O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DAS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS: UMA PERSPECTIVA BIOÉTICA FUNDADA EM HANS JONAS.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7897169


Cristina Gerhardt Benedetti¹


RESUMO

O desenvolvimento técnico-científico, em especial na área médico-biológica, tem originado diversos questionamentos à humanidade, dadas as recentes descobertas genéticas, que tanto proporcionam o progresso como o medo. Do desenvolvimento tecnológico das ciências biomédicas emergem diversas indagações jurídico-morais que visam estabelecer os limites da compatibilização entre os valores ético-jurídicos e o progresso da Biotecnologia. A par disto, este ensaio procurará investigar os conceitos primordiais encontrados na obra de Hans Jonas, como os avanços na área da biotecnologia podem alterar a nossa percepção enquanto nós mesmos.

Palavras-chave: genética; eugenia; autocompreensão.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento técnico-científico, em especial na área médico-biológica, tem originado diversos questionamentos à humanidade, dadas as recentes descobertas genéticas, que tanto proporcionam o progresso como o medo. Do desenvolvimento tecnológico das ciências biomédicas emergem diversas indagações jurídico-morais que visam estabelecer os limites da compatibilização entre os valores ético-jurídicos e o progresso da Biotecnologia.

Realizado o mapeamento do genoma humano, ecoam dilemas envolvendo manipulação genética, apropriação do patrimônio genético humano, eugenia, entre outros. Neste cenário é necessário se considerar os direitos fundamentais do indivíduo, sendo o direito e a ética os “guardiões” do limiar entre a pesquisa e o abuso técnico.

Indubitavelmente as pesquisas genéticas promovem o reconhecimento de elementos de extrema importância para a prevenção de doenças, porém, o seu uso requer uma maior reflexão no âmbito legal, ético e social.  Contudo, a identificação de conflitos éticos, ou seja, a não observância dos princípios básicos de beneficência, respeito e justiça ao indivíduo, nem sempre é fácil de ser definida e delimitada, e requer o envolvimento no debate de ampla gama de setores da sociedade.

De fato, há um grau máximo de contenção da sociedade politicamente organizada com relação às práticas de pesquisa e seus riscos, sendo que, se as práticas não estão de acordo com o compreendido e aceitado pela sociedade como um todo, a pesquisa infringe mais um princípio ético, qual seja, o princípio da experimentação com a vida humana – que só pode ser feito com consentimento social e sem risco eminente (PONTIN, 2007).

Haveria, neste cenário, um conflito entre a liberdade de pesquisa, que é exercício de liberdade individual (HÖFFE, 2003), e a dignidade da pessoa humana, sendo necessária uma intervenção que o dirimisse, sem bloquear por completo as investigações científicas nem possibilitar o seu abuso em nome do “interesse científico”. Há de se indagar a relação entre os direitos de investigação, o direito de privacidade e o resultado da intervenção, para, sem rechaçar as pesquisas genéticas, questionar o valor ético dos seus desenvolvimentos e aplicações.

A questão assenta no atual vazio moral das novas formas de pesquisa genética e na “resistência afetiva e racional” à modificação da espécie (HABERMAS, 2004). A responsabilidade é um “dever de poder” relativo ao futuro – ou, o direito das gerações futuras (JONAS, 1993). Ou seja, a ética deve ser pensada do presente para o futuro, para que sejam evitados novos problemas, ou não sejam maximizados os já existentes.

Mesmo que se tragam as especificidades da biologia molecular para dentro de seus limites, isto é, não atribuindo ao DNA o papel de determinante que às vezes se lhe confere, há de se considerar que se trata de um conjunto de informações extremamente importante para a previsão de múltiplas situações vinculadas à saúde (GATTÁS, 2011). Assim, suscitam-se múltiplos dilemas éticos inerentes não apenas ao fato de se empreender um estudo desse tipo em voluntários, ou referentes à utilização por terceiros dos dados obtidos.

Desta forma, a fim de melhor compreender as implicações da manipulação e utilização de materiais e dados genéticos, há de se realizar uma abordagem transdisciplinar feita por meio da perspectiva Bioética e de sua interconexão com o Direito. Deste modo torna-se imprescindível a presença da reflexão ética, com base no Princípio da Responsabilidade, em conjunto com a avaliação jurídica no plano da responsabilidade civil.

Para tanto, este ensaio guiar-se-á pelo imperativo ético proposto por Hans Jonas. Este novo imperativo, construído a partir do resgate da metafísica, busca o estabelecimento de uma ética pela sobrevivência humana no futuro: “Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica” (JONAS, 2006). A ética proposta por Jonas implica em um limite da pesquisa na possibilidade de consentimento, onde benefícios para outros não podem ser presumidos. O advento de um princípio responsabilidade para esta geração implica no compromisso de manter a integralidade da espécie para as novas gerações, com isto, a alteração do patrimônio genético humano de forma deliberada para constituição de seres humanos que surgem de uma forma tal resulta em um problema tanto de ordem normativa (já que não existe um consentimento prévio daquele que é tomado como potencial beneficiário de um procedimento) quanto de ordem ontológica (no momento que a forma como este indivíduo surge no mundo é diferenciada, e dotada de elementos necessários inseridos artificialmente na constituição biológica) (PONTIN, 2007).

Este ensaio abordará a proposta de Jonas a partir de uma análise do papel do bios na construção de uma ética da responsabilidade, para, a partir disto, avaliar como esta ética da responsabilidade vai se colocar diante dos problemas da técnica médica atual, sendo toda a questão é permeada pelo tema da eugenia, e suas possíveis implicações para as gerações futuras.

1. IMPLICAÇÕES DECORRENTES DOS AVANÇOS DO CONHECIMENTO GENÉTICO: ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS.

1.1 A “GENETIZAÇÃO DA VIDA”

Acredita-se que para melhor descrever alguns das implicações decorrentes do desenvolvimento do conhecimento na área da Genética é necessário apontar o ponto de convergência das inquietações. Qual seja? A redução do “ser humano à sua dimensão exclusivamente biológica, ou, até mesmo à sua expressão genética” (SIQUEIRA: 2003, 266) ignorando a complexidade da natureza e do comportamento humano.

