O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A APLICABILIDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7931106


Jair Carvalho Junior1
Queise Quetlen Fernandes de Oliveira2
Andréia Alves de Almeida3


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo geral: analisar a aplicabilidade das medidas socioeducativas em adolescentes em conflito com a lei, além de discutir a aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente para os adolescentes em conflito com a lei. Destaca-se a importância de se considerar o adolescente infrator como sujeito de direitos e não apenas como objeto de punição. Além disso, o artigo aborda a necessidade de se respeitar os princípios fundamentais do direito penal juvenil, como o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e o melhor interesse do adolescente. O texto também aponta para as precárias condições das unidades de internação, que muitas vezes comprometem a efetividade das medidas socioeducativas. Assim, o estudo possui como metodologia dedutiva, apresentando a pesquisa fontes bibliográficas e legais, bem como, técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento.

Palavras-chave: Medidas Socioeducativas. Adolescentes. Estatuto da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT

This article has the general objective: to analyze the applicability of socio-educational measures in adolescents in conflict with the law, in addition to discussing the application of socio-educational measures provided for in the Statute of Children and Adolescents for adolescents in conflict with the law. It is important to consider the adolescent offender as a subject of rights and not just as an object of punishment. In addition, the article addresses the need to respect the fundamental principles of juvenile criminal law, such as respect for the peculiar condition of a person in development and the best interest of the adolescent. The text also points to the precarious conditions of the inpatient units, which often compromise the effectiveness of socio-educational measures. Thus, the study has a deductive methodology, presenting the research bibliographical and legal sources, as well as referent, category, operational concept and filing techniques.

Keywords: Socio-educational Measures. Teenagers. Child and Adolescent Statute.

1 INTRODUÇÃO

A violência praticada por adolescentes no Brasil tem crescido assustadoramente. Notícias veiculadas na mídia impressa e eletrônica mostram cotidianamente casos de estupros, sequestros, homicídios e roubos, praticados, inclusive, por adolescentes, acendendo a discussão sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, apontado essa perspectiva como solução para a problemática da violência crescente no país (RIBEIRO, 2018).

Dessa forma, definiu-se uma problemática para o presente tema: Como garantir que as medidas socioeducativas sejam efetivas na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei, considerando a complexidade dos fatores que contribuem para sua delinquência e os desafios na implementação dessas medidas pelo sistema socioeducativo?

A partir disso, o objetivo geral será analisar a aplicabilidade das medidas socioeducativas em adolescentes em conflito com a lei. Já os objetivos específicos busca-se investigar as principais causas que levam os adolescentes a cometerem atos infracionais e entrarem em conflito com a lei; Avaliar a eficácia das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei; Identificar os desafios enfrentados pelos órgãos responsáveis pela aplicação das medidas socioeducativas na busca pela efetivação dos direitos dos adolescentes em conflito com a lei.

A escolha desse tema é motivada pela sua relevância social e jurídica, já que o envolvimento de adolescentes em atos infracionais tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, em meio ao crescente índice de violência e criminalidade. Nesse contexto, torna-se imprescindível discutir as medidas socioeducativas aplicáveis a essa população.

Ademais, compreender a efetividade dessas medidas na ressocialização dos adolescentes é fundamental, pois a sua aplicação deve considerar não somente o ato infracional cometido, mas também as causas e os fatores que contribuíram para a sua delinquência, demandando um enfoque multidisciplinar.

Diante disso, justifica-se a realização de estudos que investiguem a aplicabilidade das medidas socioeducativas e sua eficácia na ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, visando promover uma reflexão crítica sobre o tema e contribuir para o aprimoramento do sistema socioeducativo.

No que diz respeito à metodologia, optou-se pela metodologia dedutiva, apresentando a pesquisa bibliográfica e legal, bem como técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento, utilizando-se como base o Direito Penal, tendo e referências legais o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e a Constituição da República Federativa do Brasil.

