O DESCASO INSTITUCIONAL E O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA ARTE-EDUCAÇÃO EM MANAUS: UMA ANÁLISE SOB A PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202504241328


Anderson Souza da Cunha
Sofia da Cruz Lima


1. RESUMO          

O ensino da Arte nas escolas públicas de Manaus enfrenta problemas relacionado a estrutura educacional que prejudica seu potencial, como por exemplo, a desvalorização da disciplina, carência   de materiais, além do uso de metodologias ineficazes que reduz a aprendizagem crítica e reflexiva do discente. Através da abordagem qualitativa e bibliográfica, esse artigo tem como base analítica vertigens da arte educação no Brasil – desde o século passado – a fim de reconsiderar os pontos positivos e negativos da forma de execução e/ou aplicação de métodos do ensino de Arte em instituições nas escolas da cidade de Manaus, levando em conta os impactos das políticas educacionais e contradições enfrentadas pelos professores na prática pedagógica. Como alternativa, é proposta a Pedagogia Histórico Crítica (PHC) como uma forma de renovar o ensino artístico nas escolas públicas de Manaus, enfatizando a relação entre Arte, cultura e sociedade. Sendo assim, o estudo chega à conclusão de que, para que a arte educação alcance o seu potencial transformador, é primordial que a educação adote metodologias que considere a realidade social dos alunos, promovendo um ensino crítico e significativo. 

Palavras-chave: Arte-Educação, Educação em Pública Manaus, Pedagogia Histórico-Critica.

2. INTRODUÇÃO

A práxis artística nas escolas públicas de Manaus é inserida em um ambiente desproporcional para sua atuação e, como consequência, perde forças, identidade e visibilidade da disciplina como uma área formadora de conhecimento assim como as demais matérias da grade curricular das escolas. Todavia, é importante considerar a existência de diversos contextos educacionais na cidade e que, algumas escolas proporcionam imersões artísticas para os alunos bem como, a comunidade interna e externa do ambiente escolar. 

Sendo assim, a educação artística encontra-se dividida em dois aspectos distintos. O primeiro baseia-se no poder crítico, reflexivo e imagético dos discentes, já o segundo, envolver desafio que danificam esse potencial, muitas vezes inviabilizando-o.  Os problemas que a arte enfrenta nas escolas públicas de Manaus são fruto da inconsistência de leis educacionais mal planejadas que se contradizem e muitas vezes se anulam ou anulam o ensino. Além disso, a Arte perde o seu propósito quando ensinadas por meio de metodologias antiquadas que desconsidera sua importância na vida acadêmica dos alunos, por exemplo, a abordagem tradicional e tecnicista, esta última implantada na ditadura 

Dessa forma, se for conduzida corretamente é possível aproveitar todo o potencial que o ensino artístico leva às instituições de ensino de Manaus, ou pelo menos grande parte dele. Para isso, é essencial voltar o olhar para o rumo traçado pela arte-educação no último século, e o processo de sistemas de ensino e leis que teve que enfrentar para fazer parte da instituição escolar. Quando se compreende os acertos e erros a partir da realidade da educação artística em Manaus, o docente terá conhecimentos para criar um ambiente próspero para a boa condução da aula de Arte.

Para solidificar pesquisa, a fundamentação teórica terá como base Demerval Saviani com a Pedagogia Histórico Crítica (PHC), 2dessa forma busca-se vincular as características do método didático a realidade em que a arte educação se encontra nesse momento para propor alternativas eficientes para a práxis arte educativa. Ainda, teorias pedagógicas de Ana Mae Barbosa, Fusari e Ferraz complementarão a passagem pela história da arte educação no Brasil.

3. ENSINO DAS ARTES NO SÉCULO XX ATÉ A ATUALIDADE.

Entre a mudança do século XX para o XXI, a arte-educação no Brasil passou por um frescor de reparações que tanto precisava, causadas por grandes manifestações nessa área de ensino. Entre elas está o manifesto dos pioneiros, lutas por reconhecimento e a criação e reformulações das LDBs durante os anos.

Assim sendo, o cenário polarizado que é visto atualmente na cidade de Manaus é resultado de mudanças que foram cruciais para a reestruturação e desenvolvimento da disciplina de Arte no Brasil. No entanto, essas mudanças muitas vezes entram em choque com metodologia ineficazes e antiquadas, como a tradicional e tecnicista, assim como o preconceito do fazer artístico.  

A pedagogia tradicional prevaleceu durante o século XX, influenciando fortemente o ensino brasileiro. Abordagem que é conservada por alguns professores. Contudo, os preceitos dessa metodologia prejudicam a aula de Arte nas escolas. De acordo com Fusari e Ferraz (1999,  p. 30) a arte educação tinha como intenção apenas transmitir conteúdos reprodutivistas, desvinculados da realidade social e diferenças individuais.

Dessa forma, o fazer artístico dentro das salas é um reflexo da educação do século passado. A Arte-educação é reduzida a uma simples cópia de pinturas e desenhos, sem o trabalho da reflexão mais aprofundado. Segundo Almeida (2021, p. 92) o professor é responsável pelo ensino e aprendizagem do discente, este, que é visto como um recipiente que o professor deve depositar a aprendizagem.

 Em contrapartida, na década de 1930 surgiu um movimento denominado de Escola Nova, que nasceu na Europa. Seu enfoque estava no processo de aprendizagem e na subjetividade de cada indivíduo. Assim, aquela visão rígida que trazia consigo a repetição e a cópia que reduzia a valorização da percepção de cada aluno, foi substituída por uma metodologia mais livre e prazerosa.

