NÍVEIS DE ESPECIALIZAÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7845109


Francisco Martins Morais-Júnior1
Wellington Vieira Mendes2


RESUMO

No campo da Linguística do Texto Especializado, o estudo de textos acadêmicos contribui para o entendimento de que são especializados com diferentes níveis, segundo a estrutura textual e suas condições discursivas. O objetivo deste artigo é descrever a estrutura textual, as condições discursivas e as características que indicam os níveis de especialização desses textos. Fundamenta-se a partir das propostas de Cabré (2002) e Rodríguez-Tapia (2016). É uma pesquisa bibliográfica que descreve as características de textos especializados e classifica-os em níveis de especialização. Os resultados indicam que os textos se constituem de planos com características de especialização, evidenciando uma gradação decrescente, entre as variações “NAV1”, “NAV2”, “NAV3”, “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”. Como conclusão, depreende-se que os textos apresentam diferentes níveis, se avaliados com base nos critérios: 1) nível acadêmico do locutor; 2) nível acadêmico do receptor; 3) tipo de texto acadêmico; 4) tema; 5) Unidade de Sentido Especializado; e 6) de terminologização.

Palavras-chave: Texto acadêmico-científico. Texto especializado. Nível de especialização.

1 Introdução

Diversas são as lentes, no campo da Linguística, pelas quais os pesquisadores observam os textos produzidos na academia, para compreender sua estrutura e função. Assim, nosso interesse reside em apontar a estrutura textual e as condições discursivas, como características de textos acadêmico-científicos, capazes de defini-los como especializados.

Pretendemos responder às perguntas: a) Estrutura textual e condições discursivas qualificam textos como especializados? b) Que critérios definem níveis de especialização? Para isso, utilizamos as propostas de Cabré (2002) e Rodríguez-Tapia (2016). Os objetivos são: a) descrever a estrutura textual e as condições discursivas, como caracterizadores de textos acadêmico-científicos especializados; b) propor metodologia para a classificação desses textos.

2 Texto especializado

O conceito de texto especializado foi reformulado ao longo dos estudos linguísticos, assumindo especificidades, conforme aproximação com a Linguística Textual (LT) e a Análise do Discurso (AD). Essa discussão era observada a partir do “reconhecimento formal da existência de vocabulários específicos de determinadas áreas do conhecimento especializado se dá no século XVII” (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 25). Isso gerou, na academia, preocupação em estudar a linguagem científica e em caracterizar os textos produzidos nesse espaço.

Há a premissa de que a linguagem, caracterizadora de textos acadêmicos, antes de se tornar especializada no contexto acadêmico e/ou no de determinada área, se evidencia nas estruturas do léxico de uma língua. Surge, então, uma explicação para o nascimento da linguagem especializada: “antes de as expressões se tornarem específicas de uma dada área ou ciência, passam pelas estruturas do léxico da língua comum, considerando uma gramática internalizada, e ainda elementos externos como a variação linguística” (SOUZA, 2018, p. 31).

Desse modo, uma característica básica da linguagem especializada é a que “tem como finalidade sistematizar e transmitir o conhecimento específico de um determinado campo ou ciência em seu âmbito comunicativo e discursivo, o que a torna diferente da linguagem comum” (SOUZA, 2021, p. 51). Assim, a linguagem especializada diferencia-se da comum e suas características são apontadas em semelhança com a adotada por Cabré (2002).

O texto especializado é o que contém uma linguagem especializada produzida por especialistas de alguma ciência ou domínio do saber técnico-científico. Esse tipo de texto transmite conhecimentos oriundos de uma área específica e é portador de um léxico representado pelos termos ou as fraseologias que comunicam ideias, informações e conteúdos típicos de uma comunidade discursiva, por isso, adota-se a concepção de língua de especialidade (SOUZA, 2021, p. 52).

Assim, o texto especializado constitui-se de “macro e microestruturas, fraseologias, construções recorrentes, definições, paráfrases, e as mais variadas “peculiaridades” de texto, além de um léxico mais ou menos marcado” (FINATTO, 2002, p. 2). Essa concepção reformulou-se a partir dos estudos semânticos e pragmáticos.

Isso possibilitou a compreensão de que “não podemos pensar em um único tipo de texto especializado, mas em um número bem mais amplo de textos especializados. Não podemos pensar também um conjunto terminológico” […] “mas sim em um modo de dizer específico de cada área do conhecimento” (FREITAS, 2019, p. 59).

