O ADOECIMENTO NA FAMÍLIA: ESTUDO DE CASO DE UM PACIENTE COM CÂNCER DE PRÓSTATA AVANÇADO SOB OLHAR DA EQUIPE DE CUIDADOS PALIATIVOS. 

ILLNESS IN THE FAMILY: CASE STUDY OF A PATIENT WITH ADVANCED PROSTATE CANCER FROM THE PERSPECTIVE OF THE PALLIATIVE CARE TEAM. 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410192302


Matheus Favero Rabelo


RESUMO 

Paciente de 69 anos, com Neoplasia de próstata avançada e múltiplas metástases, foi atendido no serviço de oncologia hospitalar após encaminhamento judicial. Oriundo de Gravataí, chegou à consulta acompanhado de sua esposa, que é sua única rede de apoio e principal cuidadora. Ele apresenta dificuldade de locomoção devido às dores intensas e fraqueza. Os filhos vivem distantes, dificultando o suporte familiar, agravado pela desativação do aeroporto de Porto Alegre em 2024. Paciente possui histórico de câncer de próstata tratado com prostatectomia há 12 anos e apresenta quadro sintomático complexo, incluindo dores abdominais, constipação e dor no ombro. Paciente demonstra estar em processo de aceitação da doença, enquanto sua esposa enfrenta grande dificuldade emocional e sobrecarga , sem apoio adicional. A diferença religiosa entre o cliente e sua esposa também influencia no enfrentamento do casal. Durante a internação, foi realizado o acompanhamento multidisciplinar voltado para o controle de sintomas e suporte emocional. O caso destaca a importância da integração entre cuidados paliativos, e o apoio de uma abordagem multidimensional que se estenda também à família. 

Palavras-chave: Cuidados Paliativos. Luto. Luto antecipatório. Neoplasia. Família.

INTRODUÇÃO 

Durante o processo de adoecimento podem haver mudanças sutís ou dramáticas que alteram a homeostase das relações e papeis estabelecidos dentro de um sistema familiar fator este que pode vir a ser um possível fator desorganizador deste sistema, sendo assim, quando um componente adoece outros podem vir a adoecer juntos. O processo de adoecimento traz muitas vezes consigo a desconstrução dos papeis previamente estabelecidos em um sistema familiar, exigindo com que os indivíduos venham a re-organizar seus papeis para a manutenção do sistema (MENDES, 2009). A família, constituída como um todo organizado que sofre mudanças relevantes durante o processo de hospitalização de um de seus membros, é um ataque à estrutura familiar, uma destruição do desenho a que a família está habituada, determinando desta forma uma crise acidental. Levando a uma situação que desencadeia o estresse, sofrimento interno dos membros, elevada ansiedade, medo do desconhecido, angústia de morte e dificuldade de compreensão e aceitação da situação estabelecida (LUSTOSA, 2007). 

O cuidador principal é tradicionalmente um cuidador habitual, que antes convivia sempre com o paciente e se torna responsável por seus cuidados. Neste caso ele o cuida em um contexto de afetividade em decorrência dos anos de convivência, mesclado de obrigação social (normalmente são: esposas, filhas e irmãs). Com o aparecimento da doença mudam-se as relações estabelecidas e passam a ser estabelecidas relações como cuidador-cuidado que não existiam previamente. O perfil de cuidadores principais estabelecido em nossa cultura levando em consideração idade e sexo é composto majoritariamente por mulheres com idade média de 57 anos, donas de casa, que vivem na mesma casa do paciente. São cuidadores informais, com escassas informações para assistência em saúde, sem remuneração econômica e com uma jornada de trabalho sem limites estabelecidos, o que afeta todos os âmbitos de suas vidas (SANCHEZ, 2004). 

Os familiares possuem necessidades específicas e apresentam frequências elevadas de estresse, distúrbios de humor e ansiedade. Sendo assim, os cuidados dos familiares é uma das partes mais importantes do cuidado global dos pacientes (SOARES, 2007). Cuidado este que não deve ser restringido somente às equipes de psicologia ou assistência social, mas sim um cuidado que é de responsabilidade de todas as equipes envolvidas no cuidado a este paciente. A sobrecarga do cuidador se define por um conjunto de consequências que ocorrem quando existe um contato próximo com uma pessoa doente, ao dedicar cuidados por períodos longos, podendo ao longo do tempo gerar sobrecarga emocional, financeira, alterações psicossomáticas e piora da qualidade de vida dos mesmos e do paciente (ROCHA, 2018). 