Essa metodologia foi baseada em ideias de grandes nomes da psicologia como, Hebert Read e John Dewey. Este último contribuiu de forma significativa para a formulação das diretrizes do ensino de arte no Brasil. De acordo com Fernanda Santos (2013):  

O pensamento da Escola Nova tem historicamente colocado John Dewey como o principal responsável por essa forma de pensar numa escola diferenciada da tradicional que possa promover uma aprendizagem significativa, com base numa nova leitura da infância e dos métodos de ensiná-la. Dessa forma, uma educação voltada para os interesses e necessidades do aluno, que contemple suas experiências. (Santos, 2013, p 2).  

Como consequência disso, essa mudança reestruturou o papel do professor e evidenciou o aluno, que passou a ser reconhecido como um sujeito com ideias próprias e objetivos que contribuem para a sociedade à sua maneira. Paralelamente, os professores que adotavam a metodologia tinham um caráter mais aberto para as opiniões dos educandos e procuravam explorar esses conhecimentos.  Segundo Ferraz e Fuzari (2009)

[…] buscaram por conta própria informações e passaram a trabalhar com atividades que motivavam o estudante, seu interesse, e valorizavam sua espontaneidade. Estavam atentos às particularidades de seus alunos, sua individualidade que se somavam às experiências sociais do trabalho coletivo e da inserção na comunidade (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 51).

Em 1932 Fernando de Azevedo cria o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, o qual tinha em sua essência uma exemplificação fiel do que esse movimento representava. De acordo com Azevedo (2010, p.33) na hierarquia dos problemas nacionais, nenhuma tem mais importância que o da educação. É impossível desenvolver as forças econômicas e de produção sem o preparo das forças culturais, das aptidões da invenção e iniciativa.  

Essa pedagogia deixou a sua marca no modo de ensinar, uma vez que propiciou um caminho aos professores que era diferente do ensino tradicional, propagado por mais de um século. Esse legado transformou o ensino da Arte, mesmo que não mudando completamente, trouxe uma alternância entre a educação tradicional e a valorização da sensibilidade individual.

Por mais que a metodologia escolanovista2 possuísse boas ideias, foi deixada de lado durante um período, em razão da supressão das manifestações opostas a ela. Além do mais, também foi prejudicada pela constituição de 1937, que restringiu a educação livre, e principalmente a ditadura militar em 1964, que evidenciou a pedagogia tecnicista, o qual possuía ideias oposta da Escola Nova. De acordo com Zagonel (2008, p. 52) a valorização da livre expressão e espontaneidade da criança no ensino de arte só voltou a ganhar força novamente com o fim do regime de ditatorial, que havia proibido a livre expressão do cidadão. 

Além disso, o mau entendimento dos preceitos dos escolanovistas contribuiu para o seu desgaste, o qual deixava livre demais a subjetividade e perdia os conhecimentos teóricos da arte. Zagonel (2008, p. 52) comentou que “a criatividade é tão propagada e, na maioria das vezes, mal compreendida que chega a banalização, levando ao enfraquecimento de sua própria importância”. Esse fato, misturado com as ideias pedagógicas elencadas ao capitalismo que emergia, quebrava ainda mais cenário escolar daquele período, principalmente na educação pública.

Em 1959 foi feito o manifesto dos educadores, também redigido por Fernando de Azevedo com a participação de diversos educadores. Tal documento tinha como principal intuito a reconstrução do ensino da época, o qual pregava a coexistência entre o ensino público e privado. O manifesto tinha como principais opositores os religiosos e empresários, que defendiam a privatização do ensino. De acordo com Vieira e Farias:

Os signatários, do documento de 1959, postulavam uma educação liberal,  democrática,  voltada  para  o  trabalho  e  o  desenvolvimento econômico; uma educação que buscasse a transformação do homem e de seu espaço social. Defendiam a escola pública, cujas portas, por ser escola  gratuita,  se  franqueavam  a  todos  sem  distinção  de  classes,  de situações, de raças e de crenças. Para esses educadores, esta escola era por  definição,  a  única  que  estava  em  condições  de  se  subtrair  a imposições de qualquer pensamento sectário, político ou religioso. (VIEIRA; FARIAS, 2007, p. 111).

Em vista disso, o Manifesto dos Educadores foi fundamental para a implantação da primeira LDB n° 4.024, em 19613, que foi prolongada por anos no congresso. Esse novo caminho ditava um rumo diferente para a política educacional, assim como reformulava algumas das propostas curriculares da legislação anterior. O ensino de Arte passou a ser conhecida nas escolas como atividade complementar de iniciação artística. Segundo a LDB nº 4.024/61  “ Na organização do ensino do grau médio serão observadas as seguintes normas: IV – Atividades complementares de iniciação”.

Porém, esse não foi o momento em que a Arte-educação se consolidou de forma efetiva com leis significativas, pois ainda prosseguia sem obrigatoriedade na legislação e sem receber devida prioridade dentro das escolas. De acordo com Romanelli (1997, p. 181) “na prática, as escolas acabaram compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que já dispunham, ou seja, continuaram mantendo o mesmo currículo de antes”.

Esse cenário demonstrou que, ainda que a legislação tivesse sido reformulada, seu espaço dentro do currículo escolar era usado somente como complemento, e não uma peça valiosa para a construção da educação.