Os “textos de especialidade se realizam” [..] “nos discursos de uma determinada área” (CIAPUSCIO, 2003, p. 32), com especificidades estruturais e discursivas. Assim, “O discurso especializado pode ser definido como um produto predominantemente verbal, no qual são abordadas temáticas próprias de um domínio de especialidade e que responde a convenções e tradições retóricas específicas” (MARTÍNEZ, 2015, p, 50, tradução nossa).3

Para Cabré (2002), o texto especializado é unidade comunicativa; é produto da atividade linguística; relaciona-se ao contexto de situação, produção e recepção; apresenta estratégias de posicionamento e de engajamento; e contém estrutura textual e condições discursivas.

A estrutura textual diz respeito tanto à macroestrutura, com unidades composicionais determinadas pelo gênero, quanto à microestrutura, com unidades sequenciais, envolvendo as estruturas formal, informacional, cognitiva, linguística, fonológica, ortográfica e morfossintática. E as condições discursivas envolvem situação de produção, características do emissor, destinatários, conteúdo temático, funções e estratégias de efetivação da comunicação.

2.1 Estrutura textual

A estrutura textual dos textos especializados é formada por dois planos, o semântico e o formal, conforme percebe-se no esquema 1.

Esquema 1: Estrutura textual: plano semântico e plano formal.

Fonte: Elaborado a partir de Rodríguez-Tapia (2016, p. 997-998, tradução nossa).

Segundo o esquema 1, a estrutura do texto é determinada por elementos, como temática, perspectiva conceitual, precisão, ambiguidade e variação conceitual ao utilizar Unidades Terminológicas (UT) e determinologia de Unidades de Sentido Especializado (USE).

A temática é elemento significativo, mas não de forma sobreposta aos demais. É, por si mesma, especializada, uma vez que, principalmente em textos acadêmicos, trata de discussões específicas nas áreas do conhecimento. O caráter de especialidade atrelado às temáticas não se aplica aos assuntos não específicos, discutidos em textos com baixo nível de especialização e/ou de divulgação geral, como os que circulam nas várias esferas sociais de comunicação.

A perspectiva conceitual é vinculada ao contexto de produção e recepção, pois o viés sobre o que é abordado revela a linha teórica adotada, segundo a área em que se situam o conhecimento veiculado e os interlocutores, tornando o texto especializado segundo o tema a perspectiva dos interlocutores. E a precisão, ambiguidade e variação conceitual determinam a flutuação das UT, quanto à colocação e/ou à apresentação de conceitos de uma dada área.

A determinologização estabelece a compreensão por parte de um receptor menos especializado, funcionando como explicação para as acepções das USE: “Portanto, a desterminologização é um fenômeno que engloba uma série de estratégias relacionadas ao tratamento de unidades lexicais especializadas e focadas em garantir a acessibilidade de um texto especializado a destinatários não especialistas” (ANDRÉS, 2009, p. 3, tradução nossa).4

A estrutura textual apresenta um segundo plano, o formal, que estabelece características capazes de determinar que um texto possa ser compreendido como especializado, com maior ou menor nível, se colocado em relação com outros. Nesse plano, há cinco elementos que apresentam subcategorias: formas linguísticas, com aspectos sintáticos, estilísticos, gramaticais, textuais e denominativos; formas não linguísticas, com tabelas, gráficos, ilustrações e fórmulas alfanuméricas; partes textuais livres e padronizadas; desenvolvimento temático; gênero ou tipo de texto, por meio do qual se evidencia o discurso especializado, estabelecendo relações de poder/saber no contexto acadêmico-científico.

O primeiro elemento se expõe, por meio das formas linguísticas, aspectos sintáticos, estilísticos, gramaticais, textuais e denominativos. Essas formas revelam modalização, vozes verbais, personalidade, impessoalidade, sintaxe complexa, períodos longos com orações subordinadas, como as completivas nominais e positivas, segundo a Gramática Tradicional (GT) da Língua Portuguesa.

Os aspectos estilísticos e gramaticais são atrelados tanto ao estilo individual do autor quanto ao dos textos especializados, segundo as formas de construção escrita, utilizando procedimentos de subjetivação e objetivação de conceitos, processos de metaforização, paráfrases e explicações. O estilo da escrita acadêmica especializada, atende, de certo modo, ao estilo de produção próprio da área em que estão inseridos os textos e os autores. É formado por todos esses elementos, contribuindo com as escolhas realizadas em relação às formas linguísticas e ao léxico especializado.