Diante da progressão do processo de adoecimento e da proximidade da finitude da vida, aqueles envolvidos no processo de cuidado podem vivenciar o luto antecipatório, um processo anterior a perda real, fazendo parte do processo de luto, apresentando interação entre diversas reações como tristeza, raiva, culpa, negação, exaustão, desespero, aceitação e esperança. Acompanhar o percurso dos familiares durante o processo de fim de vida do paciente, o luto antecipatório e as estratégias de enfrentamento utilizadas por eles, assim como recursos subjetivos e relacionais de cada um, sua assimilação do processo de luto, a proximidade individual com a morte do paciente, a fim de fundamentar intervenções em Cuidados Paliativos assertivas no favorecimento no processo de elaboração dos mesmos se mostra de grande importância (REIS,2023). 

Os Cuidados Paliativos são uma abordagem que visa à melhora da qualidade de vida de pacientes e seus familiares que enfrentam problemas associados a uma doença que ameaça a vida. É o melhor cuidado possível levando em consideração fatores como: diagnóstico e prognóstico da doença, funcionalidade do paciente, possibilidade de terapia específica e o sofrimento presente ou inerente a intervenções diagnósticas ou terapêuticas. Levando em consideração o ser humano como uma unidade indivisível, composto por diversas dimensões como física, familiar/social, psíquica e espiritual. Tem o campo multidimensional como importante para a análise de sofrimentos atuais e futuros que podem vir a acometer o cliente e seus cuidadores e devem ser elaboradas intervenções que visem o seu alívio quando necessário e atitudes voltadas à sua prevenção (ZALLI, 2012). 

O adoecimento oncológico, levando a reflexão para o aspecto psicológico, está repleto de subjetividade, com isso para além do trabalho do psicólogo se faz necessário a presença de uma equipe multidisciplinar envolvida com um foco no sujeito e na família, para além da doença, abordando a experiência relativa ao adoecer, favorecendo a elaboração psíquica neste contexto em que o cliente e família estão inseridos. É de grande importância olhar com o foco na pessoa, para além de sua doença, dando luz ao sujeito, sua história pessoal, seus valores e crenças, sua experiência única subjetiva no enfrentamento de uma doença que ameaça sua vida (DELALIBERA, 2015). A tarefa dos profissionais da saúde, de diferentes áreas, é assistir ao paciente e sua família englobando sofrimentos que podem vir a ser físicos, psíquicos, sociais e espirituais, permitindo os mesmos à expressar seus desejos, emoções e sentimentos e ter eles validados e acolhidos pela equipe. 

Este estudo de caso tem como objetivo observar durante um recorte de tempo o processo de hospitalização de um paciente com Câncer de próstata metastático, sem a possibilidade de oferta de tratamento modificador da doença, recebendo cuidados paliativos, analisando desta forma intervenções multidimensionais que afetam o bem estar do mesmo durante o seu processo de hospitalização e em consultas subsequentes. Para desta forma analisar intervenções assertivas frente aos desafios surgidos no atendimento deste paciente que auxiliaram na promoção de saúde, bem estar e alívio do sofrimento experienciado por ele e sua esposa. Assim como observar a relação de intervenções voltadas às relações familiares estabelecidas e o bem estar dos membros da família. 

APRESENTAÇÃO DO CASO 

Paciente atendido tem seu nome de Edgar 69 anos (nome fictício) vem ao hospital para consulta no serviço de oncologia hospitalar em decorrência de uma Neoplasia de próstata com múltiplas metástases pulmonares, hepáticas e peritoneais. Paciente vem ao hospital para consulta através de via judicial, procedente da cidade de Gravataí. No momento de sua consulta o mesmo vem utilizando uma cadeira de rodas, possui a capacidade de andar porém relata fortes dores e fraqueza, apresentava Ecog 2, tendo a capacidade de permanecer mais de 50% do dia fora de sua cama, porém necessitando de assistências ocasionais, e cuidados médicos frequentes, mas ainda é capaz de realizar a maioria de suas atividades. 

A rede de apoio presente que auxilia nos cuidados de Edgar é somente sua esposa, ela tem um vínculo rompido com sua família de origem assim como Edgar. Seus filhos vivem em regiões distantes do local onde eles estão, o filho mais velho vive em Portugal e o filho mais novo vive na Bahia. Com o fato do aeroporto de Porto Alegre estar desativado em relação às enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul no ano de 2024 dificultou ainda mais a possibilidade dos seus filhos poderem estar presentes junto aos pais. 

