O ABANDONO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA BRASILEIRA E SEUS IMPACTOS NA RESSOCIALIZAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411211347


Alana Lima Oliveira 1
Ana Hellen Freire Gutierrez 2
Larah Laiana Lima Fogaça 3
Fadja Mariana Fróes Rodrigues 4


RESUMO

O presente trabalho faz uma abordagem histórica e de gênero acerca do sistema carcerário feminino, buscando compreender as motivações do abandono estatal e familiar no sistema carcerário feminino, suas consequências e quais os impactos na ressocialização destas mulheres encarceradas. Este estudo tem como objetivo discutir sobre o abandono de mulheres encarceradas e os impactos gerados na ressocialização. A presente pesquisa foi realizada com base no levantamento bibliográfico e documental, transcorrendo pela doutrina através de livros e artigos já publicados, bem como, relatórios e sites. Utiliza-se para tanto, o método hipotético- dedutivo com uma abordagem qualitativa e busca-se caracterizar o perfil social das mulheres encarceradas, estudar as estatísticas dessa problemática e entender suas motivações, visto que estes fatores contribuem para diretamente para a saúde do sistema carcerário feminino e das detentas que nele ingressam. Neste contexto, torna-se fundamental refletir sobre quais são as consequências geradas pela falta de suporte e vulnerabilidade social das mulheres encarceradas no processo de ressocialização e como solucioná-las.

Palavras-chave: sistema carcerário; abandono; mulheres; ressocialização.

ABSTRACT

This study approaches the female prison system from a historical and gendered perspective, seeking to understand the motivations for state and familial abandonment in the female prison system, its consequences and impacts on the resocialization of incarcerated women. This study aims to discuss the abandonment of incarcerated women and the impacts of this abandonment on resocialization. This research was carried out based on a bibliographic and documentary survey, covering the doctrine through published books and articles, as well as reports and websites. To this end, the hypothetical-deductive method is used with a qualitative approach and seeks to characterize the social profile of incarcerated women, study the statistics relating to this problem and understand their causes, since these factors contribute directly to the health of the female prison system and the inmates who enter it. In this context, it is essential to reflect on the consequences of the lack of support for and social vulnerability of incarcerated women on the resocialization process and how to resolve them.

Keywords: prison system; abandonment; women; resocialization

1.               INTRODUÇÃO

O sistema prisional no Brasil enfrenta vários desafios estruturais, especialmente no que diz respeito ao atendimento das suas populações específicas. A população carcerária feminina, que tem crescido de forma significativa nas últimas décadas, carece de estudos e políticas que levem em conta suas particularidades. Apesar desse aumento, o sistema penitenciário brasileiro foi historicamente estruturado com foco nos homens, o que resulta em diversas dificuldades para as mulheres encarceradas.

Um dos aspectos que impactam diretamente a vida das detentas é o abandono, que pode se manifestar de várias maneiras, tanto por parte do Estado quanto no âmbito familiar e afetivo. Esse abandono, em suas diferentes formas, traz consequências que afetam o processo de reintegração social das mulheres após cumprirem suas penas, o que nos faz levantar o seguinte questionamento: “Quais os impactos gerados pelo abandono da população carcerária feminina brasileira na ressocialização?”. Tal problematização surge a partir da percepção de que, em razão do abandono estatal e do abandono familiar experimentado pelas mulheres encarceradas, a reinserção destas ao convívio social se torna ainda mais difícil que o normal.

Deste modo, este estudo tem como objetivo investigar as diversas formas de abandono enfrentadas pela população carcerária feminina no Brasil. Para tanto, estabelecemos como objetivos específicos: a) caracterizar o perfil social das mulheres encarceradas; b) analisar as estatísticas do encarceramento feminino no Brasil, apontando quais motivos induzem ao abandono sofrido pelas mulheres encarceradas e c) demonstrar quais os impactos do abandono sofrido no processo de ressocialização.

Para alcançarmos os objetivos propostos, procederemos com uma revisão sobre a formação do sistema prisional brasileiro, incluindo um breve histórico de sua evolução. Em seguida, realizaremos uma análise da relação entre o sistema penitenciário e as questões de gênero. A partir desta relação, abordaremos o abandono tanto por parte do Estado quanto da família, além das consequências que são trazidas para a vida das mulheres que estão privadas de liberdade.

Assim, o presente estudo utilizar-se-á de uma abordagem qualitativa, cujos procedimentos empregados são o bibliográfico e o documental, vez que para alcançarmos os resultados propostos será necessário transcorrermos pela doutrina especializada, por meio de livros e artigos publicados sobre o tema, bem como procedermos a análise de relatórios, leis e publicações técnicas a respeito da vida das mulheres no cárcere. Dessa maneira, a pesquisa é básica com relação à sua natureza, vez que busca gerar conhecimentos para aplicação prática, e exploratória e descritiva quanto aos objetivos.

A partir da análise dos dados coletados, e utilizando-nos do método dedutivo dialético, teceremos considerações acerca dos objetivos pretendidos, possibilitando a reflexão sobre o tema abordado, ampliando as discussões a respeito do abandono das mulheres encarceradas e as suas consequências no processo de ressocialização destas, esperando contribuir de modo eficaz para o planejamento de políticas públicas que se atentem para esta situação.

