O CUIDADO DE CONFORTO AO PACIENTE GRAVE EM CUIDADO INTENSIVO

COMFORT CARE FOR THE SERIOUSLY PATIENT IN INTENSIVE CARE

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10616123


Ana Luiza Alves Gurgel França
Camilla Maria Sobreira Brasil Bezerra de Menezes
Cicera Yolanda dos Santos Araujo
Adriano Siqueira dos Santos


RESUMO

Introdução: Procedimentos inerentes à condição do cuidado intensivo podem provocar, por si só, desconforto e dor e não serem bem tolerados por muitos, mas é certo que se pode minimizar o sofrimento experimentado através da aplicação rotineira das medidas de conforto no dia a dia da UTI. Metodologia: revisão narrativa da literatura a partir de uma busca nos bancos de dados eletrônicos PubMed, Scopus e Lilacs para a identificação de artigos dos últimos 10 anos seguindo os itens de Diretrizes para Revisões Sistemáticas e Metanálises (PRISMA). Resultados e discussão: pacientes estão expostos a uma estratégia de sedação que influencia significativamente a sua percepção dos acontecimentos assim como a comunicação com a equipe/familiares. Assim, o doente tem um valor enquanto ser multidimensional, com quem se estabelece um vínculo interpessoal baseado no respeito e na confiança e onde se reconhece o cuidado expresso na resposta antecipada à chamada, gestão da dor, conforto físico , preservação da dignidade e suporte emocional, sendo, portanto,  importante reforçar uma maior compreensão e empatia pelo processo que o paciente está vivenciando durante sua internação na UTI. Conclusão: é valioso o papel de se estabelecer um vínculo interpessoal baseado em respeito e confiança mútuos, com preservação da dignidade, compreensão dos processos vivenciados pelo paciente e, sobretudo, amenização do sofrimento, quando não se pode extingui-lo.

Palavras-chave: Cuidado; Saúde; UTI.

ABSTRACT

Introduction: Procedures inherent to the condition of intensive care can cause, by themselves, discomfort and pain and are not well tolerated by many, but it is certain that the suffering experienced can be minimized through the routine application of comfort measures in the day-to-day of the ICU. Methodology: narrative review of the literature based on a search in electronic databases PubMed, Scopus and Lilacs to identify articles from the last 10 years following the items of the Guidelines for Systematic Reviews and Meta-analyses (PRISMA). Results and discussion: patients are exposed to a sedation strategy that significantly influences their perception of events as well as communication with the team/relatives. Thus, the patient has value as a multidimensional being, with whom an interpersonal bond is established based on respect and trust and where the care expressed in the early response to the call, pain management, physical comfort , preservation of dignity and emotional support is recognized , therefore, it is important to reinforce a greater understanding and empathy for the process that the patient is experiencing during their stay in the ICU. Conclusion: the role of establishing an interpersonal bond based on mutual respect and trust, with preservation of dignity, understanding of the processes experienced by the patient and, above all, alleviation of suffering, when it cannot be extinguished, is valuable.

Keywords: Care; Health; ICU.

INTRODUÇÃO

A admissão na Unidade de Terapia Intensiva é, em geral, associada a situações agudas de ameaça à vida e ocorre de forma tão abrupta que não permite adaptação e gera significativo estresse para pacientes e familiares (Al-Mutair et al, 2013). Não é infrequente para esse grupo que haja necessidade de suporte ventilatório, fármacos em altas doses e outras medidas enérgicas para estabilização ou regressão do quadro, como entubação endotraqueal, instalação de marca-passo, drenagem de tórax, pericardiocentese, traqueostomia, entre outras (Pott et al, 2013.) Os familiares precisam de informações sobre o ente hospitalizado, e desejam saber o significado daquilo que veem no serviço de saúde, como as telas de monitoramento cardíaco (Al-Mutair et al, 2013).