Quanto aos aspectos textuais, eles se estabelecem por meio do uso das definições, das explicações e da bibliografia especializada. As definições e explicações são comuns nesses textos, formando a base para estabelecer sentidos e significados de teorias, conceitos e determinadas USE. A bibliografia é essencial para fundamentar posicionamentos articulados no texto. Isso se dá pelas citações diretas e indiretas, com orientação específica, como a indicação de autores, ano de publicação etc., formando uma lista de referências utilizadas.

Os aspectos denominativos, como USE, formas fraseológicas, neologismos, empréstimos, siglas, acrônimos, símbolos e exemplificações, cumprem funções de estabelecer a variação denominativa relacionada aos conceitos de determinada teoria.

O segundo item caracterizador do plano formal é representado pelas formas não linguísticas, itens paratextuais e visuais, como a inserção, nos planos de textos, de tabelas, gráficos, ilustrações e fórmulas alfanuméricas. O terceiro elemento, uso de partes textuais livres e padronizadas, é compreendido a partir de dois princípios do funcionalismo: o da livre escolha, associado às partes textuais livres, e o idiomático, visto como partes textuais padronizadas.

Conforme o princípio da livre escolha (partes textuais livres), “temos o arbítrio para selecionarmos e combinarmos palavras ou itens, de modo criativo e particular, em nossa expressão linguística” (OLIVEIRA, 2012, p. 113). Esse princípio funciona como caracterizadora da estrutura textual de textos especializados, como também de textos produzidos em contextos não acadêmicos.

Segundo o princípio idiomático, “somos orientados por uma série de convenções, de expressões mais ou menos fixas, de que devemos necessariamente lançar mão, se quisermos ser compreendidos e eficientes nas interações” (OLIVEIRA, 2012, p. 113). As Unidades Pré-Fabricadas (UPF) são uma “combinação de, pelo menos, dois constituintes, fixados a partir da frequência e da regularidade com que são usados e processados na comunidade linguística” (OLIVEIRA, 2012, p. 113), revelando a integração entre sentido e forma de certas construções:

A afeição idiomática das UPF está justamente no fato de que se trata de um todo de sentido e de forma, de modo que trocas de elementos ou de posição no interior da UPF, bem como intercalações de outros constituintes, podem provocar mudança de sentido ou até de estatuto gramatical nessas unidades (OLIVEIRA, 1012, p. 113).

Assim, tanto as partes textuais livres (princípio da livre escolha) e as partes textuais padronizadas (princípio idiomático ou UPF) quanto a alternância entre esses dois princípios são elementos caracterizadores dos textos especializados, que se evidenciam no plano formal.

O quarto elemento indica o desenvolvimento temático a partir das sequências textuais e faz parte da construção e estruturação das informações. Esse desenvolvimento temático apresenta-se por meio do uso, com maior ou menor frequência, de determinadas sequências textuais, em conformidade com a área em que o texto é produzido.

Para Adam (2019, p. 40), “Uma asserção pode ser especificada em força narrativa, descritiva, argumentativa ou explicativa”. As sequências são atos de discurso, para compartilhar conhecimentos e/ou convencer e fazer agir. A cerca da mistura de sequências, Adam afirma:

O caso mais comum é a mistura de sequências. A análise sequencial permite vislumbrar os casos de encadeamento de estruturas sequenciais heterogêneas. Duas novas hipóteses se apresentam, então: as modalidades de inserção de sequências heterogêneas e o efeito dominante sequencial (ADAM, 2019, p. 57).

Há mistura de sequências, com predominância de uma em relação a outras. Guimarães (2013, p. 25) afirmar que as descritivas são mais comuns em textos técnicos, como “excertos de dissertação ou tese destinados à descrição de um corpus”. Segundo Adam (2019), elas são:

A enumeração (de partes, de propriedades ou de ações) é certamente uma operação descritiva das mais elementares. Uma enumeração pura não é regida por nenhuma ordem a priori, mas, para fazer frente a esse padrão e facilitar a leitura-interpretação, é sempre possível recorrer a dispositivos de lexicalização: utilizar organizadores enumerativos, emprestar a sua ordem específica aos sistemas temporais ou espaciais (ADAM, 2019, p. 76).

