O ACESSO À EDUCAÇÃO BÁSICA PELAS CRIANÇAS IMPERATRIZENSES NO PERÍODO PANDÊMICO DE 2021-2022[1]

ACCESS TO BASIC EDUCATION BY THE CHILDREN OF IMPERATRIZES IN THE PANDEMIC PERIOD OF 2021-2022.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7819022


Thaís Oliveira de Sousa2
Francine A. Rodante Ferrari Nabhan3


RESUMO: A presente pesquisa visa apresentar discussões acerca da educação básica ofertada às crianças na faixa etária, dos 9 aos 11 anos de idade, no município de Imperatriz – MA. Assim, tem-se como questão norteadora do estudo demonstrar o afastamento das crianças no período pandêmico. Em decorrência disso, a investigação fundamenta-se na pesquisa bibliográfica e quantitativa, estudando artigos disponíveis em banco de dados e repositórios, conjuntamente com a coleta de dados na Secretaria Municipal de Educação, referente ao espaço temporal 2021-2022. Dessa maneira, observou-se que, mesmo com os obstáculos advindos pela pandemia do Covid-19, o acesso à educação pelas crianças imperatrizenses teve uma mudança inversamente proporcional, crescendo nos primeiros anos de ensino e diminuindo nas últimas séries de ensino. 

Palavras–Chave: Acesso à educação. Escolarização infantil. Políticas públicas.

ABSTRACT: This research aims to present discussions about the basic education offered to children in the age group, from 9 to 11 years old, in the city of Imperatriz – MA. Thus, the guiding question of the study is to demonstrate the removal of children during the pandemic period. As a result, the investigation is based on bibliographical and quantitative research, studying articles available in databases and repositories, together with data collection at the Municipal Department of Education, referring to the time period 2021-2022. In this way, it was observed that, even with the obstacles arising from the Covid-19 pandemic, access to education by children from Empress had an inversely proportional change, increasing in the first years of education and decreasing in the last years of education.

Keywords: Access to education. Child schooling. Public policy.

1 INTRODUÇÃO

“Para entreter curiosidade, o velho Alfredo oferecia livros ao menino e convencia-o de que ler seria fundamental para a saúde. […] Imaginava que um não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem colesterol a matá-lo, se continuar assim não se salva. […] ah, fique pois sabendo que você ou lê urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas semanas”. O diálogo acima extraído da obra “O filho de mil homens”, do exímio romancista português Valter Hugo Mãe (2016, p.78), traz uma pequena discussão sobre a importância da leitura, recebendo a qualidade de alimento para o corpo e a alma.

Parafraseando a literatura realista-fantástica de Mãe, a pesquisa em tela tem como objeto de estudo o acesso à educação pelas crianças, na faixa etária dos 9 aos 11 anos, dentro do contexto pandêmico de 2021-2022, no município de Imperatriz – MA, de forma a ressaltar a relevância do direito educacional básico. Nesse viés, o estudo revela-se de extrema importância posto que, hodiernamente, é perceptível a existência de uma crise democrática, que afeta, ainda que indiretamente, às crianças.

Dessa maneira, observa-se pautado nas mídias e em uma vivência no limite territorial de Imperatriz-MA, a existência de muitas crianças que não estão inseridas no contexto de ambiente escolar, por conta da pandemia do covid-19. Assim, muitas crianças encontram-se vulneráveis e expostas a grandes perigos, como por exemplo, condições insalubres de trabalho, exploração de mão de obra infantil, violência física e sexual, dentre outras variáveis de risco existentes. 

Nesse âmbito, apesar de pouca idade, as crianças devem ter os seus direitos e as garantias básicas efetivadas, tal como a educação, que se mostra como uma ferramenta transformadora da realidade social. Além disso, a temática em foco contribuirá para entender como se deu o acesso ao sistema educacional básico pelas crianças, de 9 a 11 anos, no município de Imperatriz – MA, no referido lapso temporal. Desse modo, espera-se com a obtenção dos resultados, uma solução viável para um futuro acolhimento integral destas, fornecendo todo o suporte necessário para garantir o acesso e a permanência ao sistema educacional. 