2.               A FORMAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO

O sistema carcerário é frequentemente associado a funções como a punição e a segregação de indivíduos condenados por crimes, com a proposta de também possibilitar a reabilitação dessas pessoas. No entanto, a eficácia e a ética do encarceramento como forma de punição e reabilitação são amplamente debatidas, uma vez que as prisões, ao redor do mundo, apresentam enormes variações em termos de condições, políticas e práticas. Conforme argumenta Foucault (2014), as prisões surgiram no contexto da modernidade como uma alternativa às punições corporais e públicas, transformando-se em espaços de controle e disciplina que visam moldar comportamentos por meio da privação de liberdade.

Smink (2021) relata que, nos Estados Unidos, o sistema carcerário é um dos maiores do mundo, com uma população prisional que ultrapassa dois milhões de pessoas. Este fato é resultado de uma série de políticas de endurecimento penal, como a “guerra às drogas”, e da privatização do sistema prisional, que passou a tratar a privação de liberdade como um negócio lucrativo. Wacquant (2007) descreve o sistema penal norte-americano como uma “indústria do encarceramento”, na qual as prisões são utilizadas como um instrumento de gestão das desigualdades sociais, afetando de forma desproporcional minorias raciais, especialmente afro-americanos e latinos. Esse modelo de encarceramento em massa não apenas exacerba a exclusão social, mas também apresenta sérios questionamentos éticos e legais sobre as condições de detenção e os direitos dos presos.

Por outro lado, conforme estudo realizado no ano de 2022 pela Fundação Cabrini, observa-se que em alguns países europeus, como Noruega e Suécia, existe um prisma distinto, voltado para a reabilitação e reintegração dos presos à sociedade através do trabalho e da qualificação profissional. Esses países têm adotado um modelo que visa minimizar os danos do encarceramento e maximizar as oportunidades de ressocialização.

Christie (2019) aponta que, na Noruega, as prisões são projetadas para parecer o menos possível com um ambiente punitivo, permitindo que os detentos mantenham um nível de normalidade em suas rotinas diárias. O foco é oferecer aos presos oportunidades de educação, trabalho e atividades que promovam o desenvolvimento pessoal e social, o que reflete em baixas taxas de reincidência. Esse modelo contrasta fortemente com sistemas mais repressivos, mostrando que é possível pensar a punição para além do mero isolamento.

Segundo Jung e Rudnicki (2022), nos países em desenvolvimento, como muitos na América Latina, as condições prisionais são bem mais graves, principalmente na questão da superlotação, no qual quase todos os países possuem mais prisioneiros do que vagas disponíveis nas celas. Coyle (2009, p. 39) afirma que “as prisões em países de baixa e média renda frequentemente funcionam como depósitos de seres humanos, incapazes de fornecer as condições mínimas para uma reabilitação efetiva”.

Ao analisar o tema, Camargo (2006) conclui que a superlotação é um dos grandes problemas, no qual, em muitos casos, as prisões encontram-se abarrotadas, não fornecendo ao preso a sua devida dignidade, onde muitos dormem no chão das celas ou até mesmo no banheiro, próximo a buraco de esgoto, o que promove o agravamento das rebeliões e dificulta qualquer tentativa de implementação de programas de ressocialização.

Além disso, a falta de recursos e a ausência de políticas públicas eficazes tornam essas prisões incapazes de cumprir um papel transformador na vida dos detentos, perpetuando ciclos de violência e reincidência. O encarceramento, nesses contextos, muitas vezes se apresenta mais como um reflexo das falhas estruturais do Estado do que como uma resposta efetiva ao crime. As prisões acabam funcionando como espaços de marginalização e aprofundamento das desigualdades sociais, ao invés de promoverem a correção e a reintegração dos presos na sociedade.

Por fim, a análise do sistema carcerário no mundo revela uma ampla disparidade nas práticas e condições das prisões, que vão desde modelos humanizados e focados na reintegração até sistemas marcados por abusos e violações de direitos, como é o caso das prisões brasileiras. Para que as prisões cumpram seu papel de forma mais justa e eficaz, é crucial repensar a função dessas instituições, promovendo reformas que valorizem não apenas a punição, mas também o respeito à dignidade humana e a possibilidade de reintegração social.

BREVE    HISTÓRICO   DA    FORMAÇÃO    DO   SISTEMA          CARCERÁRIO BRASILEIRO

O sistema carcerário brasileiro possui uma história complexa. A perspectiva da doutrina contemporânea sobre penas privativas de liberdade é que elas devem ter um caráter punitivo e principalmente ressocializador. Para alcançar esse propósito, o sistema carcerário passou por diversas transformações históricas.

Ao longo da história, a punição tem sido um instrumento de controle social, e suas formas foram se adaptando para serem mais eficazes. O sistema atual, prevalente no Brasil e na maioria dos países, utiliza a privação de liberdade como um meio tanto coercitivo quanto de reabilitação. No entanto, a prática de encarcerar indivíduos remonta à Idade Antiga, por volta do século V d.C., quando o encarceramento servia para manter as pessoas enquanto aguardavam punições severas, como tortura ou execução.

Segundo Carvalho Filho (2002), o cárcere sempre existiu, mas sua finalidade passou por mudanças significativas ao longo do tempo. No passado, especialmente durante a Idade Média e o início da Idade Moderna, as prisões eram utilizadas para manter escravos e prisioneiros de guerra, além de reter criminosos até que fossem julgados. As condenações, na época, geralmente resultavam em penas severas como morte, açoites, amputações e tortura, entre outras formas de punição.