Edgar no primeiro dia de consulta no serviço de oncologia recebe a informação de que terá de ser internado no hospital para controle de sintomas. Em consulta psicoterapêutica Edgar chega acompanhado de Maria (nome fictício) sua esposa, a mesma chega muito emagrecida, com aspecto de cansaço, informa sentir grande ansiedade, relata que anteriormente o mesmo havia tido consulta em outro hospital da cidade que o informou da baixa possibilidade de tratamento, relata que muitas pessoas já a informaram que seu marido tem pouco tempo de vida, porém ela informa não enxergar a possibilidade do mesmo vir a falecer. Durante a consulta a mesma chora bastante. Informa que estava muito cansada em cuidar de Edgar, não tem outras pessoas que auxiliem neste cuidado, os dois filhos de Edgar vivem distante, o mais velho filho de Maria e Edgar vive em Portugal (Marcos (nome ficticio), 34 anos), o filho mais novo de Edgar em outro relacionamento vive na Bahia (Pedro (nome ficticio), 32 anos). Informa que sua família é apenas Edgar, por esta razão não aceita que o mesmo possa vir a falecer.

Edgar e sua esposa são aposentados, vivem em residência própria, em determinados momentos solicitam auxílio financeiro aos filhos para alimentação e transporte de ambos ao hospital, o filho que normalmente auxilia é o filho mais novo, que mesmo a distância consegue auxiliar Edgar e sua esposa. 

O apoio familiar é de grande importância na prática de Cuidados Paliativos, é observável que o cuidador principal é o mais envolvido no cuidado, estando ele sujeito a maiores cargas de estresse e sobrecarga, sendo a divisão de tarefas e responsabilidades entre os familiares mais próximos fundamental na prevenção de sobrecarga deste cuidador. Observando ainda que o descanso do cuidador é imprescindível para a manutenção a manutenção de sua saúde física e mental e para garantia do cuidado adequado ao paciente, sendo a rotina de sobrecarga e exaustão do cuidador um risco a impossibilidade de manutenção dos cuidados adequados ao paciente (CARVALHO, 2012). No Caso de Edgar a única rede familiar presente e disponível para auxiliar nos cuidados é sua esposa Maria. Tendo seus dois filhos vivendo em locais distantes e vínculos rompidos com outros familiares mais próximos, é inviável que Maria consiga dividir as tarefas e responsabilidades que envolvem o cuidado de Edgar com outra pessoa a não ser o próprio Edgar. Demonstrando desta forma uma fragilidade na rede de apoio dos mesmos, o que pode acarretar em prejuízos no cuidado de Edgar e sobrecarga, que no momento da consulta é visível observar em sua esposa. 

Durante seu período de internação Edgar recebeu o acompanhamento da equipe de Psicologia desde sua primeira consulta oncológica até o momento de sua internação, continuando a receber o acompanhamento durante todo seu período de internação na instituição até o dia de sua alta, acompanhamento se estende após a alta do paciente através de atendimentos realizados nos dias em que o mesmo tem de vir ao hospital consultar com seu oncologista e através de videochamadas e ligações quando esta são solicitadas. 

Paciente também recebeu o acompanhamento da equipe de fisioterapia durante seu período de hospitalização com o objetivo de realizar fortalecimento dos membros inferiores e auxiliar o mesmo na saída do leito e marcha. 

Recebe o acompanhamento de seu médico oncologista que acompanha a progressão do câncer e pensa em estratégias de alívio dos sintomas, e médica Paliativista para auxiliar no controle de sintomas dele. 

Paciente recebeu acompanhamento da equipe de nutrição hospitalar durante sua internação para buscar formas de complementar a alimentação do mesmo tendo em vista a baixa ingesta alimentar e sua negativa em relação a passagem de sonda nasoenteral para alimentação (que não foi aceita por Edgar). 

Teve participação em seu período de internação hospitalar a equipe de fonoaudiologia que avaliou a condição de deglutição do mesmo, autorizando- o a ter uma alimentação branda tendo em vista não apresentar risco de broncoaspiração. Ao longo da hospitalização o mesmo voltou a estabelecer uma ingestão alimentar adequada. 

