NATIONAL CERVICAL CANCER NUMBERS IN THE LAST 10 YEARS: THE IMPORTANCE OF SCREENING AND HPV VACCINATION
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411291228
Drª Lenise de Oliveira Teixeira¹;
Orientador: Dr. Lúcio Mauro Bisinotto Júnior².
RESUMO
O câncer de colo do útero é uma das principais preocupações de saúde pública em países de baixa e média renda, incluindo o Brasil, sendo frequentemente associado à infecção pelo HPV, principalmente os tipos oncogênicos HPV 16 e 18. Este estudo objetiva analisar dados nacionais dos últimos 10 anos sobre a incidência e mortalidade dessa doença, bem como discutir a importância do rastreamento para prevenção. A metodologia utilizada foi retrospectiva e observacional, com dados obtidos no DATASUS e revisão de literatura em bases científicas como SciELO, PubMed e MEDLINE. Os resultados mostram que, entre 2014 e 2023, foram registradas 281.814 internações e 25.542 óbitos, com variações importantes ao longo dos anos. A análise dos dados sugere uma crescente adesão ao rastreamento, mas a cobertura vacinal contra o HPV ainda é insuficiente, comprometendo a eficácia da prevenção. Observou-se que a mortalidade é mais elevada em mulheres de faixas etárias mais avançadas e entre aquelas de etnias minoritárias. Embora haja esforços para ampliar a vacinação e o rastreamento, barreiras socioeconômicas e culturais ainda dificultam o acesso dessas populações aos cuidados preventivos e à vacinação. Mais estudos são necessários para caracterizar melhor essa realidade.
Palavras-chave: Câncer do colo do útero. Rastreamento. HPV.
ABSTRACT
Cervical cancer is one of the main public health concerns in low- and middle-income countries, including Brazil, and is often associated with HPV infection, primarily the oncogenic types HPV 16 and 18. This study aims to analyze national data from the last 10 years on the incidence and mortality of this disease, as well as discuss the importance of screening for prevention. The methodology used was retrospective and observational, with data obtained from DATASUS and a literature review in scientific databases such as SciELO, PubMed, and MEDLINE. The results show that, between 2014 and 2023, 281,814 hospitalizations and 25,542 deaths were recorded, with significant variations over the years. Data analysis suggests increasing adherence to screening, but HPV vaccination coverage is still insufficient, compromising the effectiveness of prevention. Mortality was observed to be higher among older women and those from minority ethnic groups. Although efforts are underway to expand vaccination and screening, socioeconomic and cultural barriers continue to hinder access to preventive care and vaccination for these populations. Further studies are needed to better characterize this reality.
Keywords: Cervical cancer. Screening. HPV.
1. INTRODUÇÃO
O câncer de colo do útero é um dos principais problemas de saúde pública em países de baixa e média renda, incluindo o Brasil. Esse tipo de câncer é associado à infecção persistente pelo vírus do papilomavírus humano (HPV), principalmente por subtipos oncogênicos. Os subtipos oncogênicos do HPV mais associados ao desenvolvimento de câncer, principalmente câncer de colo de útero, são os HPV 16 e HPV 18, responsáveis por cerca de 70% dos casos. Outros subtipos de alto risco incluem HPV 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58 e 59. Esses subtipos são chamados de oncogênicos ou de alto risco por estarem associados a um risco elevado de progressão para lesões precursoras e câncer (FOWLER et al., 2024).
No Brasil, a alta incidência e mortalidade por câncer de colo do útero estão diretamente relacionadas à ausência de programas de rastreamento eficientes e à baixa cobertura de vacinação contra o HPV (CERQUEIRA et al., 2023). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do DATASUS, o câncer de colo do útero é o terceiro mais frequente entre as mulheres, com maior prevalência nas regiões Norte e Nordeste. A detecção precoce por meio de programas de rastreamento, como o Papanicolau (citologia cervical) e a testagem de HPV, é essencial para reduzir a incidência e mortalidade associadas à doença (INCA, 2021).
Nos últimos dez anos, o Brasil tem promovido esforços significativos na vacinação contra o Papilomavírus Humano (HPV), com o objetivo de reduzir a incidência de câncer do colo do útero, que permanece uma das principais causas de morte por câncer em mulheres no país. Desde 2014, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, incluiu a vacina contra o HPV no calendário vacinal, inicialmente para meninas de 9 a 13 anos e, mais tarde, expandindo a cobertura para meninos entre 11 e 14 anos, além de grupos vulneráveis, como pessoas vivendo com HIV e transplantados (BRASIL, 2016).