Acrescenta-se ainda a importância dessa pesquisa na área jurídica-educacional visto que, a educação proporciona o desenvolvimento em diversas faculdades do ser humano em formação, qualificando-as para o mercado de trabalho, além de possibilitar caminhos diferentes para sua realização profissional e pessoal, bem como a experiência da troca cultural.

Então, no tocante aos procedimentos metodológicos para a realização da pesquisa, utilizou-se da pesquisa de campo, com a solicitação e coleta de dados na SEMED, do município em foco da pesquisa. Paralelamente fez-se o uso da pesquisa bibliográfica, pesquisando em plataformas digitais e repositórios de revistas, bem como reportagens concedidas a órgãos vinculados ao Governo brasileiro. Assim , obteve-se como resultado um índice referente às matrículas das crianças no intervalo em estudo, demonstrando a evasão escolar, em razão da pandemia do covid-19, bem como a permanência em alguns níveis de ensino básico.

2  DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO

A educação é um direito universal que está fundamentado na conjuntura nacional e internacional, por meio de tratados, convenções e leis internas, a exemplo, tem-se a DUDH (1948), que consagrou diversos direitos humanos, servindo como pilar para constituição de outras normas que garantem a dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 26, ensina que a educação é um direito que visa contribuir na formação da personalidade do indivíduo, isto é, o acesso efetivo à educação gera impacto no desenvolvimento psicossocial do homem. 

2.1  Perspectiva histórica do direito à educação 

Historicamente, o big bang do que se entende por educação como sendo um direito positivo, teve suas origens no período do Iluminismo, na França. O movimento revolucionário foi defendido por filósofos, tais como Rousseau e Condorcet, que, de certa maneira, defendiam a educação pública e fomentavam o acesso às universidades. Posteriormente, tem-se a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), que trouxe em seu rol direitos que são universais e imprescritíveis, a exemplo do direito fundamental à educação.

Sendo assim, no cenário brasileiro, a temática educação encontra respaldo na Constituição da República Federativa Brasileira (1988), em seu. 6°, orientando que a educação é um direito social, bem como no art. 205 da Carta Magna brasileira. Já no plano infralegal, tem-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assim como as Leis Orgânicas de cada Ente Federativo e seus respectivos municípios.

Dessa forma, no tocante ao acesso e permanência à educação pelas crianças no ensino básico-infantil, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de legislações que asseguram esse direito aos pequenos. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), respalda a proteção integral da infância e juventude, de modo a contribuir no desenvolvimento de habilidades sociais e na garantia dos direitos humanos, por intermédio da concretização dos direitos fundamentais, de acordo com a norma expressa: 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei 8.069/90).

Conforme o rol de deveres disposto no art. 4°, do ECA, existem vários agentes que possuem uma atividade a ser desempenhada, sendo prevista também na norma constitucional no art. 227, da Constituição Federal. Com isso, a figura do Estado merece um destaque na educação destes menores. Isso porque, em relação ao que instrui Nicésio, Almeida e Lucy (2015, p.37), a educação é considerada como um setor do Estado brasileiro e este por sua vez, responsabiliza-se pelo desenvolvimento de políticas públicas nesse sentido, como bem indica o art. 205 e seguintes, da Carta Magna de 1988. 

Decorrente destes, Nicésio, Almeida e Lucy (2015, p.44) reforçam que o art. 208, da CF/88, é equiparado e corresponde às políticas e diretrizes do plano internacional, indicando para a perspectiva inclusiva, segundo expresso normativo abaixo: 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016.).

Cabe destacar que, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) concomitante com a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) vem a resguardar os direitos das crianças e adolescentes, auxiliando para mantê-los com seus direitos imaculados. Assim, em relação ao acesso à educação, os países que adotaram essa convenção devem, obrigatoriamente, cumprir o disposto no artigo 22, que diz respeito a adoção de medidas que assegurem à elas a proteção e a assistência humanitária adequadas a fim de que possa usufruir dos direitos expressos na convenção.

