REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202503132022
William dos Santos Pereira1
RESUMO
Sob a ótica do trabalho em plataformas, este artigo analisa o universo dos motoristas de aplicativos que utilizam veículos alugados como meio de exercer suas atividades. O objetivo principal é investigar como essa modalidade de trabalho reflete e amplia as relações laborais dentro do contexto do capitalismo de plataforma. Para isso, a pesquisa adota uma abordagem qualitativa, combinando revisão bibliográfica e análise de dados secundários das plataformas digitais. Os resultados revelam que o aluguel de veículos é, para muitos trabalhadores, a única alternativa para ingressar nesse mercado, devido à inviabilidade de adquirir um veículo próprio. Contudo, essa solução acarreta custos elevados que incluem aluguel, combustível e manutenção, reduzindo significativamente os ganhos e ampliando os níveis de exploração. Além disso, a falta de regulamentação agrava as condições de trabalho, deixando os motoristas sem segurança ou benefícios formais. A análise incorpora conceitos como “uberização”, “capitalismo de plataforma” e “compressão espaço-tempo”, destacando como as plataformas digitais remodelam as dinâmicas urbanas e as relações de trabalho. O estudo conclui que os aluguéis de veículos não apenas representam um novo elemento de trabalho, mas também contribuem para a reorganização espacial das cidades, promovendo desigualdades socioespaciais e econômicas.
Palavras-chave: Aluguéis; Capitalismo de Plataforma; Uberização; Trabalho por Aplicativos.
ABSTRACT:
From the perspective of platform work, this article analyzes the universe of app drivers who use rented vehicles as a means to carry out their activities. The main objective is to investigate how this work modality reflects and expands labor relations within the context of platform capitalism. To this end, the research adopts a qualitative approach, combining literature review and secondary data analysis from digital platforms. The results reveal that vehicle rental is, for many workers, the only alternative to enter this market, due to the infeasibility of acquiring their own vehicle. However, this solution entails high costs that include rent, fuel, and maintenance, significantly reducing earnings and increasing levels of exploitation. Furthermore, the lack of regulation exacerbates working conditions, leaving drivers without security or formal benefits. The analysis incorporates concepts such as “uberization,” “platform capitalism,” and “space-time compression,” highlighting how digital platforms reshape urban dynamics and labor relations. The study concludes that vehicle rentals not only represent a new element of work but also contribute to the spatial reorganization of cities, promoting sociospatial and economic inequalities.
Keywords: Rentals ;Platform Capitalism ; Uberization ;App-based Work or Gig Work
Introdução
As transformações recentes no mercado de trabalho têm inaugurado uma nova fase das relações laborais e de emprego, caracterizada pelo avanço da tecnologia e pela flexibilização das dinâmicas econômicas. Esse fenômeno, definido por autores como Slee (2017), Tozi (2018) e Abílio (2019), é frequentemente descrito como “uberização”, um modelo de gestão que transfere ao trabalhador grande parte das responsabilidades de controle e organização do trabalho, o que o posiciona como um nano empresário de si mesmo.
Sendo assim, a uberização é uma das novas leituras das relações de trabalho existentes definidas pelos limites entre empresas, aplicativos e pessoas, ou seja, a atuação de um outro modo de interação entre empregador-empresas-aplicativos e o trabalhador. No caso específico deste trabalho, motoristas de aplicativos que, propositalmente, são reconhecidos como “parceiros”. Nesse sentido, a uberização não é só um termo extraído da empresa símbolo da economia de plataforma, mas é, em si, uma caracterização do capitalismo atual, da chamada GigEconomy, ou “economia dos bicos”.
A “economia dos bicos” trabalha com essa ideia da informalização, do cumprimento de tarefas. Quando surgem as plataformas digitais, ocorre uma explosão de possibilidades, no que tange ao mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. Essas plataformas consistem em infraestruturas que integram softwares e hardwares e operam de forma automatizada, estruturadas por algoritmos digitais, sendo de domínio privado ou público.
Com o advento da Internet e o surgimento das plataformas digitais de intermediação, essa situação mudou. As plataformas agregaram tecnologias que permitiram que a economia GIG se expandisse de forma substancial e crescente para domínios inalcançáveis aos trabalhadores individualmente considerados, incluindo venda de mercadorias, serviços e prestação de trabalho (Campos; Gonçalves, Freire, 2022 p. 28,).