Para Adam (2019, p. 113), “toda narrativa corresponde certamente e de forma ideal à definição mínima que se pode atribuir à textualidade: conjunto de proposições articuladas em direção a um fim”. Ele afirma: “Um discurso argumentativo visa intervir sobre as opiniões, atitudes ou comportamentos de um interlocutor ou de um auditório, tornando crível ou aceitável um enunciado (conclusão) apoiado, de acordo com diversas modalidades, em um outro (argumento/dados/razões)” (ADAM, 2019, p. 146, grifos do autor). As explicativas caracterizam o plano formal, porém são vistas como respostas aos porquês de ações e fatos.

O gênero ou tipo de texto acadêmico é determinado conforme o contexto de produção e recepção, havendo certo grau de escolha. Assim, estudantes de graduação e pós-graduação podem lançar mão de um artigo para divulgar resultados de pesquisas e/ou apresentar perspectivas teóricas. Entretanto, quanto à produção da monografia, que deve ser feita ao final de um curso de graduação, a escolha não é livre. Assim também ocorre nos cursos de nível stricto sensu, em que pode haver obrigatoriedade de se produzir dissertação ou tese.

Percebe-se, portanto, que não há livre escolha em favor de se produzir determinados textos, mas há elaboração condicionada aos contextos de produção e recepção ligados à academia e às relações de poder/saber que são articuladas.

2.2 Condições discursivas

As condições discursivas contêm dois planos: o situacional, com características como transmissão e recepção do texto; e o funcional, em que há a hierarquia e a sequência funcional.

Esquema 2: Condições discursivas: plano situacional e plano funcional.

Fonte: Elaborado a partir de Rodríguez-Tapia (2016, p. 998, tradução nossa).

As condições discursivas revelam características da situação de produção e recepção, das relações entre interlocutores e das relações hierárquicas entre as funções da linguagem. Por esse viés, para a produção de textos especializados, apontamos a caracterização do emissor como sujeito especialista em dada área, em nível técnico, de graduação ou pós-graduação.

Devido às características exigidas por esse tipo de texto, o emissor deve fazer parte de um contexto acadêmico-científico, que se revele em torno de determinada área, além de contribuir com o acréscimo de um conhecimento novo para a área em que se situa:

defendemos que o rótulo de “especialista” deve ser reservado aos que são capazes de introduzir inovação em um campo de conhecimento, em uma tecnologia ou numa área de serviço ou, se não o fizerem por não se encontrem em situação de criação, mas na disposição de disseminação do conhecimento consolidado, podem controlar o estado de conhecimento do campo em questão (CABRÉ, 2002, p. 10, tradução nossa).7

A situação de produção está relacionada ao emissor, que indica o contexto acadêmico-científico, em que textos são produzidos com traços peculiares, por especialistas em nível stricto sensu, detentores de conhecimentos especializados sobre determinada temática e área.

O segundo item se revela pelo processo de transmissão, por meio de parâmetros espaciais e temporais, meio e formato do texto, época e contexto científico-social em que se escreve, além das variedades diafásicas, conforme os contextos situacionais de produção, como a coloquial, a semiformal e a formal. Entre as características desse processo, há os meios de divulgação e circulação, canais específicos, como revistas especializadas em temas técnicos de determinadas áreas, livros, fóruns e eventos de discussão de assuntos especializados, como também sites e páginas de internet de programas de pós-graduação.

Os formatos ou as estruturas dos textos especializados seguem regras específicas, que, em muitos aspectos, se diferenciam dos formatos dos textos não especializados, que também seguem determinadas regras para a sua constituição. E a época em que os textos são escritos é item caracterizador de seus aspectos constitutivos. Pois, esses textos, produzidos no contexto atual, apresentam traços típicos de tecnologias criadas e/ou recriadas na pós-modernidade, amplamente acessadas e incorporadas pelo contexto acadêmico, agregando aspectos tecnológicos aos textos, durante processos de produção, circulação e recepção.

O contexto em que se escreve relaciona-se ao acadêmico, pois esse é o espaço em que textos como artigos, dissertações e teses são produzidos. Outro item relacionado com as características do processo de transmissão diz respeito às variedades segundo os contextos situacionais de produção e recepção, classificadas em tom coloquial, semiformal ou formal. Essa variação é definida por Cezário e Votre (2009, p. 145) como “variação de registo: tem como variantes o grau de formalidade do contexto interacional ou do meio usado para a comunicação, como a própria fala, o e-mail, o jornal, a carta, etc.”.