A “genetização da vida” e da medicina é vivenciada cada vez mais em nossas sociedades, acarretando no surgimento de uma nova categorização social. “Com o conhecimento do destino genético (que não é necessariamente o destino da pessoa, pois este sofre a influência do ambiente de desenvolvimento), será mais freqüente uma nova categoria de doentes: os ‘sadios doentes’” (STEPKE : 2003, 133). Isto é, poderá ser estabelecida uma nova categoria social abarcando pessoas que apenas tem uma probabilidade de desenvolver uma doença de origem genética.

Assim, a partir de uma probabilidade, pois “o diagnóstico de uma doença genética não significa a confirmação de seu desenvolvimento”, dependendo, em sua maioria, de muitos fatores, estabelerce-á uma categoria virtual, a do “enfermo são” ou a do “doentes sadios”, “uma nova categoria, nova e irreal, porque não estão enfermos” (SANTOS: 2001, 323)

Tom Wilkie analisa a questão, da seguinte maneira:

Outra possível conseqüência do Projeto Genoma Humano decorre não de alguma possível descoberta, mas da própria existência do projeto. Poderemos desenvolver uma visão cada vez mais “atomística” dos seres humanos e mesmo da própria vida. Sob o impacto de um número crescente de descobertas sobre a genética humana, podemos passar a definir a nós mesmos e às nossas vidas em termos reducionistas – reduzindo nossas vidas a seus componentes supostamente fundamentais –, deixando assim de olhar as coisas holisticamente, deixando de perceber a complexidade e a riqueza da vida em seu todo (WILKIE: 1994, 195).

As possíveis conseqüências desta “genetização da vida” são imensas: será reafirmada a pretensão do determinismo genético? A eugenia conseguirá se firmar cientificamente? Quais serão os limites do conhecimento genético? Estas questões são extremamente relevantes para uma maior reflexão acerca do futuro das relações de trabalho. Não há como supor que o mercado de trabalho não sentirá os reflexos da genetização da vida. Depois da automação dos processos de produção, é possível imaginar que o mercado absorverá tão somente, ou ao menos principalmente, aqueles trabalhadores sem predisposição genética para doenças incuráveis ou de difícil tratamento, assim como, aqueles trabalhadores com resistência genética a determinados agentes nocivos.

Muitas outras são as questões advindas do desenvolvimento da Engenharia Genética, em especial as relacionadas ao uso da informação genética:

Quem deve regular a produção de testes genéticos, a sua qualidade e o seu acesso à população? Quem deve ser responsável pela interpretação dos resultados e pelo aconselhamento genético? Quando oferecer testes? Quem vai controlar a confidencialidade dos resultados? Empregadores e companhias de seguro-saúde terão acesso às informações? Quem vai controlar os aspectos éticos? Podemos impedir que prevaleçam os interesses comerciais? Como podemos nos preparar para lidar com esta avalanche de novos conhecimentos e perspectivas que estão sendo gerados pelo projeto Genoma Humano? ( ZATZ: 2002).

Assim, há de se buscar um ponto de equilíbrio entre o “endeusamento” do conhecimento genético e a sua “demonização”, pois o conhecimento pode ser neutro, mas a sua utilização pode ser redirecionada para interesses escusos.

1.2 O LADO OBSUCRO DO CONHECIMENTO GENÉTICO: O DETERMINISMO GENÉTICO, A EUGENIA E O DIREITO.

A idéia primeira do conhecimento genético refere que “o DNA faz o RNA, o RNA faz as proteínas e as proteínas fazem a gente” (CAPRA: 2002, 179), o que indica que os genes determinam o comportamento do indivíduo. Ou seja, o ser humano é reduzido ao seu aspecto genético, isto é, as suas informações/características genéticas.

Esta acepção é conhecida como determinismo genético e indica que quando se conhecer exatamente a sequência de bases genéticas do DNA se saberá como os genes causam diversas doenças, o comportamento violento, a inteligência, etc.

Comportamentos tidos como “anti-sociais” serão imputados às características genéticas, dentre eles, o homossexualismo, o alcoolismo, a assim chamada índole criminosa ou violenta, entre outras. De outro lado, comportamentos desejáveis ou favoráveis, por assim dizer, também serão atribuídos às características genéticas, dentre elas, e, em especial, a inteligência. Vê-se, pois, que o determinismo “induz ao abandono de uma leitura unitária do ser humano e impõe ao intérprete uma visão cindida e despersonalizada do homem” (SANTOS: 2001, 321), reduzindo-o apenas às suas características biológicas.

Ademais, verifica-se que a distância entre as idéias do determinismo genético e da eugenia é extremamente curta, senão inexistente, como se constatou ao longo da história. A consequência “lógica” é que tais idéias deterministas acarretem na busca pelo aperfeiçoamento genético da raça humana, ou seja, pela afirmação da doutrina eugênica.

“A eugenia está baseada na ciência que investiga os métodos pelos quais a composição genética dos seres humanos pode ser aperfeiçoada.” O termo eugênico – bem nascido – foi cunhado por Francis Galton, que é considerado o pai da pesquisa moderna para melhorar a raça humana (VARGA: 1990, 77).

Em seu clássico livro “Gênio Hereditário: uma pesquisa a respeito de suas leis e consequências” (1869), Francis Galton e seus seguidores “afirmaram que a seleção natural não se realiza mais nos seres humanos, porque as instituições de caridade e os governos protegem os fracos, os doentes, os incapazes que sobrevivem para propagar a sua espécie.” Para o autor, tal circunstância acarreta na decadência da raça humana, razão pela qual difundiu a necessidade de que tal declínio fosse interrompido, “impedindo a propagação dos degenerados, dos fracos mentais, dos alcoólatras, dos criminosos, isto é, de todos os elementos indesejados na sociedade” (VARGA: 1990, 77).

