O DIREITO À SAÚDE NO DIREITO BRASILEIRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7746484


Mauricio José Gomes Medeiros Tavares Filho


INTRODUÇÃO

O presente artigo visa abordar o tema da prestação do direito constitucional à saúde no direito brasileiro no que toca aos direitos dos jurisdicionais pela concessão de medicamentos para tratamento de seus quadros clínicos, com as peculiaridades inerentes a cada caso concreto.

DESENVOLVIMENTO

O direito à saúde tem assento constitucional no artigo 6º da Constituição Federal que prevê ser “direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

No artigo 196 e seguintes da Carta Magna constam disposições específicas quanto ao direito fundamental à saúde, que junto com a previdência e a assistência social, compõe os direitos da seguridade social.

Outrossim, o referido direito consta expressamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo XXV, que define que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.

Ou seja, o direito à saúde é indissociável do direito à vida, que tem por inspiração o valor de igualdade entre as pessoas.

Em sua concepção mais moderna, entende-se que o direito à saúde não se restringe apenas a poder ser atendido no hospital, estando associado também à uma garantia ampla de qualidade de vida, em associação a outros direitos básicos, como educação, saneamento básico, atividades culturais e segurança.

No contexto do direito brasileiro, a saúde é direito de todos, independentemente de qualquer prestação pecuniária, sendo prestado pelo Sistema Único de Saúde – SUS.

A Lei 8.080/90 regulamentou o SUS, o qual conceitua-se como um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público, tendo a iniciativa privada participando em caráter complementar.

A prestação da saúde deve observar alguns princípios organizativos e doutrinários tais como:

a) a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

b) a integralidade de assistência;

c) a equidade;

d) a descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo;

e) conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da união dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

f) participação da comunidade;

g) regionalização e hierarquização.

Assim, sendo um direito fundamental, a saúde deve ser concretizada, via Sistema Único de Saúde, observados os princípios da igualdade, do acesso universal e da integralidade.

Apesar do estabelecimento de diretrizes e do crescente aperfeiçoamento da gestão pública, sabe-se que o SUS não consegue fornecer medicamentos a todos que dele precisam, principalmente em razão dos limites orçamentários que atuam como limitador ao fornecimento de todo e qualquer insumo, refletindo o conceito da Teoria da Reserva do Possível.

A referida Teoria regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis.

Nesse cenário, em uma tentativa de assegurar o fornecimento de eventuais medicamentos não disponíveis no sistema público de saúde e denegados sob argumento de restrição orçamentária, tornou-se comum recorrer ao Poder Judiciário para se ter acesso ao insumo pretendido.

O fenômeno ficou conhecimento como “judicialização da saúde”, em razão do grande número de processos envolvendo tais solicitações.

O fornecimento de insumos pelo SUS segue um procedimento administrativo especifico de análise de eficiência e eficácia do medicamento, bem como seu custo-benefício, feito por órgão técnico, via Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC, que publicam Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas, listando os medicamentos disponíveis para o tratamento de algumas moléstia.

Assim, apenas alguns fármacos previamente listados são fornecimento de forma gratuita à população em geral.

Quando algum insumo não consta em tal lista de disposição, o particular tende a procurar o Judiciário buscando obrigar a Administração Pública a fornecê-los.

O Superior Tribunal de Justiça buscou dar previsibilidade à questão, quando a relação jurídica posta em debate girar em torno de medicamentos requeridos pelos jurisdicionados que não estão previsto em atos regulamentares do SUS.

Nesse contexto, a corte resolveu afetar o Recurso Especial nº 1.657.156 ao rito dos recursos repetitivos, cuja tese tratava acerca da “Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS”.

A Primeira Seção fixou tese de que a concessão dos medicamentos exigiria a comprovação de três requisitos:

a) a comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

b) a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

c) a existência de registro na Anvisa do medicamento.

Em relação ao último item, em sede de embargos de declaração, houve o aperfeiçoamento de tal requisito para afastar o fornecimento do uso de medicamentos off label, eis que a concessão só seria cabível quando além de o insumo possuir registro na ANVISA, tal medicamento observasse o uso autorizado pela Agência, não podendo ser deferido remédio para moléstia diferente da inicialmente autorizada.

Assim, vedou-se o fornecimento de medicamentos aprovados na ANVISA cujo uso não foi previsto para outra doença, não sendo possível deferir medicamento para doença diversa da indica em bula.

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal também foi instado a se pronunciar sobre questões acerca do direito constitucional à saúde, no Recurso Extraordinário, com repercussão geral de nº 657718.

A tese abordou a obrigatoriedade ou não de o Estado em fornecer medicamento quando este não for registrado na Anvisa.

Ao analisar o RE 657718, a corte entendeu que o Estado não deve ser obrigado à fornecer o medicamento não registrado na ANVISA, podendo, excepcionalmente, ser compelido a tal, quando houver mora irrazoável da Agência em apreciar o pedido, observados três requisitos:

a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultra raras);

b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;

c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Também restou decidido que as demandas acerca de fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deveriam necessariamente ser propostas em face da União.

Por fim, entendeu a Corte Suprema pela vedação do pagamento, ressarcimento ou reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa.

Ponderou-se que o direito fundamental à saúde deve observar as possibilidades materiais do Estado e o planejamento de políticas públicas para a área, sob pena de restringir o acesso da coletividade ao aparato de saúde estatal que possui recursos escassos.         

3 CONCLUSÃO

Assim, tratando-se de bem jurídico constitucionalmente tutelado, sua integridade deve ser observada pelo Poder Público no intuito de formular e implementar políticas públicas para garantir aos cidadãos o acesso amplo e igualitário à assistência à saúde.