A variedade diafásica se mostra em contextos de usos de registros mais formais da língua, seguindo regras da Gramática Tradicional (GT), como a produção de textos acadêmicos. Ocorre também em situações menos formais, em que são utilizados registros coloquiais, infringindo certas normas gramaticais, como em conversas entre amigos e familiares, em situações corriqueiras, o que dispensa formalidades exigidas em outros contextos.

A variedade formal, registro padrão da língua, está relacionada, dentre diversos elementos, ao gênero e ao público-alvo, determinando o nível de formalidade dos textos acadêmico-científicos especializados, que seguem determinadas regras apontadas pela GT,

também chamada de gramática normativa ou gramática escolar, é aquela que estudamos na escola desde pequenos. Nossos professores de português nos ensinam a reconhecer os elementos constituintes formadores dos vocábulos (radicais, afixos, etc.), a fazer análise sintática, a utilizar a concordância adequada, sempre recomendando correção no uso que fazemos de nossa língua (MARTELOTTA, 2009, p. 45).

O registro padrão é empregado em textos como a tese, situados em contextos formais. O público-alvo é formado por professores doutores, especialistas da área e estudantes interessados no assunto. Há também o processo de transmissão do conteúdo fundamentado em determinadas fontes, por meio das quais, o autor leva o leitor ao contato com especialistas em dado tema, sejam essas fontes primárias (primeiros autores a discutirem um tema) ou secundárias (as que atualizam, comentam ou resenha discussões das fontes primárias).

Há características que envolvem a situação de recepção, como um receptor especialista com doutorado, leitor e/ou avaliador de dissertações e teses, especializado em determinado tema e área, constituindo-se em um contexto situacional específico, evidenciando relações de poder/saber estabelecidas no contexto acadêmico.

Os textos especializados e textos não especializados estabelecem formas de comunicação, que podem se revelar tanto interna quanto externamente. Essa comunicação interna ao texto pode ser observada a partir da articulação entre diferentes vozes de autores especialistas em uma mesma área. Enquanto que a comunicação externa pode se revelar a partir das formas de intertextualidade entre o texto especializado e outros de outras áreas.

A comunicação interna ao texto, à área e aos especialistas de uma mesma área, se realiza, para confirmar determinado posicionamento, criticá-lo, negá-lo, reformulá-lo e atualizá-lo. E a comunicação externa ao texto, às áreas e aos especialistas de outras áreas do conhecimento, pode, dentre outras funções, ampliar determinada discussão, acrescentar determinado aspecto a um conceito, ou pode se estabelecer a partir da utilização de conceitos de outras áreas.

O papel social dos interlocutores se evidencia em relações simétricas (autor especialista e leitor especialista, como também entre autor e leitor leigos). Além dessas, podem haver as assimétricas (autor especialista e leitor semi especialista, autor semi especialistas e leitor leigo, ou autor semi leigo e leitor leigo. Essas formas simétricas e assimétricas além de estabelecerem relações entre interlocutores, em certa medida, determinam o nível de especialização dos textos.

Essas relações indicam um contínuo com tipos de interlocutores representados, ao menos, em três formas: leigos (com conhecimento básico), semi especialistas (técnicos, graduados e pós-graduados em nível lato sensu), especialistas em nível stricto sensu (mestres e doutores).

No plano funcional, são elencadas tanto a hierarquia entre as funções da linguagem dominantes e complementares quanto às sequências funcionais, quer dizer, as características dessas funções presentes nos textos, em conformidade com a proposição de Jakobson (2003):

Às vezes, essas diferentes funções agem em separado, mas normalmente aparece um feixe de funções. Tal feixe de funções não é uma simples acumulação: constitui uma hierarquia de funções e é sempre muito importante saber qual a função primária e quais as funções secundárias (JAKOBSON, 2003, p. 19).

A função dominante se sobressai em relação às complementares, no mesmo texto, e que, de certo modo, caracterizam esse texto com um determinado tipo de função: emotiva ou expressiva, conativa ou apelativa, metalinguística, poética, fática, referencial ou denotativa.