 Em complementação ao artigo mencionado acima, o tópico 2 do referido artigo da Convenção sobre os Direitos da Criança estabelece que:

Artigo 22
2. Para tanto, os Estados Partes devem cooperar, da maneira como julgarem apropriada, com todos os esforços das Nações Unidas e demais organizações intergovernamentais competentes, ou organizações não governamentais que cooperam com as Nações Unidas, para proteger e ajudar a criança refugiada; (Convenção sobre os Direitos da Criança, 1990). 

Contudo, vislumbra-se na realidade sul-maranhense, não diferindo muito do cenário nacional, a dificuldade na integração de crianças em escolas. Tal fato se justifica por inúmeros fatores, como exemplo, a falta de inclusão tecnológica, o trabalho infantil, a presença reduzida de políticas públicas voltadas à educação, bem como a evasão escolar e a vulnerabilidade social.

2.2  A criança e o processo de escolarização infantil no Brasil

Em uma primeira análise, é mister conceituar o termo criança. Assim sendo, em consonância com o art. 2°, da Lei 8.069/90, aquela define-se como sendo a pessoa de até doze anos incompletos. Porquanto, à luz constitucional, as crianças na faixa etária dos quatro aos doze anos, possuem a garantia de uma educação básica, sendo obrigatória e ofertada gratuitamente.

Sob essa ótica, o direito à educação é normatizado como um direito social fundamental. Assim, José Henrique Afonso da Silva salienta que estes direitos fundamentais visam condições de igualdades, conforme o apontamento abaixo:

São prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 42 ed. p.289. São Paulo: Malheiros, 2019).

 Diante desse contexto, a educação diz respeito às aprendizagens resultantes de experiências vivenciadas conforme a metamorfose da vida, constituindo-se um dever do Estado e da família. Ciente disso, entra em cena a escolarização, definida como a aprendizagem prestada nas escolas entre professor e aluno, sendo compreendida pelo ensino básico, ensino fundamental e ensino médio. Neste sentido, a LDB normatizou o entendimento de duas figuras que influenciam diretamente na educação das crianças:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. p.8. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2018).

Nesse panorama, o pedagogo espanhol Sacristán ensina que a infância e a escolarização vão sendo construídas equitativamente e em harmonia, sendo indissociáveis. Destarte, salienta ainda sobre a importância de reconhecer os direitos da criança como uma maneira de contribuir no desenvolvimento da mesma, mirando para além dos instrumentos normativos-legais.

O reconhecimento dos direitos da criança e da idéia de infância como etapa específica da evolução humana; não só como oportunidade para moralização e disciplinamento dentro de uma instituição que encaminha o eu devidamente orientado e controlado, ou como etapa para absorver o legado cultural, mas como um momento que precisa ser respeitado, estimulando o desenvolvimento do sujeito e favorecendo sua expressão. (SACRISTÁN, Gimeno. Poderes Instáveis em Educação. p. 167. ArtMed, 1999).

Apesar de o Brasil ter adotado esse modelo tradicional de escolarização, regido pelo tripé – escola, aluno e professor -, é notória a presença de fortes críticas a esse sistema. Como por exemplo, cita-se a corrente bourdieusiana a qual versa sobre uma possível consequência: a projeção das desigualdades econômicas sobre o desempenho dos alunos, legitimando, dessa maneira, certos privilégios sociais. Dessa maneira, a educação pública desenvolvida é tida por muitos como uma forma de reprodução de massas, sendo esta controlada pelo Estado e utilizada para servir aos interesses do sistema. 

Em contrapartida a esse modelo, a educação domiciliar vem ganhando respaldo nacional ultimamente. Conhecida também como homeschooling, a prática vem sendo aderida por muitos pais que acreditam nessa via como forma alternativa de liberdade criativa para a criança, além de uma atenção individualizada. Todavia, mesmo com Projeto de Lei 1.388/2022, que busca regularizar a situação do homeschooling no território brasileiro, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se contra, de forma relativa, fundamentando que não há legislação específica sob o tema e que é dever do Estado proporcionar o direito à educação.

Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação. Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar. No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino. Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que tratam sobre educação. (STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).

2.3  Políticas públicas educacionais na contemporaneidade

Não há dúvidas que a Revolução Francesa foi um divisor de águas na história da humanidade, com seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade. Entretanto, não se esperava que os efeitos do movimento continuassem a produzir efeitos em um mundo pós moderno. Isto é, observa-se, dentro de um contexto nacional, uma estreita relação entre os países Brasil e França, no tocante às políticas públicas de educação.

Desse modo, a educação pública brasileira inspirou-se no modelo educacional francês, pautado na universalização do direito à educação, assim como o disposto no rol da Declaração Universal de Direitos Humanos. Nesse âmbito, a educação francesa, nos níveis primário e secundário, é majoritariamente pública e apresenta bons índices de alfabetização, consequentemente, demonstra a aplicabilidade ferrenha das políticas educacionais. O Marquês de Condorcet reforça o dever do Poder Público em fomentar a educação:

Cultivar, enfim, em cada geração, as faculdades físicas, intelectuais e morais e contribuir dessa forma para o aperfeiçoamento geral e progressivo da espécie humana, derradeira meta a que deve visar toda a instituição social, tal será ainda o objetivo da instrução e este é, para o poder público, um dever imposto pelo interesse comum da sociedade e pelo da Humanidade inteira. (CONDORCET. Instrução pública e organização do ensino. p.6. Porto: Educação Nacional, 1943).

Contudo, apesar de ter como influência a França para implementar a educação pública, especialmente aquela referente dos 4 aos 17 anos de idade, a República Federativa brasileira encontra resistência para desenvolver e colocar em prática as políticas públicas de educação. Assim sendo, tem-se como marco que veio a agregar positivamente essas políticas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que estabelece orientações para a educação nacional.

Em decorrência disso, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), criado pela Lei 5.537, de 21 de novembro de 1968, configura-se como uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Tendo em vista disso, tal órgão possui como competência basilar a gestão das políticas educacionais no Brasil, isto é, auxilia financeiramente os municípios, realizando ações públicas que contribuam para uma educação de excelência.

Ademais, recentemente ocorreu o Seminário “Alfabetização no Brasil: marcos pedagógicos, avaliação e acompanhamento da aprendizagem”, realizado em março de 2023, pelo Ministério da Educação. Tal evento visa conter a carência educacional no ensino público brasileiro, preponderantemente nas séries iniciais do ensino fundamental. 

A nossa tarefa é de dizer, neste país, o que é que uma criança ao final dos sete anos, de forma padrão, o que é que ela é capaz de fazer, quais são as suas competências, como ela se desempenha com relação à questão da leitura e da escrita, só que para perseguir isso temos que ter uma ação sistêmica. (Fala da secretária executiva do MEC, Izolda Cela. Seminário “Alfabetização no Brasil: marcos pedagógicos, avaliação e acompanhamento da aprendizagem”. Março de 2023).

Além disso, tendo em vista as dificuldades que perduram há um longo intervalo de tempo somado aos impactos causados pela pandemia do covid-19, foi discutido também no seminário a respeito de novas trajetórias para alfabetizar as crianças brasileiras e sobre a melhoria na qualidade da aprendizagem, por conseguinte, almeja-se também reduzir as desigualdades de ensino no país. 

A gente não quer fazer alguma coisa que se imponha às realidades, mas a gente quer, nesses processos de escuta, para construir a política, poder apoiar as boas iniciativas e pactuar métricas para que a gente possa entender como essas crianças estão desenvolvendo os seus processos cognitivos. (Fala da secretária da Educação Básica, Kátia Schweickardt. Seminário “Alfabetização no Brasil: marcos pedagógicos, avaliação e acompanhamento da aprendizagem”. Março de 2023).