A GigEconomy, somada às plataformas digitais, forma o aglomerado do que vem sendo chamado “Capitalismo de Plataforma”. Um dos primeiros a denominar esse momento socioeconômico foi Nick Srnicek, em seu livro intitulado Capitalismo de Plataforma (2016). Srnicek testemunha as mudanças que estão em curso no modus capitalista frente aos momentos de crise. Em sequência, pontua como a “super bolha” de 2008, operada pelo mercado financeiro imobiliário americano, de modo contíguo com as consequências econômicas mundiais, foram disruptivas para o novo momento capitalista.
As plataformas digitais, por si só, ajudaram a romper uma barreira: a capacidade de maximização de informações com uso da internet e dos computadores. Através dessas plataformas como auxiliares, a potencialização em usar essas informações de dados (gigabytes, terabytes) e o uso dos algoritmos, permitiu o surgimento de possibilidades nas áreas de transporte, a exemplo da Uber, aluguéis de imóveis, como Airbnb, e diversas outras no comércio e serviços.
Essas novas capacidades são alimentadas pela própria necessidade do capital em se reerguer em momentos de crise. Na visão de Srnicek (2016), Harvey (2018), e Pessanha (2019), é o movimento da crise de 2008 que forma a base da fase intitulada “Capitalismo de Plataforma”.
O presente artigo volta-se para o universo dos motoristas de aplicativos que dependem do aluguel de veículos como forma de viabilizar suas atividades. Para muitos trabalhadores, essa alternativa representa a única possibilidade de participação no mercado, devido à inviabilidade de aquisição de veículos próprios. No entanto, esse modelo gera uma série de desafios, que incluem custos elevados, desgaste físico e mental, além de uma relação laboral caracterizada pela informalidade e pela falta de garantias trabalhistas.
Portanto, o estudo em questão teve como objetivo geral investigar se há, a partir dos aluguéis de veículos, mais um grau na precarização do trabalho em plataformas, uma vez que o motorista parte da prerrogativa mínima de pagar o aluguel veicular para exercer o trabalho por aplicativo.
Diante desse tema, a partir dos conceitos de “espaço”, “uberização do trabalho” e “aluguéis”, por meio de um olhar geográfico.
O Capitalismo de Plataforma e o Espaço.
O conceito de “capitalismo de plataforma” foi amplamente discutido por Nick Srnicek (2016), que destaca como as plataformas digitais emergiram como resposta às crises do capital, reorganizando os modelos de negócios para maximizar lucros através da coleta massiva de dados e do uso intensivo de tecnologias digitais. Esse sistema depende da flexibilização e precarização das relações de trabalho, o que Harvey (2013) classifica como um movimento intrínseco do capital para explorar novas formas de acumulação.
No âmbito das relações laborais, a uberização, termo cunhado a partir da empresa Uber, é central para compreender como as plataformas transformam trabalhadores em autônomos sem garantias formais. Abílio (2019) enfatiza que essa modalidade transfere os custos e os riscos da atividade para o trabalhador, ao mesmo tempo em que o posiciona como um “parceiro”, desfazendo a relação empregatícia tradicional. Essa nova configuração, embora muitas vezes promovida como uma alternativa moderna e flexível, resulta em condições de trabalho altamente instáveis.
Slee (2017) questiona o discurso de “colaboração” promovido pelas plataformas, afirmando que ele mascara a realidade de exploração e desigualdade. Em vez de compartilhar benefícios, as empresas concentram poder e lucro, enquanto os trabalhadores assumem custos crescentes, como aluguel de veículos, manutenção e combustível.
De forma breve, é possível observar a existência de inúmeros termos para as relações entre o trabalho e o capital no momento. Apoiados na visão de Valério de Stefano, podemos citar “platformeconomy“, “collaborativeeconomy“2 e “gigeconomy“3, que dependem diretamente das tecnologias da informação (TICs) para serem realizados presencialmente ou digitalmente. O primeiro, chamado “crowdwork“, é feito digitalmente, enquanto o segundo, “on-demandwork“, ocorre presencialmente.
A intenção não é definir cada uma das novas nomenclaturas existentes, mas sim, mostrar que novas nomenclaturas surgem constantemente. Neste trabalho, são adotados os termos “capitalismo de plataforma” e “uberização” como referencial principal. A base dessas definições consagra a tecnologia, o capital e o trabalho como âncoras das transformações percebidas no mundo contemporâneo.