HISTÓRIA CLÍNICA 

Edgar é um homem cis, heterossexual de 69 anos, branco, aposentado informa ter sido tabagista durante 50 anos fumando em média um maço de cigarros por dia, informa ter rompido ao tabagismo a 6mesesantes da sua primeira consulta no ambulatório de oncologia, possui doença Pulmonar Obstrutiva Cronica (DPOC) presumida. Paciente possui histórico de tratamento oncológico, tendo realizado prostatectomia há 12 anos em outra unidade de saúde, nega ter realizado quimioterapia ou radioterapia antes ou após procedimento cirúrgico. 

Paciente apresenta quadro de neoplasia de próstata com múltiplas metástases, no momento com mau controle de sintomas, a seis meses passou a apresentar edema de bolsa escrotal, tendo identificado as lesões metastáticas em exames externos. 

No leito acompanhado de sua esposa, refere dor abdominal recorrente, constipação há 8 dias, vinha com uso de Morfina via oral em casa, queixa-se ainda de fortes dores no ombro esquerdo com irradiação para membros superiores. Regular aceitação da dieta por via oral, sem queixas urinárias. Relata ainda dispneia aos esforços leve e tosse. Eupneico em ar ambiente sem esforços. 

Realizados exames de imagem durante seu processo de hospitalização que evidenciaram: 

Tomografía Computadorizada de Tórax: Discreto moderado derrame pleural posterior basal associado a atelectasia das porções posteriores do lobo inferior deste mesmo lado ectasia aneurisma da aorta torácica ascendente. 

Tomografia Computadorizada de Abdomem: Múltiplas imagens ovaladas circunscritas, heterogêneas, esparsas pelo parênquima hepático, sugestivo de implantes secundários. Moderada acentuada quantidade de líquido livre na cavidade abdominal. Volumosa hérnia inguinal escrotal esquerda com conteúdo de gordura, líquido ascético e segmento de alça intestinal. Bexiga parcialmente repleta com parede difusamente espessadas e conteúdo homogêneo. Clips metálicos na topografia da próstata sugerindo procedimento cirúrgico.

Solicitada avaliação de equipe cirúrgica para realização de paracentes de alívio sintomático. Solicitação que foi avaliada e realizada, resultando em uma paracentese de alívio onde foram retirados 4L de líquido ascítico de cor amarelo turvo de provável origem neoplásica. Tendo ocasionado melhora parcial no controle de sintomas (dor e vômito). 

Realizada ainda otimização de antiemético com Plasil fixo, uma ampola de 6 em 6 horas, via endovenosa, e Ondansetrona 8mg de 8 em 8 horas, via endovenosa, e ainda Dimenidrinato de 6 em 6 horas. Para controle de dor o paciente fazia o uso de Dipirona 500mg de 6 em 6 horas, Morfina 10mg, Tramadol 50mg de 6 em 6 horas, todas medicações administradas por via endovenosa. Paracetamol 500mg, se necessário em caso de dor ou febre, por via oral. Paciente ainda realizava o uso de Fluoxetina, um comprimido de 20mg ao dia, Quetiapina um comprimido de 25mg ao dia, Amitriptilina, um comprimido de 25mg ao dia. 

ASPECTOS EMOCIONAIS SOCIAIS E ESPIRITUAIS 

Uma doença, sustenta uma ruptura com o estilo de vida anterior, uma transição importante e significativa associada a mudanças existenciais, muitas vezes inevitáveis e abruptas, levando a mudanças inesperadas no curso vital. Assim como o paciente, a família também se depara com dificuldades no enfrentamento da situação de adoecimento de um de seus membros (LUSTOSA, 2007). O acometimento de uma doença potencialmente ameaçadora da vida pode influenciar a dinâmica de uma família, uma vez que o sistema familiar é alterado e seus membros são obrigados a se reorganizar. O adoecer, constitui-se de um fenômeno subjetivo, vivido de maneiras variadas, com influência significativa da cultural e do ambiente que influenciam a maneira de perceber, reagir e no enfrentamento à doença, constituindo se de um fenômeno complexo, multideterminado, multifatorial e de difícil previsibilidade, experienciado de formas distintas por cada pessoa. 

