THE CORNER OF THE TOBACCO TRIMMERS OF ARAPIRACA – AL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501241255
Anderson Tiago Santos de Lima 1
Resumo
Este estudo científico aborda o canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca-AL, destacando sua relevância enquanto manifestação de arte de maneira cultural, artística e ferramenta de resistência social. A pesquisa investigou o contexto histórico da cultura do fumo, que se consolidou como atividade econômica central no município no século XX, e o papel das destaladeiras, mulheres que transformaram os salões de trabalho em espaços de expressão coletiva. Os objetivos da pesquisa tem como objetivo geral explorar o canto dasdestaladeiras de fumo de Arapiraca, destacando sua relevância cultural e artística e como objetivos específicos: descrever a história da cultura do fumo em Arapiraca, contextualizando o cenário em que surgiram as cantigas das destaladeiras; apresentar as destaladeiras de fumo e analisar os sentimentos expressos em seus cantos e melodias e expor o ato de contar, cantar e emocionar, evidenciando a interação entre a música e as narrativas das destaladeiras. Por meio de uma metodologia bibliográfica qualitativa e exploratória, se demonstrou os cantos entoados durante o árduo processo de destalação, que não apenas aliviaram a carga física do trabalho, mas também perpetuaram memórias e tradições culturais. Esses cantos, estruturados em versos solados e refrãos coletivos, revelam a riqueza das narrativas das trabalhadoras, expressando sentimentos diversos e reforçando os laços comunitários. A pesquisa compreende que os cantos transcendem sua funcionalidade original, sendo reconhecidos como símbolos de identidade e resistência cultural de Arapiraca. Apesar de pouco explorados na literatura acadêmica, esses cânticos apresentam um potencial significativo para estudos futuros e iniciativas de preservação cultural. O estudo conclui que o canto das destaladeiras não apenas preserva a memória coletiva, mas também contribui para a valorização do patrimônio imaterial brasileiro, evidenciando a necessidade de políticas públicas que assegurem sua continuidade como expressão artística e histórica.
Palavras-chave: Canto das destaladeiras de fumo, Arapiraca – AL, Arte.
1 INTRODUÇÃO
As manifestações culturais desempenham um papel essencial na preservação da identidade e na valorização do patrimônio imaterial de uma região. O Brasil, conhecido por sua riqueza cultural e diversidade, apresenta uma ampla gama de expressões artísticas e sociais que refletem a história, as tradições e as dinâmicas socioeconômicas de suas comunidades. Entre essas expressões, destacam-se os cantos de trabalho, práticas que têm suas raízes profundamente ligadas ao cotidiano dos trabalhadores rurais em diversas partes do país. Esses cantos não apenas acompanhavam atividades árduas, mas também funcionavam como ferramentas de resistência, colapso e integração coletiva, sendo especialmente importantes no Nordeste brasileiro.
No contexto da cidade de Arapiraca, localizada na região agreste de Alagoas, os cantos de trabalho ganharam notoriedade como parte integrante do cultivo do fumo, que se consolidou como a principal atividade econômica do município durante grande parte do século XX. Introduzida no final do século XIX, a cultura do fumo mudou a dinâmica socioeconômica local, melhorando práticas agrícolas de subsistência e envolvendo a participação colaborativa de famílias inteiras no plantio, colheita e destalação.
As destaladeiras de fumo, em especial, emergiram como figuras centrais nesse processo, com suas cantigas, sendo usadas para aliviar o peso do trabalho e fortalecer os laços comunitários. “Um canto, um grupo, uma história. Assim são as Destaladeiras de Fumo de Arapiraca, mulheres que juntas entoam um som de outrora, remontando a uma época em que as vozes, por vezes, eram sufocadas pelo trabalho, outras, aliviavam a labuta diária” (Rocha, 2021, p. 14). As destaladeiras de fumo formam um grupo de mulheres oriundas do município de Arapiraca, em Alagoas, cuja atuação foi marcante no contexto histórico do cultivo do tabaco na região. Durante as décadas de 1950 a 1980, período em que Arapiraca se destacou como um dos maiores polos produtores de fumo no Brasil, essas mulheres desempenharam jornadas de trabalho exaustivas nos salões destinados à preparação do tabaco ou armazéns, na destalagem e seleção das folhas de fumo (Rocha; Loponte, 2023).
As cantigas entoadas pelas destaladeiras de fumo são expressões culturais singulares que encapsulam narrativas históricas, resistências sociais e emoções profundas. Contudo, apesar de sua relevância, essas manifestações culturais ainda são pouco exploradas no campo acadêmico, carecendo de registros e análises sistemáticas que evidenciam seu valor artístico e sua contribuição para a memória coletiva de Arapiraca. Essa lacuna na literatura, aliada ao declínio do cultivo do fumo e à consequente ameaça de desaparecimento dessas tradições, torna urgente uma investigação sobre os cantos das destaladeiras, tanto para documentá-los quanto para compreender sua importância sociocultural. “[…] cada vez que se aprende, que se canta a música, muitas vezes é feita alguma alteração ou improviso, que aumenta o labirinto que leva à composição original” (Gianelli, 2012, p. 36).
Diante do exposto o tema desta pesquisa científica é intitulada: O canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL.
O problema que orienta esta pesquisa pode ser formulado da seguinte maneira: os cantosdas destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL podem ser considerados como uma manifestação artística e como elemento central da valorização cultural da região?Essa indagação busca compreender não apenas o papel das cantigas como ruptura às condições de trabalho, mas também sua relevância enquanto expressão artística e cultural que reflete a identidade e a resistência das trabalhadoras.