Dados do DATASUS indicam que, no início do programa, as taxas de adesão à primeira dose da vacina foram altas, ultrapassando 80% na maioria das regiões brasileiras. No entanto, essa cobertura apresentou queda nos anos subsequentes, especialmente na segunda dose, essencial para garantir a eficácia da imunização. Em 2022, as taxas de cobertura vacinal chegaram a menos de 50% para o ciclo completo em algumas faixas etárias, evidenciando desafios logísticos e de adesão (DATASUS, 2022). Ressalta-se a eficácia da vacinação e sua importância na prevenção de lesões precursoras do câncer, o que reforça a recomendação das principais sociedades ginecológicas e oncológicas no país para a manutenção e ampliação da cobertura vacinal (ARBYN et al., 2022).
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) recomendam a vacinação contra o HPV como medida fundamental de prevenção primária ao câncer de colo de útero, especialmente nas populações que apresentam menor acesso a exames de rastreamento, como a citologia cervical (FEBRASGO, 2024). A vacina utilizada no Brasil abrange os tipos de HPV de alto risco mais prevalentes, que estão fortemente associados ao desenvolvimento de cânceres anogenitais, como demonstrado por estudos internacionais (BRUNI et al., 2023). A queda nas taxas de adesão à vacina pode comprometer os esforços para o controle do câncer cervical, e iniciativas para conscientização da população e capacitação de profissionais de saúde são vistas como essenciais para reverter esse cenário (FEBRASGO, 2024-A).
Adicionalmente, a pandemia de COVID-19 impactou negativamente a continuidade dos programas de rastreamento, com uma redução significativa na realização de exames preventivos durante o período de isolamento social, como apontado por Teglia et al. (2022). Esse cenário pode resultar em um aumento futuro de casos diagnosticados em estágios mais avançados da doença, complicando o tratamento e elevando as taxas de mortalidade.
No Brasil, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) recomendam o rastreamento do câncer do colo do útero para mulheres entre 25 e 64 anos de idade. anualmente, sendo o exame de escolha o Papanicolau (citologia oncótica cervical). Após dois resultados normais consecutivos, o rastreamento pode ser feito a cada três anos. O exame é indicado para mulheres que já tenham iniciado a atividade sexual, independentemente do tempo transcorrido desde a última relação sexual. Para mulheres imunossuprimidas, como as que vivem com HIV, a recomendação é de rastreamento anual, devido ao maior risco de progressão das lesões cervicais (FEBRASGO, 2024).
As recomendações de rastreamento divergem nos diferentes locais do mundo. Nos Estados Unidos, o United States Preventive Services Task Force (USPSTF) e o American Cancer Society (ACS) recomendam rastreamento para mulheres de 21 a 65 anos, com citopatológico (Papanicolau) a cada três anos dos 21 aos 29 anos e, dos 30 aos 65 anos, citopatológico a cada três anos, teste de HPV isolado a cada cinco anos ou co-teste (citológico e HPV) a cada cinco anos. Para mulheres com mais de 65 anos e histórico de rastreamento adequado, o rastreamento pode ser descontinuado. Na Europa, países como o Reino Unido e Alemanha têm abordagens semelhantes, com variações na idade de início e frequência: no Reino Unido, o rastreamento é indicado para mulheres entre 25 e 64 anos, com frequência a cada três a cinco anos, dependendo da idade. É utilizado o co-teste de citologia e HPV. Na Alemanha, mulheres entre 20 e 34 anos realizam apenas o Papanicolau anual, enquanto mulheres acima de 35 anos realizam coteste a cada três anos. Apesar da variabilidade, está bem estabelecida a necessidade de vacinação contra o HPV como estratégia de prevenção primária para o câncer de colo do útero.
Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é levantar os dados sobre câncer de colo do útero, no Brasil, nos últimos 10 anos bem como discutir a importância do rastreamento eficaz como forma de prevenção.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo retrospectivo e observacional. Os dados constam na plataforma oficial do governo federal – DATASUS, a qual reúne informações em saúde nacionais. Para a pesquisa, os dados foram retirados da aba de morbimortalidade hospitalar, por local do óbito. Foram utilizados filtros para número total de internações por câncer de ovário, considerando-se os anos de 2014 a 2022.
Além disso, também foram realizadas buscas nos bancos de artigos cientificamente validados, como SCIELO, PUBMED e MEDLINE, utilizando-se as palavras-chave “câncer de colo do útero”, rastreamento”, “vacinação” e “HPV”, bem como suas variantes em outros idiomas, de modo a construir um comparativo dos dados nacionais com os dados da literatura mundial.