O texto especializado pode apresentar além de uma função dominante, uma outra, como a poética, ao inserir parte de um poema ou de outro gênero, como epígrafe em aberturas de capítulos, dando ênfase à mensagem. “Esta ênfase na mensagem propriamente dita constitui a chamada função poética” (JAKOBSON, 2003, p. 20). Além dessa função, há outras cinco, relacionadas com o remetente, a mensagem, o destinatário, o contexto, o código e o contato.

O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (Ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambíguo), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTATO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário (JAKOBSON, 2003, p. 121-122).

Essa proposição, sobre funções da linguagem, é sintetizada a partir do esquema 3, que apresenta seis elementos, funcionando como fatores determinantes de cada uma das funções.

Esquema 3: Fatores envolvidos na teoria da comunicação proposta por Jakobson.

Fonte: Jakobson (2003, p. 123).

A função referencial transmite “informações do remetente ao destinatário”. A emotiva consiste na exteriorização da emoção do remetente em relação àquilo que fala de modo que essa emoção transpareça no nível da mensagem. Essa função está centrada no próprio remetente, já que é sua emoção que está em jogo na mensagem”. A conativa consiste em influenciar o comportamento do destinatário. Essa função está centrada no destinatário, já que ele é o alvo da informação” (MARTELOTTA, 2009, p. 33-34). E a fática

consiste em iniciar, prolongar ou terminar um ato de comunicação. Está, portanto, centrada no canal, já que não visa propriamente a comunicação, mas ao estabelecimento ou ao fim do contato, refletindo também a preocupação de testar o contato, checar o recebimento da mensagem e, em muitos casos, tentar manter o contato (MARTELOTTA, 2009, p. 34).

A função de metalinguagem pode “se referir não apenas à realidade biossocial, mas também aos aspectos relacionados ao código ou à linguagem utilizados para esse fim” (MARTELOTTA, 2009, p. 34). E a poética consiste na projeção do eixo da seleção sobre o eixo da combinação dos elementos linguísticos. Centrada na mensagem, essa função caracteriza-se pelo seu enfoque na mensagem e na sua forma” (2009, p. 34).

A sequência funcional representa a finalidade do texto, com função predominante, como a “sequência da mensagem poética” (JAKOBSON, 2009, p. 150), ao se evidenciar, a partir de elementos próprios a esse tipo constitutivo, organizados como sequências fonéticas, fonológicas, morfológicas, semânticas e discursivas.

Portanto, é evidente que essas funções se constituem a partir de sequências intrínsecas a elas. E são formadas por elementos próprios, capazes de distinguir cada uma das demais. É, desse modo, isso o que faz com que certa sequência revele uma determinada função e não outra.

3 Níveis de especialização de textos acadêmico-científicos

Propomos a classificação de textos em seis variações: “NAV1”, “NAV2”, “NAV3”, “NBV1”, “NBV2”, “NBV3”, a partir dos critérios: i) nível acadêmico do locutor; ii) nível acadêmico do receptor; iii) tipo de texto acadêmico; iv) tema; v) USE; vi) desterminologização.

Quadro 1: Classificação de textos acadêmico-científicos em níveis de especialização.

Fonte: Autoria própria (2022).

Legenda: NAV1 – Nível Alto com Variação 1; NAV2 – Nível Alto com Variação 2; NAV3 – Nível Alto com Variação 3; NBV1 – Nível Médio com Variação 1; NBV2 – Nível Médio com Variação 2; NBV3 – Nível Médio com Variação 3.

Os critérios 1 e 2 indicam os níveis dos textos. Pois, ao ser produzido por um doutor, o texto se destina a vários receptores, desde os especialistas aos menos especializados. Assim, pode haver relações: a) simétricas (de doutor para doutor; de mestre para mestre; de especialista para especialista; de graduado para graduado; de técnico para técnico); e b) assimétricas descendentes (de doutor para mestre; de doutor para especialista; de doutor para graduado; de doutor para técnico; de mestre para especialista; de mestre para graduado; de mestre para técnico; de especialista para graduado; de especialista para técnico; de graduado para técnico).

Em contextos específicos, haverá inversão dos perfis dos interlocutores, constituindo, quase sempre, relações assimétricas ascendentes (de técnico para graduado; de técnico para especialista; de técnico para mestre; de técnico para doutor; de graduado para especialista; de graduado para mestre; de graduado para doutor; de especialista para mestre; de especialista para doutor; de mestre para doutor). Salvo os casos em que o locutor tenha nível acadêmico mais alto ou inferior ao que o pretende alcançar, evidenciando relações mistas.