Diante disso, este estudo apresenta como objetivo geral explorar o canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca, destacando sua relevância cultural e artística. Para atingir esse objetivo, foram traçados os seguintes objetivos específicos: descrever a história da cultura do fumo em Arapiraca, contextualizando o cenário em que surgiram as cantigas das destaladeiras; apresentar as destaladeiras de fumo e analisar os sentimentos expressos em seus cantos e melodias e expor o ato de contar, cantar e emocionar, evidenciando a interação entre a música e as narrativas das destaladeiras.
A relevância desta pesquisa é dupla. Teoricamente, ela contribui para a ampliação do conhecimento sobre manifestações culturais no Brasil, abordando a relação entre trabalho, arte e resistência em contextos históricos específicos. A pesquisa destaca também o papel das mulheres na perpetuação de tradições populares e na construção de memórias coletivas. Praticamente, os resultados obtidos podem subsidiar políticas públicas voltadas à preservação do patrimônio imaterial, promovendo o registro e a valorização das cantigas das destaladeiras em programas culturais e educacionais.
Assim, a presente pesquisa busca preencher lacunas importantes na literatura acadêmica e trazer à luz uma prática cultural de valor inestimável, que transcende seu contexto original para se consolidar como um símbolo da identidade e da criatividade do povo de Arapiraca – AL. Ao explorar o canto das destaladeiras de fumo, espera-se não apenas preservar essa tradição, mas também promover reflexões sobre o papel das manifestações culturais na construção de uma sociedade que reconhece e valoriza seu patrimônio imaterial.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 História da cultura do fumo de Arapiraca-Alagoas
Segundo Guedes (1978), a cultura do fumo teve início nos anos finais do século XIX, sendo introduzida por Francisco Magalhães. Este, inspirado pelas sugestões de Pedro Vieira de Melo, um almocreve oriundo de Lagarto-SE que comercializava produtos nas feiras da antiga vila de Arapiraca, deu os primeiros passos para estabelecer uma atividade que se tornaria central para a economia e a identidade cultural da região (Oliveira, 2023).
Sendo assim, a cidade de Arapiraca, situada na região agreste de Alagoas, a pouco mais de 100 km da capital Maceió, alcançou seu auge econômico durante o século XX, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Esse período de prosperidade foi impulsionado pela expansão da indústria fumageira, que se consolida como a principal atividade econômica local. Além disso, o posicionamento geográfico estratégico de Arapiraca, localizado no centro do estado, contribuiu significativamente para o dinamismo de seu comércio, favorecendo a circulação de produtos e a integração regional. O cultivo do fumo substituiu gradativamente a agricultura de subsistência, trazendo uma fonte de renda significativa para as famílias envolvidas. As atividades de plantio, colheita e destalação foram realizadas de forma colaborativa por todos os membros da família (Gelamo, 2018; Oliveira, 2023).
Por várias décadas, o cultivo do fumo esteve profundamente enraizado no cotidiano das famílias de Arapiraca, abrangendo majoritariamente pequenas produções rurais que cultivavam em terras próprias ou arrendadas. O manejo do plantio envolve a participação direta de trabalhadores locais e migrantes, atraídos de outras regiões de Alagoas e até de estados vizinhos. Esses trabalhadores se deslocavam sazonalmente para Arapiraca durante o período da colheita, permanecendo na região até o fim da safra para contribuir com as atividades nas plantações de fumo (Rocha, 2021).
2.2 As destaladeiras de fumo
O processo de preparação do fumo incluiu uma etapa fundamental conhecida como destalação, em que os talos foram cuidadosamente removidos das folhas. Essa prática tem sido realizada desde a introdução da cultura do fumo no agreste alagoano, um marco que, segundo o historiador Zezito Guedes, remonta ao final do século XIX (Oliveira, 2023).
As Destaladeiras de Fumo representam um símbolo vivo da cultura de Arapiraca, um grupo que atravessou o período de apogeu e declínio da cultura do tabaco, carregando consigo uma tradição ressignificada para o presente, agora associada a outras manifestações culturais. Além das emblemáticas cantigas do fumo, Arapiraca também foi palco de diversas manifestações culturais marcantes, como os grupos de coco de roda liderados por Seu Nelson Rosa, os guerreiros animados pelo Mestre Elias que traziam vivacidade às comunidades, as jornadas de pastoris que enriqueciam as celebrações natalinas e os sanfoneiros que enchiam de alegria os forrós que marcavam o encerramento das noites dedicadas ao fumo (Oliveira, 2023).
Essas manifestações culturais estão profundamente ligadas à história de Arapiraca, cuja economia, por mais de meio século, foi amplamente moldada pela expansão dos grandes plantios de tabaco que circundavam a cidade. Até a década de 1990, o fumo ocupava uma posição central na identidade econômica e social do município, sendo o principal motor de desenvolvimento local (Oliveira, 2023). Entretanto, com o crescimento da produção:
Durante a colheita de fumo, era prática comum armazenar as folhas em casas de pessoas que não possuíam terras para cultivo, de modo que essas pessoas pudessem realizar o trabalho de destalação. Esse processo transformava as folhas em matéria-prima para a produção da corda de fumo. Entre essas pessoas eram pequenos produtores que, após venderem suas terras, migraram para outras localidades em busca de melhores condições de vida, mas acabaram retornando sem sucesso e passaram a trabalhar de forma esporádica, dependendo de serviços eventualmente oferecidos por terceiros. Além disso, Oliveira (2005) aponta que esse trabalho também foi praticado por indivíduos que nunca foram trabalhadores rurais, residindo permanentemente na cidade. Muitos deles, já treinados, viam na destalação uma oportunidade de renda adicional durante o período da colheita, realizando essa atividade em suas casas. Essa dinâmica reflete a complexidade das relações de trabalho e subsistência em torno da cultura do fumo, abrangendo tanto trabalhadores rurais quanto urbanos em um ciclo de sazonalidade e adaptação.