Muito se imagina que o paciente que vai para a Unidade de Cuidados Intensivos não mais sairá de lá com vida. No entanto, apontam Camponogara e colaboradores (2015), este espaço é destinado a pacientes que, embora graves, possuem quadro clínico recuperável. Nesse recorte, os autores do estudo descritivo-exploratório reuniram dados de pacientes após a alta sobre a percepção de cada um sobre o período vivido. Constatou-se que, embora a hospitalização carregue um peso em si, pode ser percebida de forma mais suave se existirem práticas que favoreçam essa percepção.

Historicamente, o cuidado dispensado àqueles em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), não escapa de um “modus operandi” que ainda se baseia em princípios mecanicistas e no entendimento do corpo como múltiplas porções e fragmentos (Corrêa et al., 2021). No entanto, são tantas as facetas que compõem o indivíduo, que tal abordagem, ainda que fundamental para o diagnóstico e enfrentamento das moléstias que o assolam, é insuficiente em termos de integralidade do cuidado (Pott et al., 2013).

No aspecto físico, o conforto se relaciona com necessidades humanas básicas, integridade do sistema tegumentar, homeostase, psique e diversas outras. Por isso, o bem-estar vivenciado pelo paciente deve ser atendido em todos os seus aspectos e, sempre que possível, estruturado e executado de acordo com a individualidade daquele que é cuidado (Chen et al., 2022). Assim, deve-se compreender as dimensões psicoespiritual, ambiental e social nas quais o indivíduo usualmente se encontra, bem como desejos expressos, desde que compatíveis com a realidade da equipe de saúde e possíveis de serem realizados.

É necessário também considerar a situação em que eles se encontram: sozinhos, sem a companhia de familiares e amigos, a não ser pelo pouco espaço de tempo em que visitas são permitidas; desprovidos das refeições de predileção, do vestuário próprio; submetidos a temperaturas frias e, na quase totalidade, sem medidas de conforto que amenizem esse sofrer (DeSanto et al., 2022). Para aqueles em cuidados intensivos, mas conscientes, é comum também a sensação de desconforto causada pela sensação de ser um “peso” para a família (Alexandersen et al., 2021). Tal ponto de vista, em conjunto com o sofrimento pungente ao qual esse grupo é exposto, revela uma saúde mental fragilizada, que também pode afetar cuidadores e outros membros da equipe de cuidado, e que necessita de cuidado próprio (DeSanto et al., 2022).

Por outro lado, os profissionais envolvidos na dinâmica do cuidado intensivo possuem enorme responsabilidade; lidam com diversas situações difíceis e extenuantes, com o sofrimento no cotidiano, demanda elevada por cuidado e atenção e são muito cobrados. Muitas vezes, desenvolvem certo “distanciamento de proteção”, quando se dessensibilizam com o que presenciam. Ademais, é frequente que a baixa remuneração de profissionais de tão grande valia é fator de desmotivação e insatisfação, o que pode reverberar em um cuidar menos atencioso e individualizado (Semler, 2019)

Assim, certos procedimentos inerentes à condição do cuidado intensivo podem provocar, por si só, desconforto e dor e não serem bem tolerados por muitos, mas é certo que se pode minimizar o sofrimento experimentado através da aplicação rotineira das medidas de conforto no dia a dia da UTI (Leonard et al., 2019). Dessa forma, este artigo tem como objetivo avaliar os principais aspectos envolvidos no cuidado e conforto ao paciente grave em cuidado intensivo.

METODOLOGIA

Baseado no método de revisão narrativa da literatura a partir de uma busca nos bancos de dados eletrônicos PubMed, Scopus e Lilacs para a identificação de artigos dos últimos 10 anos seguindo os itens de Diretrizes para Revisões Sistemáticas e Metanálises (PRISMA). Na estratégia de busca utilizamos os seguintes descritores em saúde: “Critical Care Intensive”, “Care Units” e “Humanization of Assistance”.

Os critérios de inclusão foram estudos publicados em inglês, adequação ao objetivo desta revisão, rigor metodológico aplicado e texto completo disponível gratuitamente. Foram excluídos artigos de revisão, bem como comentários sobre literatura, editoriais, comunicações e cartas ao editor.

Cada artigo foi lido na íntegra e suas informações foram dispostas em planilha no programa Microsoft Excel, incluindo ano de publicação, autores, base de dados, periódico, país de estudo, objetivo, metodologia, resultados e conclusão.

