obviamente, pode naturalmente ser inserido neste rol, pois a discussão do seu cabimento e recepção pelo ordenamento jurídico pátrio está intimamente ligado com a dignidade da pessoa humana e seus efeitos constitucionais enquanto princípio e direito fundamental do indivíduo.

4. DO DIREITO AO ESQUECIMENTO DO EX-APENADO X DIREITO A INFORMAÇÃO – TEMA 786 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Para o eminente Ministro Gilmar Mendes, embora haja pensamentos divergentes, o direito ao esquecimento está presente na seara penal, mesmo que implicitamente, tal direito é constatado sob o ponto de vista da vedação à adoção da pena perpetua e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade (MENDES, 2020).

Em linha contraditória ao entendimento do próprio Ministro Gilmar Mendes, neste ínterim, é o respeitável decisum proferido pela Suprema Corte no Tema 786, de relatoria do Ministro Dias Toffolli (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2022).

Para o Supremo Tribunal Federal, o direito ao esquecimento seria incompatível com a Constituição Federal. Ademais, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados levando em consideração as peculiaridades de cada caso.

Tal conclusão foi decretada em 11/02/2021, frente ao improvimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606 (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2022), em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão ocorrido no Rio de Janeiro, no ano de 1950, pleiteavam indenização moral da empresa Globo, diante da reconstituição do crime sem a autorização, indo ao ar no programa televisivo denominado Linha Direta, em 2004.

Ou seja, de maneira um tanto quanto paradoxal, foi entendido que o direito ao esquecimento não está comportado pela Constituição Federal, mas poderá ser aplicado em casos específicos, se assim entender cabível a Suprema Corte e os demais Tribunais pátrios.

Causa estranheza, de maneira particular, a resistência do Judiciário Brasileiro na adesão sem maiores restrições do direito ao esquecimento para os todos os casos em que houver o devido requerimento e foram preenchidos os devidos requisitos legais para tal, bem como não prejudicar direito de terceiros.

Obviamente, a ampla publicidade e o acesso livre à informação são elementos coronários de uma sociedade democrática que se preze, servindo como pilares de uma nação livre.

Inclusive, o ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Tema 786, ressalta a importância da liberdade de expressão, sendo um direito instrumentador de uma sociedade democrática. Por isto, o direito ao esquecimento teria de ser analisado em cada caso, sempre colocando na balança os direitos constitucionais em conflito como a liberdade de expressão e de personalidade, a fim de se sopesar quais daqueles deverá prevalecer.

Todavia, a balança judicial que busca o equilíbrio entre as garantias de acesso à informação/ publicidade e a dignidade da pessoa humana e sua privacidade e moral merece um ajuste ou uma nova configuração.

O anseio do indivíduo pelo direito ao esquecimento, se ligado a um elemento que dificulta ou atormenta/impossibilita a sua vida atual merece ser sopesado com empatia, pois o direito individual da vida privada e da garantia da honra pode estar um patamar acima do direito ao livre acesso das informações e da publicidade.

Nesse sentido, mais uma vez de maneira brilhante, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, com claro fundamento nos direitos à intimidade e à vida privada, entendeu por certo a indenização a vítima que houver tido seus dados expostos de maneira vexatória, ainda que os fatos obtenham interesse público (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2022).

Adiante, Gilmar Mendes ainda asseverou que frente a conflitos de normas constitucionais, como caso analisado, é necessário a análise das peculiaridades de cada caso apresentado, a fim de se sopesar qual direito deverá prevalecer (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2022).

Na esfera internacional, à título de conhecimento, veja-se o entendimento da Suprema Corte da Europa no caso Google Spain S.L Inc:

No ano de 2010, Mario Costeja González, nacional da Espanha, ajuizou uma ação de reparação de danos contra as empresas Google Spain e Google Inc. na Agência Espanhola de Proteção de Dados, conhecida como AEDP, sustentando que ao realizar uma busca pelo seu nome na plataforma Google surgiam dois links que indicavam páginas do jornal europeu “La Vanguardia”, ambas do ano de 1988 que indicavam dívidas previdenciárias do Autor.
Na tentativa de proteger os seus dados, o autor da ação solicitou que o site retirasse ourealizasse a alteração das páginas, além de requerer que a Google removesse ou ocultasse as informações relativas à sua pessoa nos resultados de busca.O pleito do cidadão foi negado em relação ao jornal “La Vanguardia”, tendo em vistaque as informações relacionadas as dívidas do autor foram publicadas de forma legal. No entanto, o pedido foi julgado procedente em relação à Google Spain e Google Inc., para que ambas tomassem as atitudes necessárias para retirar os dados pessoais do autor da rede de busca.nconformadas, as empresas apresentaram recurso para a Audiência Nacional (National High Court), sendo que o processo foi suspenso e encaminhado para julgamento perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (SOUSA, 2021).