Apesar de sua relevância histórico-cultural, as cantigas das Destaladeiras, que representam um importante marco da memória coletiva do município, são ainda pouco abordadas em publicações acadêmicas e periódicos nacionais (Oliveira, 2023). No entanto, um registro notável dessa história encontra-se na obra do historiador Zezito Guedes (1999), As Cantigas das Destaladeiras, na qual o autor documenta e recupera as narrativas das mulheres que protagonizaram esse capítulo da história local. Seu trabalho destaca os salões de fumo como espaços não apenas de trabalho, mas também de expressão cultural, onde as cantigas emergiram como um reflexo das experiências, emoções e resistências dessas mulheres.
As Destaladeiras de Fumo, por meio de seus cantos, preservam e reconstituem memórias que narram os acontecimentos e posicionamentos vívidos em Arapiraca, imortalizando o vínculo histórico e cultural com a terra do fumo. Esses cantos não se limitam a descrever o contexto do trabalho; eles incorporam elementos de outras expressões culturais, como o improviso dos aboiadores, as quartas dos violeiros, os versos dos cordéis, as cantigas de reisado e de roda, entre outras melodias características do cotidiano das trabalhadoras. Monteleone (2020) argumenta que esses cantos de trabalho transcendem a funcionalidade, encapsulando celebrações de feitos e características naturais, como boas colheitas e a chegada do verão, além de marcar pontos geográficos e temporais – rios, animais, florestas – e narrar eventos históricos marcantes, incluindo as lutas diárias pela sobrevivência e a dureza da vida (Oliveira, 2023).
O grupo, formado por senhoras aposentadas da atividade fumageira, passava a se reunir regularmente sob a sombra de um pé de umbuzeiro, árvore típica da região. Nessas reuniões, relembravam e reinventavam as letras das canções, principalmente dentro da própria localidade. Contudo, devido à forte identidade representativa cultural de Arapiraca, o grupo logo foi convidado a se apresentar em eventos regionais, atraindo a atenção da pesquisadora Renata Mattar. Encantado com o grupo, Mattar integrou as Destaladeiras em projetos musicais de grande relevância, liderando turnês por mais de cem cidades brasileiras e promovendo a gravação de álbuns musicais (Oliveira, 2023).
Essa trajetória não apenas resgata e revitaliza uma tradição histórica de Arapiraca, mas também projeta as Destaladeiras de Fumo como guardiãs de uma memória cultural única, transformando-as em símbolo de resistência, criatividade e reinvenção cultural (Oliveira, 2023).
O grupo cultural das Destaladeiras de Fumo era composto por cinco senhoras, sempre acompanhadas do Mestre Nelson Rosa, cuja liderança e dedicação marcaram profundamente sua trajetória. Após o falecimento de Nelson Rosa, em 2017, sua filha, a professora Regineide Rosa, que já integrou as apresentações, contribuiu com a colaboração das atividades. Seu propósito é claro: manter vivo o legado de seu pai e preservar a memória das cantigas das Destaladeiras de Fumo, resgatando uma parte essencial da cultura popular de Arapiraca (Oliveira, 2023).
Regineide Rosa, além de coordenadora do grupo, é professora e diretora de uma escola no Povoado Fernandes, uma localidade que carrega um histórico rico de valorização e retomada das tradições populares. Segundo Regineide, essa herança cultural tem suas raízes em seu avô, que transmite o legado ao Mestre Nelson Rosa. Este, além de fundador do grupo das Destaladeiras de Fumo, também coordenou o grupo de coco de roda da comunidade e se destacou como autor de diversas letras interpretadas durante as apresentações (Oliveira, 2023).
A continuidade do trabalho pelas mãos de Regineide reafirma a importância da preservação da memória coletiva e da cultura popular, garantindo que as histórias e cantos das Destaladeiras de Fumo continuem a ecoar (Oliveira, 2023), inspirando novas gerações:
Discute lá seu dotó, Como é feito O meu Nordeste
Esse meu Brasil Caboclo, Onde tem cabra da peste
Que trabaia O ano inteiro, Dia e noite, noite e dia
Pro que eu sei que é Que não quer faltar
O pão pra sua famia
O caboclo sertanejo, Que se levanta ao nascer da aurora
Abre a porta e sai pra fora, No cantar da passarada[1]
(Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca)
Os cânticos entoados nos salões de fumo de Arapiraca são testemunhos vivos do cotidiano dos trabalhadores, narrando histórias de trabalho árduo, lamentos e amores. Por meio dessas melodias, preserva-se a memória coletiva das atividades que compunham a rotina do cultivo do fumo, desde o plantio e a colheita até as introduções e outros processos laborais (Oliveira, 2023), como ilustrado no fragmento a seguir:
Pisa Morena no caroço da mamona você toma o amor das outras
mas o meu você não toma Se tomar eu vou buscar
Pisa morena no caroço do Juá…[2]
(Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca)
A conexão entre os membros dos grupos das Destaladeiras de Fumo e aqueles que, mesmo como espectadores, se sentem parte desse universo cultural, criam uma dinâmica única (Oliveira, 2023).