Posteriormente, os principais achados de cada artigo selecionado na amostra final foram compilados nesta revisão, sendo discutidos de acordo com a literatura. Os bancos de dados foram examinados por dois pesquisadores e foi solicitada avaliação de um terceiro pesquisador em casos de discrepâncias e dúvidas sobre a relevância das fontes.

RESULTADOS

Inicialmente 147 trabalhos foram identificados nas bases pesquisadas (92 em PubMed, 47 em Scopus e 8 em LILACS). Após exclusão por título e resumo foram selecionados 29 artigos para análise em texto completo. Ao final, 11 artigos foram eleitos como relevantes para compor a síntese qualitativa (Figura 1). Este artigo discute de modo narrativo a importância do cuidado e conforto do paciente grave em cuidado intensivo. As principais características dos estudos incluídos são apresentadas na Tabela 1.

Figura 1. Fluxograma síntese da estratégia de busca por estudos.

Fonte: Autores, 2023

Tabela 1 – Resumo dos artigos incluídos

Autor; anoTítuloRevistaObjetivo
Vicent et al., 2016.Comfort and patient-centred care without excessive sedation: the eCASH concept    Intensive Care Med  O artigo propõe uma nova abordagem dentro do tratamento na UTI com o acrônimo eCASH – early Comfort using Analgesia, minimal Sedatives and maximal Humane care – baseada na obtenção precoce do alívio da dor e na manutenção do conforto com sedação mínima sendo usada para facilitar o sono natural, mobilização precoce e envolvimento com cuidadores e parentes.
Grignoli; Di Bernardo e Malacrida, 2018  New perspectives on substituted relational autonomy for shared decision-making in critical careCritical CareDiscutir acerca da comunicação em situações complexas, especialmente no final da vida, em unidades de terapia intensiva abertas, bem como a importância da tomada de decisão compartilhada e sua capacidade de representar as preferências dos pacientes.
Mc Peake et al., 2021Benefits of peer support for Intensive Care Unit survivors: Sharing experiences, care debriefing, and altruismAmerican Journal of Critical CareO Artigo busca explorar o que os pacientes acreditam ser os principais mecanismos de eficácia dos programas de apoio aos pares implementados durante a recuperação em cuidados intensivos.
Joven e Parada, 2019Percepción del paciente crítico sobre los comportamientos de cuidado humanizado de enfermeríaAvances en EnfermeríaEsse estudo descritivo quantitativo foi utilizado para avaliar a percepção dos adultos em estado crítico sobre os comportamentos de atenção humanizada da enfermagem na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para adultos em um hospital de nível III em Bogotá, Colômbia.
Backes et al., 2012O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva  Escola Anna Nery Revista de EnfermagemEstudo qualitativo que teve como objetivo compreender o cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva Adulto a partir da perspectiva de necessidade de um cuidado integral com os pacientes.  
Mongiovi et al., 2014Reflexões conceituais sobre humanização da saúde: concepção de enfermeiros de Unidades de Terapia IntensivaRevista Brasileira de EnfermagemEsse estudo teve por objetivo realizar uma reflexão acerca da humanização da saúde, através de uma análise conceitual do próprio termo na interpretação das falas de enfermeiros assistencialistas atuantes em Unidades de Terapia Intensiva, coletadas numa pesquisa qualitativa.
Latour et al., 2022Improving the intensive care experience from the perspectives of different stakeholdersCritical Care O artigo procura discutir as evidências atuais sobre a experiência do paciente, família e profissional de saúde em UTI, juntamente com as sugestões do painel sobre possíveis melhorias.
Sousa et al., 2020  Humanized care in the context of the intensive therapy unit: nursing team comprehension  Revista de Enfermagem UFPI O artigo busca compreender a percepção da equipe de enfermagem em relação ao cuidado humanizado prestado ao adulto na Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Público no município de Imperatriz-MA.
Machado, 2016Humanização em UTI: sentidos e significados sob a ótica da equipe de saúde Revista De Enfermagem Do Centro-Oeste MineiroTrata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo realizado com 23 profissionais da equipe de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulta, localizada em um município de médio porte do interior do estado do Rio Grande do Sul (RS) com o objetivo de identificar as concepções dos profissionais da saúde que atuam nesta unidade sobre a humanização.
Jacelon e Henneman, 2014Dignity in the older critically ill adult: the family member’s perspectiveHeart & LungO objetivo deste estudo foi analisar o significado e a importância relativa que familiares de idosos internados em unidade de terapia intensiva (UTI) atribuem à dignidade.
Mendes et al., 2013Sentimentos vivenciados por familiares de pacientes internados em unidade de terapia intensiva adultoRevista Cubana de EnfermeríaO estudo teve como objetivo analisar os sentimentos de familiares de clientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada com os familiares de pacientes internados na UTI de um hospital filantrópico do norte de Minas Gerais, Brasil.