Prestar suporte aos familiares, levando aos mesmos conhecimento a respeito de seus questionamentos que envolvem o cuidado ao paciente, auxiliando-os a encontrar recursos apropriados, promover educação aos cuidadores são atitudes fundamentais no auxílio aos cuidadores no suporte emocional ao luto antecipatório desencadeado pelo acometimento de uma doença potencialmente ameaçadora da vida. Oferecer recursos que auxiliem o suporte ao luto antecipatório do cuidador devem ser feitos de forma rotineira, assim como a equipe de saúde deve estar disponível para responder questionamentos que possam surgir ao cuidador (ALAM S, 2020). O tempo disponível e o espaço adequado devem fazer parte da rotina de profissionais que atendem pacientes em Cuidados Paliativos, momentos para estar junto, ouvir, esperar, estar em silêncio junto a Edgar e sua esposa, demonstrar estar presente foram de fundamental importância na construção de um ambiente seguro e acolhedor que facilitasse o processo de enfrentamento da doença e confiança na equipe de saúde. 

Como pode ser observado no caso de Edgar onde o adoecimento gera uma ruptura com o estilo de vida anterior, uma transição importante e significativa associada a mudanças existenciais vivenciadas pelo mesmo, muitas vezes inevitáveis e abruptas. Assim como Edgar, sua esposa Maria também se depara com dificuldades no enfrentamento da situação de adoecimento. O acometimento de uma doença potencialmente ameaçadora da vida pode influenciar a dinâmica da família, uma vez que este sistema familiar foi alterado e seus membros precisam se reorganizar, e nesta posição Maria se vê empenhada em realizar o papel de cuidadora também de seu marido. 

Fornecer informações a esposa e filhos do paciente a respeito de seus questionamentos no que envolve o cuidado destinado a Edgar, auxiliando-os a encontrar recursos apropriados, promover promovendo assim educação são atitudes fundamentais no auxílio a esta família no suporte emocional ao luto antecipatório desencadeado pelo acometimento de uma doença potencialmente ameaçadora da vida. Oferecer recursos que auxiliem o suporte ao luto antecipatório à esposa de Edgar de ser feitos de forma rotineira, assim como a equipe de saúde deve estar disponível para responder aos questionamentos que possam surgir. 

A importância do suporte psicológico para a família de Edgar se mostra com grande significado, quando observado o estresse permanente, sofrimento interno, elevação da ansiedade, medos do desconhecido, apreensão quanto às decisões a serem tomadas e ainda tendo em vista o caráter de prevenção ao luto complicado e luto patológico da mesma. Fornecer espaço para a elaboração do luto antecipatório vivenciado, oferecer espaço de escuta terapêutica e o acolhimento psicológico. Estendendo desta forma o cuidado para toda a unidade de cuidado (paciente e família). O cuidado demonstra ser mais efetivo e satisfatório a Maria quando ela pode participar do processo de decisões envolvendo o cuidado de Edgar, e tem suas opiniões validadas e respeitadas pela equipe. Desta forma é imprescindível levar a ela conhecimento na medida de suas capacidades de compreensão a respeito das terapêuticas disponíveis e possíveis de serem utilizadas no cuidado. A Psicologia hospitalar atua muitas vezes não só com as relações fundamentais que envolvem o paciente, como sua relação com a família, sua relação com a equipe de saúde e instituição, mas também atua junto às relações existentes entre os participantes envolvidos na rede de relacionamento do paciente, sendo fundamental na comunicação entre Edgar e sua esposa e da equipe de saúde com eles. 

Pode ser observado em Maria a sobrecarga vivenciada pela mesma durante o período de cuidado. Sobrecarga do cuidador. Ela apresenta pouco cuidado consigo mesma, emagrecida, refere não conseguir descansar, refere hesitar sempre preocupada com Edgar e com seus cuidados, refere não ter tempo para poder cuidar de si e realizar as atividades que para ela são prazerosas. Refere ter vontade de retornar a academia como estratégia de cuidado consigo mesma e algo a fazia feliz. A mesma demonstra estar vivendo um luto antecipatório. Sendo a sobrecarga de cuidado vivenciada pela mesma e estresse durante o processo de adoecimento, potenciais riscos ao desenvolvimento do Luto Complicado após o óbito de Edgar. 

Edgar inicialmente demonstrou estar deprimido com as notícias que foram dadas ao mesmo em relação à doença. Demonstrar vivenciar o luto a respeito de sua própria vida, por vezes demonstra pouca paciência a lidar com dificuldade em aceitação de sua morte por sua esposa, demonstra preocupação em relação aos cuidados que ela terá após sua morte, refere ansiedade em alguns momentos. Ele está elaborando seu processo de finitude, por vezes demonstra aceitação do processo. Equipe também refere que o mesmo parece estar muito tranquilo enquanto sua esposa está precisando de mais apoio, demonstrando desta forma preocupação da equipe em relação aos impactos psicológicos na dinâmica do casal a respeito da progressão da doença de Edgar. 