2.3 Um canto para cada situação e sentimento
Com o avanço da cultura, nos salões do fumo, nasceram as Cantigas das Destaladeiras, manifestações musicais que, conforme aponta Guedes, foram moldadas por uma rica diversidade de influências culturais trazidas de diferentes regiões de Alagoas. Essas cantigas refletiram a vivência das trabalhadoras, transformando o cotidiano laborioso em uma expressão cultural singular (Oliveira, 2023).
“Eu num pranto mais café Vou prantá canaviá
Se a cana num dé dinheiro, ôle lê
Eu vou vê se o fumo dá” [3]
(Deixei de planta café, Cantiga das Destaladeiras)
Segundor Guedes (1978), as Cantigas das Destaladeiras de Arapiraca têm suas origens profundamente enraizadas na confluência cultural do agreste alagoano, região estrategicamente situada entre a Zona da Mata e o Sertão. Essa posição geográfica privilegiada permitiu que diversas tradições folclóricas dessas regiões influenciassem a formação das cantigas entoadas durante a destalação das folhas de fumo. Da Zona da Mata destacam-se manifestações como o Coco, a Cantiga de Roda e o Reizado, enquanto do Sertão veio o Aboio, a Toada, a Cantoria de Viola e a Cantiga de Eito. Essas expressões culturais tiveram um impacto decisivo na criação das cantigas entoadas pelas mulheres nos salões de fumo. Sentadas no chão, elas utilizavam essas melodias para evitar o cansaço e o sono enquanto realizavam uma extenuante tarefa de destalação. Com o passar do tempo, essas cantigas absorveram elementos únicos da vivência local, adquirindo características próprias que se consolidaram como uma manifestação cultural autêntica do povo da região fumageira, refletindo a identidade, a resistência e a criatividade das trabalhadoras.
No início do século XX, as influências culturais e sociais foram profundamente marcantes em Arapiraca, Alagoas. Nesse contexto, Manoel de Paula Magalhães, como conhecido Né de Paula, destacou-se como uma figura de relevância, a ponto de inspirar versos nas cantigas das Destaladeiras de Fumo. Ele era descendente de Francisco de Paula Magalhães, reconhecido como o pioneiro da cultura do fumo na região agreste de Alagoas. Além de sua contribuição para o desenvolvimento econômico local, Francisco também desempenhou um papel político significativo ao integrar a Junta Governativa de Arapiraca no período de 30 de outubro de 1924 a 7 de janeiro de 1925, logo após a política de emancipação do município (Oliveira, 2023).
“Seu né Seu né
Só brinca hoje
Na fazenda se quisé”
“Seu Né de Paula
Sé parece um raio de sol
Quando vem chegando
Na fazenda Seridó”[4]
(Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca)
É frequente depararmo-nos com narrativas que exaltam homens considerados bemsucedidos, apresentados como líderes econômicos, culturais e políticos em diversas localidades do Brasil. Essas histórias frequentemente são retratadas como chefes de família e figuras fundadoras de suas comunidades, cujas trajetórias foram construídas sob a ótica do esforço, do trabalho árduo e da superação, resultando em biografias que reforçam seu protagonismo nos contextos sociais em que estão inseridos (Oliveira, 2023).
É importante destacar que tais relatos se inserem em uma estrutura social marcada pelo machismo, fundamentada em concepções que negam a igualdade de direitos entre os gêneros e privilegiam o masculino em detrimento dos demais. Nesse contexto, as contribuições das mulheres na cadeia produtiva do fumo são frequentemente subestimadas, seja pela desvalorização das atividades domésticas, seja pela minimização da importância da destalação do fumo, tratada como uma tarefa de menor relevância (Oliveira, 2023). Rocha (2021) aponta que, no âmbito da produção do fumo, a mão de obra feminina era tradicionalmente procurada para atividades consideradas “mais delicadas”, baseada em uma suposta fragilidade da natureza feminina, que as impede de assumir tarefas vistas como mais pesadas, reservadas aos homens.
Essa percepção de fragilidade, no entanto, não corresponde à realidade enfrentada pelas mulheres, especialmente no árduo processo de destalação do fumo. Para mitigar o peso físico e emocional do trabalho, elas recorriam ao canto, transformando uma tarefa extenuante em um momento de expressão coletiva (Oliveira, 2023). As cantigas ajudavam a suavizar o fardo diário, reforçando laços de solidariedade e resistência entre os trabalhadores.