O critério 3, tipo de texto, pode definir o nível de especialização, o gênero atrelado aos seus contextos tem essa função. Assim, ele é alocado em um contínuo com níveis de especialização. O quarto critério, tema, caracteriza textos no sentido em que o que se discute, de forma científica e especializada, é específico de uma área, com características ligadas ao modo como se discute e à forma estrutural desse modo de construção enunciativa. E o critério 5, USE, consiste no uso de termos ou expressões especializadas.

A frequência de USE determina os níveis de especialização, pois quanto mais alta ela for, mais especializados são os textos. E quanto menor for a quantidade de USE, mais baixos são os níveis. A desterminologização apresenta seis variações: as de nível “A”, “frequência alta”, “frequência alta ou média” e “frequência média ou baixa”, associando textos às variantes “NAV1”, “NAV2” e “NAV3”; e as de nível “B”, “frequência alta”, “frequência alta ou média” e “frequência média ou baixa”, relacionando textos às variantes “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”.

A “frequência alta” pode correlacionar a classificação de um texto acadêmico com a variação “NAV1” ou “NAV2”; o tipo “frequência alta ou média” pode assinalar a classificação conforme a variação “NAV2” ou “NAV3”; e a “frequência média ou baixa” sustenta que um texto acadêmico pode ser classificado segundo a variação “NAV2” ou “NAV3”.

As classificações de nível “B” podem associar textos às variações “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”. A “frequência alta” indica a classificação de um texto no “NBV1”, “NBV2” ou “NAV3”; a “frequência alta ou média” pode classificar um texto no “NBV1” ou “NBV2”; e a variante “frequência média ou baixa” relaciona um texto à classificação “NBV2” ou “NBV3”.

O critério 6, desterminologização, apresenta as variações “NAV1”, “NAV2”, “NAV3”, “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”, e determina o nível de especialização, ao simplificar USE, com paráfrases, explicações e comparações, tornando-as construções semânticas compreensíveis. As variantes de tipo “A” classificam textos nas formas “NAV1”, “NAV2” e “NAV3”. A “frequência baixa” indica variação “NAV1” ou “NAV2”; a “frequência baixa ou média” revela variação “NAV1”, “NAV2” ou “NAV3”; e a “frequência média ou alta” acusa variação “NAV2” ou “NAV3”. E as de tipo “B” relacionam-se às variações “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”. A “frequência baixa” aponta o “NBV1” ou “NBV2”; a “frequência baixa ou média” revela o “NBV1” ou “NBV2”; e a “frequência alta”, o “NBV3”.

Conclusão

Os textos acadêmicos são especializados a partir de sua definição e caracterização, se avaliadas a estrutura textual e as condições discursivas, por elementos que indicam níveis de especialização, entre as variações “NAV1”, “NAV2”, “NAV3”, “NBV1”, “NBV2” e “NBV3”.

Ainda assim, nos questionamos se seria a linguagem especializada discurso especializado, variação específica alinhada à academia e às ciências. Em resposta, consideramos essa variedade especializada, por adequar a linguagem não a níveis de formalidade, pois já é intrínseco a ela ser assim elaborada, mas às especificidades da área em que emerge, por se adequar aos contextos de produção, circulação e recepção, aos níveis acadêmicos dos interlocutores, ao gênero, às USE e aos processos de desterminologização.

Portanto, esse construto linguístico especial, figura como discurso especializado, pois, nesse nível de descrição, análise, compreensão e interpretação da linguagem constituem-se relações hierarquizadas de poder/saber entre interlocutores, exercendo funções, como a de veicular sentidos especializados, em conformidade com as áreas do conhecimento.

Referências

ADAM, Jean-Michel. Textos, tipos e protótipos. São Paulo: Contexto, 2019.

ANDRÉS, Olga Campos. La desterminologización en las guías para pacientes. Jornades de Foment de la Investigación, n. 14, 2009, p. 350-359. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4810678. Acesso em: 18 maio. 2022.

CABRÉ, Maria Teresa. Textos especializados y unidades de conocimiento: metodología y tipologización. En: PALACIOS, Jiaquín García; FUENTES, Maria Teresa. (eds.). Texto, terminología y traducción. Salamanca: Ediciones Almar, p. 15-36, 2002.

CEZARIO, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo. (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009, p. 141-155.