O envolvimento religioso positivo e espiritual está associado à manutenção da saúde e de um sistema imunológico mais eficaz, enquanto o estresse religiosos negativo pode piorar o estado de saúde. O bem estar espiritual está associado a menores índices de depressão, desejo de morte, ideação suicida, sentimento de desesperança em pacientes terminais (CARVALHO, 2012). O envolvimento religioso positivo e espiritual está associado à manutenção da saúde e de um sistema imunológico mais eficaz, enquanto o coping religioso negativo pode piorar o estado de saúde. Edgar é um paciente espírita. Informa já ter frequentado muitas religiões, inclusive religiões de matriz africana como a Umbanda que aprecia muito, porém atualmente informa seguir uma linha espirita mais próxima a kardecista. Informa encontrar tranquilidade em muitos aspecto quando se aproxima de sua espiritualidade, não vê a morte como um fim de si mesmo, mas sim a enxerga como uma possibilidade de entrada em uma nova encarnação, o que lhe conforta, demonstrando desta forma a importância que a transcendências que a religião traz ao mesmo em sua reflexão a respeito da vida, levando significado para o momento em que o mesmo está vivendo em suas percepções.

Informa em consulta sua vontade em frequentar uma casa espírita que fica próximo ao local onde ele está morando e a dificuldade que tem em falar para sua esposa a respeito da vontade tendo em vista que ela se considera Católica Apostólica Romana e não aceitar acompanhar o mesmo em um local que não é de sua religião. Porém informa que pode ir sozinho, a casa espírita fica a poucas quadras de sua residência e na volta pode utilizar um transporte privado como um motorista de aplicativo. Edgar é incentivado a realizar suas vontades e convidado para dialogar junto de sua esposa a respeito de sua vontade de frequentar a casa espírita. 

DISCUSSÃO E ANÁLISE 

Para que a análise do caso pudesse ser construída com profundidade foi utilizado o Diagrama de Abordagem Multidimensional (ZALLI, 2012), visando auxiliar na abordagem dos múltiplos aspecto dos sofrimentos enfrentados no caso e orientar atitudes com objetivos claros que auxiliam no alívio do sofrimento de Edgar e sua família durante a progressão da doença. 

Frente a situação de desestruturação, e abaulamento do mundo interno de Maria, onde é possível observar o aumento de fragilidade, aumento de dependência, sentimento de culpa, esgotamento, estresse, insegurança, onde observa muitas de suas crenças desabando, e muito de seu mundo presumido sendo modificado pelo avanço da doença de seu marido, se faz fundamental que a mesma possa ter acesso a um serviço de suporte psicológico e uma equipe assistencial que possa oferecer um ambiente acolhedor, que a auxiliem em desenvolver equilíbrio, segurança, força e estabilidade, auxiliando em compreender a situação e obter informações necessárias, ou que julgar importante. Proporcionar o diálogo em conjunto junto de Maria, Edgar e seus dois filhos mesmo que por via chama online, tendo em vista a dificuldade geográfica de se realizar o encontro presencial com os filhos, para que assim possam elaborar e pensar juntos a respeito da necessidade de cuidados de Edgar com a progressão da doença e os recursos que terão disponíveis para destinar aos cuidados do mesmo. O cuidado demonstra ser mais efetivo e satisfatório aos cuidadores quando estes podem participar do processo de decisões envolvendo o cuidado ao paciente (FRIVOLD, 2017). 

As relações entre a espiritualidade/religiosidade em cuidados paliativos demonstram a possibilidade de elevar a qualidade de vida e contribuir para a diminuição do estresse e depressão, sendo fundamental avaliar a magnitude da dimensão espiritual para o paciente. A espiritualidade também pode ser utilizada como estratégia de coping do paciente e familiares quando relacionado ao enfrentamento de situações desencadeadas ao longo do curso de uma doença que ameaça a vida e não tem a possibilidade de cura (MATOS, 2023). Edgar é espírita e enxerga como muito importante a visão religiosa em seu enfrentamento da situação que vive, refere sentir falta de frequentar mais casas espíritas. Comportamento que foi reforçado em conversas familiares junto a esposa, para que assim pudessem ser elaboradas estratégias para que ele pudesse concretizar sua vontade de frequentar a casa espírita de seu bairro. Considerando-os relevantes para melhorar os cuidados oferecidos ao paciente.