“Pobrezinhas das operárias De que vão vive agora
Que o fumo acabou-se moreninha Pegue a reta e vão indo imbora” [5]
(Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca)
2.4 Os cantos do trabalho: as melodias das destaladeiras de fumo
Os cantos de trabalho são manifestações culturais que refletem uma profunda conexão mágico-ancestral entre homens, mulheres e a natureza. Apresentados em diversas comunidades ao longo da história, esses cantos vão além de sua função estética: eles emergem como ferramentas para amenizar o exercício físico, dar ritmo e cadência às atividades laborais e servir como formas de comunicação e resistência coletiva (Rocha, 2022)
Atividades como destalar o fumo, bater feijão, tanger o gado, apanhar algodão, quebrar coco, levantar casas, arar a terra, capinar mato ou lavar roupas são historicamente associadas a jornadas árduas. Essas tarefas, realizadas por pessoas humildes, muitas vezes ocorrem sob o sol escaldante, a chuva forte, a escuridão da noite ou em condições adversas. Seja por escolha ou por necessidade, esses ofícios são desenvolvidos por indivíduos sozinhos ou em grupo. Contudo, quando realizados coletivamente, os trabalhadores frequentemente cantam, sincronizando seus movimentos ao ritmo das melodias. As batidas e compassos criam uma harmonia entre os corpos que se movem, dobram e desdobram em uníssono, transformando o trabalho em uma expressão de solidariedade e cooperação (Rocha, 2022)
Como destaca Fonseca (2015, p. 11), “o compasso marcado embala a todos num só golpe, música e trabalho, tornando a tarefa mais amena, fazendo o tempo fluir e a dor ganhar a companhia da mão que bate, do corpo que vibra e da voz que canta.” Nas roças, nos salões de fumo e em outras atividades do campo, esses cantos se tornam uma força agregadora. Eles unem as comunidades em torno do trabalho, criando uma atmosfera de cooperação que alivia o peso das tarefas e reforça os laços sociais, transformando o esforço diário em uma prática mais leve, produtiva e humanizada.
Os Cantos de Trabalho, que outrora desempenharam um papel significativo na vida dos trabalhadores, hoje encontram maior presença em contextos rurais. Contudo, sua prática ainda pode ser observada, embora de forma mais rara, em espaços urbanos, seja como atividade coletiva ou individual (Rocha, 2022)
O estado de Alagoas, assim como outras regiões do Nordeste, mantém-se como um importante reduto desses cantos de trabalho, nos quais cultura e tradição se entrelaçam de maneira marcante. Essas manifestações culturais são protagonizadas pelos trabalhadores durante suas jornadas, seja nas batatas de feijão, nos salões e roças de fumo conduzidas pelas Destaladeiras de Fumo de Arapiraca, ou nos trajetos percorridos pelos vaqueiros ao dirigir o gado (Rocha, 2022). Lindoso (2005) observa que é impossível dissociar a existência cultural de sua base social, reforçando que a cultura alagoana não pode ser compreendida sem sua sociedade, uma vez que a organização histórica dessa sociedade está profundamente vinculada ao processo de colonização e às dinâmicas de trabalho e vida coletiva.
Santos et al., (2020) argumentam que a presença da música contribui para tornar o ambiente mais leve, alegre e dinâmico, além de transformar os momentos e espaços em oportunidades para ricas trocas de experiências. Nesses contextos, a música desempenha um papel central no desenvolvimento da interação social, estimulando a criatividade, a memorização e a expressão individual e coletiva, entre outros aspectos.
A música, como linguagem, carrega mensagens que comunicam e transmitem significados profundos, tornando essencial compreender o que ela expressa ou deseja transmitir. Por meio da voz, seja ao falar ou cantar, uma ampla gama de informações é compartilhada, muitas vezes sendo preservada ao longo de gerações. Essa observação é evidente nos cantos de trabalho, uma prática tradicional e histórica do Brasil, especialmente presente nas áreas rurais. Esses cantos, como afirmam Cuervo e Maffioletti (2016, p. 26), descendem da mistura de tradições culturais indígenas, africanas e europeias e são preservados e transmitidos de geração a geração por tradição oral.
Mattar (2009) relata que, ao chegar ao povoado de Vila Fernandes, nas proximidades de Arapiraca, observou-se que as mulheres destaladeiras de fumo tinham deixado de cantar durante o trabalho desde meados da década de 1960. No entanto, com sua presença na comunidade, essas mulheres trouxeram à tona as melodias que permaneceram vivas em suas memórias. Assim, foi possível resgatar e ouvir as cantigas que outrara acompanhavam o árduo processo de destalação das folhas de fumo, preservando um fragmento importante dessa prática cultural.“[…] trabalho esse muito duro e demorado” (Mattar, 2009).
Mattar (2009) explica que as destaladeiras se reuniam em grupos organizados, muitas vezes formando rodas de trabalho nos salões das fazendas de fumo, espaços criados especificamente para essas atividades coletivas. Nesses salões, as mulheres se dedicavam à destalação das folhas de fumo, uma etapa essencial do processo produtivo.
Durante mais de cinquenta anos, o cultivo do fumo consolidou-se como a principal atividade econômica de Arapiraca. Nesse contexto, as mulheres desempenhavam um papel fundamental, dedicando longas horas de trabalho nos salões de fumo, muitas vezes sentadas no chão, enquanto realizavam tarefas essenciais para o processamento das folhas “[…] destalando e selecionando as folhas ao som das cantigas entoadas para espantar o sono durante as madrugadas” (Fonseca, 2015, p. 31). Os cantos entoados pelas destaladeiras caracterizam-se por uma polifonia vibrante, em que vozes se harmonizam. Geralmente, os líderes do salão assumem o papel de solistas, criando e improvisando os versos que conduzem (Fonseca, 2015).
Os cantos de trabalho desempenham um papel transformador, proporcionando uma elevação do estado de espírito em meio a tarefas árduas e prolongadas. Funcionam também como uma forma de comunicação entre os trabalhadores, permitindo-lhes compartilhar reflexões sobre o cotidiano, expressar sentimentos de amor ou abordar situações engraçadas e tristes (Mattar, 2013).