Fonte: Autores (2023)

DISCUSSÃO

Após leituras sucessivas dos estudos selecionados e o agrupamento de informações, foi possível construir quatro abordagens temáticas: Abordagem temática I – A percepção do paciente frente ao cuidado e conforto na Unidade de Terapia Intensiva; Abordagem temática II – A percepção da família  frente ao cuidado e conforto na Unidade de Terapia Intensiva; Abordagem temática III – A percepção dos profissionais  frente ao cuidado e conforto na Unidade de Terapia Intensiva e Abordagem temática IV – Estratégias e soluções para a melhoria  do cuidado e conforto na Unidade de Terapia Intensiva.

I – A PERCEPÇÃO DO PACIENTE FRENTE AO CUIDADO E CONFORTO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

Grignoli, Di Bernardo e Malacrida (2018) afirmam que o princípio da autonomia é definido na prática clínica como o direito de fazer escolhas informadas livremente, sendo este a pedra angular da ética e  um valor moral constante. Todavia, o que se percebe dentro dos centros de Terapia Intensiva é justamente a perda desse direito tal valioso e irrefutável. Nesse sentido, a partir de um estudo qualitativo, Backes e colaboradores (2012) relataram os sentimentos dos pacientes frente à falta de autonomia vivenciada naqueles ambientes, mostrando que eles se percebiam como um objeto, perdendo a sua identidade como pessoa, já que, muitas vezes, perdem os sentidos corporais como paladar, visão e tato, além da perda da privacidade e o convívio diário com a morte no seu entorno.

Ademais, para Vicente e colaboradores (2016) esses pacientes estão expostos a uma estratégia de sedação que influencia significativamente a sua percepção dos acontecimentos assim como a comunicação com a equipe/familiares. Desse modo, as experiências de interação dos pacientes geralmente são breves e fragmentadas e os efeitos desses contatos podem ser incompreensíveis, confusos ou alarmantes. Frente a isso, Joven e Parada (2019) demonstraram em seu estudo descritivo que, para os pacientes, os procedimentos a serem executados muitas vezes não são informados ou explicados, a medicação administração ou sua situação de saúde, o que limita a tomada de decisão do paciente e altera a comunicação e o tratamento profissional-paciente, fazendo com  que estes percebam  a UTI como um espaço frio, técnico, no qual o profissional de atua mecanicamente, sem compreender sua dor, sofrimento, medo, cansaço, desconforto, mal-estar ou insegurança.

Neste mesmo sentido, Mongiovi e colaboradores (2014) refletem que a própria dinâmica habitual deste setor pode provocar desconforto ao usuário pelo excesso de estímulo de ruídos e iluminação da maquinaria, pela falta de privacidade decorrente da necessidade de observação contínua, pelo isolamento e afastamento da família/sociedade e a constante experiência de morte presente na rotina das unidade. Para Latour e colaboradores (2022) O foco no desconforto deve ser lembrado porque está associado a síndromes pós-UTI, como distúrbios do sono, ansiedade, transtornos do humor e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), já que os estudos afirmam que a incidência de TEPT em sobreviventes de UTI chega a aproximadamente 20%.