Como dito anteriormente, a ditadura militar elegeu o ensino tecnicista4 como predominante nas escolas brasileiras. Nessa pedagogia, o conteúdo é expositivo e repetido ano após ano, tendo como objetivo principal preparar o aluno para o mercado de trabalho. As aulas são expositivas e as atividades ocorrem por meio de cópias, colocando em ênfase a confecção de tarefas sem o teor reflexivo de pensar o mundo, como deveria ser o papel da arte nas escolas. Segundo com Fusari e Ferraz:

Na escola de tendência tecnicista, os elementos curriculares essenciais, objetivos, conteúdos, estratégias, técnicas, avaliação, apresentam-se interligados. No entanto, o que está em destaque é a própria organização racional, mecânica, desses elementos curriculares que são explicitados em documentos, tais como os planos de curso e de aulas (Fusari; Ferraz, 1993, p. 37).

Esse tipo de pedagogia acabou anulando a disciplina nas escolas, visto que Arte possui como principal característica a reflexão sobre a realidade e o pensamento crítico. Como consequência disso, as Artes cada vez mais eram sufocadas dentro da sala de aula.

Anos depois, em 1971 houve a segunda reformulação da LDB, na qual, segundo a Lei Federa n° 5.692, no artigo sete (BRASIL, 1971) diz que “será obrigatória à inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus”.

Sendo assim, a educação artística passou a ser um componente obrigatório nas escolas. Tal passo foi importante, já que começou a ter um peso legal nas instituições de ensino, gerando um mínimo reconhecimento e importância. Contudo, não foi reconhecida como uma matéria e sim uma “atividade educativa”; o que gerou muitos problemas no processo de educação. Ainda que tenha sido um grande salto para o ensino artístico, a arte-educação prosseguia sendo esmagada no ambiente escolar, esse fato fica mais visível quando se analisa o Parecer nº 540/77 (Conselho Federal De Educação, 1977): “não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses”.

Durante os anos 80 ocorreu várias discussões entre os arte educadores sobre o lugar das artes nas escolas, gerando um peso sobre a nova constituição que aconteceu em 1988, do qual foi discutida uma nova LDB que somente foi sancionada em 1996. Este ato definiu de forma efetiva o ensino da Arte como matéria obrigatória no currículo escolar. De acordo com a Lei n° 9394 (BRASIL, 1996) estabeleceu que o ensino da Arte constituísse “componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Nesse novo ambiente escolar foi retomada algumas ideias escolanovistas, isto é,  colocou a expressão como um dos expoentes principais da arte educação, em busca de uma consciência mais crítica e com um diálogo aberto entre o professor e aluno. Ainda que essa imagem feita pelas leis não reflita de forma fidedigna o que ocorre nas instituições de ensino em relação a arte-educação, muitos professores se sentem mais livres ao abordar linhas pedagógicas mais leves e que busca uma aprendizagem mais lúdica e menos carrasca, como a que era imposta até então no Brasil.

Em vista disso, o processo histórico da inserção da Arte enquanto matéria obrigatória nas escolas aconteceu de maneira demorada e bagunçada, além disso, ocorreu há um pouco mais de duas décadas. Nesse panorama, ainda está havendo uma organização da forma que ela irá funcionar durante as aulas porque, é válido pontuar a utilização contínua – e ativa- de metodologias antiquadas que corrompem o potencial da matéria. Simultaneamente a isso, a percepção da importância da Arte-educação para o indivíduo ainda está em um processo de reconhecimento, dado que por mais de um século a educação artística foi menosprezada e elencada a uma atividade de lazer ou ao trabalho manual, não sendo vista como importante para a formação individual e social do ser humano. 

4. A DICOTOMIA DO ENSINO DE ARTES NAS ESCOLAS PUBLICAS DE MANAUS.

Os contextos da arte educação na cidade de Manaus refletem realidades contrastantes. Enquanto algumas escolas cumprem sua função educativa e formativa, promovendo a criatividade e o senso crítico dos alunos, a maioria das escolas públicas de Manaus sofrem com problemas como falta de valorização do sistema educacional, até escassez de materiais e infraestrutura apropriada. De acordo com os dados gráficos do Resumo Técnico do Estado do Amazonas (BRASIL, 2021, p. 54) somente 16% das escolas municipais de educação infantil declararam possuir materiais para atividade artística.

Assim sendo, a educação pública pode ser divido em dois polos, de um lado tem todo o potencial crítico e reflexivo que a arte pode proporcionar, e do outro, há todos os desafios que ela precisa enfrentar para conseguir prestar tais atividades com um valor educacional minimamente condizente com o que a educação artística deve levar aos discentes. A título de exemplo, é notável o descaso das instituições de ensino com a disciplina de arte, carga horária reduzida, polivalência do professor e metodologias que reforçam as desigualdades no ambiente escolar. Segundo Saviani:  

A função básica da educação continua sendo interpretada em termos da equalização social. Entretanto, para que a escola cumpra sua função equalizadora é necessário compensar as deficiências cuja persistência acaba sistematicamente por neutralizar a eficácia da ação pedagógica. (SAVIANI, 2008, p. 27)

Ou seja, a escola reforça práticas que evidenciam a desigualdade social e não cumprem sua função que é equilíbrio dessas. Esse caso se manifesta quando educação artística é empurrada para longe das prioridades das instituições de ensino, um exemplo disso é quando educadores são, muitas vezes, limitados para fins decorativos de cartazes em datas específicas. 

