REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10284212
Iara da Silva Braga1
Maria Rosa Pereira Soares2
Samuel Reis e Silva3
RESUMO
A tecnologia digital tem alcançado status e tem ajudado significativamente nas mais diversas áreas como saúde, educação, segurança e outras, contudo, destaca-se que as necessidades e sentimentos que estão relacionados ao se manter conectado e a integração da tecnologia na vida diária do indivíduo podem desencadear uma relação de abuso e dependência, como a Nomofobia, gerando impactos na saúde mental do indivíduo e em diversas áreas, inclusive a nível coletivo. A nomofobia direciona a atenção para a existência de um transtorno primário. Os sintomas mais frequentes na nomofobia são ansiedade, nervosismo, irritabilidade, angústia, taquicardia, na ausência do dispositivo ou de sua conexão. Este estudo tem por principal finalidade relacionar os principais impactos do uso abusivo das tecnologias digitais – celular, computador e afins – na saúde mental e coletiva do indivíduo. A metodologia consiste em uma revisão narrativa de literatura, tendo como fonte livros, artigos científicos, dissertações e teses, em relevância sobre o assunto. A partir deste estudo, pode-se depreender que o uso abusivo das tecnologias compromete as relações pessoais, sociais, familiares, prejudica as atividades diárias e acadêmicas. É importante refletir e analisar sobre os limites entre o uso saudável, aquele uso em que o individuo obtem os benefícios que a tecnologia oferece, e o uso não saudável que pode ser compreendido pelo uso abusivo, prejudicando a saúde mental e o bem-estar do indivíduo e seu coletivo.
Palavras-chave: Nomofobia, dependência tecnológica, saúde mental, saúde coletiva.
ABSTRACT
Digital technology has achieved status and has helped significantly in a wide range of areas such as health, education, security and others. However, it should be noted that the needs and feelings related to staying connected and the integration of technology into an individual’s daily life can trigger a relationship of abuse and dependence, such as nomophobia, which can have an impact on an individual’s mental health and on a number of areas, including the collective level. Nomophobia draws attention to the existence of a primary disorder. The most frequent symptoms of nomophobia are anxiety, nervousness, irritability, anguish and tachycardia in the absence of the device or its connection. The main purpose of this study is to relate the main impacts of theabusive use of digital technologies – cell phones, computers and the like – on the individual’s mental and collective health. The methodology consists of a narrative literature review, using books, scientific articles, dissertations and theses relevant to the subject. From this study, it can be seen that the abusive use of technology compromises personal, social and family relationships, and harms daily and academic activities. It is important to reflect on and analyze the limits between healthy use, that use in which the individual obtains the benefits that technology offers, and unhealthy use, which can be understood as abusive use, damaging the mental health and well- being of the individual and their collective.
Keywords: Nomophobia, technological dependence, mental health, collective health.
1. INTRODUÇÃO
O crescente avanço das inovações tecnológicas digitais tem transformado significativamente os pensamentos, comportamentos, relações sociais, rotina dos indivíduos e muitos outros aspectos, trazendo muitos benefícios em diversas áreas para a sociedade contemporânea. Contudo, destaca-se que as necessidades e sentimentos que estão relacionados ao se manter conectado e a integração da tecnologia na vida diária do indivíduo podem desencadear uma relação de abuso e dependência, como a Nomofobia, gerando impactos na saúde mental do indivíduo e em diversas áreas, inclusive a nível coletivo (BIANCHESSI, 2020).
A nomofobia, junção da expressão em inglês no-mobile com a palavra grega fobos, considerada por alguns autores como a doença do século XXI, surgiu após a observação de indivíduos com sensações e sentimentos de desconforto e angústia, provenientes do uso excessivo de tecnologias – celular, computador e/ou internet – ou convivência inadequada com eles (TEIXEIRA, 2019).
A nomofobia e seus sintomas servem como sinais de alerta para os profissionais da saúde mental para a presença de um possível diagnóstico primário ou transtorno de base, sendo necessário avaliação e tratamento adequado (KING et al., 2014, p. 5) Este estudo tem por principal finalidade relacionar os principais impactos do uso abusivo das tecnologias digitais – celular, computador e afins – na saúde mental e coletiva do indivíduo. Vale ressaltar, que não se tem por intenção patologizar o uso de tecnologias digitais, e sim, favorecer o conhecimento a respeito do tema, contribuindo para uma maior reflexão sobre o uso abusivo das tecnologias e seus possíveis impactos na saúde mental e coletiva dos indivíduos, assim como auxiliar na busca por ajuda psicológica e médica em casos de riscos, vulnerabilidades e prejuízos advindos da nomofobia e transtornos relacionados.