Durante o período colonial, o sistema carcerário no Brasil era rudimentar e basicamente funcionava em cadeias locais, que eram muitas vezes improvisadas e destinadas a manter prisioneiros temporariamente, conforme discutido por Santos

(2014). As penas mais graves eram frequentemente cumpridas em trabalhos forçados ou sentenças de morte, sem um sistema formalizado de prisões.

Zaffaroni e Batista (2013, p. 45) afirmam que:

O Brasil colonial importou o modelo europeu de punição, onde a prisão era mais um local de suplício do que de regeneração, servindo principalmente para manter a ordem social estabelecida pela Coroa Portuguesa.

Esse modelo evidenciava um sistema de punição que se distanciava de qualquer propósito de recuperação ou ressocialização.

Em 1821, foi criada a primeira cadeia pública do país, na cidade do Rio de Janeiro. Durante o Império, o sistema carcerário passou a incorporar algumas reformas, mas ainda era bastante rudimentar, com pouca preocupação com a reabilitação dos presos e condições precárias. Com a independência em 1822 e, posteriormente, com a Proclamação da República em 1889, o Brasil começou a formar uma estrutura mais organizada para o sistema penal.

Contudo, as reformas iniciais mantinham traços do modelo punitivo focado na repressão. Segundo Carvalho (2001, p. 112):

O processo de modernização das prisões brasileiras no início do século XX foi marcado por tentativas de adoção de modelos estrangeiros, sem que houvesse uma real adaptação às condições sociais e culturais do país, resultando em um sistema penal disfuncional.

No início do século XX, o Brasil passou por transformações sociais significativas que impactaram suas políticas criminais. A partir da década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas e o período do Estado Novo, houve uma tentativa de reforma mais significativa no sistema penal. Marques (2014, p. 89) observa que:

As prisões passaram a ser vistas como um mal necessário para a manutenção da segurança pública, porém, continuavam a ser locais de superlotação, violência e condições subumanas, sem cumprir a função de reabilitação.

Em 1934, o Código Penal Brasileiro foi promulgado, introduzindo a ideia de reformatório e estabelecendo algumas diretrizes para o sistema carcerário. Após a redemocratização em 1945, houve uma tentativa de modernização e humanização do sistema carcerário, com a criação de novos presídios e algumas reformas no Código Penal e no sistema de justiça. No entanto, durante a Ditadura Militar (1964-1985), houve uma intensificação da repressão política e o sistema carcerário passou a ser utilizado como ferramenta de controle e punição, com muitas denúncias de tortura e abusos.

A redemocratização trouxe uma nova perspectiva para o sistema carcerário. Em 1988, a nova Constituição Federal estabeleceu a dignidade da pessoa humana como um princípio fundamental e trouxe avanços significativos em termos de direitos humanos. No entanto, o sistema carcerário brasileiro ainda enfrenta sérios problemas, como superlotação, condições precárias e falta de programas efetivos de reabilitação.

O SISTEMA CARCERÁRIO E A QUESTÃO DE GÊNERO

Este sistema carcerário deficitário já existente no Brasil e no mundo, criado para homens, passou a ser integrado pela população feminina com o avançar da sociedade. No entanto, não houve nenhuma mudança ou adaptação para recepcionar esta população, pois, como é possível receber mulheres em um espaço pensado e construído para homens presumidamente violentos?

Pensar na falta de adaptação do sistema carcerário, vai muito além da análise de sua estrutura física ou da falta de políticas públicas sociais. Transcende o pensamento sobre a inexistência de adaptação do sistema penal atual ou sobre a inexistência da criação de um sistema carcerário próprio para mulheres. Pensar em um sistema carcerário equânime, é pensar sobre gênero.

Para Joan Scott (1989, p. 21) o gênero possui duas partes e várias sub- partes, ligadas entre si mas que deveriam ser analisadas de maneira distinta. A autora afirma que:

O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder.

O conceito de gênero é amplo e maleável, visto que é entendido como uma construção social, cultural e histórica. A perspectiva e a desigualdade de gênero vão além de uma proposição biológica sobre a fisiologia do homem e da mulher. Mas sim, de uma construção social da mulher como um “sexo frágil”.

Este conceito parte da perspectiva de que as diferenças sociais entre homens e mulheres vão além das diferenças sexuais, valorizando e significando construções sociais e culturais baseadas em uma forma de produzir diferenças ideologicamente afirmadas como naturais, a partir de que a mulher é um ser inferior com base em símbolos culturais que evocam conceitos de corrupção e escuridão.

Ainda sobre o conceito de gênero Butler (2003, p. 26), afirma que:

[…] a ideia de que o gênero é construído sugere um certo determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável. Quando a ‘cultura’ relevante que ‘constrói’ o gênero é compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-se a impressão de que o gênero é tão determinado e tão fixo quanto na formulação de que a biologia é o destino. Nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino.

Partindo dessa premissa de construção de gênero, os espaços sociais foram pensados e construídos para receber homens, visto que a sociedade que conhecemos foi criada por homens e pensada para homens. E, com o sistema prisional não poderia ser diferente, pois ele partiu de uma construção social que remonta há séculos. Inicialmente, partindo do princípio da compreensão do sexo feminino como “frágil” e, portanto, não delituoso.

No entanto, com o passar dos séculos, as mulheres começaram a exercer, ativamente, diversos papéis dentro da sociedade e seus reflexos foram percebidos também no âmbito criminal. Contudo, não houve adaptação desse sistema político e estrutural para a recepção da população feminina no sistema carcerário, uma vez que, inexistindo representação política feminina significativa, não havia (e não há) sentido em adaptar um sistema criado e consolidado sobre uma perspectiva patriarcal.