Ainda assim, ela se mantém presente dentro das salas de aula, principalmente devido a sua versatilidade diante das várias linguagens que assume para entrar no cotidiano escolar. De acordo com Piaget:

“O desenho é uma das manifestações semióticas, isto é, uma das formas através das quais a função de atribuição da significação se expressa e se constrói. Desenvolve-se concomitantemente às outras manifestações, entre as quais o brinquedo e a linguagem verbal” (PIAGET, 1971 apud PEREIRA, 2010, p.2)

Um dos primeiros contatos da criança com a aprendizagem escolar vem através da linguagem artística. Os desenhos permitem que eles absorvam o mundo de uma forma divertida e didática, ligando a figura de um objeto da natureza com a escrita do seu nome, diferenciando as cores que fazem parte da paleta de seus personagens preferidos, ou mergulhando de forma mais intensa em histórias por meio das figuras dos livros infantis. Assim sendo, a educação artística se mostra como uma peça valiosa desde muito cedo nas escolas. O ser humano está em contato com ela a todo momento, desde o início da alfabetização até o fim do período escolar e de sua vida também.

É esquecido que as Artes estão intrinsicamente ligadas com a cultura do ser humano. Desse modo, possui um poder único no indivíduo, já que ela pode estimular suas capacidades sensoriais, como a visão, audição, olfato, tato e paladar; e consequentemente os fatores psicológicos. Sendo assim, ela pode ser entendida como um agente transformador, dos pensamentos, atos e ideologia do ser humano, ao mesmo tempo em que também é transformada por eles. De acordo com Pillotto (2020, p. 17) Nos territórios da experiência as linguagens/expressões da arte (sonoras, corporais e visuais) possibilitam às crianças a construção de sentidos, assim como a inserção e a interação com o mundo e as pessoas. 

Dessa forma, é possível dizer que o ser humano é construído pelo ambiente que o cerca assim como ele também desempenha um papel ativo na criação e modificação das tradições e culturas. Sendo a Arte uma parte do que se define a cultura, pode-se dizer que também é responsável pela formação de uma pessoa, é a partir do ensino artístico que entramos em contato com todo o tipo de experiências sensoriais que aguçam a nossa percepção, emoção, sensibilidade e reflexão.

Tais características tornam a Arte uma matéria essencial para a formação da criança e do adolescente nas escolas públicas de Manaus, um local onde muitas vezes carece de estimulação do senso crítico e reflexão. O ensino no Brasil passou por todo um processo de amadurecimento durante o século passado, mas ainda se encontra caminhando a passos lentos perante o potencial transformador que a educação artística pode gerar. De acordo com Nájela Ujiie:

A arte é representação do mundo cultural com significado, imaginação; é interpretação, é conhecimento do mundo; é expressão de sentimentos, da energia interna, da efusão que se expressa, que se manifesta, que se simboliza, é fruição. Ao mesmo tempo, é conhecimento elaborado historicamente, que traz consigo uma visão de mundo, um olhar crítico e sensível, implicado de contexto histórico, cultural, político, social e econômico de cada época. (UJIIE, 2013, p. 11).

A partir da arte, o indivíduo pode se aproximar mais da sua humanização e consequentemente da sociedade que o cerca, e é exatamente o que o ensino público necessita no momento. No entanto, o que se observa nas escolas públicas são variantes de pedagogias totalmente desgastadas de qualquer subjetividade ou intenção de formar seres humanos consciente do mundo e de si mesmo. 

Os alunos, por outro lado, inseridos em um ambiente que muitas vezes beira a necessidade de direitos que são considerados simples, mas que ainda assim não tem, veem na escola uma ferramenta de imersão econômica e transformação social para si e sua família. Dessa forma, bastantes discentes seguem as promessas de que ao se concentrarem nas matérias “mais importantes” irão alcançar tais objetivos ao se inserirem no mercado de trabalho. Por meio disso, são obrigados a se livrar da sua subjetividade para se espremerem em um universo escolar totalmente distante da sua realidade, ou então perdem interesse nos conteúdos. Não é prioridade desses tipos de metodologias manter aceso o entusiasmo diante dos assuntos que são passados. De acordo com Saviani (2011, p. 36) captam de modo mecânico e unidirecional a determinação da sociedade sobre a educação. É dissolvida, dentro das escolas, a educação e as diferenças, criando um espaço para os interesses dominantes. 

Nas escolas públicas de bairros periféricos ainda existe um estigma de que a arte é um privilégio da alta sociedade, tornando-se inacessível para grande parte da população. Essa visão é fruto de um sistema educacional histórico, o qual provocava uma divisão entre o ensino classe alta, que dispunham de privilégios e conhecimentos de uma cultura elitizada, e a classe trabalhadora, vista como mão de obra e que não desfrutava de uma cultura valorizada, compreendida apenas como peça para o mercado de trabalho. De acordo com Saviani (2009).

[…] marginalizados são os grupos ou classes dominados. Marginalizados socialmente porque não possuem força material (capital econômico) e marginalizados culturalmente porque não possuem força simbólica (capital cultural). E a educação, longe de ser um fator de superação da marginalidade, constitui um elemento reforçador da mesma. (SAVIANI, 2008, p. 17)

Sendo assim, o descaso com a disciplina de arte na escola é um reflexo de como ela é vista socialmente. A cultura se direciona para apenas uma direção e restringe a pluralidade que existe em Manaus.  Saviani (2011, p 13) comenta que a natureza humana não é dada ao ser humano, mas é por ele produzido sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, a educação produz no indivíduo a humanidade que é produzida histórica e coletivamente. 