A metodologia consiste em uma revisão narrativa de literatura, tendo como fonte livros, artigos científicos, dissertações e teses, em relevância sobre o assunto. Segundo Rocha et. al (2007), este tipo de revisão compreende em publicações mais amplas, que sob um ponto de vista contextual ou teórico, é pertinente para discorrer sobre um determinado tema, instituindo, basicamente, de exploração da literatura científica – livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas – submetido a análise crítica e subjetiva dos autores. Para Mattos (2015), a revisão narrativa é adequada para a fundamentação teórica de trabalhos de conclusão de cursos, artigos, dissertações e teses.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 TECNOLOGIAS DIGITAIS NA CONTEMPORANEIDADE
As transformações na sociedade acontecem de forma dinâmica, junto com elas são observados os impactos positivos e negativos (PAPALIA; MARTIRELL 2022, P. 1066). A tecnologia digital tem alcançado status e tem ajudado significativamente nas mais diversas áreas como saúde, educação, segurança e outras, sendo quase impossível atualmente viver sem tecnologia (SOUZA; CUNHA, 2019).
Segundo Avila e Pinho (2020), o objetivo das tecnologias foi de facilitar a comunicação, o trabalho, agilizar informações, mudar a vida das pessoas, e muitos outros, trazendo otimizações em diversos aspectos. As mudanças aconteceram e continuam ocorrendo em uma escala de ascensão no avanço da tecnologia e não tem como voltar no tempo. Consequentemente, esses avanços começaram a mudar o comportamento, a forma de pensar, de se relacionar do indivíduo e seu coletivo e cada vez mais fazem parte da vida cotidiana das pessoas.
As tecnologias digitais como internet, redes, mídias sociais, aparelhos de celular, smartphones, tablets, notebooks, e afins, são um marco expressivo da era contemporânea, revelando a necessidade e o desejo dos indivíduos de se manterem atualizados e conectados, seja por diversos fins e objetivos (BIANCHESSI, 2020).
Esses instrumentos são inevitáveis e cada vez mais presentes e necessários na vida cotidiana do sujeito, incluindo diversos contextos e ambientes como familiar, escolar, trabalho, lazer, e muitos outros (BIANCHESSI, 2020).
Os gadgets, que compreendem aos dispositivos eletrônicos portáteis (smartphone, tablets, notebook e outros), estão evoluindo a cada dia, trazendo ainda mais facilidade de acesso e manuseio para os seus usuários. Essas inovações tecnológicas vem atraindo o público em geral, de todas as idade, principalmente os jovens, onde atualmente muitos tem utilizado para a aprendizagem, como método de pesquisa, e também para o trabalho (TEIXEIRA, 2021).
Além de facilitarem o dia a dia das pessoas, essas ferramentas, como o telefone celular (TC), se tornaram necessários em momentos de emergência para entrar em contato imediato, além de favorecer a autonomia e a liberdade de ação, possibilitando a locomoção com menos perdas de compromissos e mais agilidades. Há alguns anos atrás, por exemplo, quando alguém marcava uma ligação para outra pessoa, era necessário que esta ficasse aguardando em casa ou no local onde estava instalado o telefone fixo, caso não quisesse perder a ligação (KING et al., 2014, p. 12). Marins (2021), também reforça sobre os diversos benefícios trazidos pelas tecnologias, como a comunicação instantânea, que conecta as pessoas em qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, com a informação em tempo real.
É possível ter despreendimento para sair e fazer viagens, sem perder a conexão com as pessoas, além de várias possibilidades de contato por meio do TC que transformaram pensamentos, comportamentos, relações sociais: filhos não ficam mais sem os pais, casais sem os encontros inesperados e momentâneos, os chefes sem delegar tarefas extras, e muitos outros cenários que as inovações tecnológicas tem construído (KING et al., 2014, p. 33).
São muitos os benefícios e pontos positivos, como os mencionados acima e muitos outros, contudo, é importante ter cuidado para que essa relação entre o homem e a máquina não se torne abusiva ou dependente. Já se tem observado a partir de pesquisas e estudos, alguns efeitos nocivos causados pelos excessos ou mau uso dessas tecnologias, trazendo impactos no cognitivo, nos relacionamentos interpessoais e afetivo, com consequências na saúde física, mental e coletiva dos indivíduos. Geralmente não se percebe de imediato os perigos e riscos trazidos, porém aos poucos o uso excessivo ou inadequado das tecnologias pode transformar de maneira negativa a vida dos indivíduos (TEIXEIRA, 2021).
2.2 DEFINIÇÕES E CONCEITOS DE NOMOFOBIA
A nomofobia é bastante recente, pois o assunto é produto da interação e relação dos seres humanos com as tecnologias atuais (SENADOR, 2020, p. 15 e 87). Não havia um termo que pudesse explicar as sensações e sentimentos oriundos da impossibilidade de comunicação através do telefone celular ou computador, ou até mesmo referentes a dependência patológica relacionadas a esses objetos, houve então a necessidade da criação de uma nomenclatura relacionada a esse contexto específico para melhor compreensão, prevenção e intervenções (KING et al., 2014, p. 5).
O termo nomofobia nasceu na Inglaterra, por meio de um estudo realizado em 2008 por profissionais da área de saúde mental, composta por médicos e psicólogos da equipe multidisciplinar do Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR) que analisou vários aspectos como as mudanças comportamentais, cognitivas, familiares e sociais de seus pacientes atendidos, com a finalidade de monitorar as reações comportamentais resultantes do uso de aparelhos celulares e computadores no dia a dia (SENADOR, 2020, p. 87-88).
Em relação a composição da palavra, foram associadas a expressão no- mobile, de língua inglesa, que significa a condição de ficar ou estar sem o aparelho celular, com a palavra fobos, de origem grega que significa medo ou fobia, surgindo assim o termo nomofobia (BIANCHESSI, 2020, p. 20).
Vale ressaltar que a palavra nomofobia não é derivada completamente do grego ou latim, como muitas palavras da língua portuguesa. E nem poderia ocorrer, pois no-mobile é uma expressão do período contemporâneo, sendo necessário a existência dos computadores e telefones celulares, assim como os transtornos relacionados a esses dispositivos (KING et al., 2014, p. 5).
Segundo Souza e Cunha (2018), a palavra nomofobia surgiu devido a necessidade crescente da população contemporânea atual de está conectada. Esse fenômeno é visto como forma de representação de sentimentos e pensamentos causados pela relação exagerada do homem com a tecnologia. Assim, entende-se que prováveis alterações emocionais podem ocorrer na vida desses usuários, pelo medo de ficar desconectados ou incomunicáveis.
Bianchessi (2020, p. 20) se refere ao termo como um neologismo com diversas constatações e incertezas, inerente a um fenômeno ainda novo que necessita de estudos, sendo uma palavra que tem sua origem em uma fobia contemporânea, situacional, emergente, que tem relação com dispositivos móveis e tecnologias atuais.
Vale ressaltar que alguns autores relacionam o termo nomofobia como a “dependência digital” ou “dependência tecnológica”, abrangendo o uso abusivo de smartphones, notebooks, tablets, internet e afins. Outros autores se referem a nomofobia como “medo de ficar sem o celular”, como na tradução literal da palavra ou “medo de ficar desconectado”.
O primeiro artigo científico sobre nomofobia foi publicado em 2010 por King e colaboradores em uma revista internacional. É um relato de caso de um paciente que sofria com transtorno de pânico e agorafobia que desenvolveu um apego excessivo ao telefone celular, principalmente ao sair de casa, pois tinha medo de passar mal na rua e não ter como entrar em contato para pedir socorro. O paciente desenvolveu uma dependência patólogica com o aparelho que para ele representava um “apoio psicológico” (KING et al., 2014, p. 11). Outros estudos e pesquisas sobre o tema foram surgindo inclusive no Brasil, despertando a atenção de diversos profissionais da saúde, educação e outras áreas.
Em vista disso, os celulares e computadores, objetos de desejos de muitos indivíduos atualmente, podem está relacionados futuramente a uma lista de classificações de possíveis transtornos advindos do mau uso desses equipamentos, onde a nomofobia surge para dar início (KING et al., 2014, p. 6).
2.3 USO NORMAL VERSUS DEPENDÊNCIA DIGITAL PATOLÓGICA
O uso por várias horas e diário do telefone celular ou computador não se configura necessariamente como uma dependência patológica. Considera-se dentro da “normalidade” o uso que permite que o indivíduo aproveite e se beneficie das inovações tecnológicas em seu crescimento pessoal, relacionamentos sociais, trabalho e outras áreas (MAZIERO; OLIVEIRA, 2016).
Para que se configure uma dependência patológica é necessário que o uso esteja associado a uma inadequação e a apresentação histórica de sintomas. Essa dependência se caracteriza pela apresentação de sintomas e alterações emocionais e comportamentais de indivíduos quando estão sem o celular ou computador – objeto de desejo e dependência – para se comunicar (MAZIERO; OLIVEIRA, 2016). KING et al. (2014, p. 19), relaciona a sintomas que estejam comprometendo a vida pessoal, familiar, social do sujeito, sendo necessário avaliação psicológica e psiquiatra.
Para King et al. (2014, p. 13), a distinção é importante, tendo em vista que
esses equipamentos eletrônicos fazem parte do cotidiano da grande maioria dos indivíduos por diversos fins e objetivos, sendo necessário a compreensão do tipo de uso que o sujeito está mantendo com a ferramenta: uso adequado, sem comprometimentos e sem necessidades de tratamento, ou, indevido e abusivo, sendo necessário tratamento.
(…) quando a ausência desse equipamento ou de um computador chegar ao ponto de atrapalhar a vida diária, ou trazer sintomas de ansiedade, desconforto, medo, entre outros, é que se deve receber atenção especial e avaliação profissional. Somente quando os sintomas do indivíduo se tornarem exacerbados e começarem a interferir no seu comportamento e na vida pessoal, social e familiar é que se deve considerar um transtorno a ser tratado (KING et al., 2014, p. 13).
Os sintomas mais frequentes na nomofobia são: sensação de angústia, desconforto, ansiedade e nervosismo, taquicardia, alterações da respiração, tremores, sudorese, quando não há a possibilidade de se comunicar através dos dispositivos. Em relação a falta do telefone celular foram observados sentimentos de vazio e ausência relacionados a falta do dispositivo em indivíduos que apresentam nomofobia (KING et al., 2014, p. 8, 18, 20). Outros sinais característicos de um uso diário abusivo são
(…) as que mantêm o telefone celular ligado 24 h por dia, as que não saem de casa sem ele, as que sentem ansiedade quando o esquecem, as que voltam para buscá-lo e não ficam de jeito nenhum sem ele, as que se sentem rejeitadas e com baixa autoestima quando ninguém lhe telefona ou quando percebem que os amigos recebem mais ligações do que ela, as que antes de dormir programam o telefone celular com o número do médico, do psicólogo e de hospitais registrados em ordem por uma numeração específica, para o caso de necessidade imediata. Assim, bastaria apenas apertar a tecla referente ao atendimento que precisasse e imediatamente encontrariam a providência desejada. E, também, as que quando ficam sem bateria ou fora da área de cobertura se sentem ansiosas, angustiadas, agitadas, com medo, desorientadas e totalmente inseguras (KING et al., 2014, p. 18).
Segundo Senador (2020, p. 82), pode-se observar em alguns indivíduos com nomofobia sintomas da síndrome de abstinência (ansiedade, nervosismo e angústia) ao ficarem impossibilitados do uso do objeto de dependência, comparados a qualquer uso de substâncias de forma indevida.
O autor compara esses sintomas com os de pacientes que fazem o consumo abusivo de drogas ou de álcool. Em seus estudos foram relatados casos de pessoas que apresentaram crises profundas de abstinência ao ficarem longe do telefone celular por 12 horas, semelhantes ao apresentado por pacientes com consumo patológico de drogas e álcool (SENADOR, 2020, p.82).
Outros sentimentos e sensações relatadas pelo autor foram os de insegurança e desconforto, porém relata que os sintomas de abstinência podem variar de acordo com o indivíduo e suas particularidade e subjetividades, mas geralmente a abstinência de internet inclui sentimentos e sensações de frustração, perda, intranquilidade e de que falta alguma coisa (SENADOR, 2020, p. 83,86-87).
Segundo King et al. (2014, p. 8), os dispositivos tecnológicos geralmente causam sensação de segurança, confiança e bem-estar, por conseguinte diminuem o estresse. Quando os indivíduos com nomofobia estão com seus dispositivos, se sentem “acompanhados”, literalmente, como se estivessem em companhia de outra pessoa (SENADOR, 2020, p.82). Em relação a nomofobia, quando o sujeito se encontra impossibilitado de se comunicar pelo dispositivo, em vez de sentir-se confiante e seguro, sente-se como se estivesse em perigo, ameaçado, ainda que não esteja. A interpretação equivocada que o indivíduo faz em relação a impossibilidade de se conectar se torna ameaçadora, sendo o bastante para desencadear os sintomas desagradáveis.
Pessoas com tedência a desenvolver nomofobia, segundo as pesquisas, geralmente apresentam predisposição inerente aos transtornos de ansiedade, com um perfil ansioso, inseguro e dependente. Na maior parte dos casos, os indivíduos com esse perfil costumam em tempo algum desligar o aparelho celular, em vez disso, o colocam para o modo vibrador, deixando-o próximo, disponível e vísivel. Por vezes, dormem com o celular ligado ao lado da cama. Na nomofobia, a baixa autoestima e a insegurança favorecem o sentimento de rejeição quando o indivíduo não recebe ligações ou seus amigos recebem mais ligações do que ele, por exemplo. Outras características observadas foram a inflexibilidade, o perfeccionismo e exigência consigo mesmo (KING et al., 2014, p. 8, 17).
Destaca-se que a nomofobia surge como um sinal de alerta para um possível transtorno primário que deve ser compreendido e tratado de forma adequada. Os principais transtornos primários comuns na nomofobia são: transtorno de estresse pós-traumático, os transtornos de ansiedade, como o transtorno do pânico, transtorno de fobia social, transtorno obsessivo compulsivo, alguma fobia específica e outros, que contribuem na manifestação dos sintomas característicos da nomofobia (KING et al., 2014, p. 16, 17).
A mensuração da nomofobia na literatura inglesa tem sido realizada através do questionário Nomophobia Questionnaire (NMP-Q), validado também para a língua italiana e para a língua espanhola (ROCHA et. al, 2020).
No Brasil, o questionário passou por uma validação transcultural em português, o NMP-Q-BR. A versão brasileira apresentou excelente validação, contribuindo para a ampliação dos estudos sobre o fenômeno no Brasil. O questionário constitui de 20 itens que devem ser respondidos em uma escala de 1 a 7, de acordo com a intensidade. Os itens estão correlacionados com a falta do uso do celular e sintomas de medo, ansiedade, e outros (ROCHA et. al, 2020).
2.4 NOMOFOBIA E OS ÍMPACTOS NA SAÚDE MENTAL E COLETIVA
A Organização Mundial de Saúde (OMS), traz o conceito de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, o que não está relacionado simplesmente a ausência de doença ou a inexistência de enfermidade. É considerada um direito humano fundamental que requer ações que vão além do setor da saúde, perpassando muitos outros setores econômicos e sociais (BORGES, 2018, p. 45).
King et al. (2014, p. 35, 36), destaca o avanço das tecnologias presente em todas as áreas, gerando muitos impactos positivos como desastres que são evitados e vidas que são salvas. São rápidas as transformações em áreas como a saúde, educação, engenharia e outras. Na proporção dos avanços a qualidade de vida da população vem aumentando de forma geral. Os autores consideram que por esses e outros motivos, são importantes os investimentos no campo das tecnologias, mas alerta para as constantes análises dos impactos comportamentais, cognitivos, sociais, cínicos que estão sendo construídos no cotidiano dos indivíduos.
Como mencionado, o estudo de 2008 realizado pelo LABPR que analisou vários aspectos de seus pacientes, observou com os resultados que o uso excessivo das tecnologias estava causando mudanças comportamentais, familiares e sociais, provenientes da alteração de hábitos pessoais. Por consequência ocasionando prejuízo na vida dos indivíduos (SENADOR, 2020, p. 87-88). De acordo com Kang (2021, p. 16, 17), no que se refere ao desenvolvimento humano há um alerta sobre o mau uso das tecnologias na infância, o que torna as crianças reativas e nervosas, desencadeando sentimentos de inquietação e ansiedade devido a constante demanda em seus cérebros
A forma como nossas crianças estão usando a tecnologia, e sendo estimuladas a usá-la – inadvertidamente, rolando telas enquanto se alternam entre quatro ou cinco aplicativos abertos, com um videogame no fundo –, não é, claro, saudável para o desenvolvimento mental delas (KANG, 2021, p. 16).
Segundo Desmurget (2021, p. 6, 7), especialistas dispertam a atenção para as influências negativas dos dispositivos digitais contemporâneos no desenvolvimento da criança em todas as dimensões, incluido a fase escolar
Todas as dimensões estariam sendo afetadas, desde o somático (obesidade, maturação cardiovascular), até o emocional (por exemplo, a agressividade, a ansiedade), passando pelo cognitivo (por exemplo, linguagem, concentração); tantos danos, seguramente, não deixariam ileso o desempenho escolar (DESMURGET, 2021, p. 6, 7).
Para melhor compreensão do que acontece com as crianças Kang (2021, p. 20) explica que as substâncias neuroquímicas liberadas, também denominadas de mensageiros químicos do corpo, são essenciais para a regulação do corpo e da mente e desencadeiam respostas: dopamina, cortisol, endorfinas, oxitocina e serotonina. Tecnologias digitais como telefones celulares, mídias sociais, jogos on-line e afins, estão causando mudanças na mente das crianças através da liberação das substâncias neuroquímicas, às vezes com efeitos positivos e em outros com efeitos negativos
(…) algumas tecnologias criam ciclos de recompensa neuroquímica de baixo valor e em grande quantidade, assim alterando a estrutura do cérebro em desenvolvimento; o resultado é que nossos filhos passam a querer mais do que vem dos dispositivos e menos do que vem do mundo físico (KANG, 2021, p. 22, 23).
Dessa forma, Kang (2021, p. 20, 23), enfatiza que a exposição abusiva e excessiva a tela de dispositivos digitais pode desencadear diversas reações neuroquímicas liberadas em determinada circunstância
Tempo excessivo de exposição a telas pode trazer as seguintes consequências: • Liberação de quantidades prejudiciais de cortisol, desencadeando reação de estresse. • Desejo por quantidades perigosas de dopamina, o que pode levar ao vício. • Redução na liberação natural de oxitocina, serotonina e endorfinas, que são a chave para a saúde, a felicidade e o sucesso a longo prazo (KANG, 2021, p. 22, 23).
O hábito de permanecer por muito tempo na frente do computador ou telefone celular, está contribuindo para a mal alimentação, onde para que não se perca o tempo de conexão as refeições são geralmente fast food, que associadas a falta de atividades físicas ocasiona danos em relação a saúde física, como o sedentarismo e a obesidade em crianças, adolescentes e adultos (KING et al., 2014, p. 36, 37). Os autores continuam
(…) a má postura e o longo período sem pausa e mal posicionado em frente ao computador, por exemplo, pode causar dores nas costas, nos braços, no pescoço e na cabeça. (…) Pode surgir cansaço nos olhos, cansaço corporal excessivo devido a noites maldormidas e falta de atenção, concentração ou capacidade de aprendizado. Na escola ou no trabalho, podemos observar baixo desempenho, sonolência diurna, irritabilidade e impaciência (KING et al., 2014, p. 37).
Uma pesquisa sueca fez uma análise do uso de telefones celulares e apontou que indivíduos que fazem uso do celular em altos níveis relataram sintomas de depressão e transtorno do sono. Esses estudos apontaram que o uso de mais de uma hora por dia aumentava o risco de fatores de saúde negativos (PAPALIA; MARTIRELL, 2022, p. 1066).
Entre os comportamentos observados na sociedade contemporânea, o imediatismo tem chamado a atenção dos pesquisadores, que vem sendo fomentado pela pressa e falta de tempo. Esses comportamentos são produtos principalmente da relação entre o homem e as tecnologias que atendem as demandas de forma instantanea, favorecendo uma sensação de impaciência, irritabilidade e indisponibilidade também nas relações interpessoais (KING et al., 2014, p. 35)
Neumam e Missel 2019, tratam sobre as novas tecnologias como parte da família, por estarem tão presente no cotidiano, ganhando cada vez mais espaço na vida dos indivíduos, podendo ser considerado um novo integrante da familia. No entanto surgem dúvidas de como lidar com esses avanços, pois a inserção das tecnologias principalmente nas relações, trouxe consigo riscos e conflitos específicos, surgindo novos desafios em saúde mental e coletiva.
De acordo com Bianchessi (2020, p. 12) os prejuízos causados pelo uso descontrolado de tecnologia são reais e crescentes. É comum ver pessoas, principalmente os adolescentes e jovens, que passam a maior parte do tempo em jogos ou redes sociais, ficarem inquietos quando o aparelho celular fica sem sinal de internet, ou pela demora no envio ou retorno das mensagens, chegando a ser desesperador e causando sofrimento mental. Ademais, contribui para a redução da concentração, por motivo de distrações advindas do uso das telas (KING et al., 2014, p. 201).
Para Teixeira (2019), o uso abusivo das tecnologias compromete as relações pessoais, sociais, familiares, prejudica as atividades diárias e acadêmicas, e vem ganhando diariamente novos adeptos.
Diversos profissionais têm sofrido um adoecimento progressivo com a síndrome de Burnout, onde em estudos realizados demonstram a prevalência de 30% da população diagnosticada com a síndrome. Contribui para esse quadro a função de trabalhadores se encontrarem permanentemente acessáveis, fazendo hora extra e plantões com o telefone celular ativo, onde o trabalho não tem hora para começar nem para terminar (KING et al., 2014, p. 202).
Souza e Cunha 2019, traz os impactos negativos do uso excessivo das tecnologias que estão relacionados ao afastamento das pessoas, e não se refere apenas ao afastamento físico, mas também o afastamento afetivo. Destaca que esse novo formato tem modificado bastante o convívio e os padrões de comunicação, podendo assim ser um motivo recorrente de conflitos nas relações interpessoais.
Mussio (2017, p. 16) faz o alerta para o excesso do uso das tecnologias que são ferramentas que necessitam de critério e cautela dos seus usuários, levando em conta que pode afetar a vida de forma significativa, podendo gerar frieza e distanciamento nos relacionamentos. Os estudos relacionados a compreensão das características que geralmente são encontradas nos indivíduos que sofrem de nomofobia ainda são escassos, no entanto há elementos que servem de atenção para possíveis prejuízos no bem-estar e qualidade de vida como
(…) baixa autoestima, baixo senso de autoeficácia, comportamentos sociais inapropriados, isolamento social, ansiedade social, medo de se relacionar, timidez, pouca confiança em si, baixa proatividade, baixa sensibilidade no contato com as pessoas, baixa capacidade de enfrentamento, além de relacionamentos sociais e afetivos empobrecidos (…) (KING et al., 2014, p. 205).
No que se refere ao diagnóstico e intervenções, tais características mencionadas e identificados anteriormente são sinais que auxiliarão na hipótese diagnóstica de algum transtorno primário, porém não devem ser consideradas de forma isolada de seus contextos, mas avaliadas juntamente com o histórico clínico do paciente, entrevistas, ferramentas e testes necessários, para possível tratamento (SENADOR, 2020, p.84).
Senador (2020) menciona os desafios para profissionais e pesquisadores em compreender de que maneira se pode utilizar essas tecnologias com equilíbrio, considerando o contato social que é uma necessidade essencial aos seres humanos.
A evolução tecnológica desenfreada também pode gerar impactos devastadores para o meio ambiente no que se refere a produção de grande quantidade de lixo eletrônico.
Todos os dias, milhares de aparelhos e equipamentos eletrônicos são substituídos, pois se tornaram obsoletos aos olhos de seus donos. Isso acontece devido à velocidade com que novos aparelhos são lançados e novas tecnologias surgem, num processo planejado que visa obrigar o consumidor a substituí – los, na maioria das vezes ainda funcionando, por novos, contribuindo para o aumento do chamado lixo eletrônico (MOI et al., 2014).
Esse tipo de lixo tem se tornado um grande problema a nível coletivo, por não ser descartado de forma adequada. A Organização das Nações Unidas (ONU), precisou definir medidas urgentes para conter o imenso crescimento de lixo eletrônico que contêm várias peças nocivas à saúde, considerando um problema grave para o meio ambiente e saúde pública. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a grande preocupação tem sido com os países emergentes, como México, Índia, China e Brasil, por crescerem no consumo e nas vendas, porém sem nenhum preparo adequado para o descarte e reciclagem, considerado pelo autor um “abuso de tecnologias” pelo uso indevido (KING et al., 2014, p. 32, 312).
No meio-ambiente, os resíduos do lixo eletrônico, ao serem encaminhados para os aterros sanitários, podem causar danos à saúde (FERREIRA e FERREIRA, 2008). Esses resíduos, quando entram em contato com o solo, podem contaminar o lençol freático e, quando submetidos à combustão, acabam poluindo o ar. Produtos presentes nesses materiais podem desencadear sérios problemas à saúde humana (MOREIRA, 2007), que pode ser agravado pelo processo de reciclagem bruta, pois muitos poluentes orgânicos persistentes e metais pesados são liberados, podendo se acumular facilmente no organismo por inalação do ar contaminado (MOI et al., 2014).
As principais substâncias utilizadas na composição de eletrônicos que causam potenciais riscos à saúde humana e coletiva são: mercúrio, cádmio, arsênio, zinco, manganês, cloreto de amônia, chumbo, PVC. Presentes em computadores, laptops, celulares, televisores, baterias, fios para isolar correntes, que, dependendo da substância, através do toque ou inalação, podem contaminar, causando diversos efeitos como: problemas estomacais, distúrbios renais e neurológicos, alterações genéticas e no metabolismo, agente cancerígeno, afeta o sistema nervoso e cutâneo, dores reumáticas, distúrbios metabólicos, problemas pulmonares, anemia, dores abdominais, vômito, seborreia, impotência, tremor nas mãos, perturbações emocionais, asfixia, irritabilidade, tremores musculares, lentidão de raciocínio, alucinação, insônia, hiperatividade e problemas respiratórios (MOI et al., 2014).