Por isso, faz-se importante destacar o valor que o doente possui enquanto ser multidimensional, com quem se estabelece um vínculo interpessoal baseado no respeito e na confiança e onde se reconhece o cuidado expresso na resposta antecipada à chamada, gestão da dor, conforto físico , preservação da dignidade e suporte emocional, sendo, portanto,  importante reforçar uma maior compreensão e empatia pelo processo que o paciente está vivenciando durante sua internação na UTI ( JOVEN e PARADA, 2019).

II – A PERCEPÇÃO DA FAMÍLIA FRENTE AO CUIDADO E CONFORTO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

No que tange à percepção familiar acerca do internamento, Jacelon e Henneman(2014) relatam que as necessidades dos familiares de pacientes críticos estão principalmente relacionadas à necessidade de informação, de segurança e apoio e necessidade de estar perto do paciente. Grignoli, Di Bernardo e Malacrida (2018) destacam que a maioria dos membros da família prefere estar envolvida em um processo de cooperação a manter um alto grau de controle sobre as decisões a deixar esse controle para os médicos. No entanto, um crescente corpo de evidências sugere que os cuidados terminais, a percepção de tratamento fútil (especialmente se por insistência dos familiares dos pacientes) e desacordos sobre o tratamento no final da vida são fatores importantes de sofrimento moral e esgotamento dos familiares no que diz respeito ao relacionamento com os profissionais de saúde envolvidos no cuidado.

Ademais, Latour e colaboradores (2022) destacam que os familiares ficam extremamente vulneráveis ​​durante a internação do paciente na UTI e compreendem apenas cerca de metade das informações médicas que lhes são dadas pela equipe, gerando dificuldades para se adaptar e administrar a esperança. Para Mendes e colaboradores (2013), na grande maioria dos casos, a debilidade emocional que surge neste momento pode deixar o familiar sensivelmente abalado, tornando dolorosa a falta de seu ente querido no cotidiano e, neste momento, o passado torna-se presente em consideração às lembranças do que já foi vivido. Ainda, em situações altamente emocionais, como estar na UTI, os familiares são extremamente sensíveis à comunicação não verbal. A qualidade da comunicação geral impactam o bem-estar dos parentes, estando diretamente associada a um maior risco de desenvolver sintomas relacionados ao TEPT (LATOUR et al., 2022).

Assim, Mendes e colaboradores (2013) perceberam que o impacto causado pelo ambiente traz desespero, medo e tristeza diante da noção de que o estado geral do paciente está comprometido. Para o familiar, a internação nesta unidade é vista como risco iminente de morte, pensamento este talvez gerado pela preocupação com o visual, com o número de aparelhos e equipamentos que, ao passo que oferecem serviços de alta qualidade, causam medo a quem não está acostumado com aquela realidade. Ademais, para Backes e colaboradores (2012), a morte é um aspecto muito negligenciado, de modo geral, o que reflete a dificuldade em aceitar a finitude da vida humana, seja na relação médico paciente, seja na relação familiar-paciente, além de sugerir uma dificuldade por parte da equipe médica em determinar até que ponto se deve continuar investindo na recuperação da saúde dos pacientes e em que momento se deve optar em manter apenas cuidados paliativos.

Percebe-se por fim que o cuidado integral e humanizado não deve se restringir apenas ao paciente, mas também a sua família,  que assim   como   ele,   encontra-se fragilizada  e  em  sofrimento  pela  situação vivida. Ao mesmo tempo, Machado (2016) afirma que, embora os profissionais reconheçam a importância da presença da família junto ao  paciente,  na prática,  muitas  vezes  ela  é  vista  como  um entrave  para  a  manutenção  das  rotinas dentro da UTI.

III – A PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS FRENTE AO CUIDADO E CONFORTO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

A complexidade dos pacientes de UTI e seu caminho para a recuperação ou morte influencia o desempenho da equipe da UTI e impacta em sua saúde mental. Essa complexidade não se refere apenas ao atendimento de determinados grupos de pacientes, mas também à participação na tomada de decisões  (LATOUR et al. 2022).  Mongiovi e colaboradores (2014) afirmam que a situação crítica do paciente e a demanda existente em termos de cuidados técnicos, observação contínua e maquinaria necessária são obstáculos para o  desenvolvimento do cuidado humanizado dentro do sistema de saúde, de forma que impedem o indivíduo de receber os cuidados e ser entendido como sujeito e não apenas como usuário/paciente do sistema.