Phillips (1996) discorre que quando a política das ideias é tomada isoladamente da política de presença, ela não dá conta dos grupos sociais excluídos do processo democrático. Butler (2003, p. 19), discutindo o tema da representação, dá outra importante contribuição afirmando que:

Não basta inquirir como as mulheres podem se fazer representar mais plenamente na linguagem política. A crítica feminista também deve compreender como a categoria das ‘mulheres’, o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas mesmas estruturas de poder por intermédio das quais se busca a emancipação.

Partindo desse pressuposto, é imperioso destacar o quanto a compreensão de gênero reflete na estrutura da sociedade e de seus espaços físicos, tornando evidente a necessidade da ressignificação dos conceitos de gênero, a fim de que seja construída uma sociedade que tenha como perspectiva a construção de espaços que levem em consideração fatores que ultrapassam as questões fisiológicas humanas.

A representação política feminina contribuiria para tal fator, conforme os apontamentos trazidos por Butler (2003), auxiliando ainda, na formação de um sistema carcerário feminino que abarque as questões de gênero e acolha as mulheres em um sistema construído por elas e para elas.

3.               O ABANDONO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA BRASILEIRA

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2021), o número de mulheres presas no país cresceu 700% nas últimas duas décadas, superando o crescimento registrado na população masculina. Esse aumento gerou desafios específicos dentro do sistema prisional, sobretudo em relação às condições de infraestrutura e atendimento às necessidades de saúde, maternidade e reintegração social dessas mulheres (Silva; Pereira, 2015).

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) estabelece direitos e garantias para a população carcerária, prevendo medidas específicas para as mulheres. Apesar disso, o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2017) aponta que diversas unidades prisionais não estão preparadas para atender adequadamente essa parcela da população, especialmente no que se refere ao acompanhamento médico de gestantes e lactantes, assim como falta infraestrutura adequada para cuidados materno-infantis. No mesmo sentido, a Human Rights Watch (2018) destaca que a precariedade das unidades prisionais femininas se reflete na falta de acompanhamento médico regular, o que afeta negativamente a saúde física e mental dessas mulheres.

No âmbito jurídico, a possibilidade de uma ampla defesa e do devido processo legal está garantida pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso LV) e pela Lei de Execução Penal. Contudo, o relatório da Human Rights Watch (2018) e pesquisas realizadas por Godoy (2019) indicam que diversas mulheres encarceradas ficam longos períodos em detenção provisória sem serem julgadas, em razão da sobrecarga do sistema judicial e da insuficiência de acesso a uma defesa jurídica adequada. Esse fator contribui diretamente para a superlotação do sistema carcerário, com repercussões nas condições de vida das detentas.

A questão da maternidade dentro do sistema penitenciário é extremamente delicada. Conforme estipulado pela Lei de Execução Penal (art. 83), as mães encarceradas têm o direito de estarem com seus bebês até que completem seis meses. Contudo, Dias (2020) aponta que as estruturas destinadas a abrigar essas mulheres e seus filhos costumam ser, na maioria das vezes, insatisfatórias. O relatório do CNJ (2017) também evidencia a falta de suporte médico especializado para acompanhar mães e bebês dentro das prisões, o que compromete a implementação plena desse direito.

A superlotação nas prisões é uma questão persistente. De acordo com o DEPEN ( 2021), várias unidades prisionais destinadas a mulheres no Brasil funcionam acima de sua capacidade, o que resulta em condições de vida insalubres, especialmente pela ausência de higiene apropriada. A Human Rights Watch (2018, p. 85) menciona que “as condições de superlotação impactam diretamente a qualidade de vida nas instituições prisionais, agravando problemas relacionados à saúde física e mental”. A entidade também destaca que a falta de itens de higiene pessoal, como absorventes, contribui para um agravamento ainda maior das condições de vida.

As estratégias de reintegração social, estabelecidas pela Lei de Execução Penal (artigos 28 e 39), constituem um fator importante para as mulheres que estão em privação de liberdade. De acordo com informações do DEPEN (2021), menos de 30% das mulheres encarceradas se envolvem em iniciativas educacionais ou laborais nas instituições prisionais. Santos (2021, p. 110) argumenta que “a carência de programas voltados para a educação e o trabalho nas prisões femininas dificulta a reintegração social das detentas”, tornando-se um problema que pode favorecer a reincidência criminal.

Além disso, questões relacionadas à saúde mental ganham destaque. Santos (2021, p. 115) afirma que “a ausência de acompanhamento psicológico adequado pode agravar condições como depressão e ansiedade entre as mulheres presas”. Esse ponto é reforçado pela Human Rights Watch (2018), que observa que o isolamento social, somado à separação dos filhos, tem um impacto significativo na saúde mental das detentas.

Em resumo, o crescimento da população carcerária feminina no Brasil trouxe à tona diversos desafios, principalmente em relação à adequação da infraestrutura prisional e ao atendimento das necessidades específicas dessa população. Embora a legislação brasileira preveja direitos e garantias, a implementação dessas normas enfrenta obstáculos em áreas como assistência jurídica, saúde, maternidade e programas de reintegração social. Dados de diferentes instituições mostram que as condições de superlotação e o acesso limitado a serviços essenciais permanecem como pontos críticos para essa população, demonstrando o descaso do Estado para com as mulheres encarceradas.