3. RESULTADOS
Nos últimos 10 anos, isto é, de 2014 a 2023 – último ano com números compilados no DATASUS, houve 281.814 internações de mulher com câncer de colo do útero. Destas, 25.542 vieram a óbito, com uma taxa de mortalidade geral de 9,06%. O ano com maior número de internações foi o de 2023, com 31.760 casos. O ano com maior número de óbitos, por sua vez, foi de 2022, com 2.799 óbitos. Os dados podem ser melhor visualizados na tabela abaixo (tabela 1).
TABELA 1. NÚMERO ANUAL DE ÓBITOS POR CÂNCER DE COLO DO ÚTERO, NO BRASIL, DE 2014 A 2022
Ano | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade (%) |
2014 | 27.687 | 2.264 | 8,18 |
2015 | 26.346 | 2.304 | 8,75 |
2016 | 25.765 | 2.374 | 9,21 |
2017 | 26.523 | 2.518 | 9,49 |
2018 | 27.520 | 2.620 | 9,52 |
2019 | 29.763 | 2.798 | 9,40 |
2020 | 26.744 | 2.615 | 9,78 |
2021 | 28.128 | 2.695 | 9,58 |
2022 | 31.578 | 2.799 | 8,86 |
2023 | 31.760 | 2.555 | 8,04 |
Total | 281.814 | 25.542 | 9,06 |
GRÁFICO 1. NÚMERO ANUAL DE INTERNAÇÕES POR CÂNCER DE COLO DO ÚTERO, NO BRASIL, DE 2014 A 2023
GRÁFICO 2. NÚMERO ANUAL DE ÓBITOS POR CÂNCER DE COLO DO ÚTERO, NO BRASIL, DE 2014 A 2023
Considerando, por outro lado, o número de óbitos conforme o critério etário, a partir do menacme até a menopausa, o maior número de internações se dá dos 40 aos 49 anos, com n = 76.192 , seguido pela faixa dos 30 aos 39 anos (n = 68.894). Considerando o menacme e o período da menopausa, a taxa de mortalidade aumenta progressivamente, com 26% de mortalidade em mulheres de 80 anos ou mais (tabela 2).
TABELA 2. NÚMERO DE INTERNAÇÕES, ÓBITOS E TAXA DE MORTALIDADE POR CÂNCER DE COLO DO ÚTERO, NO BRASIL, A PARTIR DOS 10 ANOS DE IDADE.
Faixa Etária | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade(%) |
10 a 14 anos | 73 | 1 | 1 |
15 a 19 anos | 725 | 14 | 2 |
20 a 29 anos | 22.448 | 880 | 4 |
30 a 39 anos | 68.894 | 3.832 | 6 |
40 a 49 anos | 76.192 | 5.535 | 7 |
50 a 59 anos | 54.660 | 5.946 | 11 |
60 a 69 anos | 35.868 | 4.838 | 13 |
70 a 79 anos | 17.472 | 3.096 | 18 |
80 anos e mais | 5.433 | 1.397 | 26 |
Total | 281.814 | 25.542 | 9 |
Já no que diz respeito à etnia ou raça das pacientes, percebe-se que a maior parte das internações se dá entre mulheres pardas ( n = 119.060), às quais correponde, do mesmo modo, o maior número absoluto de óbitos ( n =11.702), embora a maior taxa de mortalidade seja entre as mulheres indígenas (13%). É notável, por sua vez, a quantidade de casos para os quais não consta informação de raça/etnia (tabela 3).
TABELA 3. NÚMERO DE ÓBITOS POR CÂNCER DE COLO DO ÚTERO DE 2014 A 2023, CONFORME COR/RAÇA.
Cor/raça | Internações | Óbitos | Taxa_mortalidade |
Branca | 107.980 | 8.462 | 8 |
Preta | 14.869 | 1.596 | 11 |
Parda | 119.060 | 11.702 | 10 |
Amarela | 3.764 | 420 | 11 |
Indígena | 379 | 48 | 13 |
Sem informação | 35.762 | 3.314 | 9 |
Total | 281.814 | 25.542 | 9 |
4. DISCUSSÃO
Percebe-se, quanto ao número de internações, um aumento progressivo, com oscilações, do número de internações de mulheres por câncer do colo do útero. O número de internações flutuou ao longo dos anos, mas apresentou um aumento geral a partir de 2021, com o maior valor registrado em 2023. O número de óbitos também mostra uma tendência de aumento, com picos em 2019 e 2022, embora tenha caído em 2023. Em 2019, tanto as internações quanto os óbitos registraram valores elevados. Esse aumento simultâneo pode sugerir uma relação direta, possivelmente relacionada a fatores específicos daquele ano.