O presente artigo será dividido em três capítulos, no primeiro capítulo intitulado De Menor” ao cidadão sujeito de direitos,  discute-se a trajetória de crianças e adolescentes até se tornarem cidadãos. No segundo capítulo intitulado como: Princípios que norteiam Estatuto da Criança e do Adolescente,  buscou-se discutir o ECA como um importante documento para assegurar os direitos das crianças e adolescentes, e finalmente no último capítulo nossa análise se concentra na problemática, buscando demonstrar o que pode ser feito, enfim foi possível tecer as considerações finais. 

2. DE “MENOR” AO CIDADÃO SUJEITO DE DIREITOS 

De acordo com Saraiva (2005), ao decorrer da história brasileira, o atendimento à criança e ao adolescente, principalmente aos órfãos, abandonadas e as de família em situação de pobreza, quase sempre esteve marcado por forte conteúdo marginalizante e de censuras. Na maioria das vezes essas crianças e adolescentes eram amparadas pela Igreja Católica.

Desse modo, durante a etapa penal, os menores eram tratados de maneira similar aos adultos, segundo Mendez (2000). Naquele período, regido pelos Códigos Criminais de 1830 e 1890, anteriores ao primeiro Código de Menores, crianças e adolescentes eram submetidos aos mesmos procedimentos processuais e penalizados da mesma forma que os adultos nas Casas de Correção ou nas Penitenciárias. O único diferencial era o estatuto da menoridade aos 14 anos, que atuava como um fator atenuante da pena. No entanto, conforme Rizzini (1995, p. 104), crianças e jovens eram duramente punidos antes de 1830, sem qualquer tipo de distinção em relação aos delinquentes adultos.

Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança e ao adolescente uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20.11.1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no art. 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança e do adolescente (BRASIL, 1990).

No Brasil, o Juízo de Menores foi estabelecido e, posteriormente, em 12 de outubro de 1927, o primeiro Código de Menores foi criado com base no Decreto 17.943-A. O Juizado de Menores foi criado em 1923, tendo Mello Mattos como o primeiro Juiz de Menores na América Latina. Em 1927, o primeiro conjunto de leis destinadas à população menor de 18 anos foi promulgado, conhecido como Código Mello Mattos.

De acordo com o autor Andrade (2014), a lei em questão utiliza o termo “menor” com uma conotação intrínseca de inferioridade, sugerindo que essas pessoas são menos capazes, pobres e perigosas, o que insinua que esses indivíduos são marginais. Além disso, Andrade (2014) destaca a disparidade no uso dessa palavra em relação a crianças ricas e pobres, em que a primeira é vista como uma possível futura líder da sociedade e, portanto, políticas públicas de família e boa educação são pensadas para ela, enquanto a segunda tem um objetivo diferente, como já mencionado.

Dessa forma, a lei não distinguia os abandonados, de crianças pobres delinquentes, sendo o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao novo Direito da Criança. Refere Irene Rizzini (2006, p.28) que:

[…] a extensão do texto faz com que destoe dos demais projetos e decretos que o antecederam; porém, seu conteúdo era, em essência, o mesmo que vinha sendo formado ao longo dos anos. A leitura da lei dá a impressão que se procurou coibir um amplo espectro de situações envolvendo a população infantil e juvenil. Parece-nos que o legislador, ao propor a regulamentação de medidas de proteção, englobando a assistência, enveredou por uma área social que ultrapassava em muito as fronteiras do jurídico. O que impulsionava era ‘resolver’ o problema dos menores, prevendo todos os possíveis detalhes e exercendo firme controle sobre os menores, por mecanismos de ‘tutela’, ‘guarda’, ‘vigilância’, ‘reeducação’, ‘reabilitação’, ‘preservação’, ‘reforma’ e ‘educação’.

O autor Dal Pos (2003) argumenta que, como consequência, o juiz de menores detinha poder discricionário absoluto, já que a normatização visava resolver os problemas da população carente infantil e juvenil, institucionalizando indistintamente os abandonados e aqueles em conflito com a lei, todos considerados em situação irregular.