A sensação é de que essas mulheres trazem em suas vozes muitas outras vidas, como reverberações de cantos de outras mulheres que pisaram aquele chão, o chão que “guarda a música de todas as pisadas” (Skliar , 2014, p. 90)
2.5 Ato de contar, cantar e emocionar: mediante as falas das destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL
Algumas mulheres destalateiras, em uma conversa coletiva, compartilharam suas histórias relacionadas aos cantos de trabalho durante as longas jornadas de lida com o fumo (Gelamo, 2018).
Durante uma entrevista, as destaladeiras explicaram os motivos que as levaram a cantar durante o trabalho: “Cantar para animar, cantar para não dormir, para suportar o peso do trabalho”. Para uma delas, o canto era essencial para manter o ânimo e evitar o sono. Outra destacou que o silêncio absoluto no salão tornava o ambiente ainda mais propício ao cansaço e à preguiça, pois “se ficasse tudo calado dava sono… dá sono e dá preguiça porque o serviço é deficiente mesmo”. Ainda assim, uma terceira parte que o trabalho era extremamente pesado, muitas vezes se estendendo até o amanhecer, enquanto deslavam as folhas de fumo (Gelamo, 2018).
As mulheres continuaram em canto, uma delas iniciou o canto sozinha e, no segundo verso do refrão, as demais se uniam em resposta. A dinâmica seguiu com cada mulher propondo um verso individualmente, enquanto o grupo responde coletivamente com o refrão. Essa alternância de solos e refrãos não apenas marcava o ritmo do trabalho, mas também criava um senso de coletividade e pertencimento (Gelamo, 2018).
Como parte desse relato, apresento a letra de uma das cantigas entoadas por essas mulheres, convidando o leitor a imaginar e ouvir, na medida do possível, a força cultural expressa por esses versos (Gelamo, 2018). Coqueiro verde
Meu coqueiro verde
Tomba mas não cai (2x)
A moça que se casa oi não namora mais Se ela namorar
O coqueiro tomba e cai
Quem me dera saber ler
Para soletrar seu nome
Eu trazia soletrado
No chapéu daquele homem
A saudade me deixou
Na grossura de uma linha
Se não fosse a saudade
Eu não era tão fininha[6]
Uma das mulheres dobradeiras de fumo relatadas que desenvolveram palavras a partir de sua própria percepção auditiva. Como aprendeu os cantos por meio da oralidade, e não pela escrita, algumas dessas palavras não seguem as normas da língua culta ou não abrangem os vocábulos reconhecidos oficialmente. Nesse processo, ela improvisa e desafia as convenções linguísticas, criando termos únicos e originais que refletem sua vivência e criatividade, improvisando a linguagem (Gelamo, 2018). Criando:
depois que foi embora fiquei tristi …
chorando e abandona/as minhas dor …
meu peito é a tantas mágoa não resiste …
num posso domina o meu eterno grande amo …
as flore que prantasse já mucharo
e o nosso sabiá não canto mais os pombo do tearo desertaro em busca de um amo dos pombais se o relógio da sala está parado
a lâmplada virge não tem luz
que está sobre um piano apuerado
a derradera valsa apaixonada que eu compus o nosso quarto nunca foi desfeito nem/ele eu entro eu te juro
por deus a luva que deixasse em sobre a leique eu vejo as tuas mão mim
da adeus a luva que deixasse em sobre a leique eu vejo as tuas mão mim da adeus[7]
(Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca)
Uma das destaladeiras relata que aprendeu a cantar ainda na infância, observando e ouvindo as vozes que ecoavam nos salões de fumo. Segundo ela, ao entrar nos cantos de trabalho, muitas outras vozes emergem por meio de sua narrativa, refletindo uma memória coletiva profundamente enraizada em suas vivências de infância e adolescência (Gelamo, 2018).
Os cantos também serviram como uma forma de reivindicação. Quando o patrão não cumpria seu papel, os trabalhadores utilizavam melodias para exigir seus direitos, incluindo uma bebida tradicional que lhes era prometida (Gelamo, 2018). Um dos versos cantados na entrevista para Gelamo (2018), pela destaladeira ilustra esse momento de reivindicação, em que a bebida é solicitada por meio da música:
meu patrão eu quero beber
na vida eu tenho um prazer
se eu não beber vou embora9 (Cantiga das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca
Ao descrever o processo de trabalho que abrange o plantio, a colheita, a desinstalação e o preparo do fumo, a destaladeira destaca a presença marcante dos cantos, como se fossem elementos inseparáveis do trabalho. Uma das destaladeiras relembra que, desde criança, acompanhava a família na lida com o fumo, enfrentando a dureza do trabalho, principalmente durante o planejamento e a colheita, etapas que auxiliam grande esforço físico. Para tornar essas atividades mais suportáveis, como ela mesma descrita, as pessoas cantavam (Gelamo, 2018).
Essa íntima conexão entre o canto e o trabalho emerge como uma estratégia de ruptura e ânimo, suavizando a exaustão e tornando menos árdua a rotina das trabalhadoras. O ato de cantar, assim, transcende o simples entretenimento e se consolida como um recurso cultural e emocional indispensável no cotidiano das destaladeiras (Gelamo, 2018).
3 METODOLOGIA
Para a elaboração deste estudo, cujo tema central aborda os cantos de trabalho das Destaladeiras de Fumo de Arapiraca – AL, sendo adotadas diferentes abordagens metodológicas. O foco principal recai sobre a realização de uma pesquisa qualitativa, conduzida de maneira estruturada e sistematizada, com o objetivo de compreender com qualidade os aspectos inerentes a temática.
