REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411261742
Lorena Sthefanye Cavalcante de Araújo1
RESUMO
O presente artigo tem como principal objetivo analisar a prática de crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria, realizando o estudo dos limites da liberdade de expressão no ambiente virtual e sua relação com o direito à honra, examinando como a internet, ao democratizar a informação e permitir a rápida disseminação de opiniões, pode também facilitar a prática de tais crimes. A partir dessa premissa, a pesquisa tem como finalidade compreender o ponto de equilíbrio entre a livre manifestação de pensamento e a proteção da honra, bem como, os mecanismos repressivos disponíveis para erradicar os crimes frutos do conflito desses direitos a partir da análise das normas legais, doutrinas e decisões judiciais. O método utilizado é o dedutivo, com base em revisão bibliográfica e análise de casos concretos.
Palavras-chave: Crimes contra a honra. Liberdade de Expressão. Direito à honra. Ambiente Virtual.
ABSTRACT
The main objective of this article is to analyze the practice of crimes against honor, such as slander, defamation and libel, by studying the limits of freedom of expression in the virtual environment and its relationship with the right to honor, examining how the Internet, by democratizing information and allowing the rapid dissemination of opinions, can also facilitate the practice of such crimes. Based on this premise, the research aims to understand the balance between the free expression of thought and the protection of honor, as well as the repressive mechanisms available to eradicate crimes resulting from the conflict of these rights, based on an analysis of legal norms, doctrines and court decisions. The method used is deductive, based on a literature review and analysis of specific cases.
Keywords: Crimes against honor. Freedom of Expression. Right to honor. Virtual environment.
1 INTRODUÇÃO
Em 2019, cerca de 82,7% dos domicílios no Brasil tinham acesso à internet, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. As redes sociais tornaram-se uma das principais ferramentas de comunicação, com o aumento da conectividade devido às inovações tecnológicas. Em 2022, 161,6milhões de brasileiros com 10 anos ou mais utilizaram a internet, de acordo com dados da PNAD Contínua TIC. (IBGE, 2023).
O rápido avanço da tecnologia, especialmente a expansão da internet, transformou a sociedade contemporânea, com mais pessoas utilizando a rede para diversas atividades. Como observado anteriormente, a cada dia mais pessoas utilizam a rede para diversos fins. No entanto, esse aumento na conectividade também trouxe desafios relacionados à proteção de direitos fundamentais, como honra, imagem e privacidade, que podem ser vulneráveis a abusos no ambiente virtual.
O aumento dos crimes contra a honra é agravado pelo uso da livre expressão para encobrir condutas ilícitas, especialmente online, devido à rápida disseminação de informações. A ausência de fronteiras físicas e a relativa falta de legislação específica para o ambiente digital dificulta a responsabilização dos infratores.
Nesse contexto, verifica-se que a Internet frequentemente se apresenta como uma ameaça a diversas liberdades democráticas garantidas pela Constituição Federativa. Isso ocorre devido à lacuna normativa existente, que não especificou de forma detalhada as punições para ilícitos virtuais que ultrapassam os limites da liberdade de expressão, causando danos diretos aos direitos da personalidade protegidos pela Constituição, como a honra.
As condutas que violam a honra no ambiente virtual, ocorrem de forma recorrente e deliberada, com a intenção de ofender ou hostilizar uma pessoa específica. Nesse cenário Guilherme de Souza Nucci (2019) exprime:
Novos caminhos, advindos da moderna tecnologia, criam outros veículos para se externar uma ofensa. Torna-se mais fácil identificar uma ofensa à honra por intermédio de um e-mail dirigido de determinada pessoa a outra. No entanto, o problema torna-se mais complexo nas redes sociais, não se podendo descartar qualquer crime contra a honra cometido dessa maneira. Em sites como o Facebook, muitas pessoas soltam a língua para falar de tudo e de todos, por vezes com palavras de baixo calão e transmitindo fatos falsos e degradantes a respeito de alguém determinado. É perfeitamente possível configurar um crime contra a honra num post do Facebook ou qualquer outro ambiente virtual similar, inclusive por meio de mensagens curtas postadas no Twitter.
Este artigo busca analisar os crimes contra a honra praticados em ambiente virtual, os limites impostos à liberdade de expressão para coibir tais práticas e identificar lacunas legislativas que ainda precisam ser preenchidas para uma proteção mais eficaz. Para alcançar os objetivos propostos, a pesquisa adota uma abordagem dedutiva, com base em análise da legislação brasileira, doutrina e jurisprudência sobre o tema.