As escolas não abrangem os conteúdos para abarcar a diversidade dos alunos e dessa forma perde o foco da natureza do que deveria ensinar. Dessa maneira, a cultura fora das galerias e do espaço da alta classe é observada com olhos revirados. Muitas vezes até as comunidades dos bairros periféricos internalizam esse preconceito e passa reproduzir tais pensamentos. Como foi dito por Rodrigues (2018, p. 270) a escola e o professor desconsideram os saberes culturais dos alunos e cristalizam uma cultura que proporciona a dominação social. Os professores, naturalizam essas relações opressoras na escola.  

O artista é taxado como um mero objeto sem pretexto que explique a sua existência, uma vez que, segundo essa visão histórica, ele não colabora de forma direta para a estrutura da nossa sociedade. As aulas de artes, quando não são diminuídas ou eliminadas, são vistas apenas como um momento de lazer. Dessa forma, qualquer ideia que um professor coloque dentro de aula se torna oca.

A arte educação, quando bem aplicadas, pode quebrar barreiras, permitindo que os alunos reconheçam e valorizem tanto os seus próprios universos culturais como aqueles que estão longe do seu cotidiano. Para que isso ocorra, é preciso que as aulas discutam a cultura elitizada com o mesmo afinco que falam sobre aquelas enraizadas no local, como a arte urbana e a história dos povos indígenas do Amazonas. Porque, independentemente da região, o valor cultural precisa ser ressaltado e adaptado a todas as realidades do país.

No entanto, as políticas educacionais também reverberam essa desvalorização. Antes de 2010, os professores tinham o dever de dar aulas duas horas na semana para uma turma, ou seja, duas aulas. Porém, após a reestruturação curricular para o ensino fundamental a partir da . Em contrapartida, as matérias de história e geografia adquirem um aumento de carga horária, que passam de duas para três horas semanais.    

Diminuir as aulas por semana de artes é um grande exemplo de implementação de lei que não cogitou como essa ação refletiria nas obrigações que são dadas para os professores cumprirem. Como consequência, a implementação impede que a matéria concretize o que é pedido no currículo escolar e coloca os professores em situações que o forçam a dissolver o escopo dos assuntos que teriam que ensinar aos alunos.  Magalhães (2002, p. 164-165) comenta que “faz-se necessário repensar o papel da Arte na educação escolar frente às reformas curriculares advindas da LDB atual (Lei 9.394/96)” 

Essa falta de reflexão arruína o espaço da Arte nas escolas, tendo em vista que é totalmente irreal efetivar uma boa aula para uma turma de trinta alunos em quarenta e cinco minutos.  Durante a aula, o professor sabe que cada minuto são peças importantes que compõe a qualidade do ensino, dos quais são gastos com a chamada de presença, inquietação dos alunos e momentos de escritas no quadro que, juntos ou separados, criam uma barreira para a efetivação do objetivo, que é ensinar o conteúdo da melhor forma possível. Esse problema se agrava quando analisamos a redução da carga horaria do professore sob uma perspectiva mais ampla.  Em momentos dos quais a escola precisa de um tempo vago para realização de um projeto, reuniões ou qualquer assunto considerado importante, eles os colocam no tempo da disciplina de Artes, uma vez que para eles não é tão importante assim. Aulas de Artes ministrada dia de segunda e sexta tendem a sofrer com uma grande escassez de tempo durante um mês em razão de feriados emendados, pontos facultativos, eventos e problemas decorrente do dia a dia que impedem que a aula ocorra. 

Ainda que o professor opte por uma metodologia que viabilize o ensinamento reflexivo e o pensamento crítico, com atividades que explore o imaginário e a criatividade dos discentes, seria necessário que colocasse em prática sua aula em uma estimativa de tempo que durasse por volta de trinta e cinco a quarenta minutos. O que não seria problema se tivesse a opção de voltar para aquela turma na mesma semana, porém, na realidade do ensino público, ele teria que continuar na próxima semana, isso se ele tivesse a oportunidade de encontrar aquela turma de novo, caso contrário teria que esperar outro momento.

Com leis mal ajustadas e misturada com o preconceito do fazer artístico, surgiu uma precarização das Artes nas escolas. Tal ocorrência foi de embate a sua importância ao longo dos anos, transformando o ensino de Artes em um ambiente esquematizado para a confecção de objetos, desenhos ou a costura de esquemas de ensino que converse de forma rasa com o que é proposto, mas sem o trabalho essencial da Arte de reflexão. Problema que mancha a arte educação desde o século passado, como lembra Barbosa: 

A arte serve a instituição escolar para mostrar abertura e ausência de preconceito contra as ciências humanas e contra a criação. Porém, através da quantificação sem qualificação foram eliminados os possíveis efeitos que a arte poderia exercer no despertar de um raciocínio crítico e independente.  (BARBOSA 2008, p. 52)    

Esses fatos ressoam de forma bem expressiva nos alunos, tendo em vista que com muitas semanas sem aulas ocorre um tipo de esvaziamento do assunto. Muitos não se recordam do que foi passado na aula anterior. Além disso, de forma indireta, a falta de espaço da matéria durante semanas causa mais uma impressão errônea de que ela não é importante para eles. As atividades, quando feitas, servem como um mero enfeite no seu caderno. 

Graças a essas adversidades o professor se encontra diante de um impasse. De um lado, ou no papel, ele tem todos esses assuntos que é obrigado a passar para os alunos em um determinado prazo, do outro, na realidade, ele esbarra com todos esses contratempos que causam uma perturbação no seu espaço e período de aula. Dessa forma, o professor passa a selecionar os assuntos que vão ser “aprofundados” na sala.   