Os juízes eram os autores da política social para a infância pobre no Brasil.Bastava pertencer à classe carente, ou não se ajustar ao padrão estabelecido para estar ao alcance das ações da Justiça de Menores, a fim de conter a patologia social. As garantias individuais não eram observadas,e a privação da liberdade era a medida por excelência, tanto para os infratores, quanto para as “vítimas” ou “protegidos”. Esse modelo vai perpetuar-se nos anos subseqüentes atingindo seu ápice com o advento do Código de Menores de 1979 (DAL POS, 2003, p.19).

Apesar disso, não houve modificação na política jurídica com relação à criança e à adolescência de 1928 a 1987 no Brasil, exceto pelo Código Penal de 1940 que, por uma questão de política criminal, estabeleceu a imputabilidade penal aos dezoito anos, mantida atualmente e o Código de Menores (Lei nº 6.697), que rompeu definitivamente com a Doutrina do Direito Penal do Menor, adotando em seus dispositivos, a Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular, a qual propõe que a proteção estatal devia dirigir-se à erradicação da irregularidade da situação em que eventualmente se encontrasse o menor, sempre com a preocupação de assisti-los, protegê-los e vigiá-los sem, no entanto, proporcionar-lhe proteção integral (LIMA, 2008).

 Em 1979, com a instauração do Código de Menores, foi criada a categoria “menor em situação irregular”, o que expôs as famílias populares à intervenção estatal devido à sua condição de pobreza. (BORGES, 2016).

A partir de 1989 com a Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, a Constituição Federal (1988) e, em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.0869 de 17/07/1990) inaugura-se uma nova etapa, que é a da responsabilidade penal dos adolescentes.

A Constituição Federal expressa o reconhecimento da criança como sujeito de direitos, ao consagrar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, como expressa o seu art. 227, caput, do seguinte teor:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

O Estatuto, ao abraçar a doutrina da proteção integral, levou em consideração a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.89, e assinada pelo Governo Brasileiro em 26.01.90, com texto aprovado pelo decreto legislativo n.º 28, de 14.09.90, e promulgado pelo Decreto Presidencial nº. 99.710, de 21.11.90.

A ideologia da proteção integral, que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente, parte do pressuposto de que todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos. Os direitos à dignidade e ao respeito da criança e do adolescente revestem-se de prioridade absoluta, prioridade essa definida no artigo 4º, da Lei nº 8.069/90 (ULIANA, 2017).

3.  PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Sem dúvida o ECA foi o marco nacional de maior importância para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Mudou-se a política de arbitrariedades e a visão generalista sobre todos que se encontravam em situação de risco social, que eram estigmatizados e atendidos de forma isolada sendo privados da convivência familiar e comunitária (COSTA, 2006).

De fato, com o Advento da Constituição de 1988 e com o Estatuto, muda-se todo o direito menorista, também conhecido como a Doutrina da Situação Irregular, para uma Doutrina da Proteção Integral, ou seja, conforme Silva (2003, p.15) expõe:

Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores, e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações.

Então, pela primeira vez na história do País, o ser humano menor de dezoito anos foi conhecido como sujeito de direitos, e não apenas como objeto da proteção do Estado.  Essa proteção é integral porque diz a Constituição em seu artigo 227, apud (Liberati, 2013, p.13):

É integral, primeiro, quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo Código de Menores revogado (lei 6.697/79), que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas judiciais, quando evidenciada a situação irregular, disciplinada no art. 2º da antiga lei.

Assim com a  Teoria da Proteção Integral formam-se não mais um só ente em prol da defesa do menor, mais sim um conjunto formado pela Família, Sociedade e Estado, afirma Silva (2013, p.13), “nesse sentido que a própria Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, e sua proteção é dever da família, da sociedade e do estado.”

 Por efeito das novas normas há de se enfatizar a aplicação dos princípios básicos que nortearam o novo direito da criança e do adolescente, pois eles somam um conjunto de ideias formando uma só linha de pensamento, e ainda com clareza explica Elisabeth Schreiber (2001, p.70):

Os princípios são ideias centralizadoras e caracterizantes do sistema jurídico como um todo. Dirigem-se aos órgãos de aplicação da lei, que se utilizam para a função de esclarecimentos e amoldamento do conteúdo das normas jurídicas em aplicação.