Por fim, cabe ressaltar que, ao tratar do direito à honra e dos limites da liberdade de expressão, o presente estudo não pretende esgotar o tema, dada a complexidade e a dinamicidade inerentes a esses valores na sociedade moderna. No entanto, o aprofundamento desse debate é imprescindível, pois o direito a honra é constantemente ameaçado nas redes sociais e demais meios de comunicação online.
2 CONCEITO E O DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão é um direito fundamental e essencial em uma sociedade democrática, permitindo que os cidadãos manifestem suas opiniões, ideias e pensamentos sem medo de repressão ou censura. Garantida pela Constituição de 1988, nos artigos 5° e 220, essa liberdade é protegida como um direito fundamental. Conforme o artigo 5°, destacam-se os seguintes dispositivos:
Art. 5°. (…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
O artigo 220 reforça esses princípios ao dispor que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”, vedando, ainda, qualquer censura política, ideológica ou artística. O arcabouço constitucional evidencia a proteção robusta oferecida à liberdade de expressão, configurando-a como um direito basilar, não apenas no Brasil, mas em tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (art. 13), conforme destacado por Teixeira (2016).
A Revolução Francesa de 1789 foi o grande marco para a história da liberdade de expressão, quando a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão reconheceu formalmente esse direito. O artigo 11 da declaração afirma: “A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos dessa liberdade nos termos previstos na lei” (Branco, 2014). Este marco histórico inspirou uma série de documentos posteriores, estabelecendo um alicerce para o desenvolvimento de sociedades livres e plurais.
O filósofo Voltaire, em célebre expressão, sintetizou o espírito desse direito: “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres.” Esse pensamento destaca a importância da coexistência de ideias diferentes, essencial para uma sociedade democrática, onde a liberdade de expressão não depende do consenso ou simpatia por opiniões alheias. Nesse sentido, Thalyta dos Santos (2016) aponta que “a liberdade de expressão se traduz em característica essencial da vida em sociedade, já que o ser humano necessita interagir e trocar ideias com seus pares.”
Contudo, é imperativo questionar até que ponto o exercício da liberdade de expressão deve ser limitado. Embora sua proteção seja indispensável para a emancipação individual e social, ela não pode se sobrepor irrestritamente a outros direitos fundamentais.
3 CRIME DIGITAL
O Direito Digital surge para regulamentar questões do ambiente virtual que o direito tradicional não abrange de forma eficaz. Embora a internet seja um espaço de liberdade, precisa ser regulada para proteger direitos e punir condutas ilícitas, equilibrando a liberdade de expressão com a segurança e privacidade dos usuários.
Analogamente, Patrícia Peck Pinheiro (2013) explica que existem três razões para o aumento no número de crimes digitais:
1) Crescimento dos usuários de Internet e demais meios eletrônicos […] principalmente junto à baixa renda (classes C e D) e que se tornam vítimas fáceis, pois ainda não possuem cultura de uso mais seguro. 2) Quanto mais pessoas no meio digital, os bandidos profissionais (quadrilhas) também migram, e então há maior ocorrência de incidentes. 3) Falta de conscientização em segurança da informação, a maior parte das pessoas acham que nunca vai ocorrer com ela, empresta a senha, deixa o computador aberto e ligado, não se preocupa em usar as ferramentas de modo mais diligente, isso somado com uma dose de inocência potencializa as ocorrências.
O Direito Penal enfrenta diversos desafios para se adaptar a essa nova realidade. Vejamos:
O Direito em si não consegue acompanhar o frenético avanço proporcionado pelas novas tecnologias, em especial a Internet, e é justamente neste ambiente livre e totalmente sem fronteiras que se desenvolveu uma nova modalidade de crimes, uma criminalidade virtual, desenvolvida por agentes que se aproveitam da possibilidade de anonimato e da ausência de regras na rede mundial de computadores. (Pinheiro, 2009 apud Dullius, 2012).
Nesse contexto, os crimes cibernéticos, também denominados crimes digitais ou de informática, “[…] são aqueles que podem ser praticados da forma tradicional ou por intermédio de computadores, ou seja, o computador é apenas um meio para a prática do crime, que também poderia ser cometido sem o uso dele (Wendt, 2013).
De modo geral, a maioria dos crimes que ocorrem na Internet são delitos já conhecidos. Em regra, não há a criação de novos tipos penais, apenas uma modificação no modus operandi.
No artigo 5°, inciso IV, da CRFB/88, percebe-se que o anonimato no exercício da livre manifestação do pensamento trata-se de uma vedação constitucional, mesmo no ambiente digital.
Com isso, os desafios relacionados à identificação dos autores de ilícitos virtuais acabam fomentando, de maneira indireta, a percepção de que o anonimato seria absoluto e irrestrito. Ressalta-se que, devido à ausência física do agente, a atribuição objetiva de responsabilidade ao autor do crime torna-se significativamente mais complexa.