Esses problemas somados com os déficits da educação brasileira com materiais simples em muitas escolas públicas para a concretização das aulas, e espaços impróprios para a experimentação e efetivação das linguagens artísticas, criam uma aula fadada ao fracasso. Essa realidade se difere complemente do que a PCN propõe:

Sem uma consciência clara de sua formação e sem uma fundamentação consistente de arte como área do conhecimento com conteúdos específicos, os professores não podem trabalhar. Só é possível fazê-lo a partir de um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica, material adequado para as práticas artísticas e material didático de qualidade para dar suporte às aulas. (BRASIL, 1998, p. 30)

Essas situações ocorrem com frequência nas escolas públicas de Manaus, o professor é obrigado a fazer um afunilamento dos assuntos e atividades que irão aplicar. Sem materiais há uma certa limitação para passar um conteúdo. Muitos recorrem apenas a atividades de desenho ou pintura, já que, são mais formas de ensino artístico mais acessíveis, considerando que em uma escola pública de bairro periférico muitos alunos não têm condições de adquirir materiais muito caros. Em muitos casos os próprios docentes precisam arcar com os custos dos materiais, ou compor os próprios equipamentos de aula com os poucos que a escola tem, como emborrachado, lápis de cor, cola, tesoura e assim por diante. Além do mais, quando não é o suficiente, optam por fazer atividades em grupos para que todos consigam produzir as atividades ou, de certa forma, participar de uma etapa do processo 

Como observa Caregnato (2021, p.46) A escola é superlotada, sem condições estruturais adequadas e muito pobres de materiais escolares. Para piorar o quadro, o ensino é tecnicista e exige o máximo de eficiência com pouco custo. Essa insuficiência de ensino escolar limita o aprendizado do aluno e empobrece o aprendizado, pois reduz a arte a apenas pintura e desenho. Dessa forma, não leva em conta outras formas de expressão, uma vez que as artes visuais não é só pintura e desenho, assim como o violão não é o único instrumento de música ou o teatro necessita de roupas, utensílios e cenário.  

Há muito mais no oceano artístico do que o sistema educacional público possibilita. Uma variedade de componentes que podem compor o plano de ensino, como escultura ou performance. Na música, uma banda necessita de baixistas e bateristas, além disso, os jovens atores nunca se tornarão atores ou saberão o que isso significa se não experimentarem o prazer e a ansiedade de se transformar em um personagem e subir em um palco defronte a uma plateia. A PNC comenta que:

O aluno desenvolve sua cultura de arte fazendo, conhecendo e apreciando produções artísticas, que são ações que integram o perceber, o pensar, o aprender, o recordar, o imaginar, o sentir, o expressar, o comunicar. A realização de trabalhos pessoais, assim como a apreciação de seus trabalhos, os dos colegas e a produção de artistas, se dá mediante a elaboração de ideias, sensações, hipóteses e esquemas pessoais que o aluno vai estruturando e transformando, ao interagir com os diversos conteúdos de arte manifestados nesse processo dialógico. (BRASIL, 1998, p. 19)

Sendo assim, o conhecimento vai muito além de um processo técnico, ela é um processo social que necessita da ação humana sobre a realidade em que se encontra, o que não é atingido com aulas mal realizadas e que não proporciona para o aluno a chance de pensar ou ser.

5. PEDAGOGIA HISTÓRICO CRITICA COMO FONTE DE CONTRIBUIÇÃO PARA A ARTE EDUCAÇÃO.

É necessário passar por cima de ferramentas metodológicas atrasadas e procurar um meio competente e real que possa ser feito de maneira eficaz na sala de aula, sendo assim, baseada nos pensamentos e ideias de Saviani ditadas durante o artigo, será proposto a pedagogia histórico crítica. Saviani usou a teoria “curvatura da vara”, isto é, percebendo que as metodologias propostas até então para a educação brasileira (tradicional e nova) eram completamente opostas. Ele criou uma metodologia que se concentra em corrigir esses extremos forçando-os na direção contraria. Saviani comentou que:

Com efeito, assim como para se endireitar uma vara que se encontra torta não basta colocá-la na posição correta, mas é necessário curvá-la do lado oposto, assim, também, no embate ideológico, não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos; é necessário abalar as certezas, desautorizar o senso comum. (SAVIANI, 2008, p. 48)

Dessa forma, ele propõe uma metodologia que desestabiliza as crenças estabelecidas promovendo questionamentos e forçando as certezas para o lado oposto. Assim sendo, por meio da reflexão e do pensamento crítico irá ocorrer um equilíbrio.

Tendo isso em vista, a pedagogia histórico crítica não se fecha em dois extremos, uma vez que leva em conta as variantes ambientais e sociais em que estará sendo empregada. De acordo com Saviani (2008, P. 56) “os métodos estimularão a iniciativa e a criatividade do aluno juntamente com a do professor. Eles irão criar um diálogo entre os discentes e o professor, também levando em conta um diálogo com a cultura acumulada historicamente”.