Então segundo Oliveira et al. (2020, p. 02), “[…] uma pesquisa de natureza qualitativa busca dar respostas a questões muito particulares, específicas, que precisam de elucidações mais analíticas e descritivas”.
No que diz respeito aos meios ou procedimentos, a pesquisa é bibliográfica, sendo realizada a partir de levantamento e análise crítica de materiais já publicados, como artigos científicos, livros, dissertações, teses e outras fontes relevantes para a temática que envolveu desde a pesquisa científica da história da cultura do fumo em Arapiraca – AL; o que são as destaladeiras do fumo e seus cantos expressando sentimentos enquanto trabalham; o canto do trabalho das destaladeiras mediante a melodias e o ato de contar, cantar e emocionar: mediante a música e as falas das destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL.
É importante destacar que a coleta de dados foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica. Esse método permitiu a fundamentação do estudo a partir de um amplo levantamento de materiais científicos previamente publicados, baseando-se nas contribuições de autores que já exploraram o tema em questão. Essa abordagem garantiu a construção de uma base teórica sólida e compatível com as discussões acadêmicas existentes.
Sendo assim, Pizzani et al. (2012, p. 54), cita que o entendimento da pesquisa bibliográfica é: “[…] a revisão de literatura sobre as principais teorias que norteiam o trabalho científico” e o levantamento bibliográfico pode ser realizado “[…] em livros, periódicos, artigo de jornais, sites da Internet entre outras fontes”
E finalizado, quantos aos objetivos a pesquisa classifica-se como exploratória , pois caracteriza-se em buscar e compreender de forma mais clara, os cantos das destaladeiras de fumo de Arapiraca-AL
A pesquisa exploratória tem como objetivo principal fornecer uma compreensão mais aprofundada e inicial sobre o problema em estudo, buscando sua explicitação e clareza. Esse tipo de pesquisa pode incluir a realização de levantamentos bibliográficos e entrevistas com pessoas que possuíssem experiência relevante no tema investigado. Frequentemente, adota abordagens como revisão bibliográfica e estudo de caso para explorar os aspectos fundamentais do problema e orientar futuras investigações (Gil, 2008).
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
4.1 Resultados
Os resultados apresentados a seguir, estão ligados diretamente aos objetivos específicos e ao problema de pesquisa, permitindo uma análise abrangente do canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca-AL.
A introdução do cultivo do fumo no final do século XIX localizou uma transformação socioeconômica em Arapiraca – AL, que, durante o século XX, se consolidou como um polo econômico no agreste alagoano. A indústria fumageira, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, trouxe prosperidade, melhorando a agricultura de subsistência e gerando renda significativa para as famílias locais.
O trabalho colaborativo no plantio, colheita e desinstalação envolve tanto trabalhadores locais quanto migrantes. Esse movimento socioeconômico contribuiu para a formação de um ambiente cultural dinâmico, no qual as cantigas desempenharam um papel central, aliviando o esforço físico e emocional.
As destaladeiras emergem como figuras emblemáticas na cadeia produtiva do fumo. Suas cantigas, muitas vezes improvisadas, funcionavam como um elo entre o trabalho e a cultura. Essas melodias, estruturadas em versos solados e refrãos coletivos, reforçam laços de solidariedade, além de oferecer uma narrativa rica das vivências de trabalho e resistência.
As cantigas também serviram como instrumentos de reivindicação, sendo utilizadas para exigir melhores condições de trabalho ou simplesmente animar o ambiente. As letras expressam sentimentos variados, como amor, humor e tristeza, traduzindo a complexidade emocional das destaladeiras.
A prática de cantar enquanto trabalhava também proporcionou um ritmo ao árduo processo de destalação. Esse ritmo unificou as trabalhadoras em torno de um esforço coletivo, transformando o trabalho em uma experiência humanizada e menos exaustiva.
O ato de cantar transcende a função estética, constituindo-se como um recurso cultural e emocional indispensável no cotidiano das destaladeiras, onde as mulheres explicavam o
canto como uma forma de aliviar o peso do trabalho, mantendo-se alertas e conectadas umas com as outras. Além disso, os cantos carregavam memórias de infância e adolescência, consolidando-se como um vínculo intergeracional.
As falas das destaladeiras evidenciam a íntima relação entre canto e trabalho. Um dos relatos aponta que “se tudo fica calado, dava sono e preguiça”. Outra menciona que o canto era uma estratégia para suportar jornadas que muitas vezes se estendiam até o amanhecer.
Os resultados indicam que os cantos das destaladeiras vão além de uma simples função utilitária, consolidando-se como manifestações artísticas enraizadas na cultura de Arapiraca – E que essas cantigas encapsulam celebrações, narrativas históricas e resistências sociais, sendo, portanto, um valioso patrimônio imaterial da região, respondendo positivamente ao problema de pesquisa deste estudo científico.
2.2 Discursão
A análise dos resultados revelou uma rica interação entre os autores da fundamentação teórica, cujas perspectivas complementam a compreensão do conhecimento científico.
Guedes (1978) descreve o início da cultura do fumo em Arapiraca como um marco econômico e cultural. Oliveira (2023) complementa ao destacar que o trabalho das destaladeiras representava um elo entre as tradições rurais e a modernização econômica, evidenciando a centralidade das cantigas como uma forma de preservar a memória coletiva.