Nesse viés, Joven e Parada (2019) complementam ao relatar que a equipe de saúde enfrenta um ambiente de alta tecnologia que exige o desenvolvimento de habilidades cognitivas, habilidades práticas e responsabilidades profissionais que, por vezes, levam o profissional a abordar as necessidades do paciente de forma mais técnica, generalizada e insensível. Além disso, estes enfrentam uma sobrecarga de trabalho, estresse e criação de emoções defensivas durante o atendimento ao paciente de alta complexidade. Indubitavelmente, Sousa e colaboradores (2020) destacam que o processo de trabalho nesse setor é permeado pela dor, sofrimento, morte, impotência, estresse laboral e insalubridade, tendo como principais desafios a insuficiência de materiais, equipamentos e medicamentos.

Outrossim, Grignoli, Di Bernardo e Malacrida (2018) mostram que as habilidades sociais dos médicos têm um impacto na percepção do prognóstico para pacientes e familiares. Estudos realizados na UTI adulto mostram que a humanização deve incluir a capacidade de se comunicar com empatia. habilidades de comunicação e escuta, respeito por suas crenças e calor humano, permitindo que o profissional cuidar da saúde envolve aprendizado e crescer junto com o paciente, conectando-se com sua experiência de saúde, favorecendo a aproximação e a confiança ( JOVEN e PARADA, 2019). Acerca deste fato, Mongiovi e colaboradores (2014) afirmam que apesar das possíveis intenções do profissional de enfermagem em realizar uma assistência humanizada, permanece ainda o fator de despreparo em termos educativos formais para a sua execução de modo que contemple os diversos aspectos biopsicossociais e relacionais que se demanda.

Desta forma, diante dos desafios expostos,  os profissionais da UTI criam um mecanismo de adaptação ao trabalho e acabam, muitas vezes, não se sensibilizando mais com o sofrimento e a condição de saúde dos pacientes, priorizando a dimensão biológica e esquecendo das demais dimensões do ser humano. Cabe, portanto, ao profissional reconhecer suas limitações perante as convicções do outro, paciente e/ou familiar, na busca por uma atuação de promoção de cuidados diferenciados visando prioritariamente o conforto e satisfação deste sujeito em questão partindo de seus próprios ideais (BACKES et al., 2012).

IV – ESTRATÉGIAS E SOLUÇÕES PARA A MELHORIA  DO CUIDADO E CONFORTO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

Em face do exposto, Mongieve e colaboradores (2014) destacam que, mais do que um conjunto de princípios idealistas para nortear as práticas em saúde dentro do sistema assistencial do país, o termo Humanização pressupõe uma conjuntura complexa de posturas e atividades que compreendem algumas modificações no setor saúde, que persistem, ainda em dias atuais, com um modelo de atenção biomédico, com frágeis relações entre usuários e equipe de saúde e a precarização do acesso aos serviços.

 Com base nesse pressuposto, Vicent e colaboradores (2016) propuseram  uma abordagem integrada e adaptável para melhorar o atendimento ao paciente e os resultados clínicos por meio de analgesia e sedação leve, iniciada precocemente durante um episódio de doença crítica e como prioridade de atendimento.visa estabelecer o conforto ideal do paciente com sedação mínima como a presunção padrão para pacientes de unidade de terapia intensiva (UTI) na ausência de requisitos médicos reconhecidos para sedação mais profunda. Isso porque,  como afirmam Grignoli, Di Bernardo e Malacrida (2018),  abordagens centradas no paciente identificam claramente o exercício da autonomia com a autodeterminação e a competência para consentir, tornando-se, assim, mais do que um direito: um valor intrínseco.