A uberização pode ser entendida, portanto, como o gerenciamento de uma multidão de trabalhadores sob demanda, mobilizados por meio de uma plataforma, em um aplicativo que tem suas condições de serviço, seguridade e estabilidade substituídas pela informalização e pela necessidade de estar online. Esse modelo de trabalho “just in time” precariza ainda mais as condições de trabalho, marcadas pela insegurança empregatícia e pela ausência de direitos.
As empresas de aplicativos inauguram uma prática recente, como intitula Jeff Howe em O Poder das Multidões (2006). Essas empresas têm a capacidade de mobilizar grande quantidade de trabalhadores, utilizando-os apenas quando necessário. Esse modelo é uma adaptação do conceito de “just in time”, transformando o trabalhador em produto. Essa transformação permite que as empresas operem com custos mínimos e sem vínculos trabalhistas, gerando enormes lucros enquanto transferem todos os riscos para os trabalhadores.
O grande diferencial entre colaboração e uberização é o antagonismo entre ambas. Enquanto a colaboração visa ao compartilhamento genuíno, como nas ideias originais da economia do compartilhamento, a uberização redefine essa relação em uma lógica estritamente capitalista, onde o compartilhamento dá lugar à monetização e à exploração. Assim, os trabalhadores uberizados não possuem os mesmos direitos de motoristas tradicionais, sendo intermediados por uma plataforma que os conecta aos passageiros, mas sem qualquer responsabilidade formal da empresa sobre suas condições de trabalho.
Harvey (1973) oferece uma base teórica essencial para compreender o espaço dentro do capitalismo de plataforma. Para Harvey, o espaço não é apenas uma dimensão física, mas uma construção social e econômica, moldada pelas práticas humanas e pelas dinâmicas do capital. Ele introduz a ideia de compressão espaço-tempo, destacando como a aceleração das interações sociais e econômicas impacta diretamente as estruturas espaciais.
No contexto da uberização, a compressão espaço-tempo é evidente, pois as plataformas digitais conseguem mobilizar trabalhadores em tempo real, adaptando-se rapidamente às demandas do mercado. Essa dinâmica gera impactos significativos nas cidades, como o aumento da circulação de veículos, congestionamentos e a amplificação das desigualdades socioespaciais.
Tozi (2018) aprofunda a análise ao discutir a ocupação espacial das plataformas em países emergentes como o Brasil. Ele observa que, embora cidades periféricas apresentem sistemas de transporte alternativo, como vans ou tuk-tuks, a entrada de plataformas como Uber e 99 foi amplamente adotada devido à ineficiência e à falta de integração dos transportes públicos tradicionais.
Essas plataformas também intensificam os desafios enfrentados pelos motoristas que dependem de veículos alugados para operar. A precarização é amplificada pela necessidade de arcar com altos custos de aluguel e combustível, enquanto enfrentam longas jornadas de trabalho e a insegurança econômica.
De acordo com o Dieese, os motoristas frequentemente gastam mais da metade de seus rendimentos com despesas operacionais, como aluguel de veículos e manutenção. Esses dados evidenciam como o modelo de negócios das plataformas transfere os custos e os riscos da operação para os trabalhadores, gerando uma precarização que vai além das condições de trabalho, impactando também a saúde física e mental desses profissionais.
Ao analisar o impacto socioespacial, a pesquisa destaca como as plataformas alteram a dinâmica urbana, favorecendo áreas centrais e marginalizando regiões periféricas. Essa configuração reproduz e amplifica as desigualdades preexistentes, criando um sistema onde o acesso aos serviços e às oportunidades é mediado por algoritmos que priorizam a lucratividade.
Em síntese, o referencial teórico apresentado fornece uma base sólida para entender as dinâmicas do capitalismo de plataforma e da uberização, destacando os desafios enfrentados pelos motoristas de aplicativos e o impacto dessas práticas nas estruturas sociais e espaciais.
Dando visibilidade aos aluguéis de veículos por aplicativos
Para as próprias empresas-aplicativos, os motoristas de apps não exercem vínculos empregatícios, o que, de fato, descaracteriza o motorista como trabalhador e juntamente descaracteriza a profissão de motorista como um todo. Seja ele condutor de veículos de passageiros, como ônibus, de cargas pesadas ou, também, taxistas, que estão hoje exercendo corridas em aplicativos da Uber ou 99, entre outros.