Segundo esta autora a indispensabilidade dos princípios constitucionais na sua função ordenadora, não só porque harmonizam e unificam o sistema constitucional, como também revelam um novo plano de vida no plano político, expressando valores que inspiraram o constituinte na elaboração da constituição e orienta os políticos em suas decisões fundamentais (SCHREIBER, 2001).

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata dos princípios sem distinção entre crianças e adolescente o que rompeu totalmente com o Código de Menores de 1979, que ora trazia distinção entre crianças em situação regular e irregular como explica Saraiva (2005) O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se baseia no princípio de que todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua origem social, têm os mesmos direitos e devem cumprir obrigações compatíveis com sua condição de desenvolvimento. Isso rompe definitivamente com a ideia anterior de que o Juizado de Menores era uma justiça destinada apenas aos pobres, enquanto a legislação baseada nesse princípio era totalmente indiferente aos bem-nascidos.

Assim, ressalta-se que foram aplicados princípios do direito penal, como o princípio da Legalidade ou da Reserva Legal, Intervenção Mínima, Lesividade, Humanidade e Culpabilidade, além dos princípios fundamentais do direito penal juvenil, como o Princípio do Respeito à Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento e do Melhor Interesse do Adolescente, entre outros (SPOSATO, 2011).

O Princípio do Melhor Interesse do Adolescente: reza que devem ser observados os critérios a serem impostos quando aplicada a medida socioeducativa, em especial a medida privativa da liberdade. Assim, afirma  Sposato (2006): Se uma medida socioeducativa representa uma resposta penal que restringe os direitos de uma pessoa, ela deve ser reduzida ao mínimo possível. A integração desse princípio às outras garantias penais e processuais só pode ser eficaz se ambas funcionarem como limitações à pretensão punitiva do Estado. Esse princípio implica na percepção das condições objetivas de cumprimento da medida escolhida para o adolescente, levando em conta sua capacidade para cumpri-la.

Quanto à medida de Internação ou privativa de liberdade existem várias considerações sobre as dimensões educacionais da aplicação dessa medida de acordo com Menezes (2008) se considerarmos que a educação tem como objetivo a construção individual do sujeito, bem como a construção de valores para o reconhecimento de sua cidadania, o isolamento do adolescente infrator em centros socioeducativos em nada contribui para esse processo. Além disso, o atual modelo socioeducativo muitas vezes acaba gerando disputas internas por espaço, já que é comum a superlotação das casas de internação.

E ainda a respeito do assunto Costa (2003) ver a medida como um avanço “o educando submetido a esta modalidade de ação sócio-educativa está privado do direito de ir e vir. Isto configura um enorme avanço em relação a medida de internação usualmente praticada no Brasil, que priva o adolescente não apenas da liberdade, mas do respeito, da dignidade, da identidade e da privacidade.

A medida de internação onde se faz presente o encarceramento, deverá ter como proposta novos comportamentos vindos dos adolescentes, que aí sim, se extrairia a finalidade educativa e ainda a de se observar os princípios e a finalidade da medida elencadas no artigo 121 e seguintes do ECA.

Os princípios que orientam a aplicação da medida de Internação são o da brevidade, da excepcionalidade, do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (GOMES, 2010).

A de se ressaltar a realidade de algumas instituições no que se refere a estrutura física do local para internação desses adolescentes conforme Teixeira (2006) a gravidade da situação é evidenciada já no espaço físico em que os adolescentes cumprem a medida socioeducativa. Aspectos como higiene, salubridade e falta de luz natural são comuns. Essa situação foi apontada desde o levantamento nacional realizado pelo antigo departamento da criança e do adolescente do Ministério da Justiça em 1999. Muitos estabelecimentos prisionais foram transformados em unidades de internação, mas estão em visível deterioração, com comprometimento das instalações hidráulicas, sanitárias e elétricas.