Dando seguimento, os crimes cibernéticos, segundo a doutrina brasileira predominante, são classificados como delitos de natureza formal, pois se consomem no momento da prática da conduta ilícita, independentemente de um resultado naturalístico. Adicionalmente, segundo a concepção de Reginaldo César Pinheiro (2001):
O crime virtual puro seria toda e qualquer conduta ilícita que tenha por objetivo exclusivo o sistema de computador, o equipamento e seus componentes, inclusive dados sistemas. Crime virtual misto seria aquele em que o uso da internet é condição sine qua non para a efetivação da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso do informático (…) Por derradeiro, crime virtual comum seria utilizar a internet apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado pela lei penal. Assim, a Rede Mundial de Computadores acaba por ser apenas mais um meio para a realização de uma conduta delituosa.
Exemplificando de outra maneira, um insulto ou calúnia em um aplicativo de mensagens é um crime virtual comum, pois a internet é apenas o meio para a ofensa. Já acessar um banco de dados sem autorização para roubar informações caracteriza um crime virtual puro, pois o alvo é o sistema de tecnologia da informação. Um golpe financeiro por meio de um site de compras falso é um crime virtual misto, pois a internet é essencial, mas o bem jurídico violado é o patrimônio da vítima.
A respeito do tempo e lugar dos crimes, com a criação da Internet houve uma considerável transformação, assim como aduz Pinheiro (2013):
Para a sociedade digital, não é mais um acidente geográfico, como um rio, montanha ou baía, que determina a atuação do Estado sobre seus Indivíduos e a responsabilidade pelas consequências dos atos destes. A convergência, seja por Internet, seja apor outro meio, elimina a barreira geográfica e cria um ambiente de relacionamento virtual paralelo no qual todos estão sujeitos aos mesmos efeitos, ações e reações. É importante ressaltar, por último, que essa discussão sobre territorialidade não se esgota na necessidade de solucionar casos práticos, mas nos faz repensar o próprio conceito de soberania e, consequentemente, a concepção originária do próprio Estado de Direito.
O Código Penal Brasileiro, com base na teoria da ubiquidade, considera o lugar do crime tanto o local da conduta quanto o do resultado, permitindo a aplicação da legislação penal para crimes digitais ocorridos, total ou parcialmente, no território nacional. No entanto, o ciberespaço, por sua natureza sem limites físicos, aliado à globalização e às redes sociais, dificulta a localização e a responsabilização de crimes que frequentemente ultrapassam fronteiras nacionais.
3.1 Lei Carolina Dieckmann
A Lei de Crimes Cibernéticos (Lei nº 12.737/2012), também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, surgiu após a atriz Carolina Dieckmann ter suas fotos íntimas vazadas nas redes sociais. O incidente ocorreu quando seu computador foi invadido e seus arquivos pessoais foram subtraídos, após uma tentativa de chantagem, resultando na divulgação das imagens na internet.
A referida Lei tipifica crimes como invasão de dispositivos informáticos, roubo de informações e outros delitos cometidos no ambiente digital e foi considerada um marco no avanço legislativo sobre o tema.
Ao introduzir a tipificação de crimes informáticos, conhecidos como “crimes cibernéticos”, a Lei Carolina Dieckmann define e penaliza os delitos praticados no ambiente digital, estabelecendo novos tipos penais para enfrentar essas infrações.
Antes de 2012, a invasão de ambientes virtuais e o roubo de dados pessoais eram crimes, mas não havia uma legislação específica para tratá-los, o que era visto como um retrocesso na legislação brasileira.
Logo após a ocorrência do citado caso de grande repercussão nacional, a atriz se deparou com a necessidade de tomar medidas legais, encontrando obstáculos significativos, como aponta o autor Crespo (2011):
A ação judicial promovida por Carolina deparou-se, porém, com um obstáculo jurídico, o mesmo que vem atenuando a punição em casos semelhantes que ocorreram há mais de uma década no Brasil. “Se eu invadisse uma máquina e me valesse de informações confidenciais para ter um proveito financeiro, eu poderia responder por concorrência desleal, por extorsão, mas não pela invasão”. […], por isso, os invasores responderão por crimes que a legislação brasileira já tipifica: furto, extorsão e difamação.
No entanto, devido a sua grande influência de figuras públicas, o Poder Legislativo focou na questão dos crimes virtuais, culminando na sanção da Lei 12.737/2012, que tratou especificamente dos crimes cibernéticos e trouxe alterações em delitos já previstos.