A justificativa do pensamento eugênico se funda na proteção da espécie humana (ou sua sobrevivência) e na melhora das condições sociais do ser humano e da coletividade. Assim, a Eugenia, pode distinguir-se em duas espécies, de acordo com o objetivo que se propõe: a eugenia negativa e a positiva.

A eugenia negativa procura extirpar os defeitos genéticos, através da esterilização ou recolhimento dos defeituosos em instituições fechadas, impedindo a transmissão de defeitos genéticos. Como bem destaca Varga, no início do movimento foi proposta a esterilização forçada, porém eugenicistas modernos são a favor da informação e da persuasão (VARGA: 1990, 78). Isto é, aplicam-se meios de “seleção genética, através da qual as pessoas podem descobrir se são portadores de genes defeituosos, permitindo-lhes decidir a se absterem de procriar, para impedir o nascimento de filhos defeituosos” (VARGA: 1990, 78).

Já a eugenia positiva busca a reprodução de “pessoas sadias” ou de “qualidade superior” e ainda a criação de “traços desejáveis”. A eugenia positiva pode ser atingida pelo encorajamento da reprodução entre seres humanos “superiores”, através dos métodos de reprodução artificial, através de manipulações genéticas sem fins terapêuticos ou até mesmo através da clonagem de seres humanos (VARGA: 1990, 78). 

Analisando a expansão do uso dos testes genéticos e, conseqüentemente, das informações deles advindas, pode-se prever, pois, a sua utilização com claro intuito eugênico e discriminatório.

 No entanto, a ciência comprova que tais idéias eugênicas são infundadas. O determinismo genético ignora a influência marcante do ambiente na determinação do fenótipo, ou seja, na aparência, na estrutura do indivíduo em um determinado momento. Isto é, as características do indivíduo não são somente afetadas pelo genótipo, mas sim é conseqüência da interação entre o genótipo e o meio ambiente. 

As idéias apregoadas pelo determinismo genético ou biológico não passam de considerações sem qualquer respaldo científico, sendo muitas vezes usadas como “uma lamentável tendência de mobilizar as forças da biologia a serviço da ordem vigente” (WILKIE: 1994, 203,204). 

Neste sentido Eliane S. Azevedo ensina:

Tanto para qualquer característica como para doenças, os genes agem em complexa interação com o ambiente. Em outras palavras, não existe determinismo genético. Até mesmo nas doenças primariamente dependentes da presença de genes, estes são necessários, mas não suficientes para causá-las. A genética clássica apresenta dois fenômenos fundamentais na relação entre genes e seus efeitos: “penetrância” e “expressividade”. Ser portador de um gene relacionado à determinada doença não significa a certeza de vir a tê-la: o gene pode jamais se manifestar, isto é, não apresenta “penetrância”. E, em se manifestando, poderá fazê-lo com intensidade ou “expressividade” variável (AZEVEDO: 2003, 223, 230).

Ademias há de se aduzir um aspecto muito bem ressaltado por Tom Wilkie, que destaca que “biologicamente, a espécie humana se beneficia da diversidade, em parte em razão do que é por vezes chamado de ‘vigor híbrido’, mas, sobretudo porque a diversidade representa um valioso fundo de genes a que se pode recorrer quando, por exemplo, surge uma nova doença.” (WILKIE: 1994, 2008). 

E continua:

numa visão demasiado estreita, a genética, tal como aplicada aos seres humanos, parece enfatizar as diferenças entre os membros de  uma sociedade humana. Em termos biológicos, porém, essas diferenças são vantajosas para a sobrevivência geral da espécie, pois a seleção natural não atua apenas para assegurar a sobrevivência dos indivíduos mais aptos numa população. Herbert Spencer seguiu a trilha errada ao cunhar sua frase sobre a ‘sobrevivência dos mais aptos’, e os darwinistas sociais estavam errados não só em sua política como também em sua biologia. É necessário considerar as implicações da genética para a população como um todo, e não apenas para os indivíduos dentro dela. A evolução promove  um equilíbrio entre a aptidão imediata e a flexibilidade genética a prazo mais longo. A seleção natural, combinada com os padrões mendelianos de hereditariedade, tende a manter certo grau de flexibilidade genética nas grandes populações – há uma concentração em torno da média, mas os extremos de variação raramente se perdem. Essa tendência a conservar a diversidade fornece a matéria-prima sobre a qual a seleção natural pode operar, e constitui uma fonte mais importante de variação do que as mutações benéficas, relativamente escassas, que podem ocorrer aleatoriamente nos genes. Se o meio ambiente mudar – se surgir uma nova doença –, a seleção natural empurrará a média numa direção ligeiramente diferente, pois os indivíduos que por acaso tiverem uma resistência um pouco maior ou total à doença tenderão a ter mais chances de sobrevida e de procriação. Para o geneticista, a diversidade dentro de nossa espécie é algo a ser valorizado. (WILKIE: 1994, 2008). 

Assim, o que alguns consideram motivo para discriminação – a variedade genética da espécie humana – para a sociedade como um todo, em especial para as futuras gerações, é de extrema relevância, carecendo, no entanto, de uma maior reflexão no campo ético.

2. UM ETHOS PARA O BIOS.

Na obra “O Princípio Responsabilidade” Hans Jonas trabalha com a hipótese de não existem respostas nos sistemas éticos até agora existentes, para as questões advindas com as novas tecnologias fazendo-se necessário a elaboração de um modelo que vislumbre para além do presente, que seja capaz de contemplar gerações futuras.

A fim de melhor desenvolver este novo modelo ético, é necessário, primeiramente, “dar-se conta do jogo da técnica, e perceber-se como um participante neste jogo, para depois poder avaliar o quê está em jogo. Assim, os participantes do jogo podem se ver diante de uma situação que não implica apenas eles enquanto participantes e sujeitos a uma técnica, mas também o próprio  bios que sustenta a espécie humana está em jogo nesta partida: é preciso ampliar os interesses dos jogadores para além do presente, trazer o interesse da integridade do bios para as gerações futuras” (PONTIN, 2007).