2.4 O binômio de Janus e a educação no período pré e pós pandêmico: um avanço na implementação das tecnologias educacionais

Na mitologia romana, o deus Janus é conhecido por ter dois rostos em um, assim dizendo, com uma face voltada para trás e a outra para frente. A divindade presente no panteão romano é tida como a responsável pelas transformações, indicando o que já se transcorreu e o que está por acontecer. Assim, sob o prisma constitucional, aplica-se uma analogia desse mito aos direitos fundamentais, que incorpora para si o binômio de Janus, constituindo-se em duas dimensões: a clássica ou subjetiva e a objetiva.

Por conseguinte, o binômio predito acima entende que a corrente subjetiva tende a fluir pelo lado mais tradicional, podendo o cidadão provocar o Estado quando um direito seu foi lesado. Enquanto na dimensão objetiva foca-se na eficácia irradiante dos direitos fundamentais, em que o resultado da decisão tomada causa uma repercussão para casos análogos. Nesse cenário congênere à figura de Janus, no período pandêmico houve uma transição dos moldes educacionais, com a utilização em massa do formato híbrido e ao mesmo tempo a tentativa de permanecer no formato presencial, adotando as devidas medidas profiláticas em relação ao coronavírus. Assim, presenciou-se a tentativa de uma migração do modelo tradicional de escolarização para um modelo mais moderno, representado fortemente pelo manejo das tecnologias, com as aulas ofertadas à distância.

Prosseguindo nesse mesmo entendimento, restou claro que a pandemia do covid-19 acelerou esse processo migratório de ensino, com a aplicação das tecnologias aliadas à educação, atingindo desde a esfera básica à superior. Dessa maneira, percebe-se que diante das transformações vigentes, em uma sociedade cada vez mais hiperconectada a tecnologia viabilizou um acesso maior à internet, bem como possíveis caminhos para democratização desse direito, que no presente contexto, é indissociável ao direito à educação.  

Atrelado aos fatos supracitados, a crise sanitária do covid-19 desnudou as desigualdades que estavam ocultas, tais como a falta de conhecimento das ferramentas e manuseio dos instrumentos necessários para acessar a educação via online. Nesse viés, o relatório traz um recorte da educação na época da pandemia, trazendo consigo outros fatores que influenciaram nesse tempo, conforme demonstrado abaixo:

Num contexto de múltiplas incertezas, muitos tiveram que enfrentar situações de estresse relacionadas aos efeitos da pandemia na saúde, nas condições de trabalho e geração de renda ou até mesmo de exposição a situações de violência no ambiente doméstico. (Relatório. Retratos da Educação no Contexto da Pandemia do Coronavírus. P. 59. Outubro, 2020).

2.5  Do acesso ao ensino básico em Imperatriz-MA

A educação brasileira fundamenta-se no princípio da igualdade, conforme estabelece o art. 3°, I, da Lei 9.394/1996, o qual diz que o ensino será pautado na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Entretanto, apesar de visar a equidade, essa realidade almejada encontra-se distante, tome-se como exemplo a pandemia do covid-19, que escancarou essa discrepância, quando muitos estudantes não tiveram condições de estudar via online, por conta de não terem acesso à internet. À vista disso, a professora Hilda Linhares se pronunciou:

“Eu acho que é muito importante nós considerarmos o contexto pós-pandemia, de retorno das escolas, após o período de distanciamento social, que trouxe desafios muito significativos para o campo da alfabetização, que já era um campo merecedor de atenção especial por parte das políticas públicas”. (Fala da professora da faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Hilda Linhares. Seminário “Alfabetização no Brasil: marcos pedagógicos, avaliação e acompanhamento da aprendizagem”. Março de 2023).

Trazendo o foco para a realidade imperatrizense, nota-se que quanto ao número de crianças matriculadas, na faixa de 9 a 11 anos, no período compreendido entre 2021/2022, esse índice foi crescente do 1° Ano ao 3° Ano. Contudo, no tocante às séries seguintes observa-se que houve uma variação, tendo como maior diferença estabelecida a turma do 4° Ano, sendo essa de 244 matrículas a menos que no ano de 2021. Ademais, mesmo diante da queda nas inscrições em educação básica, no ano seguinte, 2022, a série do 5°Ano, ascendeu o quantitativo referente ao acesso educacional, variando positivamente para 154 novas matrículas.