O ABANDONO ESTATAL

O abandono estatal da população carcerária feminina é um problema complexo que revela falhas profundas no sistema de justiça e na proteção dos direitos humanos.

Em muitos países, incluindo o Brasil, as mulheres encarceradas enfrentam condições precárias que refletem uma negligência sistemática por parte das autoridades.

Estudos como os de Meireles e Bertoni (2020), revelam um cenário em que a falta de políticas públicas fica evidenciada, não havendo meios específicos para lidar com as demandas das mulheres privadas de liberdade que variam desde itens de higiene pessoal até a necessidade de uma infraestrutura adequada para suas condições. Embora a Lei de Execução Penal (Brasil, 1984) e a Constituição Federal (Brasil, 1988) forneçam orientações para o manejo dos internos, na prática, essas normas frequentemente não consideram as especificidades femininas no sistema prisional, o qual é evidenciado pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN Mulheres (Brasil, 2018).

As políticas públicas precisam ser discutidas e aplicadas de maneira a reconhecer e lidar com as especificidades das mulheres encarceradas, incluindo a necessidade de estabelecer programas de saúde direcionados para o sistema prisional feminino (JARDIM, 2020). As mulheres em cárcere frequentemente vivem em condições de superlotação, com acesso inadequado a cuidados médicos e uma infraestrutura deficiente. A situação é ainda mais complicada para aquelas que enfrentam problemas específicos de saúde, como questões reprodutivas, e que muitas vezes não recebem o atendimento necessário. É notório que um dos maiores desafios do sistema prisional brasileiro está vinculado à sua infraestrutura deficiente e à superlotação, o que gera condições extremamente insalubres em termos de limpeza, ventilação e iluminação, entre outros aspectos (Souza, 2022).

A maternidade no contexto da população carcerária feminina representa outro aspecto no qual o Estado deveria possuir políticas públicas eficientes e adequadas. Muitas dessas mulheres encarceradas são mães e enfrentam uma separação dolorosa de seus filhos. O sistema prisional raramente oferece programas adequados para ajudar a manter esses vínculos familiares ou apoiar as mães e seus filhos, o que pode ter consequências duradouras para as crianças e para a própria mulher.

Embora o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 assegure a proteção à família, o contexto atual das prisões femininas revela a urgência de desenvolver políticas públicas que assegurem maneiras eficazes de preservar esses vínculos familiares.

Considerando a distinção das necessidades entre homens e mulheres, destinar tratamento igualitário entre eles, no que tange às condições prisionais, é incabível. Segundo Santos e Silva (2019), a ausência de filhos e familiares afeta mais profundamente as mulheres devido à sua natureza materna, tornando essa privação mais intensa e significativa para elas.

A reintegração social das mulheres após o cumprimento da pena é mais uma área crítica que enfrenta sérios desafios. Essas mulheres frequentemente lidam com o abandono afetivo, a estigmatização e dificuldades em encontrar trabalho, o que pode dificultar a reconstrução de suas vidas e aumentar o risco de reincidência. A falta de políticas públicas específicas e o descaso com as necessidades das mulheres no sistema prisional agravam esses problemas e perpetuam a situação desafiadora que elas enfrentam.

O abandono estatal da população carcerária feminina é um reflexo de uma abordagem que ignora as necessidades e os direitos específicos das mulheres no sistema de justiça, além das perspectivas de gênero acentuadas pela sociedade.

Além do abandono advindo do Estado, outra espécie ainda se faz presente na vida das mulheres encarceradas. Trata-se do abandono daqueles que compõem o seu núcleo familiar e afetivo, o que gera consequências ainda mais gravosas nas vidas das detentas.

O ABANDONO AFETIVO – FAMILIAR

A partir da discussão sobre representatividade trazida por Butler (2003), de que quando a cultura relevante constrói o conceito de gênero, ele passa a ser tão determinado e fixo, que a cultura se torna o destino, compreendemos que as mulheres estão inseridas em papéis sociais os quais determinam seus comportamentos. Tais papéis são oriundos de um sistema patriarcal que molda as relações amorosas, familiares e sociais femininas

A inserção dessas mulheres no sistema carcerário gera a quebra de uma “imagem” moldada e construída há séculos. A criminologia positivista afirmava que a mulher se assemelhava a um ser frágil, mental e fisicamente, sendo as mulheres que cometem crimes um “resultado de falhas genéticas” (França, 2014). Essa perspectiva, de acordo Saffioti (2004, p. 60), possui cerca de 2.605 anos, tendo sido instaurada desde a Idade Média, com a criação e expansão do Cristianismo, que reafirmava a visão de subalternidade feminina.

A concepção de fragilidade feminina constituiu a mulher na sociedade como filha e esposa, passando a ser vista através de sua relação com um homem. A transgressão da mulher no âmbito penal, mas também deste papel pré-estipulado, gera penas que vão além da perspectiva jurídica, passando as mulheres encarceradas a cumprirem penas também no setor moral, visto que se entende a prática do crime como violador da sua posição na sociedade.

Um dos efeitos dessa “pena moral” é o abandono emocional, que ocorre por parte da família imediata (marido e filhos) ou de outros parentes (irmãos e pais), caracterizado pela falta de afeto entre as pessoas nas relações familiares, na medida em que afeta a saúde física e mental das pessoas (Minayo, 2022; Lacerda et al, 2023). Ao abordar essa temática, Santos e Silva (2019) afirmam que a privação da liberdade das mulheres as torna um público invisível, e tal invisibilidade começa com a solidão que se segue ao encarceramento.