Solamente sabemos qué está en juego cuando sabemos que está en juego. Puesto que lo que aquí está implicado es  no sólo la suerte del hombre, sino también el concepto que de él poseemos, no sólo su supervivencia física, sino también la integridad de su esencia, la ética – que tiene que custodiar ambas cosas – habrá de ser, transcendiendo la ética de la prudencia, una ética del respeto. (JONAS, 1995:16)

Para Jonas, este respeito transcende a ética da prudência, e é expresso em um conceito de responsabilidade radical. Esta responsabilidade radical, que é o ethos, é a condição de possibilidade para que as novas gerações venham-a-ser, e que habitem, também de forma responsável, o bios. Ou seja, há de se trabalhar com uma ética que possibilite o futuro, que permita que a biosfera continue existindo.

O homem é sujeito criador de mundo, e como tal, é capaz de modificar a natureza, para então criar um mundo próprio, onde ele cria sua vida enquanto vida humana. Esta capacidade exige do homem um agir responsável, onde os seus interesses devem se coadunar com os interesses dos homens futuros, e, mais que dos homens futuros, da própria biosfera. Quando a biosfera é ameaçada pela ação dos homens, ela se torna sujeito portador de direitos próprios, advindo daí, uma clara chamada ao respeito de sua integridade, que passa por uma ampliação do âmbito da doutrina da ação para a doutrina do ser – ou, em termos mais claros, da ética, para a metafísica (JONAS, 1995:35).

“A ação humana modifica a essência básica da política, de forma que a utilização da técnica na modernidade representa triunfo do homo faber sobre o homo sapiens. Este passar por cima que a técnica protagoniza é uma questão paradoxal para Hans Jonas, uma vez que o domínio que o homo faber tem da técnica causa uma perda do sentido do ser” (PONTIN, 2007:21).

As possibilidades de uso da técnica são extremamente amplas, o que exige “uma nova classe de imperativos” (JONAS, 1995:37); advindo de políticas públicas, estes imperativos devem conduzir a ação moral no momento em que a lógica de produção da técnica sobrepõe o espaço de ação essencial, que é o que constrói o mundo do ser.

Para Jonas, o domínio da natureza pela técnica, é paradoxal, pois, ao dominar a natureza pela técnica, o homem perde o local onde sua cultura se fundamenta, e, com isto, é jogado novamente na natureza – a alteração fundamental é que a técnica substitui a autenticidade, sendo aplicada na própria vida da sociedade (PONTIN, 2007).

Assim, a ética da responsabilidade busca preservar algo da concepção ontológico-metafísica do ser-si-mesmo por meio de um imperativo categórico no sentido kantiano “Age de tal forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica na Terra” (JONAS, 1995:40), sendo que a idéia de vida humana autêntica remete a uma vida humana que pode ser vivida por cada ser humano em seu poder-ser-si-mesmo, isto é, sem que falte no mundo que lhe é dado, os elementos estruturais que eram constitutivos dos seres-humanos anteriores que habitavam este mundo.

Há, pois, uma relação de dever com o futuro, oriunda não de uma relação de reciprocidade, mas sim, de uma espécie de altruísmo biológico:

La exigência de ser comienza com el ser. Pero la ética que nosotros buscamos tiene que ver precisamente com lo que todavia no es, y su principio de responsabilidad habrá de ser independiente tanto de cualquier Idea de um derecho como de la Idea de reciprocidad. (Jonas, 1995:82)

Há um dever para com as gerações futuras que advêm do direito dessas gerações existirem. O fundamento primeiro do Princípio da Responsabilidade é a possibilidade destas futuras gerações terem capacidade de terem deveres e de terem vocações. Nesse cenário, o progresso científico posta-se como uma ameaça ao caráter experiencial da vida humana.

 El imperativo categórico ordena simplemente  que haya  hombres, haciendo hincapié en igual medida en el “que…” y en el “qué” del deber existir. (…) Dado que su principio no es, como en el imperativo kantiano, la autoconcordancia de la razón que se da a sí misma leyes de acción, es decir, no es una idea del  hacer (que da por supuesto que algún hacer se produce), sino la idea consistente en la existencia de su contenido, de unos posibles agentes en general, y que por tanto es una idea ontologica, es decir, una idea del  ser, se desprende que el primer principio de una “ética orientada al futuro” no esta en la ética enguanto doctrina del obrar – a la que pertenecen todos los deberes para con los hombres futuros-, sino en la metafísica en cuanto doctrina del ser, de la que una parte es la idea de hombre. (JONAS, 1995:89)

Há de haver, pois, uma teoria do valor objetiva que imponha uma obrigação para com os homens futuros, esta teoria objetiva é colocada diante do ceticismo niilista que irá colocar a própria necessidade da existência em questão. A partir do surgimento da vida na natureza, é proclamado um determinado fim – qual seja, a vida mesma, enquanto fenômeno natural. Mas, constatar este finalismo não é suficiente, é preciso que tal fim continue sendo produzido, que a vida continue a acontecer na natureza (JONAS, 1995:134-136).

Constrói-se então, uma ligação entre a facticidade da natureza e o valor que pode ser atribuído desta facticidade. Converte-se a axiologia em parte da ontologia, e a busca da ação moral é sempre um bem-em-si relacionado com a realidade do ser. Defender a continuidade da vida é posicionar-se de acordo com a ética da responsabilidade – a vida  orgânica manifesta um interesse na natureza, mas, o ser humano precisa dizer “sim” a esta vida, e este aceitar é uma eleição do si-mesmo como sujeito responsável (PONTIN, 2007:26). O fundamento do ethos é a preservação do bios.

Verificadas as condições de possibilidade da filosofia moral proposta por Jonas, cabe indagar como os avanços na área da biotecnologia podem alterar a nossa percepção enquanto nós mesmos.