Nesse sistema, portanto, é importante destacar um outro fenômeno que se associa à estrutura desenhada até aqui e que é parte fundamental para a pesquisa: a locação de veículos. Embora seja algo recente para o trabalho desempenhado através das plataformas digitais, torna-se um objeto de estudo significativo, por ser uma forma de geração de renda, não apenas para as locadoras, que são geralmente os fornecedores do aluguel, mas como fonte de renda ao motorista ou entregador que fará uso dessa mobilidade. Nesse sentido, outro ponto aparece como consequência:novas cartas de negócios do setor de locação impulsionam seu crescimento, tais como aluguel de carros a servirem motoristas de aplicativos, entre outros pontos a serem discutidos no decorrer da pesquisa. Observe-se os dados da tabela abaixo, retirada do anuário de 2023 da ABLA.
TABELA 14

De acordo com os dados acima, pode-se entender que o fenômeno aqui descrito é fruto da observação de uma dimensão espacial, de algo que está marcado atualmente na paisagem da cidade do Rio de Janeiro. É cada vez mais comum ver, diariamente, entregadores em bicicletas com diversas mochilas de variadas cores para o transporte de mercadorias, representando empresas como Ifood, Rappi e a extinta Uber Eats, que deixou o país. Nada é mais representativo que os bike boys com suas mochilas coloridas.
Mais especificamente, no caso da cidade do Rio de Janeiro, onde este estudo se desenvolve, as “laranjinhas” (bicicletas alugadas da empresa Itaú), tornaram-se símbolos na região central do município e de bairros da Zona Sul carioca. Inicialmente, com uso para lazer e prática do deslocamento modal alternativo e ecológico, as bicicletas do Itaú agora são utilizadas como forma de gerar renda por meio das entregas por delivery.
Nesse sentido, as empresas por aplicativos remodelam os espaços urbanos, flexibilizam e criam novas malhas viárias, não pautadas na engenharia dos transportes, mas projetadas e criadas por “malhas virtuais” que foram desenhadas pelos algoritmos, ou seja, pela tecnologia da informação criada por essas empresas.
Sendo assim, as instituições controlam as formas de disseminação dos seus trabalhadores-parceiros sob o espaço. Dessa forma, em consonância com as palavras de Motta Júnior (2019), as plataformas, por intermédio do seu capital e do controle do espaço matematizado, materializam as alterações no espaço físico urbano.
Essas empresas-plataforma, como o Uber, não precisam mais ser donas dos meios de produção, mas sim ter o controle dos meios sociais de produção, como o aplicativo que viabiliza o transporte de passageiros em larga escala. O Uber não é dono do meio de produção, mas é dono do capital. A propriedade do capital não é a propriedade dos objetos, mas a capacidade de agenciar meios de produção e trabalhadores através do controle de uma vasta rede. (MOTTA JUNIOR, 2019, p. 12.)
Portanto, é fundamental discutir se os aluguéis tornam-se mais uma forma de precarização do trabalho uberizado, ou melhor, do trabalho digitalizado, dentro da Economia que se digitaliza em todos os setores econômicos e sociais.
Tomando isso como referencial central, os aluguéis são precondição para trabalhadores que não detenham os meios de produção (automóveis, bicicletas e motocicletas), ou aqueles que não querem usar seus veículos particulares, a fim de preservar seus bens patrimoniais.
Fato é que a locação não se torna um meio, mas sim a única alternativa para alguns exercerem atividade remunerada por meio das plataformas. Conforme aponta Harvey (2018), as novas tecnologias surgem como meio de novas formas de manifestação do capital: “A transformação tecnológica e organizacional é endógena e inerente ao capital e não exógena e acidental (como muitos estudos frequentemente a apresentam)”. Pode-se, assim, compreender que para exercer atividade remunerada para essas plataformas digitais em específico, é minimamente necessário ter um veículo de locomoção para fazer entregas ou transporte de passageiros.
Estudos recentes da AMOBITEC5 reúnem um trabalho inédito que entrega, através do CEBRAP6, dados que até então sempre foram mantidos sigilosos das empresas de aplicativos, tais como Uber, 99, Ifood e Zé Delivery, só para citar grandes corporações do setor de transporte por aplicativos e entregas.