O afastamento familiar se caracteriza como uma forma de correção para as mulheres que não se mantiveram no seu “papel social”. O rompimento destes laços afetivos se desdobra nas vidas dessas mulheres encarceradas, visto que a maioria delas realiza algumas atividades delituosas por conta de seus companheiros, muitos inclusive também encarcerados, os quais possuem papel ativo o tráfico. Conforme dados do InfoPen Mulheres (Ministério da Justiça, 2018), cerca de 62% das mulheres que estão no cárcere possuem vinculação penal devido ao envolvimento com o tráfico de drogas não estando vinculadas às maiores redes de organizações criminosas.

Assim, esse esfacelamento do núcleo familiar e afetivo, em razão não somente da transgressão criminal, mas de transgressão do que seria moralmente esperado para o gênero feminino, aumenta os números de detentas viciadas em drogas ou que sofrem de depressão e instabilidade emocional (Minayo, 2022).

As mulheres, que já eram invisíveis fora do sistema prisional, tornam-se ainda mais invisíveis diante de tais abandonos, fato extremamente prejudicial à ressocialização, visto que, as relações sociais têm importante função em programas de individualização de penas e desenvolvimento de ressocialização. A família e os amigos constituem a base social mais relevante, que podem ajudar na ressignificação das ações durante o cumprimento da pena (Oliveira et. al., 2013; Nunez, 2013; Makau, 2022), sendo ainda um dos pilares da assistência social prevista na Lei de Execução Penal (1984).

4.   AS    CONSEQUÊNCIAS    DO    ABANDONO    E    OS      IMPACTOS    NA RESSOCIALIZAÇÃO

O abandono da população carcerária feminina no Brasil é uma questão complexa que gera múltiplos impactos na ressocialização dessas mulheres. Muitas delas enfrentam não apenas a privação de liberdade, mas também o estigma social, a falta de apoio familiar e a escassez de políticas públicas adequadas. De acordo com pesquisa realizada por Lima (2015), as mulheres encarceradas frequentemente vêm de contextos de vulnerabilidade social, como pobreza e violência doméstica, o que agrava a situação de abandono emocional e material.

Durante a internação, o distanciamento familiar e a falta de visitas contribuem significativamente para um sentimento de desamparo e solidão. Esse ambiente isolado pode intensificar a angústia emocional, fazendo com que muitas mulheres se sintam invisíveis e desvalorizadas. A ausência de apoio emocional de familiares e amigos agrava a sensação de abandono, tornando-as mais vulneráveis a problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, que se manifestam de forma crônica e dificultam ainda mais o processo de ressocialização (Gomes, 2018).

Além disso, a falta de interação social pode levar ao desenvolvimento de comportamentos agressivos ou de retirada, impactando a saúde mental dessas mulheres de maneira duradoura. A ressocialização fica ainda mais comprometida pela falta de programas específicos que atendam às suas necessidades. A maioria dos sistemas penitenciários no Brasil não oferece suporte psicológico adequado, nem oportunidades de educação e capacitação profissional (Souza, 2016) e, muitas vezes, as iniciativas disponíveis são genéricas e não levam em conta as especificidades do público feminino, que inclui questões como a maternidade e as experiências de violência.

Esse cenário limita as possibilidades de reintegração social e profissional, deixando as mulheres sem as ferramentas necessárias para reestruturar suas vidas após o cumprimento da pena. O resultado é um ciclo vicioso que perpetua a exclusão e a marginalização, dificultando a reintegração não apenas no mercado de trabalho, mas também nas relações familiares e sociais. A falta de uma abordagem holística que considere as múltiplas dimensões da vida dessas mulheres representa um desafio significativo para a construção de um sistema penitenciário mais justo e eficaz.

Quando essas mulheres deixam a prisão, muitas vezes se deparam com a dificuldade de reintegração social, já que o estigma associado ao encarceramento dificulta a busca por empregos e a reconstrução de relacionamentos. Segundo Ferreira (2017), essa realidade é ainda mais complicada para aquelas que são mães, pois muitas perdem a guarda dos filhos durante o período de cumprimento de pena, intensificando o abandono emocional e perpetuando ciclos de vulnerabilidade e exclusão.

Estudos demonstram que iniciativas que promovem o apoio social, a formação em habilidades e o fortalecimento de vínculos familiares podem ajudar na ressocialização. Programas que envolvem a comunidade e oferecem suporte psicológico são fundamentais para reduzir o estigma e promover uma reintegração mais eficaz (Nunes & Barros, 2010). No entanto, a falta de recursos e a resistência da sociedade em acolher essas mulheres ainda representam obstáculos significativos. Esses fatores contribuem para a perpetuação do ciclo de marginalização e dificultam a construção de uma nova trajetória de vida.

CONCEITO DE RESSOCIALIZAÇÃO

A ressocialização representa o processo pelo qual uma pessoa, após o cumprimento de pena privativa de liberdade, é preparada para retornar ao convívio social (SILVA, 2015). Esse conceito está relacionado à ideia de que o sistema penitenciário tem a função de reintegrar o apenado à sociedade por meio de práticas que ofereçam educação, capacitação profissional e apoio psicológico (SOUZA, 2017). Conforme estipulado pela Lei de Execuções Penais (Lei n.º 7.210/1984), a ressocialização constitui um dos propósitos do sistema penitenciário brasileiro, estabelecendo que o cumprimento da pena deve oferecer recursos para a reintegração social do condenado (BRASIL, 1984).