2.1 A TÉCNICA MÉDICA E A OBJETIVAÇÃO DA VIDA

Para Jonas, a técnica médica, através de suas múltiplas aplicações, apresenta a transformação do homem em objeto da técnica, em três diferentes campos: (I) a prolongação da vida, (II) o controle de conduta, (III) a manipulação genética. A exploração técnica destes três campos modifica profundamente nossa autocompreensão, e coloca o homo faber, no ápice de seu poder, diante de um domínio tal da técnica que este pode levar ao desaparecimento do homem e de dados antes considerados definitivos sobre a natureza humana (JONAS, 1995:49).

El principio de responsabilidad (1979) prometía una parte aplicada en la que se ilustrara con ejemplos seleccionados el nuevo tipo de cuestiones y obligaciones éticas que la caja de Pandora de la tecnologia nos regala junto con sus dones y, en lo posible, se facilitara la forma da responder correctamente a ellas. Este paso de lo general a lo particular y de la teoría a las proximidades de la práctica es el que se intenta dar en los artículos reunidos aquí. Pretenden por lo tanto empezar con la “casuística”, cuyo inexplorado territorio de la responsabilidad tecnológica exige aún más de lo que la moral y el derecho en general piden en el terreno ya conocido. ¿Desde qué extremo del amplio espectro tecnológico se puede plantear um comienzo así? Sin duda lo mejor será hacerlo desde el más cercano a nosotros, allá donde la técnica tiene directamente por objeto al hombre y donde nuestro conocimiento de nosotros mismos, la idea de nuestro bien y nuestro mal, tiene una responsabilidad directa, es decir: en el ámbito de La biología humana y de la medicina. (JONAS, 1997:11)

Para Jonas, a relação entre a forma e conteúdo de tecnologia se dá de forma dialetica, sendo que a dinâmica formal é o conjunto abstrato de um movimento, e o conteúdo substancial é o resultado da dinâmica formal, ou seja, é quando o movimento abstrato resulta em uma nova tecnologia, pronta para ser utilizada. Todavia, a técnica pré-moderna é encarada como uma virtude, embora busque um fim determinado, sem relevar a idéia de progresso continuado, ou a colocação de um método intencional para sua produção, vê-se nela uma utilização otimizada de ferramentas para a vida, ao passo que a técnica moderna surge como uma iniciativa e um processo contínuo, cuja dinâmica formal e conteúdo substancial se produzem continuamente e visando o progresso da própria técnica – ou seja, a técnica aparece na modernidade como um fim em si mesmo, não um meio para um fim determinado (PONTIN, 2007:27).

(…) el “progreso” no es un adorno de la moderna tecnología ni tampoco una mera opción ofrecida por ella, que podemos ejercer si queremos, sino un impulso inserto en ella misma que, más allá de nuestra voluntad (aunque la mayoría de las veces en alianza con ella), repercute em el automatismo formal de su modus operandi y en su oposición con La sociedad que lo disfruta. “Progreso” no es en este sentido un concepto valorativo, sino puramente descriptivo. (…) Pero aunque no exprese um valor, “progreso” tampoco es aquí una expresión neutral, que podamos sustituir simplemente por “cambio”. Porque forma parte de la naturaleza Del caso, como una ley de la serie, que cada estadio posterior es superior AL precedente conforme a los criterios de la propia técnica. Aquí se da pues um caso de proceso antientrópico (la evolución biológica es otro) en que El movimiento interior de un sistema, entregado a sí mismo y no perturbado desde el exterior conduce como norma a estados siempre “superiores” y no “inferiores” de sí mismo. (JONAS, 1997:19)

O homo faber, ao dispor de técnicas que o permitem alterar substancialmente o seu próprio mundo e sua própria vida, faz da técnica seu próprio destino. Para Jonas,

(…)¿Estamos quizá en el umbral de una tecnología que se basa en los conocimientos biológicos y nos brinda una capacidad de manipulación que tiene al hombre mismo por objeto? Con la aparición de La biología molecular y su comprensión de la programación genética, esto se ha convertido en una posibilidad teórica…y una posibilidad moral, mediante la neutralización metafísica del ser humano. Pero esta neutralización, que sin duda nos permite hacer lo que queramos, nos niega al mismo tiempo La guía para saber qué querer. Dado que la misma teoría de la evolución de La que la genética es una piedra fundamental nos ha privado de una imagen válida del ser humano (porque todo surgió de forma indiferente, por azar y por necesidad), las técnicas fácticas, una vez estén listas, nos encontrarán extrañamente carentes de preparación para su uso responsable. El antiesencialismo de la teoría dominante que solo conoce resultados de facto del azar evolutivo y no esencialidades válidas que les otorguen su sanción, da a nuestro ser una libertad carente de norma. (JONAS, 1997:30)

Segundo Jonas, ainda que tenhamos a liberdade de fazer o que queremos, não temos o ponto de partida que nos dá o quê querer, há, em verdade, uma pobreza de experiência do quê-querer, que é resultado da perda do ponto de partida que dá abertura para o quê – para a apreensão de algo enquanto algo. A neutralização metafísica, portanto, fecha para o ser humano a possibilidade do apreender o sentido do seu querer, ainda que lhe dê a liberdade de vivenciar, esta vivência é uma vivência sem sentido (PONTIN, 2007:29).

Nesse sentido, o autor refere que a metafísica está desafiada pelos avanços da biotecnologia, que expõe os seres humanos a problemas para os quais não preparados. A humanidade está carente de uma norma que possa fazer frente ao desafio da técnica, e, neste sentido, é preciso que o próprio avanço técnico instaure obrigações.