Saviani entendia que a sociedade interferia na educação para seus próprios interesses, sendo assim, “A educação também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para sua própria transformação (SAVIANI, 2013, pág. 80).  A sua pedagogia procura a transformação da sociedade, estudando seus pontos únicos e subjetivos. Assim sendo, estará ciente das suas contradições que estão presente nos territórios de Manaus. Saviani diz que:

A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, no limite, com a superação do fenômeno da marginalidade. (SAVIANI, 2008, p. 4)

Portanto, essa pedagogia propõe um meio que abrange múltiplas vivências, no sentido de estar aberta aos diferentes contextos sociais. Logo passa a ser uma ferramenta eficiente para a Arte-educação, visto que se conecta com as múltiplas linguagens, circunstâncias e cenários que ela propõe a partir da cultura que rodeia a escola e os discentes. Santos comenta que:

A pedagogia histórico-crítica ao defender o acesso da classe trabalhadora ao patrimônio cultural humano historicamente desenvolvido, como condição para a transformação social, coloca o conteúdo como fundamental no processo de educação formal, uma vez que a aquisição de conteúdos pelos alunos passa a ser central no processo educativo. (SANTOS, 2018, p. 49)

Em uma sociedade em que a Arte-educação se encontra perdida dentro das instituições de ensino, a pedagogia histórico crítica surge como um meio para que o professor e os alunos reflitam sobre os seus valores nas escolas. Saviani acredita que:

[…] para ensinar é fundamental que se coloque inicialmente a seguinte pergunta: para que serve ensinar uma disciplina como geografia, história ou português aos alunos concretos com os quais se vai trabalhar? Em que essas disciplinas são relevantes para o progresso, para o avanço e para o desenvolvimento desses alunos? (SAVIANI, 2011, p. 65).  

Tendo em vista que o significado e a importância da Arte está se esvaindo entre os muros das instituições de ensino, a inserção dessa pedagogia pode refletir de maneira crítica sobre a verdadeira função da arte para os discentes. Dessa forma, considerar os contextos sociais de cada aluno e repensar sobre a importância dos conteúdos ensinados

Para conseguir tal feito, ele criou método pedagógico que não separa a educação do meio social em que faz parte. Esse método é dividido em cinco passos:

1º PASSO É A PRÁTICA SOCIAL SINCRÉTICA

Nesse momento, o professor se inteira da vivência de cada um dos alunos antes da introdução do conhecimento sistematizado. A partir daí, a aula já começa de uma forma dialogada e participativa, o professor avalia seus conhecimentos empíricos, suas concepções da realidade, que são considerados naturais e normalmente caóticos. Por meio disso ele faz a sua vinculação com o conteúdo que será passado. Saviani afirma que:

Ao contrário disso, faz-se necessário retomar o discurso crítico que se empenha em explicitar as relações entre a educação e seus condicionamentos sociais, evidenciando a determinação recíproca entre a prática social e a prática educativa, entendida, ela própria, como uma modalidade específica da prática social. (SAVIANI, 2011, p. 16)

Assim sendo, em uma sociedade em que o repertorio cultural de boa parte da população é deixado de lado, a Pedagogia Histórico Critica resgata tais culturas e insere nas salas de aulas. Desse modo, ela impulsiona a Arte para concretizar o que se compromete a fazer, abrangendo universos sociais e culturais e não se prendendo apenas a cultura elitista.

2º PASSO É A PROBLEMATIZAÇÃO

Nessa etapa o conteúdo é passado, o que gera um levantamento de questões vindas dos próprios alunos, assim inicia-se as indagações segundos os contextos sociais de cada um. Os alunos analisam e interrogam o professor. Dessa forma, há diferentes visões sobre um determinados assunto, levando em consideração a subjetividade deles, seja através da política, histórica, social, estética ou religiosa. Segundo o que diz Gasparin (2012, p 34) “a problematização representa o momento do processo em que essa prática é posta em questão, analisada, interrogada, levando em consideração o conteúdo a ser trabalhado e as exigências sociais de aplicação desse conhecimento”. 

Desse modo, na problematização se questiona a realidade que é colocada em discussão na prática social. Nesse momento, o educando, em sua necessidade de desvendar as questões colocada em pauta, buscará conhecimento por meio da aprendizagem significativa.

 3º PASSO É CHAMADO DE INSTRUMENTALIZAÇÃO

Nesse passo, tanto o professor como o aluno trabalharão o conteúdo conforme as suas camadas. O professor apresentará o conhecimento científico, formal e abstrato por meio de ações adequadas, enquanto os alunos, ao mesclarem esse conceito com as suas vivências, se apropriam da arte como ferramenta de expressão e reflexão social.

Saviani (2011, p 88) comenta que “assim, a ênfase nos conteúdos instrumentais não se desvincula da realidade concreta dos alunos, pois é justamente a partir das condições concretas que se tenta captar em que medida esses instrumentos são importantes”. Desse modo, na instrumentalização o professor não deve se afastar dos contextos dos alunos, pelo contrário, ao valorizar as experiências sociais e culturais possibilitam com que eles compreendam a arte não apenas como técnica, mas como meio de interpretar e transformar o mundo ao seu redor.

 4º É A CATARSE

Essa etapa ocorre o que Saviani chamou também de purificação, ou seja, o aluno finalmente compreende o conteúdo. Segundo Gasparin (2012, p. 123) “na instrumentalização, uma das operações mentais básicas para a construção de conhecimento é a análise. Na catarse, a operação fundamental é a síntese”. 

O conhecimento empírico abre espaço para essa nova informação cultural, agora assimilada e compreendida de forma mais aprofundada. Por meio disso, o aluno poderá ressignificar e internalizar o conteúdo. No âmbito artístico, esse é o momento em que compreenderá o papel da arte e sua conexão com outros campos dos saberes, como sociedade, geografia e história, além de reconhecer suas relações com diferentes práticas artísticas e culturais.

 5º PASSO É A PRÁTICA SINTÉTICA.