A partir dessa análise, pode-se afirmar que, no que concerne à novidade desse estudo, é foi possível acessar dados de remuneração por horas de trabalho, duração de jornadas, meios dos quais se utilizam motoristas e entregadores para exercerem atividades fim, com a primazia de dados disponibilizados pelas empresas à sociedade através do relatório produzido pelo CEBRAP. Isso quer dizer: se fazem por veículos próprios, alugados, ou de terceiros, entre outras possibilidades. Como demonstra o gráfico 1, abaixo, retirado do anuário de 2023 da ABLA.
GRÁFICO 1


Ao olhar para a natureza da propriedade veicular, pode-se perceber, a partir da leitura do gráfico acima, uma distinção entre a propriedade particular e os aluguéis. Dentro da ótica de “bem próprio”, apenas 23% possuem o bem quitado, enquanto mais da metade 54% possui uma pendência, por financiamento do veículo. A divisão entre “bens quitados” e “bens financiamentos” não é algo novo, mas o que chama mais atenção é a caracterização dos aluguéis como forma única para muitos motoristas exercerem o trabalho em aplicativo.
Com isso, observa-se uma divisão entre aqueles que usam de veículos próprios (quitados ou não), que juntos representam 77% dos motoristas de aplicativos, e uma parcela de outros 23% dos motoristas em aplicativo que dependem dos aluguéis. Em linhas gerais, o motorista de aplicativo ou faz uso de um veículo próprio ou utiliza das modalidades de financiamentos e aluguéis para poder trabalhar. Vale lembrar que cerca de 30% dos emplacamentos veiculares no país é feito pela locação de veículos, seja ela de natureza: terceirizada, turismo de lazer ou turismo de negócios, como mostra a tabela abaixo.
TABELA 27

Diante dos dados apresentados, elucida-se a relevância desse estudo tendo nos aluguéis o objeto desta pesquisa. No decorrer deste trabalho busca, se possível enxergar as problemáticas e desdobramentos que os aluguéis imbuem na atividade trabalho dos mesmos.
O que é verificado por vezes na locação de veículos é o reforço positivo da atividade como forma mais econômica e, de certa forma, socialmente e ambientalmente mais interessantes, assim como foi feito pela economia compartilhada, como difusora de trocar justas de ganhos e moralmente respeitando os envolvidos, até ser agregada aos capitais de riscos e investidores vorazes.
Junto aos entregadores por aplicativos, os aluguéis representam uma porcentagem menor na forma de como estes exercem suas atividades de trabalho (Tabela 2). Apresentam apenas 5% de todos entregadores, porém, ao identificar a natureza de veículos próprios em 88%, pode-se expandir para o universo de formas distintas de aluguel em: 1) as motos
(emprestadas de amigos ou conhecidos 2%), 2) (de parentes 4%) e 3) (de frota terceirizada 1 %). Quando somadas as porcentagens, os aluguéis representam uma fatia de 12% da propriedade das motocicletas. Conforme demonstram os dados abaixo, na tabela 3.
TABELA 3

É importante destacar que diferente dos carros, a natureza própria das motocicletas não se distinguiram entre quitadas ou financiadas, o que certamente não extingue a possibilidade de uma parcela significativa de financiamentos.
Assim como, num primeiro momento, entendeu-se a ideia da “economia colaborativa” com visões apenas positivas, verificada por Howe (2006), vê-se inicialmente nos aluguéis a possibilidade de exercer uma atividade econômica, por meio das plataformas. Ou seja, há também a perspectiva de olhar o lado “positivo” dos aluguéis dos veículos dos motoristas parceiros e entregadores. Considerando-se a “economia” (exposição a acidentes, degradação, custos com conservação e manutenção), pois dessa forma não precisam usar seus próprios veículos ou comprá-los, e sim alugá-los como solução mais econômica, viável e mais um reforço de positivar o crowdsourcing. Uma maneira de compartilhar veículos já existentes, que porventura estejam parados à espera da procura para locação.
Considerações Finais
No decorrer da pesquisa discutimos e buscamos explicar alguns conceitos e suas dimensões, como o Capitalismo de Plataforma e a uberização, atrelando a isso as novas caracterizações das relações do capital, trabalho e suas inovações tecnológicas. Além disso, a ampliação conceitual da visão da abordagem de Manuel Castells (1999), a respeito das TICS e sua contribuição visionária da formação de uma economia informacional, dá conta de leituras bem estabelecidas no escopo social econômico e político até o início dos anos dois mil.