Oliveira (2018) ressalta que esse processo demanda a criação de condições que possibilitem ao preso se reintegrar ao meio social, através de programas voltados para o trabalho e a educação, que o capacitem com as habilidades necessárias para uma vida fora da prisão. A legislação brasileira estabelece que o sistema prisional deve oferecer oportunidades que preparem o indivíduo para seu retorno à vida social (BRASIL, 1984). Oliveira (2018) destaca também, a importância das políticas públicas no processo de ressocialização, que precisam assegurar a implementação de programas voltados para a reintegração social, tanto durante o cumprimento da pena quanto após a soltura do indivíduo. Segundo o autor, essas políticas desempenham um papel crucial na criação de chances de reintegração, especialmente no que diz respeito ao retorno do apenado ao mercado de trabalho e à convivência social.

Conforme afirma Souza (2017), a ressocialização faz parte de uma perspectiva mais abrangente dentro do sistema de execução penal, que não se limita à imposição da pena privativa de liberdade, mas também busca preparar o apenado para viver em sociedade após o cumprimento de sua pena. O autor ressalta que o processo de ressocialização deve englobar iniciativas focadas em educação e trabalho, considerados como fundamentos essenciais para essa reintegração. Para isso, é crucial que o sistema prisional ofereça essas oportunidades de maneira sistemática e contínua.

Silva (2015) observa que o conceito de ressocialização se refere ao esforço de reintegrar o condenado à sociedade, sendo uma parte integrante da legislação penal no Brasil e dos princípios que orientam a execução das penas. Esse conceito envolve a adoção de práticas que promovam o desenvolvimento de habilidades, permitindo ao indivíduo se adaptar ao convívio social após seu período de encarceramento (SILVA, 2015).

O ABANDONO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA E OS SEUS REFLEXOS NA VIDA DAS MULHERES ENCARCERADAS

O tempo de cárcere produz consequências que vão além da perda da liberdade, produzindo consequências psicológicas para a vida da mulher encarcerada devido à falta de estímulo no desenvolvimento de atividades educacionais e laborativas, e ainda, em razão da falta de estrutura física e social adequadas para receber tais mulheres no sistema carcerário.

As unidades prisionais do mundo e do Brasil foram pensadas e construídas para homens, fato que se materializa no art. 90 da Lei de Execuções Penais (LEP) que prescreve onde devem ser construídas as penitenciárias masculinas, não se referindo em momento algum às penitenciárias femininas.

Em razão da não previsão sobre como devem ser construídas as penitenciárias femininas, elas passaram a ser tratadas da mesma forma que as masculinas. Outro fator relevante, é o perfil socioeconômico das mulheres encarceradas e de seus familiares, que se torna fato prejudicial às visitas frequentes, conjuntamente com o fato de as penitenciárias femininas encontrarem-se em locais afastados, cumprindo a mesma determinação legal das penitenciárias masculinas (Santos; Silva, 2019; Lacerda et al., 2022).

Quando   as   visitas   sociais   ocorrem,   fato   de   menor   recorrência  nas penitenciárias femininas, normalmente se usa o pátio em razão da quantidade de internos e visitas a serem deslocados, sendo realizada, portanto, em locais não apropriados. Diferentemente das visitas íntimas, que ocorrem em local adequado sendo uma recompensa aos detentos, conforme previsto na LEP. No entanto, nas unidades prisionais femininas é raro encontrar estabelecimentos que tenham essa prática, pois as mulheres encarceradas raramente recebem esse tipo de visita, por tratar-se de uma vergonha para seus companheiros (Santos; Silva, 2019; Silva, 2015).

Por outro prisma, a regulamentação das visitas íntimas para as condenadas é muito mais complexa, tendo como requisito a apresentação de certidão de casamento ou de união estável do(a) esposo(a)/companheiro(a), além de critérios específicos adotados por cada unidade (Santos; Silva, 2019; Lacerda et. al, 2022).

Portanto, é possível perceber elementos que contribuem para o abandono afetivo e estatal da população carcerária feminina, favorecendo o rompimento familiar e social das mulheres encarceradas. Não faz parte da sentença condenatória o sofrimento psíquico ou o isolamento, pelo contrário, isso não constitui efeito da condenação e é proibido enquanto sanção penal (Nunes, 2013; Mirabete; Fabbrini, 2018).

Esses fatores contribuem negativamente para a ressocialização das mulheres encarceradas e sua reinserção familiar e social, e mais ainda, sua percepção como indivíduo dentro de uma sociedade que além de restringir sua liberdade a tornou invisível como ser humano e como um indivíduo sujeito de direitos.

OS IMPACTOS NA RESSOCIALIZAÇÃO

A ressocialização no sistema prisional feminino representa um desafio significativo, os quais englobam aspectos como educação, capacitação profissional, saúde e bem-estar emocional das mulheres encarceradas.

O intuito é criar condições que possibilitem a reabilitação dessas mulheres e sua reentrada na sociedade uma vez cumprida a sentença, minimizando o risco de reincidência e promovendo sua cidadania. No entanto, essas condições frequentemente não são adequadamente implementadas. A falta de programas eficazes de educação e formação profissional, aliada à escassez de apoio psicológico, à estigmatização social e ao abandono afetivo-familiar, impedem que muitas mulheres desenvolvam as habilidades necessárias para uma reintegração bem-sucedida. Sem essas oportunidades, o ciclo de marginalização e exclusão tende a se perpetuar, dificultando a construção de uma nova trajetória de vida.