(…) El derecho exclusivo del hombre al respeto humano y la consideración moral se ha roto exactamente con su obtención de un poder casi monopolístico sobre todo el resto de la vida. (…) Porque una vida extrahumana empobrecida, una naturaleza empobrecida, significa también una vida humana empobrecida. Pero, bien entendida, la inclusión de La existencia de la variedad como tal em el bien humano, y por tanto La inclusión de su conservación dentro de las obligaciones del hombre, va más allá del punto de vista orientado a la utilidad y de todo punto de vista antropocéntrico. Esa visión ampliada vincula el bien humano con la causa de la vida en su conjunto, en vez de contraponerlo a ella de manera hostil, y ortiga su próprio derecho a la vida extrahumana. (…) Es el exceso de poder el que impone a los hombres esta obligación; y precisamente contra esse poder – es decir, contra sí mismo – es necesaria su protección. Así ocurre que la técnica, esa obra fríamente pragmática de la astucia humana, sitúa a los hombres en un papel que sólo la religión le había atribuido a veces: el de administrador o guardián de la Creación. En tanto la técnica engrandece su poder hasta el punto en que se vuelve sensiblemente peligrosa para El conjunto de las cosas, extiende la responsabilidad del hombre al futuro de La vida en la tierra, que ahora está expuesta indefensa al abuso de ese poder. (JONAS, 1997:36)

Vê-se que Jonas defende a obrigação de um agir moralmente, um imperativo de não permitir que a humanidade cometa suicídio. Para o autor, os eleitos são determinados por um Deus, mas a partir do poder que a técnica dá aos homens, sendo que esta técnica instaura os homens da mesma responsabilidade radical que outrora era atribuída teologicamente. Há, pois, uma estreita relação entre o progresso técnico e a continuação da humanidade. E, nesse sentido, temer pelo futuro da humanidade é uma obrigação ética decorrente do progresso técnico. Ou seja, em caso de dúvida devemos crer no pior dos prognósticos, e decidir a respeito da validade de determinado procedimento técnico como se este fosse resultar no pior prognóstico possível no futuro.

Contudo, a obstaculização o progresso científico só poderá se dar em prol ao interesse público. Só se pode frear a ação humana quando esta ação não puder ser detida no futuro.

Tenemos que saber que el ser humano debe ser. Elevar esse sentimiento va encontrado a conocimiento sólo será posible mediante um renovado saber de la esencia del hombre y de su posición en el universo, que nos diga lo que se puede admitir en el futuro estado del hombre y lo que hay que evitar a toda costa. Crear bases para un saber asó por encima de lo insondable y dar así a la exigencia de solidaridad humana, y especialmente a la obligación para con el futuro lejano, una autoridad que ninguna consideración pragmático-utilitaria puede darle por sí sola… ésa seria una tarea para la metafísica, caída en el descrédito filosófico, la que también habría que contar entre los valores para el mundo del mañana. (JONAS, 1997:53)

O sacrifício da liberdade, portanto, aparece como um agir moral determinado pela opção pelo homem – pela manutenção de sua forma de vida. Uma vez integrados na comunidade política, os homens são diretamente responsáveis por suas ações dentro desta, a construção do cenário político é feita pelas ações dos homens no aqui e agora, e o agir no aqui e agora determina ainda, o futuro da técnica, há aí, uma autocensura da investigação: ainda que a esfera pública determine o que é permitido e o que não é permitido fazer na esfera de atuação privada de investigação científica, não existe um grau de informação suficiente do grande público das questões científicas ou mesmo do que está em jogo nas investigações técnicas (PONIN, 2007:31).

Há de se fazer, pois, uma autocensura da investigação a fim de se chegar a uma autocompreensão crítica das ciências (JONAS, 1997:57). Não se legitima a pretensa objetividade e neutralidade do saber científico médico contemporâneo, o que há é uma relação entre conhecimento científico e interesse do cientista, que pareia o saber teórico e sua aplicação. O poder-fazer, que é sempre uma ação, coloca em jogo a moralidade, e, no âmbito social onde está situado, responde pelos seus atos.

Nesse sentido, Potin destaca que:

Na medida em que a ciência contemporânea avança, com seu poder de ação, sobre o mundo, desaparece a distinção entre o pensamento e a ação: todo o progresso teórico científico tem, de imediato, uma dimensão prática – ainda que não tenha sido propriamente aplicado. Jonas ilustra o fim desta objetividade ou neutralidade técnica na investigação biomédica com um exemplo que hoje ressoa como uma realidade clínica, mas, quando o livro foi publicado ainda era uma possibilidade teórica: a análise e manipulação de DNA. O autor destaca, já no início de sua abordagem sobre o assunto, que o objetivo da investigação com o material genético é eminentemente prático no seu princípio, qual seja: desenvolver uma capacidade para a fabricação de algo que poderá ser útil para a medicina (JONAS, 1997:72), e que o surgimento de um benefício teórico é de segunda ordem, estando submetido ao êxito prático do experimento. Com isto, Jonas não nega o interesse teórico que permeia a pesquisa, mas aponta que os debates sobre os riscos do experimento sempre estão ligados a benefícios potenciais da pesquisa, que justificam o seguir adiante. Tal deslumbramento com a possibilidade de sintetizar novos organismos através da técnica recombinatória de DNA, demonstra claramente a preocupação do pesquisador com a prática – ou seja, com o que se pode fazer com estes novos organismos criados pela pesquisa, e como eles podem trazer benefícios para diferentes áreas de aplicação. No entanto, a posição do autor é claramente antiutilitária, não é possível, para Jonas, permitir que a pressuposição de benefícios futuros legitimem a pesquisa presente – justamente neste ponto é importante lembrar que a heurística do temor, defendida pelo autor, sustenta que devemos presumir o pior prognóstico possível para a pesquisa corrente, e com base neste pior prognóstico, trazer a discussão sobre a moralidade ou não dos novos procedimentos técnicos para a esfera pública, ou, o que seria ainda mais desejável, uma autocensura da investigação (POTIN, 2007:32).

É por meio da autocensura da investigação que se encontra um equilíbrio entre a autonomia do pesquisador e o uso responsável da técnica científica. O exercício livre da pesquisa científica tem que se basear no bem comum e na causa da humanidade (JONAS, 1997:74) – relevar estes interesses, que permanecem hiposuficientes diante da especificidade do saber científico.