Gelamo (2018) enfatiza a função prática e emocional dos cantos, destacando sua importância para o bem-estar das destaladeiras. Fonseca (2015), por sua vez, acrescenta que o ritmo dos cantos promove uma sincronia entre as trabalhadoras, transformando o trabalho árduo em uma atividade mais leve e produtiva.
Mattar (2009) confirma o canto como uma prática que carrega memórias e promove a continuidade cultural, enquanto Monteleone (2020) vai além ao afirmar que esses cantos transcendem sua funcionalidade, sendo expressões artísticas que refletem a identidade e a criatividade das trabalhadoras.
Rocha (2021) aponta para a desvalorização histórica do trabalho feminino na produção de fumo, ressaltando que os cantos eram uma forma de resistência a essa invisibilidade. Santos et al., (2020) reforçam que a música no ambiente de trabalho estimula a interação social, a criatividade e o fortalecimento de vínculos, características evidentes nas práticas das destaladeiras.
Os autores convergem para a consideração dos cantos das destaladeiras como manifestações multifacetadas, que integram trabalho, cultura e arte. A análise sugere que, embora tenham emergido como uma resposta às condições laborais, os cantos transcenderam essa função inicial, consolidando-se como um símbolo de identidade cultural e resistência.
O estudo reforça a necessidade de políticas públicas para salvaguardar esse patrimônio, promovendo sua valorização em contextos educacionais e culturais. Assim, os cantos das destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL, não apenas preservam a memória coletiva, mas também inspiram novas gerações a reconhecer e celebrar a riqueza cultural brasileira.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo, ao investigar o tema dos cantos das destaladeiras de fumo de Arapiraca-AL, confirmou a relevância dessas manifestações culturais como um elemento singular da identidade e da memória coletiva da região. Os objetivos propostos foram plenamente alcançados, permitindo compreender o contexto histórico da cultura do fumo em Arapiraca, explorar as práticas das destaladeiras e seus cantos e destacar o ato de cantar como uma forma de expressão artística e emocional, que transcende sua funcionalidade original no trabalho .
Os dados analisados revelaram que os cantos das destaladeiras possuem características multifacetadas: são, simultaneamente, ferramentas para amenizar a dureza das atividades laborais, formas de resistência às condições adversas, e expressões artísticas que perpetuam tradições culturais. Essa dinâmica evidencia que os cantos podem, sim, ser considerados arte, especialmente quando apresentados sob a perspectiva de valorização cultural da região.
No campo teórico, este trabalho contribui para ampliar o entendimento sobre o papel das manifestações culturais no fortalecimento da memória coletiva, destacando as destaladeiras como guardiãs de uma tradição que, apesar de estar em risco de desaparecimento, continua a inspirar novas gerações. A pesquisa também reforça a relevância de estudar os cantos de trabalho como características que transcendem seu contexto original, aproximando-se da arte e da cultura popular.
Entre as especificações identificadas, destaca-se a dependência de registros orais e documentais limitados, considerando a escassez de publicações acadêmicas específicas sobre o tema. Além disso, o estudo abrangeu um grupo relativamente restrito de participantes, o que pode limitar a generalização dos achados. A profundidade da análise poderia ser ampliada com uma abordagem etnográfica mais extensa, que incluía observações de campo em apresentações culturais ou em contextos de preservação da prática.
As sugestões para estudos futuros incluem: Investigação da interação dos cantos das destaladeiras com outras manifestações culturais locais, como o coco de roda e o reisado; explorar a influência da música das destaladeiras em gêneros contemporâneos e sua inserção no cenário musical regional e nacional; estudar os impactos de políticas públicas voltadas para a preservação cultural, avaliando sua eficácia na valorização das tradições populares e; realizar uma abordagem comparativa com outras regiões brasileiras onde os cantos de trabalho foram ou são praticados, destacando semelhanças e particularidades.
Concluindo, o canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca – AL, é mais que uma expressão de resistência ao trabalho árduo. É uma ponte entre gerações, uma narrativa viva que conecta o passado ao presente, evidenciando a criatividade e a força das mulheres que o perpetuaram. Como patrimônio imaterial, sua preservação é essencial não apenas para a memória local, mas também para a cultura brasileira. É imprescindível que os esforços coletivos sejam direcionados para valorizar, registrar e perpetuar essa rica manifestação artística e histórica.
REFERÊNCIAS
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[1] GUEDES. Zezito. Cantigas das destaladeiras de fumo de Arapiraca. Arapiraca. 1978.
[2] GUEDES. Zezito. Cantigas das destaladeiras de fumo de Arapiraca. Arapiraca. 1978.
[3] GUEDES. Zezito. Cantigas das destaladeiras de fumo de Arapiraca. Arapiraca. 1978.
[4] GUEDES. Zezito. Cantigas das destaladeiras de fumo de Arapiraca. Arapiraca. 1978.
[5] GUEDES. Zezito. Cantigas das destaladeiras de fumo de Arapiraca. Arapiraca. 1978.
[6] Uma versão desta cantiga foi registrada pela Cia Cabelo de Maria no CD Cantos de Trabalho – Selo Sesc. –
2007 (Faixa 3)
[7] Entrevista de uma destaladeira do fumo de Arapiraca- AL, dada a Gelamo (2018) 9 Entrevista de uma destaladeira do fumo de Arapiraca- AL, dada a Gelamo (2018)
1 Graduado em Licenciatura em música e Pós Graduado em Educação musical e ensino de artes. e-mail: atsl2018@hotmail.com