Portanto, se conclui a medida deve ser aplicada em estabelecimento fechado, existindo algumas exceções, como a possibilidade de o adolescente realizar atividades externas, a critério de sua equipe técnica (artigo 121, parágrafo 1º); após cumprido o prazo máximo de três anos (parágrafo 3º), o adolescente será liberado ou colocado em regime de semi- liberdade ou liberdade assistida (parágrafo 4º) (BRASIL, 1990).

3.1 O adolescente em conflito com a lei e as medidas socioeducativas

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) prevê a aplicação de medidas de proteção, destinadas às crianças e adolescentes que tenham direitos reconhecidos ameaçados ou violados, bem como à criança infratora, ou seja, aquela que com idade inferior a 12 anos e que comete conduta prevista como crime ou contravenção penal. São elencadas no artigo 101 do ECA.

Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial, de auxílio à família, à criança e ao adolescente;V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;VII – abrigo em entidade;VIII – colocação em família substituta.

As medidas socioeducativas são aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, vale dizer, aqueles que estão na faixa dos 12 aos 18 anos e que cometem crimes ou contravenções penais, assim o artigo 112 do ECA, diz que: 

Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:I – advertência;II – obrigação de reparar o dano;III – pressão de serviços à comunidade;IV – liberdade assistida;V – inserção em regime de semi liberdade;VI – internação em estabelecimento educacional;26VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.§ 1° – A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.§ 2° – Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.§ 3° – Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam e acreditam, o ECA não prevê e nem defende a impunidade do adolescente infrator, mas possui disposições legais pertinentes que buscam inibição dos atos ilícitos cometidos por adolescentes, prevendo a reeducação através das medidas socioeducativas.

Segundo Volpi (1999) na aplicação das medidas socioeducativas, o juiz considera as características da infração penal cometida pelo adolescente, as circunstâncias familiares, bem como a disponibilidade de programas específicos para ser ele atendido, visando à reeducação e à ressocialização. Também, é considerado o denominado princípio da imediatidade, vale dizer, a aplicação da medida logo após a prática do ato.

No sistema adotado no ECA, as medidas socioeducativas não devem ser aplicadas isoladamente, deverão ser consideradas as circunstâncias sociais, culturais e econômicas em que está envolvido o adolescente infrator. É necessário ainda que o Estado tenha políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das medidas previstas contraria a finalidade de reeducação e ressocialização, além do caráter retributivo que lhe são inerentes (LAMBERT, 2016).

4. A PROBLEMÁTICA DA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Finalmente após uma abordagem geral das leis e princípios que norteiam as medidas socioeducativas voltamos ao problema: Como garantir que as medidas socioeducativas sejam efetivas na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei, considerando a complexidade dos fatores que contribuem para sua delinquência e os desafios na implementação dessas medidas pelo sistema socioeducativo?

De acordo com Souza (2022)  através das  unidades e/ou programas de atendimento socioeducativo devem construir seu projeto educativo de acordo com os princípios norteadores de sua proposta, com base no entendimento do trabalho que se quer organizar, nos objetivos e na organização que vai se dar para alcançá-los. É importante que este projeto educativo inclua informações detalhadas sobre a gestão da unidade, como assembleias, equipes e outros aspectos relevantes, além de descrever a rotina, o organograma e o fluxograma da unidade.

Também é necessário que o projeto educativo inclua informações sobre o regimento interno, o regulamento disciplinar e os procedimentos que dizem respeito à atuação dos profissionais junto aos adolescentes. Além disso, é importante que o projeto educativo inclua reuniões das equipes, estudos de caso e a elaboração e acompanhamento do Plano Individual de Atendimento para cada adolescente atendido pela unidade.