Vale frisar que o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia ao julgar o caso em 2014 levou em conta o disposto nos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, ambos traduzidos para a língua portuguesa prescrevem que:

Art. 7º Respeito pela vida privada e familiar Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, peloseu domicílio e pelas suas comunicações.

Art. 8º Proteção de dados pessoais

1. Todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito.

2. Esses dados devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva retificação.

3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente (UNIÃO EUROPEIA, 2000).

Assim, segundo o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, o direito ao esquecimento deve ser garantido ao indivíduo, seja decorrente de condenação criminal ou não, pois tal preceito preserva a vida privada do cidadão, bem como sua relações familiares e sociais (Supremo Tribunal Federal, 2022).

Em suma, “sempre que a lembrança de um fato não mais se justificar em face das necessidades históricas, não sendo mais essencial para representar o papel social e pessoal daquele indivíduo na atualidade, emerge o direito ao esquecimento” (SANTOS, 2021).

Por conseguinte, o direito ao esquecimento garante a possibilidade de se debater a forma e a finalidade como os fatos passados estão sendo usados e lembrados por outras pessoas ou por veículos de comunicação de massa, como por programas de televisão ou mesmo sítios eletrônicos da rede mundial de computadores (internet), assegurando ao indivíduo o direito de reconstruir a própria vida sem ter de conviver com a reprodução e recordação de fatos passados que inviabilizem a dignidade de sua vida social, afetiva, psicológica e fisiológica (SCHREIBER, 2011).

Os casos de pessoas que foram condenadas criminalmente e já cumpriram sua pena são o centro da discussão em relação ao direito ao esquecimento no Brasil e no mundo, embora o instituto seja aplicável em outras esferas também.

O direito a recomeçar uma vida digna e de forma limpa é um direito constitucional atribuído a todas as pessoas, o motivo pelo qual o direito ao esquecimento está intimamente ligado ao direito de reconstrução social de um condenado criminalmente que já cumpriu sua pena.

Tal fato deve ser sopesado por nosso judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, já que a matéria demanda uma recepção constitucional em nosso ordenamento jurídico.

Infelizmente, o Tema 786 da Suprema Corte Pátria (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2022), conforme visto no presente capítulo, foi contrario a aplicação do direito ao esquecimento no caso concreto, por entender que a temática não seria compatível com a Constituição Federal, em prestígio aos direitos da informação e da liberdade de expressão.

O que se põe em questionamento, todavia, é o direito do ex-apenado de ter reconhecido o direito ao esquecimento de fatos e condutas sobre as quais já foi condenado e cumpriu sua pena, devendo prevalecer, portanto, tal direito sobre o direito a informação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a análise do conteúdo exposto no presente artigo, pode-se afirmar que pessoas que já passaram pelo sistema carcerário brasileiro e foram condenados criminalmente travam diariamente situações em que seus direitos e garantias individuais são flexibilizados ou completamente ignorados em seus convívio social, pelo condição que viveram no passado.

Infelizmente, não há uma gama específica de políticas públicas estatais que possibilitem um avanço significativo para garantir a devida reinserção social desses indivíduos e a possibilidade de readquirirem uma vida digna após pagar sua pena, pelo crime que foram condenados.

Por isso, o direito ao esquecimento surge como uma importante ferramenta para que o passado dessas pessoas, pelo qual elas já pagaram sua pena, seja apagado, fisicamente e digitalmente, para que a mesma possa ingressar em uma nova vida digna, pacata e trabalhadora.

O que espera, portanto, é que o direito ao esquecimento seja garantido nos próximos anos aos apenados e inocentes condenados injustamente, bem como a todos os indivíduos que dele quiser usufruir, dando diginidade e garantia de privacidade e vida privada a todos os cidadãos.

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