A Lei veio para tutelar o bem jurídico da liberdade individual e o direito ao sigilo profissional e pessoal, trazendo impactos significativos no Direito Penal. O artigo 1º da lei especifica a tipificação criminal dos crimes cibernéticos, enquanto o artigo 2º promoveu alterações no Código Penal, especificamente no Capítulo VI, que trata dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal, e na Seção IV, que aborda os Crimes Contra a Inviolabilidade dos Segredos. Com isso, foram adicionados
os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal, intitulados “invasão de dispositivo informático”, ampliando a legislação para incluir crimes relacionados à informática e à segurança digital.
A referida Lei também alterou os artigos 266 e 298 do Código Penal brasileiro, que abordam questões de segurança no ambiente virtual, estabelecendo punições para o uso indevido de informações e materiais que envolvem a privacidade das pessoas na internet, como fotos e vídeos.
A Lei nº 12.737/2012, embora forneça uma base legal para punir crimes cibernéticos, apresenta lacunas e penas consideradas desproporcionais por alguns especialistas. A falta de detalhes técnicos específicos no texto dificulta sua aplicação efetiva. Além disso, o anonimato dos criminosos torna o enfrentamento desses delitos um desafio constante, o que exige penas mais severas, claras e bem fundamentadas.
3.2 Marco civil da internet/ Lei geral de proteção de dados
O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabeleceu direitos essenciais no ambiente digital, promovendo a diversidade e a liberdade de expressão. Sancionado em 2014, foi reconhecido como uma legislação inovadora e referência internacional, abordando a neutralidade da rede e a proteção da privacidade e dados pessoais. A lei foi pioneira ao tratar da neutralidade da rede e da proteção da privacidade e dos dados pessoais. (Agência Senado, 2024).
A liberdade de expressão é o alicerce do Marco Civil, no entanto, o exercício desse direito pode conflitar com a privacidade. O contrário também é verdadeiro: a proteção da privacidade pode, em alguns casos, acarretar limitações à liberdade de expressão, caso isso envolva censura. (Teixeira, 2016)
O artigo 1° do Marco Civil estabelece que a lei é a base legal para regulamentar o uso da internet no Brasil, com o objetivo de equilibrar a liberdade de expressão, a proteção dos direitos dos usuários e o desenvolvimento da rede.
O artigo 2º, ao dispor que a liberdade de expressão deve ser respeitada, também aborda outros fundamentos essenciais, tais como os direitos humanos e o desenvolvimento da personalidade no meio digital. No entanto, Tarcísio Teixeira observa que:
Pela redação e estrutura do art. 2°, em que a liberdade de expressão está prevista no caput e os demais fundamentos nos incisos, nos parece que o legislador quis elegê-la como um fundamento superior em relação aos outros, o que não necessariamente deve ser tido como uma verdade absoluta. O Marco Civil da Internet deve ser visto e aplicado à luz da Constituição Federal, sob pena de eventual de declaração de inconstitucionalidade (Teixeira, 2016)
Assim, observa-se que, embora a liberdade de expressão seja central, ela não pode ser considerada absoluta em relação a outros direitos fundamentais, devendo sempre ser analisada à luz da Constituição Federal. O artigo 2º prevê:
Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
- – o reconhecimento da escala mundial da rede;
- – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
- – a pluralidade e a diversidade;
- – a abertura e a colaboração;
- – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
- – a finalidade social da rede. (Brasil, 2014)
O Marco Civil, ao eleger a liberdade de expressão como um fundamento, deve se submeter ao ordenamento jurídico brasileiro e à Constituição, que garante um Estado Democrático de Direito, baseado na soberania, na cidadania e no pluralismo político. (Teixeira, 2016)
Com a aprovação do Marco Civil, os usuários da internet passaram a contar com maior proteção quanto aos seus dados pessoais. O uso indevido de informações, que antes era uma preocupação crescente, passou a ser regulado de maneira mais clara, especialmente no artigo 7º, que assegura direitos essenciais relacionados à privacidade, como o consentimento expresso para o uso de dados.
Além disso, um dos principais desafios na regulamentação da internet é equilibrar a liberdade de expressão com a prevenção da censura. O artigo 19 do Marco Civil garante que os provedores de aplicação da internet não podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos gerados por terceiros, a menos que não atendam a uma ordem judicial para remoção do conteúdo infrator. A redação é a seguinte:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (Brasil, 2014)
Nesse contexto, afirma Queiroz (2018):
O Marco Civil, ao proteger irrestritamente a liberdade de expressão, incorre em falha legislativa ao deixar descoberta uma hipótese de eventual violação à própria liberdade de expressão: trata-se da hipótese de o provedor de aplicações retirar, unilateralmente, quaisquer conteúdos que ele próprio julgue ofensivos, de acordo com seus termos de uso e condições. Para esses casos, inexiste qualquer previsão no Marco Civil de responsabilização ao provedor.