É crucial ressaltar diversos fatores que apoiam a ideia de que mulheres privadas de liberdade devem ter a oportunidade de desempenhar um papel ativo e conquistar uma nova chance de reintegração social. A educação e a qualificação profissional dentro do sistema prisional são essenciais para que essas mulheres adquiram novas habilidades e competências, ampliando suas chances de conseguir um emprego após a sua reintegração ao convívio social. Nesse contexto, a ressocialização busca restaurar a dignidade e recuperar a autoestima das detentas, oferecendo aconselhamento e condições para um desenvolvimento pessoal significativo. Além disso, deve-se promover a implementação de projetos que visem proporcionar benefícios profissionais, entre outras formas de incentivo. Com isso, os direitos básicos das presas começam a ser priorizados gradualmente (Fernandes & Boczar, 2011).

A ressocialização no sistema penitenciário só pode ser efetivada se os direitos e a dignidade das pessoas encarceradas forem reconhecidos e valorizados. Em essência, o tempo de cumprimento da pena deve servir para reabilitar o indivíduo e prepará-lo para reintegrar-se à sociedade. Machado (2008) ressalta que a Lei de Execução Penal brasileira deixa claro seu objetivo de ressocializar o condenado, embora os presídios do país não ofereçam programas efetivos.

Embora existam legislações e ações internas, o Estado continua a ser negligente quanto à redução das taxas de reincidência no sistema penitenciário brasileiro. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2021), a taxa de reincidência no Brasil está próxima de 70%. A falta de recursos para programas de reabilitação, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho, somada à ausência de oportunidades e à exclusão social dos indivíduos privados de liberdade, especialmente das mulheres, tem contribuído para elevados índices de reincidência. Segundo Zaffaroni (2009), a eficácia das políticas penais está diretamente ligada à capacidade do Estado em implementar ações que promovam a inclusão social e a reabilitação dos detentos.

Essa realidade reflete a necessidade urgente de políticas públicas mais robustas e efetivas, que promovam não apenas a educação e a formação, mas também garantam apoio psicológico e uma rede de acolhimento para facilitar a reintegração social dessas mulheres encarceradas. Sem um compromisso sério e contínuo com essas questões, o ciclo de criminalidade e exclusão tende a se perpetuar, comprometendo a segurança e o desenvolvimento social como um todo.

Para reduzir efetivamente as taxas de reincidência, é fundamental uma mudança profunda na estrutura do sistema penitenciário e na justiça criminal, com prioridade na prevenção de crimes e no apoio à reintegração social das mulheres privadas de liberdade.

Isso implica investimentos em programas de ressocialização e capacitação profissional, bem como em iniciativas que assegurem a inclusão delas no mercado de trabalho e ações que combatam a estigmatização e marginalização social e familiar. Esse é um desafio que exige a colaboração entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do engajamento da sociedade civil e de organismos internacionais. Como observado por Cohn (2015), é fundamental que a sociedade reconheça o papel da inclusão e da reabilitação para transformar a realidade do sistema penal feminino.

5.               CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consoante argumentos debatidos no decorrer desta pesquisa, o abandono da população carcerária feminina, baseado no conceito pré-estipulado das questões de gênero e dos estigmas sociais pré-existentes, contribuíram significativamente para o abandono estatal e familiar das mulheres encarceradas. Fazendo com que as unidades prisionais no Brasil e no mundo não atendam aos pressupostos estruturais e sociais para o ingresso da população carcerária feminina.

A escassez de apoio psicológico aliada à estigmatização social, contribuem para o abandono afetivo e estatal da população carcerária feminina, favorecendo o rompimento familiar e social das mulheres encarceradas. Trazendo a pena privativa de liberdade um efeito contrário ao proposto, gerando sofrimento psíquico e isolamento, fatores estes expressamente proibidos como sanção penal.

O afastamento familiar passou a se caracterizar como uma forma de correção para as mulheres que não se mantiveram no seu “papel social”, ocorrendo o esfacelamento do núcleo familiar e afetivo, fator que tornou as mulheres ainda mais invisíveis diante de tais abandonos, fato extremamente prejudicial à ressocialização.

Portanto, fica claro que o abandono estatal, social e familiar da população carcerária feminina produz diversas consequências psicológicas para a vida da mulher encarcerada devido à falta de estímulo no desenvolvimento de atividades educacionais e laborativas, e ainda, em razão da falta de estrutura física e social adequadas para receber tais mulheres no sistema carcerário, fatores que impactam diretamente no processo de ressocialização, pois impedem que muitas mulheres desenvolvam as habilidades necessárias para uma reintegração bem-sucedida.

Em última análise é imperioso destacar que, para a alteração deste cenário faz- se necessária uma transformação estrutural no sistema prisional feminino e na justiça criminal como um todo, com foco na prevenção da criminalidade e na promoção da reintegração social das mulheres encarceradas.

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1 Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR);

2 Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR);

3 Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR);

4 Doutoranda e Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade pelo Programa de Pós Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Especialista em Ciências Criminais pela UESB; Especialista em Novas Metodologias do Ensino Superior pela FASAVIC; Graduada em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Docente do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR).