NÚMERO DE CIRURGIAS ONCOLÓGICAS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS 10 ANOS E O PAPEL DA ANESTESIA NA PREVENÇÃO DA RECORRÊNCIA TUMORAL DO CÂNCER DE MAMA

NUMBER OF ONCOLOGICAL SURGERIES IN BRAZIL IN THE LAST 10 YEARS AND THE ROLE OF ANESTHESIA IN PREVENTING TUMOR RECURRENCE OF BREAST CANCER

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411170631


Dr. Matheus Castro Lima Vieira1
Dr. Adelsio Mafra Palotti2
Dr. Ramuel Egídio de Paula Nascente Júnior3
Dr. Luis Clayton Fernandes de Lima4


RESUMO

O câncer representa um dos principais desafios de saúde pública mundial, sendo a segunda principal causa de morte, atrás das doenças cardiovasculares. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou cerca de 20 milhões de novos casos e aproximadamente 10 milhões de óbitos por câncer globalmente. No Brasil, o câncer de mama é o mais frequente entre as mulheres, com uma estimativa de 73.610 novos casos anuais para o período de 2023 a 2025, representando um impacto significativo no sistema de saúde. A cirurgia oncológica é essencial no manejo do câncer, especialmente em tumores sólidos, e muitas vezes é complementada por quimioterapia, radioterapia ou hormonioterapia. No entanto, estudos indicam que o ambiente perioperatório, incluindo a anestesia, pode influenciar a progressão tumoral e a recorrência da doença, particularmente no contexto do câncer de mama. Nos últimos anos foram percebidos indícios de que a anestesia, especialmente os agentes anestésicos utilizados, pode desempenhar um papel importante na modulação do ambiente imunológico perioperatório, o que pode influenciar a progressão e recorrência do câncer. No entanto, as evidências são ainda inconsistentes, e estudos adicionais são necessários para esclarecer o impacto direto da anestesia na recorrência do câncer de mama e em outros tipos de câncer. O objetivo do presente trabalho é revisar a epidemiologia da cirurgia oncológica no Brasil nos últimos 10 anos e discutir o papel da anestesia nesse contexto, com foco nos procedimentos cirúrgicos relativos ao câncer de mama, e na discussão dos anestésicos em relação à recorrência tumoral.

Palavras-chave: Anestesia. Câncer. Câncer de Mama.

ABSTRACT

Cancer represents one of the major global public health challenges, being the second leading cause of death after cardiovascular diseases. In 2020, the World Health Organization (WHO) recorded approximately 20 million new cases and around 10 million cancer deaths worldwide. In Brazil, breast cancer is the most frequent among women, with an estimated 73,610 new cases annually for the period from 2023 to 2025, representing a significant impact on the healthcare system. Oncologic surgery is essential in cancer management, especially for solid tumors, and is often complemented by chemotherapy, radiotherapy, or hormone therapy. However, studies indicate that the perioperative environment, including anesthesia, may influence tumor progression and disease recurrence, particularly in the context of breast cancer. In recent years, evidence has emerged suggesting that anesthesia, especially the anesthetic agents used, may play an important role in modulating the perioperative immune environment, potentially influencing cancer progression and recurrence. Nevertheless, the evidence remains inconsistent, and further studies are needed to clarify the direct impact of anesthesia on breast cancer recurrence and other types of cancer. The aim of this study is to review the epidemiology of oncologic surgery in Brazil over the past 10 years and to discuss the role of anesthesia in this context, focusing on surgical procedures related to breast cancer and the discussion of anesthetics in relation to tumor recurrence.

Keywords: Anesthesia. Cancer. Breast Cancer.

1. INTRODUÇÃO

O câncer é um dos principais problemas de saúde em todo o mundo. Figura como segunda causa de morte global, atrás apenas das doenças cardiovasculares (MANSUR; FAVARATO, 2021). Segundo dados da OMS Organização Mundial da Saúde, cerca de 20 milhões de novos casos de câncer foram diagnosticados no ano de 2020, com cerca de 10 milhões de mortes no mesmo ano com algum tipo de câncer (OMS, 2020). O tratamento do câncer pode envolver uma combinação de quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e cirurgia. A cirurgia é amplamente utilizada para fornecer diagnóstico e terapia paliativa em tumores sólidos (CHANG et al., 2021). Apesar de a excisão cirúrgica ser considerada, em muitos casos, o tratamento padrão-ouro para o câncer, evidências acumuladas (principalmente de estudos pré-clínicos) indicam que a cirurgia, juntamente com diversos eventos perioperatórios, como transfusões de sangue, analgésicos e anestésicos, pode acelerar a progressão da doença residual mínima, a formação de novos focos metastáticos e a recorrência do câncer (LEE; CATA,2015).

O câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres em todo o mundo e uma das principais causas de morte relacionada a neoplasias. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a estimativa para o triênio 2023-2025 é de 73.610 novos casos de câncer de mama por ano, representando cerca de 29,7% de todos os novos casos de câncer em mulheres no país. Essa incidência coloca o Brasil entre os países com alta carga de câncer de mama, refletindo um desafio significativo para o sistema de saúde pública e privada (INCA, 2023). O tratamento cirúrgico continua sendo o pilar central no manejo dessa doença (CAKMAKKAYA et al., 2014), especialmente em estágios iniciais, e envolve procedimentos como mastectomia e cirurgias conservadoras da mama, frequentemente acompanhadas de tratamentos adjuvantes, como quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia (CHANG et al., 2021).

Nos últimos dez anos, o número de cirurgias oncológicas   no Brasil, incluindo as voltadas para o câncer de mama, aumentou de forma substancial. Dados do Ministério da Saúde mostram que, entre 2014 e 2023, foram realizadas mais de 1,4 milhão de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) aprovadas para cirurgias oncológicas, com um crescimento de cerca de 25% no número de procedimentos anuais ao longo desse período (DATASUS, 2024). Esse aumento reflete tanto a maior capacidade de diagnóstico precoce quanto o envelhecimento populacional, que eleva a demanda por tratamentos cirúrgicos no combate ao câncer. No entanto, apesar dos avanços no diagnóstico e no manejo cirúrgico, a recorrência tumoral continua sendo uma preocupação importante no controle a longo prazo da doença (CHANG et al., 2021; LEE et al., 2020).

Entre os fatores que podem influenciar a recorrência do câncer de mama, um aspecto que vem sendo amplamente investigado na literatura científica é o papel da anestesia utilizada durante a cirurgia (LEE; CATA, 2015). Estudos internacionais e nacionais têm sugerido que o tipo de anestesia administrada no perioperatório pode ter implicações significativas na progressão tumoral e na recorrência do câncer (IWASAKI et al., 2015; SEKANDARZAD et al., 2017). Evidências pré-clínicas e clínicas indicam que diferentes agentes anestésicos podem modular a resposta imunológica e inflamatória do organismo, influenciando diretamente a evolução do câncer (HURTADO; BENDURE; BENNET, 2021; RODRÍGUEZ; MOLLINEDO, 2018).

A cirurgia oncológica é, pois, uma das principais abordagens terapêuticas no tratamento de pacientes com câncer. No Brasil, o crescimento da incidência de neoplasias malignas e as melhorias nas técnicas cirúrgicas aumentaram a demanda por procedimentos cirúrgicos oncológicos. A anestesia desempenha um papel crítico nesses procedimentos, influenciando não apenas a segurança intraoperatória, mas também os desfechos a longo prazo. Há indícios de que a anestesia pode desempenhar um papel importante, não só para o ato cirúrgico em si, mas também para a evitação da recorrência tumoral (CHANG et al., 2021; RODRÍGUEZ; MOLLINEDO, 2018)).

Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é revisar a epidemiologia da cirurgia oncológica no Brasil nos últimos 10 anos e discutir o papel da anestesia nesse contexto, com foco nos procedimentos cirúrgicos relativos ao câncer de mama, e na discussão dos anestésicos em relação à recorrência tumoral.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um um estudo observacional e retrospectivo construído com base nos dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), na seção de procedimentos hospitalares, com filtragem para procedimento de “cirurgia oncológica” e cirurgias relacionadas ao câncer de mama.

Os dados foram filtrados para  os últimos  10 anos disponíveis  na plataforma, isto é, de 2014 a 2023. Além disso, foram realizadas, nas principais plataformas científicas, como SCIELO, MEDLINE e PUBMED, buscas de estudos publicados sobre anestesia relativa à cirurgia oncológica, no Brasil e no mundo, entre 2014 e 2023. Foram incluídos, também, artigos de revisão, ensaios clínicos e metanálises para a avaliação do panorama geral da cirurgia oncológica nesse contexto, bem como da cirurgia no câncer de mama. Os dados do DATASUS e SIM foram selecionados conforme o CID 10 – Classificação Internacional de Doenças 10.

3.   RESULTADOS

No período em questão, isto é, de 2014 a 2023, houve 1.464.328 cirurgias oncológicas realizadas pelo SUS – Sistema Único de Saúde. Desse número, cerca de 24.714 foram a óbito em decorrência do ato cirúrgico, o que representa uma taxa de mortalidade de 1,69%. O ano com mais procedimentos foi o ano de 2023 (n = 165.398) e o ano com menos procedimentos foi o de 2015, com 128.467 procedimentos. Os dados podem ser melhor visualizados na tabela (tabela 1) e no gráfico abaixo (gráfico 1).

Tabela 1. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade em cirurgias
oncológicas no Brasil nos últimos 10 anos (2014 a 2023)

Gráfico 1. Internações, óbitos e taxa de mortalidade em cirurgias oncológicas no Brasil, de 2014 a 2023

As internações anuais flutuam em torno de 140.000 a 160.000 ao longo do período. Apesar de pequenas variações anuais, não há uma tendência clara de aumento ou diminuição no número total de internações. Esse dado indica uma demanda consistente do sistema de saúde para tratamento do câncer de mama, com picos modestos em anos como 2015 e 2021. Quanto à taxa de mortalidade associada a essas internações, observa-se uma queda contínua e acentuada entre 2014 e 2022. Em 2014, a taxa de mortalidade estava em torno de 2%, reduzindo-se de maneira gradual até atingir um valor inferior a 1% em 2022. Essa redução na taxa de mortalidade sugere melhorias nos tratamentos, intervenções cirúrgicas e técnicas de manejo perioperatório, que podem estar contribuindo para aumentar a sobrevida das pacientes internadas.

A maioria dessas cirurgias foi realizada em caráter eletivo (n = 1.159.042), com taxa de mortalidade de 0,92%. Já as cirurgias realizadas de forma urgente somam 305.252, com taxa de mortalidade significativamente mais alta, com 4,62%. Tabela 2.

Tabela 2. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade em cirurgias oncológicas no Brasil nos últimos 10 anos (2014 a 2023), conforme o caráter do atendimento.

Os 10 principais procedimentos, quanto ao número realizado no período, podem ser visualizados na tabela abaixo. A excisão e sutura com retalho em oncologia é a principal, quanto ao número total (n = 131.297). Percebe-se que, quanto aos procedimentos oncológicos relacionados à mama, os principais procedimentos são a quadrantectomia (n= 68.627), a mastectomia radical com linfadenectomia (67.044) e a ressecção de lesão não palpável com marcação em oncologia (60.927).

Tabela 3. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade em cirurgias oncológicas no Brasil nos últimos 10 anos (2014 2023), conforme o procedimento.

4.   DISCUSSÃO

Do ponto de vista biológico, a cirurgia oncológica, embora essencial para a remoção do tumor primário, pode desencadear uma série de eventos que potencializam a disseminação tumoral (SOTO; CALERO; NARANJO, 2020). Durante o procedimento, ocorre liberação de citocinas pró-inflamatórias, alterações na angiogênese e na resposta imunológica do paciente. a supressão imunológica induzida pelo trauma cirúrgico é um dos principais fatores para o surgimento de focos metastáticos ou a reativação de células tumorais latentes (RODRÍGUEZ; MOLLINEDO, 2008).

O mecanismo fisiopatológico pelo qual isso acontece não é totalmente compreende. Estudos sugerem, no entanto, que o estresse cirúrgico cause imunossupressão perioperatória, bem como liberação de fatores angiogênicos que permitem a disseminação de Células Tumorais Circulantes (CTC) e o subsequente implante à distância, bem como afetam a resposta imunológica. Mecanismos propostos para o agente anestésico e sua relação com progressão tumoral podem ser vistos na tabela abaixo (tabela 4).

A    disseminação    de    células    tumorais,     combinada    com    a   imunidade prejudicada no período perioperatório, aumenta a suscetibilidade à recidiva (SOTO; CALERO; NARANJO, 2020). Nesse contexto, a anestesia desempenha um papel crucial, pois pode exacerbar ou mitigar essas respostas biológicas. Por exemplo, teoriza-se que a anestesia regional, ao bloquear as vias simpáticas e reduzir a liberação   de            catecolaminas, pode    favorecer um ambiente menos propício àdisseminação tumoral (LI et al., 2023).

No Brasil, a discussão sobre a relação entre anestesia e a recorrência tumoral ainda é incipiente, mas começa a ganhar força com a realização de estudos que buscam avaliar o impacto dessas variáveis nos desfechos oncológicos. Um artigo de 2020, publicado na Revista Brasileira de Anestesiologia, estuda o uso da lidocaína na técnica anestésica, como forma de prevenir a recorrência tumoral e o desenvolvimento de metástases. Segundo o estudo, a lidocaína pode interferir nos canais de sódio e nas vias de sinalização associadas ao crescimento tumoral, inflamação e resposta ao estresse cirúrgico, o que pode influenciar a recorrência e metástase do câncer. Houve, no trabalho, relação promissora e estatisticamente significativa (p < 0,05) entre o uso de lidocaína e a melhora dos desfechos oncológicos, incluindo redução da recidiva e aumento da sobrevida, embora se sinalize a necessidade de estudos mais robustos (SOTO; CALERO; NARANJO, 2020).

Um   estudo de metanálise,  conduzido  por Cakmakkaya et  al.  (2014), sugere que a anestesia pode influenciar não apenas a recuperação pós-operatória imediata, mas também o prognóstico de longo prazo dos pacientes. Além disso, fatores perioperatórios, como o uso de opioides e a necessidade de transfusões sanguíneas, podem estar correlacionados com o aumento do risco de recidiva do câncer. No entanto, apesar da sugestão positiva, não foram encontradas evidências significativas de que a técnica anestésica seja capaz de influenciar, positiva ou negativamente, a recorrência tumoral, o tempo de sobrevida e a mortalidade das pacientes com câncer de mama. Segundo os autores, os trabalhos nos quais há essa sugestão.

Num editorial da ASA – American Society of Anesthesioly, mais recente, analisa a divergência nos resultados de estudos sobre a anestesia e a recorrência de câncer, ressaltando que as diferenças metodológicas podem explicar os resultados inconsistentes. Há sugestão de que a variabilidade na progressão do tumor pode estar relacionada a fatores biológicos e cirúrgicos, o que torna difícil determinar o impacto direto da anestesia nesse contexto (SESSLER; RIEDEL, 2019). Em uma revisão sistemática, Chang et al. (2021) investigam os efeitos de diferentes tipos de anestesia nos resultados oncológicos a longo prazo. Eles identificaram que certos agentes anestésicos, como os utlizados na anestesia regional, podem estar associados a uma menor taxa de recorrência do câncer. No entanto, os autores reconhecem que mais estudos de alta qualidade são necessários para confirmar esses achados. Na mesma linha, num estudo retrospectivo de 2016, o qual comparou uso de anestesia volátil e anestesia endovenosa no contexto da cirurgia oncológica – com foco na sobrevida, com acompanhamento por 03 anos, houve sugestão de que o uso de anestésicos voláteis aumentou tempo de sobrevida (WIGMORE; MOHAMMED; JHANJI, 2016).

Wang et al. (2019) destacam que o ato anestésico – conforme o agente em uso, pode influenciar o ambiente pós-operatório, impactando o microambiente tumoral e potencialmente favorecendo ou desfavorecendo, em certos casos a recorrência do tumor. Além disso, estudos focados em anestésicos específicos, como propofol e sevoflurano, indicam que a escolha do agente anestésico também pode influenciar os biomarcadores inflamatórios (O’Bryan et al, 2022). De forma semelhante, Sekandarzad et al. (2017) investigam o papel dos cuidados

perioperatórios, sugerindo que a resposta inflamatória e imunológica modulada pela anestesia durante a cirurgia pode influenciar a progressão do câncer. Numa metanálise de 2019, a qual revisou dez estudos, o uso de anestesia intravenosa total (TIVA) está associado a uma melhora na sobrevida livre de recidiva e na sobrevida global em pacientes com câncer de mama, esofágico e de pulmão de não pequenas células. Em seis estudos (n = 7.866), a TIVA foi ligada a uma redução do risco de recidiva (HR = 0,78), enquanto oito estudos (n = 18.778) associaram a TIVA a uma melhora na sobrevida global (HR = 0,76), ambos com significância estatística (P < 0,01). Ressalta-se, no entanto, a limitação metodológica indicada pelo próprio estudo. (YAP et al., 2019).

Estudos mais recentes, como os de Hurtado et al. (2021) e Zhang et al. (2021), reforçam a ideia de que a anestesia regional pode reduzir a recorrência de câncer, especialmente em estágios avançados da doença. Zhang et al. (2021) realizam uma meta-análise com foco no câncer em estágio avançado, sugerindo uma correlação entre a anestesia regional e menores taxas de metástase. Sun, Li e Gan (2015) e Wang et al. (2023) também corroboram essa teoria ao analisarem estudos que comparam anestesia regional e geral, indicando que a primeira pode proporcionar uma vantagem no controle da progressão tumoral. No entanto, todos ressaltam que ainda não há evidência e achados significativos o suficiente para rejeitar a hipótese nula.

Por outro lado, alguns estudos questionam esses achados. Li et al. (2023) realizam uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados e não encontraram evidências de que a anestesia regional melhora a sobrevida de longo prazo em pacientes com câncer. Da mesma forma, Lee et al. (2020) apontam que os resultados são heterogêneos e que as evidências não são conclusivas para afirmar que a anestesia impacta significativamente os desfechos oncológicos.

A relevância da inflamação no contexto do câncer e anestesia é discutida por Rodríguez e Mollinedo (2008), os quais sugerem que a inflamação induzida durante o período perioperatório pode desempenhar um papel crucial na progressão do tumor. Iwasaki et al. (2015) também destacam que o estresse cirúrgico, aliado à anestesia, pode influenciar os desfechos de longo prazo, incluindo a recorrência tumoral. No entanto, estudiosos como Lee et al. (2015) e Xie et al. (2024) argumentam que a anestesia regional pode proporcionar uma redução nas taxas de recorrência e metástase, especialmente em cirurgias urológicas e ginecológicas.

Portanto, embora muitos estudos sugiram que a anestesia pode impactar a recorrência do câncer, especialmente no caso de anestesia regional, os resultados ainda são inconclusivos e mais pesquisas são necessárias para determinar os efeitos de longo prazo dessas intervenções.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O câncer de mama, em particular, apresenta um comportamento biológico influenciado por múltiplos fatores, e o impacto da anestesia na recorrência tumoral precisa ser investigado de forma mais aprofundada em estudos brasileiros, dado o grande número de cirurgias realizadas no país. Em 2022, foram realizadas mais de 162 mil cirurgias oncológicas no Brasil, sendo o câncer de mama um dos mais prevalentes entre as neoplasias operáveis. Esse número expressivo reforça a importância de se entender como as decisões anestésicas podem influenciar os desfechos a longo prazo e como essas escolhas podem ser incorporadas nas diretrizes clínicas para melhorar a qualidade do tratamento oncológico.

A investigação sobre o impacto da anestesia na recorrência tumoral do câncer de mama é fundamental para guiar as práticas anestésicas futuras. Considerando o aumento do número de cirurgias oncológicas no país e a crescente prevalência do câncer de mama, a definição de protocolos anestésicos baseados em evidências pode representar uma oportunidade para melhorar a sobrevida dos pacientes, diminuindo a taxa de recorrência e otimizando os resultados a longo prazo. Apesar dos indícios promissores, todos os estudos indicam a necessidade de mais estudos, com metodologia mais afinada, para esclarecer melhor essa realidade.

6. REFERÊNCIAS

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1Médico residente em anestesiologia;
2Médico anestesiologista;
3Médico residente em anestesiologia;
4Médico residente em anestesiologia