A proteção à honra dos usuários no ambiente digital é uma preocupação central, especialmente diante do anonimato que facilita a prática de ilícitos. O artigo 13 do Marco Civil da Internet determina que registros de conexão sejam mantidos sob sigilo por um ano, com acesso condicionado a autorização judicial, salvo exceções envolvendo o Ministério Público ou a autoridade policial. Complementando, o artigo 12 prevê sanções em casos de violação das normas, incluindo advertências, multas, suspensão de atividades e até a proibição de certos atos, sem prejuízo de responsabilidades criminais ou outras previstas em lei.
O Marco Civil foi um avanço, mas insuficiente para garantir a proteção completa dos dados dos usuários. Em resposta, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709, sancionada em 2018, complementou o Marco Civil, estabelecendo normas para o tratamento de dados pessoais e criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para fiscalizar o cumprimento das regras.
Nesse contexto, Rahellen Ramos (2021) aduz que:
É justamente nesse ponto que a LGPD se apresenta como indispensável. Isso porque ao regulamentar os princípios expressos no MCI (Marco Civil da Internet), elenca uma série de regras que devem ser seguidas pelos agentes de tratamento de dados até mesmo no “offline”, como também prevê a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), um órgão responsável exclusivamente para fiscalizar se as operações realizadas com os dados pessoais estão ocorrendo de modo adequado.
A era digital deu à luz a um novo cenário comercial, que demandou o desenvolvimento de mecanismos que garantissem maior segurança jurídica para as informações pessoais que circulam na internet.
Seguindo esse pensamento a autora Patrícia Peck (2020) afirma:
[…] a lei se aplica a todos aqueles que realizam o tratamento de dados pessoais, sejam organizações públicas ou privadas, pessoas físicas ou jurídicas, que realizam qualquer operação de tratamento de danos pessoais, independentemente do meio, que possa envolver pelo menos um dos seguintes elementos:
- Ocorrer em território nacional;
- Que tenha por objetivo a oferta ou fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional;
- Em que os dados tenham sido coletados no território nacional.
A LGPD representou um marco na legislação brasileira, aprimorando a proteção dos usuários no ambiente digital e promovendo o desenvolvimento seguro da sociedade. No entanto, o direito à honra, frequentemente violado por ilícitos virtuais, é tratado de forma vaga, sem um dispositivo legal claro que implemente medidas eficazes para coibir essas infrações. Além disso, não há regulamentação para lidar com possíveis conflitos de direitos.
4 DIREITO FUNDAMENTAL À HONRA: CONCEITO E PROTEÇÃO JURÍDICA NA PERSPECTIVA DO AMBIENTE VIRTUAL
A ideia de honra expressa-se em “probidade; virtude; consideração; bom nome; fama; glória; culto; graça; dignidade; distinção.” (BUENO, Francisco da Silveira, 1956). Essa definição revela a importância social da honra como um elemento essencial da dignidade humana. O renomado Arion Sayão Romita (2015) faz uma distinção importante entre “honra” e “honor”, destacando que enquanto “honor” é uma qualidade intrínseca à pessoa, “honra” depende da percepção da sociedade. Ele explica:
Em que consiste a honra? Ela se distingue do honor, porque este é uma qualidade inerente à pessoa, portanto, independente de opinião pública. De honor deriva honorabilidade, qualidade de honrável, significando o digno de ser honrado. A honra é fruto do honor, isto é, a estima com que a opinião pública recompensa aquela virtude. Herda- se o honor, mas não a honra, porque esta se funda nas ações próprias e no conceito alheio. Honra-se alguém, mas não se lhe dá honor. Uma pessoa ilustre honra com sua presença a casa de um amigo, mas, se este não tiver honor, não fica por isso mais honrado.
Além dessa distinção, os acadêmicos José Ignacio Roquete e José da Fonseca (1949), citados por Romita, complementam essa visão, ao afirmar que a honra tem duas vertentes: a subjetiva, que se refere à percepção interna que o indivíduo tem de si mesmo, e a objetiva, que envolve sua reputação e consideração social. Eles argumentam:
Honra é a boa opinião e fama adquiridas por mérito e virtude. Apresenta duas vertentes: a subjetiva e a objetiva. A primeira é considerada no indivíduo e se reflete no conceito que alguém faz de si próprio. Em sentido objetivo, honra é a reputação, a boa fama, a consideração social com que a pessoa é tratada no meio em que atua. A honra se traduz no sentimento que leva o homem a procurar a boa opinião e fama na estima de seu semelhante, pelo cumprimento de seus deveres e pela prática de boas ações.” (Roquete; Fonseca,1949, apud Romita, 2015)
Pontes de Miranda também aborda essa dualidade, afirmando que: “a dignidade pessoal, o sentimento e consciência de ser digno, mais a estima e consideração moral dos outros, dão conteúdo do que se chama honra” (Miranda, Cavalcanti apud Caldas 1997).
A Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade da honra, conforme disposto no artigo 5º, inciso X:
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (Brasil, 1988).
Carlos Alberto Bittar (1995) enfatiza que a lesão à honra prejudica a autoestima do indivíduo e sua percepção social, destacando a importância de sua proteção, não apenas para satisfação pessoal, mas também para a plena participação na sociedade. A honra, como direito fundamental, exige proteção para garantir o respeito mútuo e a convivência digna. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990), “a honra é o respeito devido a cada um pela comunidade”.
A legislação brasileira protege a honra como um bem imaterial, distinguindo entre honra objetiva, que se refere à reputação social, e honra subjetiva, que está ligada à autoimagem e autoestima. Prado (2008) descreve que a honra objetiva é a reputação no meio social, enquanto a honra subjetiva é o sentimento de dignidade pessoal. A calúnia e a difamação afetam a honra objetiva, enquanto a injúria atinge a honra subjetiva.
Os crimes contra a honra constam no Capítulo V do Código Penal brasileiro em seus artigos 138, 139 e 140, especificando-os como calúnia, difamação e injúria, vejamos:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa […]
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa […]
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Nesse contexto, A calúnia envolve a falsa imputação de um crime, a difamação prejudica a reputação sem a necessidade de um crime, e a injúria ofende a dignidade da pessoa. Damásio de Jesus (2007) explica que a calúnia se caracteriza como:
Constitui crime formal, porque a definição legal descreve o comportamento e o resultado visado pelo sujeito, mas não exige sua produção para que exista crime, não é necessário que o sujeito consiga obter o resultado visado, que é o dano a honra objetiva do agente.
A difamação ocorre quando se atribui a alguém um ato ofensivo que compromete sua reputação perante a sociedade, independentemente de ser verdadeiro ou não, configurando o delito pela mera acusação. Damásio de Jesus (2007) esclarece que a difamação se distingue da calúnia e da injúria da seguinte forma:
Enquanto a calúnia existe imputação de fato definido como crime, na difamação o fato é meramente ofensivo a reputação do ofendido. Além disso, o tipo de calúnia exige elemento normativo da falsidade da imputação, o que é irrelevante no delito da difamação. Enquanto na injúria o fato versa sobre qualidade negativa da vítima, ofendendo-lhe a honra subjetiva, na difamação há ofensa à reputação do ofendido, versando sobre fato a ela ofensivo.
A injúria, por sua vez, refere-se à ofensa à dignidade de uma pessoa, atingindo sua honra subjetiva, independentemente de qualquer repercussão na percepção social de sua imagem.
A Lei 13.964/19, também conhecida como Pacote Anticrime, ao tratar de crimes cometidos em plataformas digitais, estabelece que, caso o crime contra a honra seja praticado ou divulgado nas redes sociais, a pena será triplicada.
Noutro giro, embora todos tenham o direito de se manifestar, devem arcar com as consequências caso suas manifestações sejam preconceituosas ou ilegais. A internet amplia o impacto de palavras, imagens e vídeos, atingindo muitas pessoas, e os tribunais brasileiros têm considerado o alcance e a repercussão online como fatores agravantes em casos de ofensas.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretado que, nos casos de crimes contra a honra cometidos em ambiente virtual, a competência é do local onde se encontra o responsável pela divulgação da notícia, conforme destacado no Informativo de Jurisprudência nº 0434:
COMPETÊNCIA. INTERNET. CRIMES CONTRA HONRA. A Seção entendeu, lastreada em orientação do STF, que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967) não foi recepcionada pela CF/1988. Assim, nos crimes contra a honra, aplicam-se, em princípio, as normas da legislação comum, quais sejam, o art. 138 e seguintes do CP e o art. 69 e seguintes do CPP. Logo, nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional, deve-se fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão, uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem, de acordo com o art. 70 do CPP. Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na Internet, a competência fixa-se em razão do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias, indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários. Precedentes citados do STF: ADPF 130- DF, DJe 6/11/2009; do STJ: CC 29.886-SP, DJ1º/2/2008.CC 106.625-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/5/2010.