Desta concepção, pode-se indagar até que ponto se pode ampliar o contrato social para permitir a interferência no que é essencial para a compreensão do humano enquanto humano? Existem direitos do interesse público ao interior do corpo humano? Neste sentido, Jonas esclarece que:

El llamado “contrato social” solo legitima exigencias sobre nuestros actos visibles y públicos, no sobre nuestro ser invisible, secreto, oculto incluso a nosotros mismos. (…) A nuestra conducta y a nuestra posesión mundanas se les pueden plantear exigencias del bien común (…) Pero en al límite entre el mundo exterior común, compartido con otros, y El interior más propio de nuestra piel, todo derecho público se detiene. Igual que nadie, ni el Estado ni el prójimo necesitado, tiene derecho a uno de mis riñones; igual que los órganos del yacente en coma irreversible no se pueden requerir legalmente para la salvación de otros, tampoco el interes público o bien común tiene derecho a mi metabolismo, mi circulación, mis secreciones internas, mi actividad neuronal o cualquier otro de mis aconteceres internos. Esto es lo más privado de lo privado, la esfera propia no comunal, inalienable. (…) Existe, como ya hemos hecho notar, uma diferencia entre la aspiración moral a un bien común (como sin duda es toda victoria sobre una enfermedad) y un derecho de la sociedad a este bien y a los medios para su realización. (JONAS, 1997:87)

Vê-se assim, que para o autor o corpo é o limite do contrato. Isto é, pode-se livremente dispor do próprio corpo, pode-se ceder o próprio corpo para pesquisa médica, o investigador na área das biomédicas pode, inclusive, usar o próprio corpo para suas próprias experiências, mas, não se pode exigir o sacrifício do próprio corpo por um bem maior. O sujeito de pesquisa tem o direito de escolher se e por que se sacrificar, devendo esta escolha ser autônoma e informada. Para Jonas, estas exigências limitam o grupo de pessoas passíveis de serem sujeitos de pesquisa – os membros mais esclarecidos da sociedade são os que podem ser utilizados para estas pesquisas, já que são os que podem melhor compreender os riscos do jogo no qual se colocam, no entanto, a chance destes se negarem a participar de uma investigação são muito maiores, o que pode inclusive frear as inovações na área médica. Eis preço que a comunidade científica necessita pagar para a manutenção de uma vida superior em comunidade (JONAS, 1997:93).

(…) Pensemos además que um progreso más lento en la lucha contra la enfermedad no amenaza a la sociedad, por doloroso que pueda ser para aquellos que tienen que lamentar que precisamente su enfermedad no haya sido superada en su momento: pero que la sociedad sí se veria amenazada por la erosión de esos valores morales cuya posible pérdida por un impulso demasiado desconsiderado al progreso científico dejaría sin valor la posesión de sus más deslumbrantes éxitos. Pensemos por último que no puede ser objetivo del progreso erradicar el destino de la mortalidad. Cada uno de nosotros morirá de ésta o aquella enfermedad. Nuestra condición mortal pesa sobre nosotros con su dureza, pero también con su sabiduría, porque sin ella no habría la eternamente nueva promesa de La frescura, originalidad y cielo de la juventud; ninguno de nosotros sentiria. El impulso de contar nuestros días y hacerlos contar. Con todo nuestro esfuerzo por arrancar a la mortalidad lo que podamos, debemos saber llevar su peso con paciencia y dignidad. (JONAS, 1997:98)

Percebe-se que questões éticas até antes não existentes vêm à tona com o controle genético do ser humano, interferindo diretamente no aspecto existencial e natural do homem. O homem passou a ser o objeto da técnica, tornando-se, na sua constituição biológica, sujeito de pesquisa. A constituição biológica do homem pode ser alterada ou selecionada para se adequar a um determinado resultado potencial de um experimento, sendo que este experimento é, via de regra, um fato irreversível e imprevisível. A lógica de experimentação transforma a constituição biológica do ser humano em produto e, como tal, passível de ser descartado ou patenteado. Além disto, atribui ao investigador um poder sobre a natureza biológica e sobre o outro homem que não tem precedentes na sua unilateralidade, pois opta pela constituição de sujeitos futuros, no seu modo de seu viver.

Para Jonas, este poder de decidir o como viver e como morrer, o que é ou não descartável na constituição genética do ser humanos, é o embasamento principal para as questões ligadas à eugenia. No entanto, o autor apresenta uma distinção procedimental entre o caráter conservador, melhorador e criador da técnica biomédica, onde o objetivo criador é próprio da técnica genética (JONAS, 1997:115).

Melhor elucidando este ponto na obra de Jonas, Pontin descreve que:

O controle genético age, portanto, enquanto técnica criadora de uma nova forma de ser humano, a partir de uma certa concepção de melhoramento da espécie- e nisto, ele se distingue da eugenia negativa, que é entendida como um tipo de medicina preventiva (JONAS, 1997:116). No entanto, já na problematização da seleção pré-natal, surge a questão do desejo paterno de obter uma descendência perfeita, e no entendimento do que seria desejado como “perfeito” – seleção pré-natal de gênero, cor de olhos, etc., conforme o desejo dos progenitores, e descarte dos embriões ou fetos que não se adequam as expectativas. Para Jonas, a seleção pré-natal é feita em cima de critérios utilitários que acabam tendo efeitos paradoxais, uma vez que partem de premissas que buscam um bem maior, para resultados que, em longo prazo, tem reflexos negativos. Estes reflexos negativos da seleção pré-natal com base em critérios utilitários são o ponto de partida para a argumentação contra a eugenia positiva – com base em critérios de supostos benefícios futuros ou de desejos por determinadas constituições fenótipicas ou genéticas, não podemos saber dos resultados futuros deste pretenso melhoramento. A eugenia positiva se coloca nos limites de nosso saber, e Jonas desde seu trabalho no Princípio Responsabilidade, não aceita que se jogue às cegas com o futuro da natureza humana (PONTIN, 2007:36, 37).