2.5 INTERVENÇÕES E TRATAMENTO
Com os estudos e pesquisas sobre a nomofobia é iniciada uma ampla discussão que vai sendo aperfeiçoada, possibilitando a compreensão e capacitação por parte dos profissionais para atender a demanda de forma efetiva, além de chamar a atenção para transtornos primários a nomofobia, orientando o paciente para o tratamento mais adequado (KING et al., 2014, p. 19).
O tratamento da nomofobia é direcionado ao diagnóstico primário, que é o responsável por levar o paciente a se relacionar indevidamente com o dispositivo tecnológico. Ao se perceber os sintomas e sensações relativos a nomofobia, deve-se procurar o tratamento médico e psicológico (KING et al., 2014, p. 5, 19, 20).
Na psicologia há várias abordagens, dentre elas a Terapia Cognitiva- Comportamental (TCC), de Aaron T. Back, que tem demonstrado eficácia clínica no tratamento para diversos transtornos da saúde, incluindo os quadros de ansiedade e fobias (DEWES, 2010).
A Terapia Cognitiva Comportamental – TCC, propõe em seu modelo teórico que o pensamento disfuncional é comum a todos os transtornos psicológicos. O pensamento influencia o humor e comportamento do indivíduo (BECK, p. 34, 2022).
A TCC utiliza técnicas específicas que podem auxiliar o sujeito a lidar com a dependência digital patológica ou com os comportamentos desadaptativos. Essas técnicas e estratégias são de enfrentamento, relaxamento, exercícios de respiração e muitas outras, que associadas as especificidades do paciente, tem por finalidade auxiliá-lo no enfrentamento e em como lidar com a demanda (KING et al., 2014, p. 20).
Em relação ao abuso de tecnologias digitais em crianças e adolescentes, é importante que pais, responsáveis, educadores desenvolvam juntamente com eles hábitos mais saudáveis e equilibrados. Kang (2021, p. 299) relaciona a afazeres simples como ter boa noite de sono, separar tempo de pausa e autocuidado na rotina e equilibrar o uso positivo da tecnologia com interações do mundo real, podendo gerar efeitos mais positivos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As tecnologias digitais com suas diversas inovações continua se expandindo diariamente de forma rápida e dinâmica, contribuindo para a transformação em diversas áreas e aspectos da vida do indivíduo e seu coletivo, com impactos positivos e negativos.
Pôde-se observar através deste estudo que a tecnologia está presente desde a infância até a fase adulta do indivíduo, a nível individual, familiar e coletivo, em áreas como saúde, educação, organizacional, e muitas outras, sendo capaz de transformar significativamente o comportamento, cognição, aspectos físicos, cotidiano, cultura e tudo que se refere ao ser humano, incluindo o meio ambiente.
A nomofobia pode ser considerada um transtorno contemporâneo, advindo de um relacionamento abusivo com tecnologias e dispositivos digitais – telefone celular, computador, tablet, e outros – desencadeando no indivíduo sentimentos e sensações de ansiedade, nervosismo, irritabilidade, angústia, taquicardia, na ausência do dispositivo ou da conexão dele.
A nomofobia direciona a atenção para a existência de um transtorno primário, onde os mais comuns são transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade, transtorno de pânico, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de fobia social, alguma fobia específica e outros semelhantes (KING et al., 2014, p. 16, 17).
É importante identificar o transtorno primário para que seja realizado o plano de tratamento de forma adequada, que, geralmente consiste em psicoterapia e medicação. Os profissionais indicados para o tratamento são o psicólogo e o psiquiatra.
A intenção deste artigo não é patologizar o uso dos dispositivos digitais e o tempo de consumo dos indivíduos, nem diagnosticar a partir de fatores isolados de seus contextos.
Ademais, estudos são necessários para melhor compreensão sobre como o uso rotineiro desses dispositivos afetam a saúde mental dos indivíduos em relação a suas diferentes formas e intensidades de utilização, tanto positiva quanto negativamente (KING et al., 2014). Por fim, é importante refletir e analisar sobre os limites entre o uso saudável, aquele uso em que o indivíduo obtem os benefícios que a tecnologia oferece, e o uso não saudável que pode ser compreendido pelo uso abusivo, prejudicando a saúde mental e o bem-estar do indivíduo e seu coletivo, e, em caso de suspeitas de nomofobia procurar ajuda profissional (AVILA; PINHO, 2020).
4. REFERÊNCIAS
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Iara da Silva Braga – Graduanda do curso de Psicologia no Centro Universitário FAMETRO1
Maria Rosa Pereira Soares – Graduanda do curso de Psicologia no Centro Universitário FAMETRO2
Samuel Reis e Silva – Professor Orientador no Centro Universitário FAMETRO3