Em 2023, apesar de as internações atingirem o valor mais alto do período, os óbitos caíram em comparação com o ano anterior (2022). Essa divergência pode indicar uma melhora nas condições de tratamento ou na resposta hospitalar, levando a uma menor letalidade entre os internados. Esses dados indicam uma tendência de redução na letalidade em 2023, possivelmente devido a avanços no atendimento hospitalar ou melhorias na gestão das condições de saúde que resultam em menos óbitos proporcionais ao número de internações. Os dados de 2020 podem ter sido impactados pela pandemia de COVID-19, o que pode ter afetado tanto a taxa de internações quanto a taxa de óbitos. A queda observada nas internações em 2020, seguida de um aumento a partir de 2021, pode refletir uma interrupção ou redução temporária nos serviços de saúde, com posterior compensação nos anos seguintes.
Quanto à vacinação contra o HPV, nota-se que, em 2014, ano de início da campanha de vacinação no Brasil, a cobertura foi alta, em torno de 80%. No entanto, houve uma queda acentuada nos anos seguintes, chegando ao ponto mais baixo em 2017, com cerca de 20% de cobertura. Esse declínio pode estar associado a fatores como resistência à vacinação, dificuldades de acesso à vacina em algumas regiões, e falta de conscientização. A partir de 2018, observa-se uma recuperação gradual da cobertura vacinal, que se estabiliza em aproximadamente 65% a partir de 2019. Esse aumento sugere uma maior adesão à vacinação nos últimos anos, possivelmente devido a campanhas de conscientização e esforços de saúde pública para melhorar a cobertura. Apesar dessa recuperação, a cobertura vacinal ainda está abaixo dos níveis ideais para garantir a proteção em massa, o que indica a necessidade de esforços contínuos para ampliar o alcance da vacina contra o HPV no Brasil. Tais informações podem ser vistas graficamente abaixo (gráfico 3).
Gráfico 3. Cobertura Vacinal contra HPV no Brasil de 2014 a 2022.
A detecção precoce e o tratamento oportuno são cruciais para reduzir a mortalidade por câncer de colo do útero. Um ponto essencial é a necessidade de ampliação do acesso a exames preventivos em populações de risco, incluindo mulheres portadoras de HIV, que apresentam maior risco de desenvolverem câncer de colo do útero devido à suscetibilidade aumentada ao HPV (STELZLE et al., 2021). Além disso, a revisão de KALLIALA et al. (2020) mostra que o tratamento de lesões precursoras reduz significativamente a incidência de câncer e a mortalidade, o que reforça a necessidade de um diagnóstico precoce.
Dados epidemiológicos indicam uma correlação entre comorbidades e a adesão ao rastreamento do câncer de colo do útero. A análise de Diaz et al. (2017) revela que mulheres com doenças crônicas, como diabetes e obesidade, apresentam menor participação nos programas de rastreamento, o que pode agravar o prognóstico. Além disso, a obesidade, como observado por Maruthur et al. (2009), é um fator de risco associado à diminuição da adesão ao rastreamento, comprometendo a detecção precoce da doença.
Para que um programa de rastreamento seja efetivo, ele deve atender a vários critérios essenciais, que asseguram a sua viabilidade, eficiência e impacto positivo na saúde pública. Os principais requisitos incluem a relevância da doença, que deve representar um problema significativo de saúde pública com alta prevalência ou impacto considerável na morbidade e mortalidade; o conhecimento da história natural da doença, incluindo a progressão de estágios pré-clínicos, garantindo que o rastreamento detecte a doença em um estágio tratável; a existência de um teste de rastreamento eficaz, que seja sensível, específico, seguro, acessível e aceitável para a população-alvo, com baixas taxas de resultados falsopositivos e falso-negativos; a disponibilidade de tratamento eficaz, que melhore os resultados quando a doença é detectada precocemente; a viabilidade econômica do programa, justificando os custos de implementação, acompanhamento e tratamento em comparação com os benefícios de saúde alcançados; a infraestrutura e recursos suficientes, permitindo o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos casos positivos; e a aceitação e participação da população, que deve ser sensibilizada para que o rastreamento tenha impacto. No caso do rastreamento do câncer de colo do útero, todos esses critérios são cumpridos (INCA, 2021).