Em relação ao caso concreto, é importante destacar o exemplo apresentado por Pinheiro (2009):
Um estudante universitário do interior de Minas Gerais criou uma comunidade com o nome de um colega de faculdade. Aplicou – lhe a foto do mesmo, e com o título “cabeça de alienígena’’. O rapaz, vítima da ridicularização, pediu para que fosse tirado do ar o conteúdo. Devido à recusa do colega, autor da comunidade, o rapaz ajuizou ação judicial. O juiz entendeu que a liberdade de expressão tem seu limite, até onde não gere danos a outra pessoa. Logo, o criador da comunidade foi condenado a pagar uma indenização de aproximadamente três mil reais a vítima da ofensa.
Nesse contexto, o crime de difamação foi agravado pela disseminação em uma comunidade online, atingindo grande público. O Tribunal reforçou que a internet deve ser regulada e que as leis existentes devem ser aplicadas para responsabilizar crimes cometidos na rede.
Em 02 de fevereiro de 2016, o Tribunal de Justiça do Paraná também determinou o pagamento de indenização por danos morais a uma pessoa que publicou uma imagem em redes sociais, prejudicando a honra do autor em razão de sua atuação em cargo público:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA COM BASE NO ART. 46 DA LEI 9.099/95. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO DISPONIBILIZADO EM 16.8.2012. Não importa ausência de motivação, a adoção dos fundamentos da sentença recorrida pela Turma Recursal, em conformidade com o disposto no art. 46 da Lei 9.099/95. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, XXXV, e LV, da Constituição Federal, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. Inexiste violação do artigo 93, IX, da CF/88. O Supremo Tribunal Federal entende que o referido dispositivo constitucional exige que o órgão jurisdicional explicite as razões do seu convencimento, dispensando o exame detalhado de cada argumento suscitado pela parte. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF – ARE: 736290 SP, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 25/06/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG 15-08-2013 PUBLIC 16-08-2013).constitucional exige que o órgão jurisdicional explicite as razões do seu convencimento, dispensando o exame detalhado de cada argumento suscitado pela part (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0026875- 56.2014.8.16.0014/0 – Londrina – Rel.: Aldemar Sternadt – – J. 02.02.2016)
Atualmente, práticas de calúnia, difamação e injúria na internet têm se tornado comuns, transformando desentendimentos antes restritos e com poucas testemunhas em crimes de grande repercussão. Quando publicadas em sites de ampla visualização, as ofensas ganham alcance e gravidade ampliados devido à facilidade de transmissão proporcionada pela internet.
4.2 Colisão de direitos fundamentais: Liberdade de expressão x direito à honra
Os crimes contra a honra no ambiente digital demonstram o limite tênue entre a liberdade de expressão e a violação de direitos personalíssimos, exigindo que o direito constitucional trate a colisão desses direitos de forma equilibrada, sem estabelecer hierarquia entre eles, conforme o princípio da unidade da Constituição.
Nesse contexto, Arion Sayão Romita (2015) observa que “Se o exercício de um direito é limitado quando confrontado com o direito de outrem, cabe cogitar de limitação do direito para que seja determinado o seu alcance material”.
Complementarmente, Barroso (2004) aduz que, “É que os direitos fundamentais entre si não apenas têm o mesmo status jurídico como também ocupam o mesmo patamar axiológico. No caso brasileiro, desfrutam todos da condição de cláusulas pétreas (CF, art. 60, §4º, IV).” Por essa razão, Konrad Hesse (1998) afirma que “cada direito fundamental encontra seu limite principalmente lá onde termina seu alcance material”.
A colisão de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito à honra, é essencial para a preservação do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana. Cabe aos intérpretes do Direito analisar cada caso concreto, buscando harmonizar preceitos constitucionais e impondo limites necessários para proteger outros direitos igualmente relevantes, especialmente no ambiente digital.
Como mencionado anteriormente, o artigo 5º, inciso IV, da CRFB/88 assegura a liberdade de manifestação do pensamento, vedando apenas o anonimato. Contudo, nem todas as manifestações de opinião são permitidas, uma vez que esse direito não possui caráter absoluto. A esse respeito, Daniel Sarmento (2006) discorre:
Sem embargo, a liberdade de expressão não foi concebida na ordem constitucional de 1988 como um direito absoluto. O próprio texto constitucional consagrou direitos fundamentais que lhe impõem restrições e limites, como a indenização por dano moral ou à imagem (art. 5º, inciso V) e a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X).
Além disso, a respeito dos limites que precisam ser aplicados aos direitos fundamentais, Rodrigo Padilha (2020) argumenta:
Os direitos fundamentais não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo para possibilitar a prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro estado democrático de direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela CR, portanto, como já explanado, não são ilimitados, uma vez que encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).