O objetivo geral do projeto educativo deve ser o de garantir que os adolescentes recebam um atendimento socioeducativo de qualidade, baseado em princípios éticos e valores humanos, que promovam o desenvolvimento integral dos adolescentes e a sua inclusão social. Para alcançar esse objetivo, é fundamental que o projeto educativo esteja alinhado com a legislação pertinente, especialmente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Além disso, é importante que o projeto educativo seja participativo e envolva não apenas os profissionais da unidade, mas também os adolescentes atendidos, suas famílias e a comunidade em que a unidade está inserida. A participação dos adolescentes é fundamental para que eles possam contribuir para a construção de um ambiente mais acolhedor e adequado às suas necessidades e expectativas (SOUZA, 2022).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Em vista do que foi exposto, é possível afirmar que a aplicabilidade das medidas socioeducativas tem sido objeto de críticas em relação à sua efetividade na ressocialização do adolescente em conflito com a lei. Isso se deve, em grande parte, à falta de investimentos adequados na infraestrutura das unidades de internação, bem como na formação e capacitação dos profissionais que trabalham com esses jovens.

A pesquisa foi conduzida por meio do método dedutivo, que permitiu a análise de artigos científicos, livros e legislações que abordaram o tema em questão para formar premissas lógicas com conclusões que seguem este raciocínio, ou seja, tal método forma uma conclusão lógica a partir de premissas verdadeiras. Para a coleta de dados cientificamente comprovados foi utilizada a pesquisa bibliográfica.

Com fundamento na análise de dados, foi possível constatar que a aplicação das medidas socioeducativas é de extrema importância para ressocialização do adolescente em conflito com a lei, e que o método dedutivo utilizado nesta pesquisa serviu de introdução para novas pesquisas científicas já que este se baseia na lógica e as pesquisas se baseiam na racionalização e comprovação dos fatos citados.

Ademais, é importante ressaltar que a medida socioeducativa deve ser vista como uma forma de responsabilização do adolescente pelo ato infracional cometido, buscando promover a sua reintegração à sociedade de forma positiva, e não como uma forma de punição. Para tanto, é fundamental a implementação de políticas públicas que garantam o pleno exercício dos direitos fundamentais desses jovens, como acesso à educação, saúde, cultura, lazer, entre outros.

A partir disso, verificou-se a aplicabilidade das medidas socioeducativas em adolescentes em conflito com a lei. Foram analisadas quais as principais causas que levam os adolescentes a cometerem atos infracionais e entrarem em conflito com a lei, buscando avaliar a eficácia das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no processo de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei.

Ademais, constatou-se a possibilidade de identificar os obstáculos enfrentados pelas entidades incumbidas da execução das medidas socioeducativas na consecução dos direitos dos adolescentes em situação de conflito com a lei. Dessa maneira, após a análise aprofundada da questão, é possível observar que os objetivos foram atingidos.

A escolha desse tema teve por motivação sua relevância social e jurídica, já que o envolvimento de adolescentes em atos infracionais tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, em meio ao crescente índice de violência e criminalidade. Nesse contexto, torna-se imprescindível discutir as medidas socioeducativas aplicáveis a essa população.

Além disso, foi possível perceber a importância da criação de espaços de diálogo e participação desses adolescentes nas decisões que afetam suas vidas, de forma a promover sua autonomia e empoderamento, e assim contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

O problema da pesquisa foi respondido no capítulo 3 intitulado: A problemática da aplicação das medidas socioeducativas , buscou demonstrar como diversas medidas podem acontecer para a efetividade das medidas socioeducativas, de forma a garantir sua adequação aos princípios fundamentais da proteção integral previstos no ECA e na Constituição Federal, e assim garantir que sejam efetivas na promoção do desenvolvimento integral e ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei.

Notou-se, contudo, a falta de promoção por parte do poder público de bancos de dados empíricos mantidos pelo estado a fim de proporcionar maiores informações concretas sobre a temática abordada. 

Neste sentido destaca-se imperioso a formulação e disponibilização de dados concretos acerca da aplicação das medidas socioeducativas como meio de ressocialização do adolescente em conflito com a lei, facilitando, e desta forma promovendo, futuras pesquisas acadêmicas no intuito de oferecer soluções reais e aplicáveis para uma melhoria palpável no sistema em vigor.  

Por fim, o presente artigo servirá para futuro aperfeiçoamento.