CIAPUSCIO, Guiomar. Textos especializados y terminología. Barcelona: IULA, 2003.

FINATTO, Maria José Bocorny. Do termo ao texto: novas tendências dos estudos terminológicos de perspectiva linguística. Revista Estudos Linguísticos, v. 32, n.1, jan./abr., 2002. Disponível em: http://www.gel.hospedagemdesites.ws/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/mesared. Acesso em: 29 mar. 2022.

FREITAS, Marcia de Souza Luz. A neologia no entrecruzar das ciências médicas e biológicas e da engenharia: estudo terminológico do léxico pertinente à engenharia biomédica. 2019. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa, Universidade de São Paulo/SP. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=8126392. Acesso em: 29 mar. 2022.

GUIMARÃES, Eliza. Texto, discurso e ensino. São Paulo: Contexto, 2013.

JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 2003. Disponível em: http://groups.google.com.br/group/digitalsource. Acesso em: 21 maio. 2022.

KRIEGER, M. G.; FINATTO, M. J. B. Introdução à Terminologia: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2004.

MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009.

MARTÍNEZ, Angie Carolina Neira. Lectura en la educación superior: uso de estrategias en la comprensión de textos especializados y no especializados em estudiantes de primer año. 2015. 163 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidad de Concepción, 2015. Disponível em: http://repositorio.udec.cl/jspui/bitstream/11594/1883/1/Tesis_Lectura_en_la_educacion_superior.pdf. Acesso em: 29 mar. 2022.

OLIVEIRA, Mariangela Rios de. Integração de sentido e forma na morfossintaxe do português. In: PALOMARES, R.; BRAVIN, A. M. Práticas de ensino do português. São Paulo: Contexto, 2012.

RODRÍGUEZ-TAPIA, Sergio. Los textos especializados, semiespecializados y divulgativos: una propuesta de análisis cualitativo y de clasificación cuantitativa. UNED Revista Signa, p. 987-1006, 2016.

SOUZA, José Juvêncio Neto de. Estudos das colocações especializadas em artigos científicos da área da Economia sob a perspectiva da socioterminologia. 2021. 201 f. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN. Disponível em: https://www.uern.br/controledepaginas/defendidas-em-2020_/arquivos/6182z48_tese_(josa%C2%A9_neto)_versa%C2%A3o_final_revisada_sem_as_assinaturas.pdf. Acesso em: 14 maio. 2022.

SOUZA, José Juvêncio Neto de. Glossário de colocações especializadas da Economia. 2018. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, UERN, Pau dos Ferros/RN. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6338477. Acesso em: 29 mar. 2022.


1Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9592-848X. E-mail: professormartins2013@gmail.com.
2Professor Adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2614-8842 . E-mail: wellingtonmendes@uern.br.
33El discurso especializado puede definirse como un producto predominantemente verbal, en el que se abordan temáticas propias de un dominio de especialidad y que responde a convenciones y tradiciones retóricas específicas (MARTÍNEZ, 2015, p. 50).
46Por tanto, la desterminologización es un fenómeno que engloba una serie de estrategias relacionadas con el tratamiento de las unidades léxicas especializadas y centradas en garantizar la accesibilidad de un texto especializado a unos destinatarios no expertos (ANDRÉS, 2009, p. 3).
57Eugênio Coseriu nasceu na Romênia, em 27 de julho de 1921, faleceu em 7 de setembro de 2002. Seus estudos compreendem a língua com características heterogêneas e variacionistas, relacionadas aos graus de formalidade de usos, concepção que associa Linguística Textual e Sociolinguística. Disponível em: https://www.mcnbiografias.com/app-bio/do/show?key=coseriu-eugenio. Acesso em: 25 maio. 2022.
68Roman Jakobson nasceu em Moscou, Rússia, em 10 de outubro de 1896, faleceu em 18 de julho de 1982. Elaborou a teoria da comunicação a partir de seis funções da linguagem. Disponível em: https://www.mcnbiografias.com/app-bio/do/show?key=coseriu-eugenio. Acesso em: 25 maio. 2022.
79defendemos que la etiqueta de “especialista” debe reservarse a los que son capaces de introducir innovación en un campo de conocimiento, en una tecnología o en un área de servicios o, si no lo hacen porque no se encuentran en situación de creación sino en disposición de divulgación del conocimiento consolidado, pueden controlar el estado de conocimiento del campo en cuestión (CABRÉ, 2002, p. 10).