O objetivo é ordenar os bens jurídicos em conflito, promovendo uma “redução proporcional do âmbito de alcance de cada um, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto fundamental como sua finalidade precípua” (Padilha, 2020).
Além disso, Alexy (1998) afirma que, no caso concreto, quando dois princípios possuem equivalência em termos abstratos, “prevalecerá o que tiver maior peso diante das circunstâncias. A tensão entre ambos os princípios não pode ser resolvida com a atribuição de prioridade absoluta de um sobre o outro.”
“A ponderação como parte de um exame de proporcionalidade, porém, é o problema nuclear da dogmática dos direitos fundamentais e a razão principal para a abertura dos catálogos de direitos fundamentais” (Alexy, 1998). Por derradeiro, Barroso (2004) aduz que: “De toda sorte, a ponderação será a técnica empregada pelo aplicador tanto na ausência de parâmetros legislativos de solução como diante deles, para a verificação de sua adequação ao caso.”
No contexto específico do conflito entre a liberdade de expressão e os direitos à honra e à imagem, José Luís Concepción Rodríguez (1996) afirma:
Caso se produza uma colisão entre o direito à honra e à liberdade de expressão, faz-se necessário proceder à ponderação do valor de cada um desses direitos em jogo, segundo as circunstâncias de cada caso, verificando mediante essa ponderação se a intromissão na honra é ou não justificada no exercício da liberdade de expressão.
Por derradeiro, a ministra Nancy Andrighi destaca com expertise, no Resp nº 1650725, que “[…] os usuários são responsáveis principais e imediatos pelas consequências da livre manifestação de seu pensamento, a qual, por não ser ilimitada, sujeita-lhes à possibilidade de serem condenados por abusos que venham a praticar em relação a terceiros.”
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo sobre o direito à honra e os limites da liberdade de expressão no ambiente virtual revela uma problemática contemporânea que exige reflexão aprofundada sobre as dinâmicas da sociedade digital. A Lei 13.964/19, chamada Pacote Anticrime, modificou dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal para enfrentar o aumento dos crimes virtuais. Esse esforço soma-se ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), à Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) e à Lei de Crimes Cibernéticos (Lei Carolina Dieckmann – 12.737/2012), demonstrando a adaptação legislativa às novas demandas do ambiente digital.
Ainda assim, o direito à honra, frequentemente violado por ilícitos virtuais, carece de dispositivos legais claros e eficazes para combater essas violações à identidade das vítimas. A ausência de regulamentação específica para conflitos de direitos no meio virtual contribui para uma aplicação imprecisa das normas existentes.
A Constituição Brasileira estabelece que abusos na liberdade de expressão devem ser regulados para proteger outros valores fundamentais, promovendo uma convivência democrática e inclusiva. A resolução do conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra exige a aplicação da técnica da ponderação, considerando as circunstâncias de cada caso. A correta compreensão do âmbito de proteção de cada direito, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, é indispensável para regular as relações sociais no contexto atual.
Crimes virtuais, especialmente ofensas à honra, são cada vez mais frequentes e devastadores, afetando a moral, a imagem e a autoestima das vítimas. A facilidade de propagação de mensagens e o anonimato das plataformas digitais agravam a situação, dificultando o controle e a responsabilização dos infratores.
O ordenamento jurídico brasileiro precisa evoluir junto com o ambiente digital, estabelecendo normas adequadas para os desafios impostos pelos crimes virtuais. O uso das redes sociais como meio de comunicação requer uma abordagem jurídica mais rigorosa para proteger bens jurídicos e a integridade das pessoas. Embora seja necessário respeitar o princípio da legalidade previsto na Constituição, novas leis que contemplem crimes virtuais de forma clara são indispensáveis para lidar com ofensas e danos decorrentes.
A legislação atual cobre parte dos crimes virtuais, mas precisa ser aprimorada. A criação de delegacias especializadas com profissionais capacitados, voltados para combater delitos digitais, é um passo essencial. A proliferação de crimes contra a honra nas redes sociais transforma disputas locais em casos de grande alcance, demandando uma atuação penal mais eficaz, dado que muitos crimes ainda permanecem impunes.
Dessa forma, sociedade, legisladores e operadores do direito devem agir de forma integrada para coibir excessos da liberdade de expressão online, respeitando os direitos fundamentais e protegendo a honra dos indivíduos. Penas mais severas e mecanismos legais robustos são necessários para evitar a impunidade dos crimes digitais e proteger as vítimas. Um ambiente digital seguro e respeitoso requer um marco regulatório claro e eficaz, que equilibre os direitos de todos.
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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro; E-mail: lorena.cavalcantedearaujo@gmail.com; orcid.