Ao fim de todas as etapas, é possível observar a partir da condição de agente social ativo, a mudança no comportamento do educando em relação ao conteúdo, desse jeito mostrando realmente que aprendeu. Assim, há uma transformação social do discente, o qual passa a mostrar em seu cotidiano o novo conteúdo científico que obteve. De acordo com Gaspirin:

Professor e alunos modificaram-se intelectualmente e qualitativamente em relação as suas concepções sobre o conteúdo que reconstruíram, passando de um estágio de menor compreensão cientifica a uma fase de maior clareza e compreensão dessa mesma concepção dentro da totalidade. Há, portando, um novo posicionamento perante as práticas sociais do conteúdo que foi adquirido. (GASPARIN, 2012, p. 140)

Assim sendo, os alunos terão a capacidade de entender e produzir técnicas artísticas por meio de uma reflexão que compreende os vários universos da arte. Ele terá a habilidade de entender a Arte de forma crítica uma vez que os assuntos serão apresentados de acordo com as suas subjetividades para questionarem não apenas as suas realidades, também aquelas que estão ao seu redor.

Dessa forma, a PHC se insere na educação artística de Manaus como uma ferramenta de ensino que não invisibiliza o contexto em que está inserida, é uma prática de ensino sistematizada, porém não enrijecida, que utiliza as possibilidades que o meio provém para transformar o pensamento comum em crítico. Em vista disso, os problemas como tempo e falta de materiais podem ser contornados com planos de aula que tenham objetivos bem definidos por meio dos cinco passos apresentados. Os recursos didáticos vão ser escolhidos levando em conta a disponibilidade de ferramentas e a realidade da escola e alunos, que vão desde pinceis e lápis até o corpo e a própria fala, com atividades que abrangem performance, dança entre outros que rodeiam os variados contextos sociais e linguagens da Arte. 

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 Devido a essa incoerência de metodologias ineficazes e leis mal pensadas que inviabilizam a educação artística, o seu papel na escola acaba ficando muito nebuloso para os que estão inseridos no âmbito escolar. Em razão desse descaso que restringe a Arte e a pluralidade que nela se encontra, os professores e alunos não compreendem o motivo de haver o ensino artístico dentro da sala de aula.  Não podemos culpar uma criança por não entender conteúdos passados de forma completamente incoerente e despreparada, da mesma forma é compreensível o motivo que tornará essa criança um adulto que perpetuará uma visão desdenhosa ou apática do ensino artístico. Tal visão é ampliada a partir das gerações e confirmada pelo desprezo histórico com que o ensino artístico foi e é tratado. Assim sendo, compreender o caminho traçado pela Arte na educação possibilita que os profissionais da educação tenham a oportunidade moldar um novo percurso. 

Considerando isso, a Pedagogia Histórico Crítica se apresenta como uma alternativa necessária para a arte educação nas escolas públicas de Manaus. Uma vez que busca transformar a educação por meio da reflexão crítica sobre 2o contexto social do aluno, promovendo um ensino renovador e emancipador.   

Diante disso, todo o descaso e luta histórica que essa disciplina precisou traçar para ocupar o seu lugar como matéria escolar. A Pedagogia Histórico Crítica se apresenta como uma alternativa necessária para a arte educação nas escolas públicas de Manaus. Uma vez que busca transformar a educação por meio da reflexão crítica sobre o contexto social do aluno, promovendo um ensino renovador e emancipador. 

Tendo em vista que os espaços escolares invisibilizam a Arte e inserem de forma desordenadas dentro das salas de aula, a PHC proporciona a reflexão da importância da Arte na vida dos alunos. Assim sendo, possibilita que a Arte ganhe o seu espaço de direito e potencialize conhecimentos culturais e reflexivos dentro das instituições de ensino.

A PHC pode trabalhar em conjunto com a arte educação para condicionar os discentes a conhecer os vários universos de conhecimentos que são negados a eles por meio da opressão da cultura elitista. Através dessa abordagem é possível desnaturalizar a desigualdade e conceber novas formas de entender a atuar no mundo.

Além disso, é preciso que as políticas educacionais mudem suas intenções para além da formação tradicional e tecnicista. O interesse de formação dos discentes necessita ser direcionado para mais do que formação de trabalhadores no mercado de trabalho, mas para indivíduos reflexivos que conhecem as várias perspectivas de saberes e conhecimentos do mundo e conseguem atuar sobre elas de maneira crítica. Somente com esse alinhamento de teoria crítica e prática pedagógica será possível transformar o ensino artístico dentro das escolas.


1A Pedagogia Histórico- Crítica, criada por Dermeval Saviani, busca formar indivíduos críticos e conscientes de sua realidade social. Se baseia no materialismo histórico-dialético e tem como princípio que a educação precisa contribuir para a superação das desigualdades sociais.

2O movimento pedagógico Escola Nova surgiu no século XIX e se consolidou no Brasil apenas no século seguinte. Esse movimento tem como objetivo uma educação centrada no aluno, valorizando a experiência e a liberdade de expressão como parte do aprendizado. Influenciada por autores como John Dewey, essa abordagem se opõe ao ensino tradicional e busca formar indivíduos autônomos e participativos.

3A Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, foi a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Estabeleceu princípios gerais para a estrutura e funcionamento do sistema educacional brasileiro, definindo níveis de ensino, organização curricular, e fixando a responsabilidade da União, estados e municípios na oferta da educação

4A metodologia tecnicista, difundida especialmente durante o regime militar no Brasil (1964–1985), tem como base a racionalização dos processos educativos, visando à eficiência, produtividade e à formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Nessa abordagem, o professor atua como executor de objetivos previamente definidos, e o aluno é visto como receptor passivo de informações.

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Artigo produzido no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), coordenado pela professora Roberta Parede Valin, no período de novembro de 2020 a abril de 2022, desenvolvido por bolsistas vinculados à CAPES.