Para Jonas, a indeterminação do ser humano é uma virtude essencial do ser (JONAS, 1997:119). Toda intervenção consciente no curso da esfera inconsciente da natureza humana a partir de instrumentos biotécnicos (tal qual a eugenia positiva), está desvinculada da necessidade preventiva (como no caso da eugenia negativa), mas liga-se a uma suposta melhoria de vida do homem que se coloca para além da indeterminação a qual ele está sujeito pela sua própria natureza. A eugenia positiva apresenta-se, portanto, como fator restringente das múltiplas possibilidades do ser enquanto ser-indeterminado.

Não há uma maior segurança com a substituição do imprevisto pelo planejado no futuro do ser humano (ou do ser humano em potencial), mas uma perda de sentido de continuidade da natureza na cultura, perda de sentido esta que remete a uma perda de sentido do próprio ser, que não tem mais seu caráter constitutivo de abertura, mas uma vida perfeitamente planejada por um agente externo a sua constituição natural: uma intervenção técnica que vincula de forma contingente seu futuro (PONTIN, 2007:37).

Nesta seara, apenas uma abordagem utilitária do ser humano possibilitaria que se determinasse o quê se quer deste. Não se pode estabelecer um acordo sobre quais são os critérios para uma excelência genética digna de ser reproduzida, tão pouco não parece razoável que uma pessoa decida a partir de seus critérios de excelência, o que é melhor para um ser humano futuro. Não há como se estabelecer qual seria a melhor forma constitutiva das gerações futuras.

Com as técnicas de eugenia e, até mesmo de clonagem, estamos diante de uma seleção genótipos ou fenótipos tidos como excelentes, e da reprodução integral de suas estruturas em novos indivíduos. Cria-se uma nova forma de vida a partir de uma série de intervenções técnicas na estrutura dos genes, determinando previamente características fenótipicas genéricas (cor de olho, altura máxima e mínima, peculiaridades estéticas, etc.) e genéticas específicas (possibilidade de desenvolver determinados tipos de câncer, por exemplo). Para Jonas, os avanços biomédicos podem provocar o surgimento de novos tipos de seres vivos, para os quais a dimensão do destino não está mais sequer dada. A unicidade do ser humano e sua integralidade restariam destruídas, operando-se, assim, uma “ruptura metafísica com a essência normativa do ser humano” (JONAS, 1997:131).

Para Jonas, há uma essência normativa no ser humano, pois deste ser é possível derivar deveres, ou seja, da facticidade do ser humano deriva que o ser humano também deve-ser, e deve permanecer da mesma forma no mundo Quando esta essência se rompe, por uma intervenção externa à esfera indisponível do inesperado, o ser perece de sua autenticidade e abertura, e as condições metafísicas para a compreensão do ser são perdidas, e com isso, uma concepção de liberdade enquanto possibilidade de ser-no-mundo de forma autêntica. 

Assim, pode-se dizer que, ao pesquisador, especialmente na área médica, cabe realizar o trabalho paliativo, e não o de instaurar uma intervenção no próprio existir, no mistério que é a existência.

CONCLUSÃO

As promessas decorrentes do avanço da Revolução Genética são imensas. As mudanças proporcionadas pelo desenvolvimento do Projeto Genoma Humano são profundas, sendo que o conhecimento advindo dos resultados até agora obtidos trazem benefícios incomensuráveis à humanidade.

Os evidentes avanços da Medicina Preditiva, da Terapia Gênica e da industria farmacêutica, entre outros, demonstram que o desenvolvimento da ciência no campo genético é de extrema importância para a busca constante do melhoramento da qualidade de vida dos seres humanos.

Contudo, a informação genética oriunda dos dados genéticos, dados proteômicos e mostras biológicas humanas constitui uma informação que, indo além do conhecimento, desnuda a pessoa humana, porque revela o mais íntimo de sua essência: a constituição genética ou genoma individual sua e de sua família.

Daí resulta que o uso inadequado da informação genética pode gerar perigos e preconceitos diversos, tais como o determinismo genético, discriminação por características genéticas e perda ou diminuição da capacidade de autodeterminação, ante o acesso às esferas de conhecimentos reservados. A informação genética fornece um enorme potencial discriminador àqueles que defendem o determinismo genético, os quais sustentam, em última instância, uma teoria reducionista da natureza humana.

Nesta seara, torna-se imprescindível um questionamento acerca do quanto o saber a respeito da constituição genética do ser humano diz a respeito deste ser. Este questionamento ganha especial relevância, quando o determinismo genético e as questões de eugenia e clonagem são oferecidos como forma de viabilizar a edificação de uma civilização sadia e fortificada.

Desta forma, a partir da perspectiva de Hans Jonas viu-se que a facticidade da existência natural da humanidade, pode derivar imperativos de ação para os sujeitos no mundo. Este imperativo é entendido como um princípio responsabilidade, que resulta na contingência da manutenção do estatuto ontológico do ser humano. Este estatuto ontológico está ligado com a forma de surgimento e prosseguimento do ser no mundo, com a manutenção do inesperado na construção do humano. O elemento externo de manipulação sobre o futuro da espécie através da manipulação genética, para Jonas, representa o grande problema prático do princípio responsabilidade. Para Jonas, a dimensão objetiva do conhecimento científico e a tentativa de atribuição de uma neutralidade ao saber biológico implicam em uma preocupação que exige que seja colocado em prática o princípio da responsabilidade.

Esta preocupação evidencia que a eugenia e a manipulação genética implicam, para o autor, em uma catástrofe ecológica similar ao holocausto nuclear: a destruição física da espécie não é muito diferente da destruição das condições de possibilidade para a autocompreensão humana; Jonas vê na manipulação genética o desencadear de uma gama de eventos previsíveis que resultariam no fim das condições de possibilidade para a autocompreensão do ser.

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¹Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.   Mestra em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.