Tabela 1– Etapa de ensino x Alunos matriculados no ano de 2021.

Fonte: Dados obtidos na SEMED – Secretaria Municipal de Educação de Imperatriz-MA (2023). 

Tabela 2 – Etapa de ensino x Alunos matriculados no ano de 2022.

Fonte: Dados obtidos na SEMED – Secretaria Municipal de Educação de Imperatriz-MA (2023). 

Consoante aos dados mencionados anteriormente, é evidente que no município de Imperatriz-MA, no lapso temporal em análise, resta demonstrado que a pandemia afetou no acesso e permanência dessas crianças. Assim, a Prefeitura Municipal de Imperatriz, no referido contexto pandêmico, implementou e reformou as escolas municipais, bem como investiu massivamente para ofertar um ensino de qualidade para todas as crianças.

Porquanto, constatou-se ainda que diante das efetivas mudanças na infraestrutura e plano pedagógico em escolas do município em estudo, foi perceptível a dificuldade que os alunos da educação básica encontraram para estudar. Posto que, muitos eram os obstáculos ocasionados pela pandemia, como as incertezas de um futuro, o desemprego dos responsáveis/pais, a perda de entes queridos, o medo de uma doença desconhecida, além do afastamento social. 

Ademais, a migração do ensino presencial para o remoto impactou negativamente na realização de matrículas e subsidiariamente, na continuidade dos estudos. Nesse plano, vislumbra-se no pós-pandemia do covid-19 uma outra realidade, marcada por novos percalços, conforme salienta Patrícia Mota Guedes:

A retomada das aulas presenciais nas redes de ensino foi um marco na vida de crianças e jovens em idade escolar, após o período mais crítico da pandemia. Agora é preciso ter um olhar atento e propor ações ágeis e eficientes para mitigar o alto índice de evasão escolar, a defasagem na aprendizagem e os desafios relacionados à saúde mental que atingem nossos estudantes. (Fala, por meio de nota, da superintendente do Itaú Social. Notícia: Imirante. Março, 2023).

3  METODOLOGIA

Em relação aos objetivos, visando conhecer a temática em tela, abordou-se uma pesquisa exploratória e explicativa. Nesse sentido, em conformidade com Gil (2017), as pesquisas exploratórias tendem a ser mais flexíveis em seu planejamento, haja vista que, pretendem observar e compreender os mais variados aspectos relativos ao fenômeno estudado pelo pesquisador. Já no que diz respeito à pesquisa explicativa, esta objetiva identificar os fatores e suas relações com a ocorrência de fenômenos. 

Dessa forma, a pesquisa iniciou-se com o requerimento de um ofício na Unisulma/IESMA, destinado para a Secretaria de Municipal de Educação de Imperatriz-MA, especificamente ao Secretário de Educação, solicitando os dados necessários para realizar o estudo. No requerimento constava a solicitação de quatro dados, sendo eles: a) Dados referentes ao número de crianças imperatrizenses matriculadas, na faixa etária dos 9-11 anos, no período de 2021-2022 e a respectiva série em que foram matriculados; b) Quais as dificuldades encontradas para realizar as políticas públicas de educação no município de Imperatriz-MA?; c) Como ocorre a política pública de prestação educacional, em relação às crianças refugiadas? E os meios utilizados para concretização desse direito?. Posteriormente, na resposta do ofício foi fornecida a resposta apenas das informações relativas quanto ao número de crianças imperatrizenses matriculadas, na faixa etária de 9 a 11 anos, no tempo de 2021-2022 e a respectiva etapa de ensino em que foram matriculados. 