O câncer de colo do útero é uma causa importante de mortalidade feminina em muitas regiões e, quando identificado e tratado precocemente, a incidência e mortalidade podem ser drasticamente reduzidas. A história natural da doença é bem compreendida, com uma fase pré-cancerosa longa que possibilita a detecção e tratamento antes que a condição se torne maligna. O exame Papanicolau e o teste de HPV são amplamente utilizados, tendo boa sensibilidade e especificidade, além de serem seguros e relativamente simples de aplicar. Existem tratamentos eficazes para lesões pré-cancerosas e câncer em estágio inicial, com alta taxa de cura. Os programas de rastreamento deste tipo de câncer são considerados custo-efetivos, pois o tratamento de lesões iniciais é menos oneroso que o de casos avançados (BRASIL, 2012; BRASIL, 2016).
Para ser eficaz, o programa depende de uma rede de serviços de saúde que possibilite a coleta de exames, diagnóstico, acompanhamento e tratamento adequado. Com campanhas de conscientização, a aceitação é geralmente boa, especialmente em regiões onde há educação eficaz em saúde. Esses fatores tornam o rastreamento do câncer de colo do útero uma estratégia consolidada para a redução da incidência e mortalidade, sendo parte de programas nacionais de saúde em muitos países.
O rastreamento eficaz do câncer de colo do útero é desafiado por barreiras socioeconômicas e culturais que impactam diretamente a adesão das mulheres aos programas de prevenção, especialmente em regiões mais vulneráveis.
O controle desse câncer depende de estratégias de saúde pública que incluam a educação sobre a importância do rastreamento e a recomendação por profissionais de saúde. Estudos indicam que campanhas educativas e o aconselhamento por parte dos profissionais são fundamentais para aumentar as taxas de adesão ao rastreamento (MUSA et al., 2017). No Brasil, há necessidade de uma maior integração entre os serviços de atenção primária à saúde e os programas de rastreamento, garantindo que populações vulneráveis tenham acesso a exames preventivos de forma regular e eficaz (CERQUEIRA et al., 2023).
Estudos recentes indicam que a testagem molecular para o HPV é mais sensível que a citologia cervical para a detecção precoce de lesões precursoras do câncer de colo do útero. A revisão sistemática realizada por Arbyn et al. (2022) demonstra que o teste de mRNA para HPV apresenta maior acurácia em relação à citologia convencional, além de ser uma abordagem eficaz em mulheres de diferentes faixas etárias. Além disso, há evidências de que a inclusão do rastreamento com inspecção visual com ácido acético (VIA), uma abordagem viável em regiões de recursos limitados, pode reduzir significativamente a incidência e a mortalidade do câncer cervical (LOHIYA et al., 2022). No entanto, em razão da dificuldade de acesso e indisponibilidade em muitos locais, a recomendação oficial permanece no sentido da realização da citologia cervical no programa de rastreamento.
É notável como a pandemia de COVID-19 prejudicou a continuidade dos programas de rastreamento e tratamento em várias regiões, agravando os atrasos nos diagnósticos e tratamentos, e possivelmente impactando a mortalidade a médio prazo (TEGLIA et al., 2022; HANNA et al., 2020).
Por fim, a OMS – Organização Mundial da Saúde, em documento oficial, recomenda metas mensuráveis para a vacinação contra o HPV e rastreamento do câncer de colo do útero, até 2030, as quais podem ser visualizadas na figura abaixo (figura 1).
Figura 1. Metas da OMS para 2030 para vacinação contra o HPV e rastreamento do câncer de colo do útero.
A integração de estratégias educacionais e recomendações dos profissionais de saúde tem sido eficaz para aumentar a adesão ao rastreamento (MUSA et al., 2017), sugerindo que políticas de incentivo à educação sobre o HPV e o câncer de colo do útero podem contribuir para maior engajamento das mulheres nos exames preventivos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que, embora tenham ocorrido avanços na prevenção do câncer de colo do útero no Brasil, com ampliação de programas de rastreamento e vacinação, os dados de mortalidade e internações permanecem elevados. Há uma necessidade urgente de fortalecer políticas públicas que promovam o acesso equitativo ao rastreamento e vacinação, especialmente em populações vulneráveis. Para que a prevenção seja efetiva, é fundamental que sejam superados os desafios relacionados à conscientização e adesão da população, bem como à capacitação de profissionais de saúde para o atendimento adequado. Mais trabalhos são necessários para caracterizar melhor essa realidade.
6. REFERÊNCIAS
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¹Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia, Fundação Universitária Evangélica.
²Médico Ginecologista e Obstetra, Médico Mastologista, Fellow em Oncoplástica, Pós-graduado em Imagem Mamária (Orientador).