Além disso, a construção do novo momento do capitalismo perpassa uma visão da celeridade das inovações tecnológicas, atreladas ao capital, algo nada novo até então. Dentro da visão de Harvey (2004), essa aceleração está associada ao que seria a compressão do espaço e tempo. Tanto na visão da compressão ou ainda a ideia de transformações aceleradas, podem ser talvez fruto do que Castells (1999) chamou de paradigma da tecnologia, ou seja, em linhas gerais, anos de desenvolvimentos de inovação (1970, mais especificamente a partir de 1975), até atingir seu ápice nos anos dois mil, com a consolidação das estruturas da tecnologia atreladas ao capital.
Baseado nas visões de Castells (1999) e Harvey (2004) é possível ler a economia de plataformas, estruturadas na lógica do capital, a informatização de todos os setores sociais, econômicos e tornar-se uma construção de vida antes dos computadores e após eles, hoje sistematizados em aplicativos, internet móvel, inteligência artificial (IA) e outros. A tecnologia atual virou senso comum e não apenas algo palpável nos centros de inovações como grandes universidades, ou centros de pesquisas e centros empresariais como o Vale do Silício.
Foram coletados dados de fontes secundárias, incluindo relatórios da ABLA (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis), estudos do DIEESE e anuários de plataformas como Uber e 99. Esses dados forneceram informações valiosas sobre a participação de veículos alugados no mercado e os custos associados à atividade. Além disso, os dados gerados pela AMOBITEC foram cruciais para este estudo. Essa associação tornou público um levantamento que reúne informações fornecidas diretamente pelas empresas de plataformas, como Uber, 99 e iFood. O estudo trouxe dados inéditos e detalhados que ampliaram a compreensão sobre o setor.
Embora a metodologia tenha sido cuidadosamente planejada, algumas limitações foram identificadas:
- Acesso a Dados Primários: Dificuldades em acessar motoristas dispostos a participar das entrevistas devido à rotina intensa de trabalho.
- Disponibilidade de Dados: Informações restritas sobre parcerias entre locadoras e plataformas, devido à confidencialidade comercial.
- Tempo e Recursos: Restrições de tempo e recursos que limitaram a possibilidade de uma amostra maior e não possibilidade de acessar os motoristas que necessitavam do aluguel, por meio das entrevistas.
Por fim, relacionar a Economia de Plataforma e a modalidade de aluguel como alternativa econômica para fins de exercer trabalho, destaca a uberização como uma forma de exploração do trabalho e confiabiliza a esta pesquisa um olhar de validação acadêmica e social sobre os ainda recentes modelos de trabalhos pautados nos aplicativos e aqui, especificamente, dos que têm a necessidade em alugar veículos.
Os aluguéis de veículos representam mais do que uma estratégia de trabalho; são uma peça central no sistema de exploração que caracteriza o trabalho plataformizado. Apesar de oferecerem uma alternativa de subsistência, eles reforçam desigualdades e precarizações que demandam atenção urgente de governos, sociedade civil e pesquisadores.
Sendo assim os procedimentos e etapas adotados ao longo desta pesquisa foram fundamentais para a estruturação de uma análise que considera a complexidade do tema e oferece uma contribuição significativa para o debate acadêmico e social.
Em síntese este estudo teve como objetivo principal investigar os impactos dos aluguéis de veículos na precarização do trabalho dos motoristas de aplicativos, no contexto do capitalismo de plataforma. Ao longo da pesquisa, foi possível evidenciar que o aluguel de veículos, embora muitas vezes a única alternativa para a entrada nesse mercado, aprofunda a exploração e a instabilidade vivenciada por esses trabalhadores.
2 Jeff Howe (2006) escreve o livro o Poder das Multidões, sendo um dos pioneiros a enxergar a potencialidade do que vinha acontecendo em relações de novos nichos de mercado, como convencionou a ser chamado de “Economia Compartilhada”.
3 A chamada gigeconomy – também conhecida como freelance economy, economia sob demanda ou, ainda, 1099 economy – é entendida como o mercado de trabalho que compreende, por um lado, trabalhadores autônomos, sem vínculo empregatício, e, por outro, empresas de tecnologia que, por meio de suas plataformas digitais, conectam esses trabalhadores ao consumidor da ponta, ao tomador do serviço, portanto. Dito de outro modo, trata-se – ao menos em teoria – de trabalho independente realizado com a intermediação de plataformas digitais, tais como Uber, 99, Rappi, Deliveroo, dentre muitas outras .Disponível em: http://bibliotecadigital.trt1.jus.br/jspui/handle/1001/2655520 Acesso em 10 de Outubro de 2024.
4 ANUÁRIO BRASILEIRO DO SETOR DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. Disponível em: <https://www.virapagina.com.br/abla2023/>. Acesso em: 12 de setembro de 2023.
5 AMOBITEC (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia).
6 CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Referências
ABLA – Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis. Relatório Anual 2023. Disponível em: https://www.abla.com.br, Acesso em: 10 dez. 2024.
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: Do empreendedorismo à exploração. São Paulo: Boitempo, 2019.
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador jus-in-time?. Estudos Avançados, v.34,n98, p. 111-126, 2020b. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/170465. Acesso em: 29 de junho de 2021.
ANTUNES, Ricardo (org.).Uberização, trabalho digital e indústria 4.0.São Paulo: Boitempo, 2020a.
CAMPOS, Claudinei da Silva; GONÇALVES, Marcelo Freire. Da economia GIG à economia de plataforma: a evolução da economia digital no trabalho humano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 26, n. 2, p. 26-41, 2022.
DIEESE. A desindustrialização e o setor automotivo: retomada urgente ou crise sem fim. Nota técnica, 2023. Disponível em: https://www.dieese.org.br, Acesso em: 10 dez. 2024.
DRUCK, Graça. A precarização social do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, R. (org). Riqueza e Miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo, Boitempo, 2013.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
HARVEY, David. O espaço como palavra-chave. GEOgraphia, v. 14, n. 28, p. 8-39, 2013.
HARVEY, David. A Loucura da Razão Econômica: Marx e o capital no século XXI. primeira.ed. [S.l.]: Boitempo, 2018.
HOWE, Jeff. The rise of crowdsourcing. WIRED, v. 14, ed. 6, p. 1-4, 6 jun. 2006.
HOWE, Jeff. O poder das multidões: porque a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios. Tradução: Alessandra MussiAraujo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
MOTTA JÚNIOR, Paulo Roberto Monsores da. Uberização como exemplo da precarização do trabalho e do espaço urbano. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA, 16., 2019, Vitória. Anais eletrônicos […] Vitória: UFES, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/simpurb2019/article/view/26339/19804. Acesso em: 25 de julho de 2022.
PESSANHA, Marcela. Precarização no capitalismo de plataforma: o caso dos motoristas de aplicativo. Revista Brasileira de Geografia, v. 4, n. 1, p. 25-40, 2019.
Rodrigues NLPR, Moreira AS, Lucca SR de. O presente e o futuro do trabalho precarizado dos trabalhadores por aplicativo. Cad Saúde Pública [Internet]. 2021; 37(11): e00246620. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00246620
SILVA, Sandro Pereira; LAMEIRAS, Maria Andreia Parente; CARVALHO, Sandro Sacchet de; RAMOS, Lauro Roberto Albrecht; FERNANDES, Leo Veríssimo. Conjuntura do mercado de trabalho no Brasil: análise dos dados até o primeiro trimestre de 2023. Brasília, DF: Ipea, set. 2023. 28 p. (Disoc: Nota Técnica, 108). Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/12385>. Acesso em: 28 de setembro de 2023.
SLEE, Tom. Uberização: A nova onda do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2017.
SRNICEK, Nick. Capitalismo de plataforma. São Paulo: Ubu, 2016.
TOZI, Marcelo. Uberização e desigualdades algorítmicas urbanas: desafios do trabalho na era digital. Revista Estudos Urbanos, v. 12, n. 3, p. 490-510, 2018
TOZI, F. As novas tecnologias da informação como suporte à ação territorial das empresas de transporte por aplicativo no Brasil. XV Coloquio Internacional de Geocrítica, Lascienciassocials y laedificación de una sociedad post- capitalista Barcelona 7-12 de Março de 2018: [s. n.], 2018.
TOZI,F.Plataformas Digitais e Novas Desigualdades Socioespaciais. São Paulo, editora Max Limonad, 2023.
1Mestrando pela UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E-mail: wil_dsp@hotmail.com