Ademais, no que tange aos procedimentos técnicos a pesquisa utilizada foi a bibliográfica. Porquanto, a pesquisa bibliográfica, nos ensinamentos de Fonseca (2002), é realizada a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, bem como as que já foram publicadas por meios escritos e eletrônicos, a exemplo dos livros, artigos científicos, páginas na internet e plataformas digitais. Posto isso, no presente trabalho científico, buscou estudar afinco em repositórios de Universidades, obras de cunho jurídico, literário e sociológico de grandes expoentes, como Condorcet, Bourdieu, José Afonso da Silva, Sacristán e Valter Hugo Mãe, além de debruçar-se em plataformas digitais, tendo como critério revistas bem avaliadas e publicações de 2017-2023. Ademais, o informativo 915, do STF e as legislações internacionais e nacionais solidificaram ainda mais a pesquisa, como Declaração Universal de Direitos Humanos e Convenção sobre os Direitos das Crianças e a nacionais, o ECA, a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, concomitantemente, com normas específicas que versam sobre a educação e políticas públicas educacionais. 

Quanto à análise, a abordagem em uso é a qualitativa. Vieira e Zouain (2005) afirmam que a pesquisa qualitativa possui uma importância fundamental aos depoimentos dos atores sociais envolvidos, aos discursos e aos significados transmitidos por eles. Nesse cenário, a pesquisa em tela preza pela descrição detalhada dos fenômenos e dos elementos que o envolvem. Além disso, conforme os doutrinadores, Denzin e Lincoln (2006), tal pesquisa possui uma abordagem interpretativa do mundo, significando que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem. 

Por fim, no que diz respeito ao método, abordou-se o dedutivo, tendo em vista a observação dos fenômenos que ocorreram e ocorrem no município de Imperatriz-MA, conjuntamente com o desenvolvimento de um raciocínio fundamentado na leitura de pesquisas já publicadas dentro do contexto pré e pós-pandêmico. Dessa maneira, o método dedutivo conceitua-se como um processo de análise da informação que utiliza o raciocínio lógico e a dedução para obter uma conclusão a respeito de um determinado assunto.

4  CONCLUSÃO

O acesso à educação pelas crianças e adolescentes, na faixa etária de 9-11 anos, no município de Imperatriz – MA é de tamanha importância devido às mudanças ocorridas nessa fase de desenvolvimento, como o ganho de novas habilidades, a sede pelo conhecimento, além executar novas rotinas e ter a gestão de próprio comportamento. Assim, focou-se nessa faixa etária, posto que, é uma fase em que a educação deve ser incentivada pelos pais e Poder Público. Dito isso, o acesso à educação pelas crianças dentro do contexto escolar proporcionará um aperfeiçoamento da inteligência emocional, que é tão necessária nos dias atuais.

Isto posto, este estudo teve por objetivo geral demonstrar o afastamento das crianças no período da pandemia em relação ao ensino básico. Diante dessa questão, infere-se que, de acordo com os dados coletados na SEMED, o número de crianças matriculadas no período de transição entre 2021/2022, no ensino municipal, aumentou nas primeiras etapas de ensino, enquanto nas três últimas séries de ensino diminuiu, verificando que a pandemia impactou negativamente nos estudos do grupo em estudo, dificultando a efetivação do direito básico à educação.

Não obstante, ainda há muitos percalços a serem enfrentados para oferecer uma educação de qualidade, de modo a reparar esse espaço, que por muitos estudantes foi tido como perdido, pois não houve um acesso adequado na pandemia.

REFERÊNCIAS

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão –
IESMA/Unisulma.
2Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão –
IESMA/Unisulma. Integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais e Novos Direitos (IESMA/Unisulma).
Integrante do Grupo de Pesquisa Sistema de Justiça, Neoprocessualismo e Direitos Humanos (IESMA/Unisulma).
E-mail: toliveira321@outlook.com
3Professora Orientadora. Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional (UNITAU). Especialista em Direito e
Processo do Trabalho (UNITEC), Especialista em Direito Tributário (Damásio). Docente do Curso de Graduação
em Direito da IESMA/Unisulma. Docente do Curso de Graduação em Direito da FACIMP/WYDEN.
Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Jurídicas de Imperatriz (NUPEJI) e do Grupo de Pesquisa Direitos
Fundamentais e Novos Direitos – UNISULMA/ Iesma. E-mail: francinenabhan@hotmail.com