REFERÊNCIAS

BORGES, Viviane Nogueira de Azevedo et al. A institucionalização de crianças no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016. Disponível em: http://www.editora.puc-rio.br/media/ebook_institucionalizacao_de_criancas_no_brasil.pdf. Acesso em: 28 abr de 2023.

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 6.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p.415.

DAL POS, Angela Caren. Há critérios para o perdão? Um olhar sobre o subjetivismo e remissão na medida socioeducativa. Junho de 2003.  Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/perdao. Acesso em 13 Abr 2023.

GOMES, Luiz Flávio. Os princípios que regem a aplicação da internação ao menor infrator. JusBrasil, 2006. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/os-principios-que-regem-a-aplicacao-da-internacao-ao-menor-infrator/199507. Acesso em: 02 mar de 2023.

LAMBERT, Renan. As Medidas de Proteção para a criança e o Adolescente. JusBrasil, 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/as-medidas-de-protecao-para-a-crianca-e-o-adolescente/254217814. Acesso em: 22 de abr de 2023.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2008. p.13.

LIMA, Débora Arruda Queiroz. Evolução histórica do trabalho da criança. JusBrasil, 2008.Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11021/evolucao-historica-do-trabalho-da-crianca. Acesso em: 08 de fev de 2023.

MENDEZ, Emílio Garcia. Adolescentes e responsabilidade penal: um debate latino americano. Disponível em: www.abmp.org.br/publicacoes/Portal_ABMP Publicacao_88.doc

MENESES, Elcio Resmini. Medidas Socioeducativas: uma reflexão jurídico-pedagógica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 08.

Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança e do Adolescente: Perspectivas e Desafios / Coordenação técnica Antonio Carlos Gomes da Costa. — Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. 84 p.

RIZZINI, Irene (Org.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, 294 da legislação e da assistência à Infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Nino, 1995. p. 99-168

RIZZINI, Irene et al. Crianças, adolescentes, pobreza, marginalidade e violência na América Latina e Caribe: relações indissociáveis? Rio de Janeiro: Editora 4mãoes/FAPERJ, 2006, p. 28.

SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei da diferença à proteção Integral: Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.31.

SCHREIBER, Elisabeth. Os direitos Fundamentais da Criança na Violência Intrafamiliar. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001. p. 70.

SILVA, Antônio Fernando do Amaral e. et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 6.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p.15.

SILVA, Antônio Fernando do Amaral e. et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 2015.

SOUSA, Fabiana Duarte Pimenta de. O Projeto Político Pedagógico nos Centros Socioeducativos do Estado do Ceará. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia). 25f. – Universidade de Brasília, Brasília, 2022. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/32344/1/2022_FabianaDuartePimentaDeSouza_tcc.pdf. Acesso em: 23 de abr de 2023.

SPOSATO, Karina Sposato. et al. Justiça, Adolescente e Ato Infracional. Op Cit, p. 273.

SPOSATO, Karyna Batista. Elementos para uma teoria da responsabilidade penal de adolescentes. Tese de Doutorado. 239f. Universidade Federal da Bahia]. Repositório Institucional da UFBA. Salvador, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/15283/1/Tese%20-%20Karyna%20Batista%20Sposato.pdf. Acesso em: 18 de mar de 2023.

SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006

TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. et al. Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 442.

ULIANA, Maria Laura. ECA. Princípios orientadores dos direitos da criança e do adolescente. JusBrasil, 2017. Disponível em:  https://www.jusbrasil.com.br/artigos/eca-principios-orientadores-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente/450052432. Acesso em: 07 de jan de 2023.
VOLPI, Mario (Org.). O Adolescente e o Ato Infracional. 3. ed. São Paulo: Cortez,1999,p. 18.


 1Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: queise_quetlen@hotmail.com

 2Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E-mail: jaircarvalho.pcro@outlook.com

 3Professora Orientadora. Doutora em Ciência Jurídica DINTER entre FCR e UNIVALI. Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Penal UNITOLEDO/SP. Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico/RJ. E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com.