Suporte psicológico ao paciente para auxiliar o mesmo a enfrentar o processo de progressão de doença, momento onde intervenções como a terapia da dignidade podem afetar positivamente na promoção de bem estar psíquico, Assim como também oportunizar um espaço seguro e acolhedor destinado a elaboração psíquica do momento em que o mesmo está vivendo, para que desta maneira possa de forma integrada desenvolver e fortalecer estratégias de enfrentamento dando luz a criatividade e a auto atualização. A Psicologia hospitalar atua muitas vezes não só com as relações fundamentais que envolvem o paciente, como sua relação com a família, sua relação com a equipe de saúde e instituição, mas também atua junto às relações existentes entre os participantes envolvidos na rede de relacionamento do paciente (SIMONETTI, 2018). 

A elaboração de diretivas antecipadas de vontade junto a Edgar teve um significado muito importante na garantia de sua autonomia em avaliar sua visão a respeito de qualidade de vida e instrumentos que acredita serem importantes ou não na manutenção da vida relacionados aos seus valores pessoais. A ciência do diagnóstico, o reconhecimento de limites e possibilidades, o controle adequado da dor foram fatores fundamentais para a manutenção de qualidade de vida e garantia de direitos e vontades do mesmo no momento de estabelecer suas diretivas. 

Proporcionar medidas que tenham como objetivo o controle de sintomas do paciente e avaliação da progressão da doença se fazem muito importantes neste caso. Medidas tomadas como a paracentese de alívio, medicações para controle de dor, medicação para controle de náuseas e vômitos e medicações psiquiátricas se mostraram como medidas mais efetivas no controle de sintomas do paciente atendido, sendo reconhecidas significativamente como promotoras na qualidade de vida na visão do paciente. 

CONCLUSÕES 

Com o objetivo de proporcionar cuidados com o alívio de sintomas e promoção de qualidade de vida no caso de Edgar foi de fundamental importância a realização de intervenções proporcionalmente possíveis para o caso do mesmo, levando em considerações suas vontades a respeito de quais procedimentos seriam compatíveis com seus valores. As intervenções medicamentosas propostas e realizadas pela equipe médica surtiram efeitos muito positivos no alívio de sintomas do paciente. De mesma forma uma abordagem multiprofissional envolvendo equipe de fisioterapia, enfermagem, fonoaudiologia e nutrição voltada ao tratamento não farmacológico, alívio de sintomas, manutenção da capacidade física para realização de atividades da vida diária e preservação da autonomia, e a orientação de Maria a respeito do quadro de seu marido, tiveram grande impacto na qualidade do atendimento proporcionado assim como a satisfação com o atendimento por parte dos atendidos. A realização das diretivas antecipadas de vontade neste caso tem um papel muito importante para informar as vontades do cliente para as equipes de saúde que irão atendê-lo, levando em conta sua subjetividade e valores. A possibilidade de conversar sobre as diretivas de Edgar junto de sua esposa também foi muito importante para ambos, trazendo maiores possibilidades de elaboração do casal a respeito do tema. 

O acompanhamento psicológico voltado à elaboração psíquica do momento em que o mesmo está vivendo, assim como elaborar e desenvolver recursos de enfrentamento se mostra muito importante com intervenção promotora de qualidade de vida. Assim como o acompanhamento psicoterapêutico de sua esposa com objetivo de aliviar sintomas relacionas do estresse e auxiliar a mesma no enfrentamento do luto antecipatório, intervenções com intuito de prevenção ao Luto Complicado. Intervenções abordando temas como o medo da morte, o estresse físico, psicológico e espiritual junto ao casal pode auxiliar ambos a lidarem com a situação estabelecida, assim como ainda auxiliar na prevenção do luto complicado de Maria. 

Buscar diálogos familiares envolvendo o casal e seus filhos é de grande valor, tanto no fortalecimento dos vínculos entre os familiares e a equipe de saúde, assim como na garantia dos cuidados ao paciente durante e após a alta. 

Estimular a espiritualidade e religiosidade e possibilitar que o paciente frequente espaços destinados a exercer seu culto religioso também é de grande importância e deve ser realizado levando em consideração valores significativos ao paciente. 

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