Para tanto, Vincent e colaboradores (2016) sugerem a adoção de medidas simples, como a devolução de aparelhos auditivos e óculos e outras medidas que permitam aos pacientes restabelecer contatos significativos com o ambiente e com outras pessoas,  além da revisão da política de horário de visita, que é parte integrante deste aspecto do cuidado e reabilitação. Para Latour e colaboradores (2014), as políticas de visitas abertas estão associadas à diminuição da ansiedade e melhor compreensão das informações. Ademais, Backes e colaboradores (2012) ressaltam que a observação dos profissionais por parte dos familiares torna-se algo importante na UTI, pois quando os familiares conseguem ver os profissionais cuidando dos pacientes e dando também atenção para as famílias, bem como, quando percebem a competência, o equilíbrio e a dedicação, criam confiança e segurança nos profissionais e acreditam que o paciente possa melhorar.

Outrossim, através do seu estudo sobre a influência e eficácia do apoio de pares aos pacientes da UTI,  Mc Peake e colaboradores (2021) revelaram que o compartilhamento de experiências apoia a recuperação de várias maneiras. A ansiedade mostrou-se reduzida à medida que os pacientes se sentiam seguros de que outros tinham problemas semelhantes. Além disso, os participantes descreveram um aumento da esperança e motivação como resultado da  redução do isolamento social. Nesse mesmo sentido, Vicente e colaboradores (2016) propuseram medidas não farmacológicas, incluindo musicoterapia e técnicas de relaxamento, como forma de poupar o uso de opioides e aumentar a analgesia. Essas intervenções são seguras de acordo com o significado usual do termo, apesar de não serem uma opção confiável de baixo custo, nem  necessariamente fáceis de fornecer.

Ainda, no que tange à família e profissionais de saúde, Latour e colaboradores (2022) afirmam que a melhoria da comunicação, tanto a nível individual como coletivo, tem sido destacada como a intervenção mais importante para melhorar a experiência familiar, tornando o cuidado centrado na família um padrão de qualidade. Sendo assim, Joven e Parada (2019) ressaltam que  o profissional deve considerar que a comunicação não inclui apenas o que é dito verbalmente, mas também o que o corpo expressa. Portanto, é necessário reconhecer a linguagem verbal e não verbal, de forma que seja capaz de identificar os sentimentos dos envolvidos, a fim de  construir uma relação mais afetiva.

Por fim, Machado (2016) relata que o  trabalhador  da  saúde  também precisa  ter  suas  necessidades  atendidas  para que  assim  possa  ofertar  um  atendimento  de qualidade.  É  necessário  que  os  gestores  dos serviços  de  saúde  diminuam  fatores  que afetam   negativamente   a   qualidade   do trabalho  e  que  invistam  na  qualificação profissional,   permitindo   assim   que   os trabalhadores  conheçam  novas  formas  e estratégias  de  trabalho  e  de  relacionamento interpessoal,  criando,  dessa  forma,  uma cultura de humanização.

CONCLUSÃO

São várias as percepções sobre o cuidado em saúde no ambiente de cuidados intensivos, e três deles figuram entre os principais: a percepção do paciente, de seus familiares e dos profissionais por ele responsáveis. Assim, entender quais são essas percepções, que fatores exercem influências sobre elas e como elas podem alterar desfechos clínicos é de grande importância. Dessa forma, compreende-se o quanto ainda falta para que se estabeleça um cuidado de conforto apropriado aos pacientes graves em cuidado intensivo.

 Os autores afirmam ainda que são vários os fatores associados ao desconforto em Síndromes Pós-UTI, como distúrbios do sono, ansiedade, transtornos de humor e TEPT – Transtorno do Estresse Pós-Traumático. 

Nesse sentido, é valioso o papel de se estabelecer um vínculo interpessoal baseado em respeito e confiança mútuos, com preservação da dignidade, compreensão dos processos vivenciados pelo paciente e, sobretudo, amenização do sofrimento, quando não se pode extingui-lo. Esse objetivo pode ser contemplado quando existe um esforço na humanização do cuidado, que se reflete na boa capacidade de comunicação, na simpatia o lidar com o outro, no aprimoramento da maneira de escutar e falar e no respeito pelas crenças e em tantas outras ações cabíveis apenas no contexto individual e específico de cada paciente assistido.

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