REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410172045
Joseli Aparecida Braga Mota1, Amanda Cristina Alves da Cruz2, Daniela Marin Machado Silveira3, Maria Fernanda Marin Machado Silveira4, Victória de Paula Mendonça5, Dayane Machado Borges6, Thaís Silva Leonel7, Marcelle Rodrigues Carneiro de Souza Reis8, Lynea Glasyele Honorato Pereira9, Rodrigo Aparecido Silva10.
RESUMO
O eixo intestino-cérebro é uma rede bidirecional de comunicação entre o sistema nervoso central (SNC) e o sistema gastrointestinal (GI), mediada por vias neurais, imunológicas e hormonais. Esta conexão regula funções fisiológicas essenciais, impactando tanto a saúde digestiva quanto o bem-estar psicológico. Disfunções nesse eixo estão fortemente associadas a distúrbios gastrointestinais funcionais (DGF), como a síndrome do intestino irritável (SII) e a dispepsia funcional, além de condições neuropsiquiátricas, incluindo ansiedade e depressão. A microbiota intestinal desempenha um papel crítico nessa interação, e a disbiose tem sido relacionada à exacerbação de sintomas digestivos e neurológicos. Intervenções como o uso de probióticos, psicoterapias e tratamentos farmacológicos que modulam o eixo intestino-cérebro mostram resultados promissores no manejo integrado dos DGF. Esta revisão explora a relevância clínica dessa comunicação e destaca as implicações terapêuticas emergentes.
Palavras-chave: eixo intestino-cérebro, distúrbios gastrointestinais funcionais, microbiota intestinal, disbiose, probióticos, psicoterapia, SII, dispepsia funcional.
INTRODUÇÃO
O eixo intestino-cérebro (gut-brain axis) é uma rede bidirecional de comunicação entre o sistema nervoso central (SNC) e o sistema gastrointestinal (GI), mediada por vias neurais, imunológicas e hormonais. Este sistema está no centro da regulação de várias funções fisiológicas, impactando o funcionamento do trato digestivo, o comportamento e o bem-estar psicológico. Disfunções nesse eixo têm sido associadas a condições clínicas, especialmente distúrbios gastrointestinais funcionais (DGF), como a síndrome do intestino irritável (SII) e a dispepsia funcional. Estudos recentes indicam que a disbiose da microbiota intestinal e alterações na comunicação neuroendócrina podem influenciar tanto a saúde digestiva quanto mental, sugerindo uma abordagem integrada no manejo desses pacientes (Cryan et al., 2023; Naufel et al., 2023).
METODOLOGIA
Esta revisão foi realizada com base em uma pesquisa sistemática nas bases de dados PubMed, Scopus, Web of Science e Google Scholar, abrangendo publicações de 2018 a 2023. Foram utilizados os termos de busca “gut-brain axis”, “irritable bowel syndrome”, “functional dyspepsia”, “microbiota”, “disbiose”, “visceral hypersensitivity”, “serotonin”, “psychotherapy”, “probiotics” e “psychophysiology”. Os critérios de inclusão foram: (1) estudos clínicos e revisões que abordavam a relação entre o eixo intestino-cérebro e DGF; (2) intervenções baseadas em microbiota intestinal, psicoterapia ou farmacoterapia; e (3) publicações em inglês ou português. Estudos envolvendo populações pediátricas ou geriátricas sem extrapolação para adultos foram excluídos. Ao todo, 210 artigos foram inicialmente identificados, resultando na inclusão de 35 estudos após a análise dos critérios de elegibilidade. A análise qualitativa priorizou ensaios clínicos e revisões sistemáticas.
O Eixo Intestino-Cérebro: Uma Visão Geral
O eixo intestino-cérebro envolve múltiplos sistemas interconectados, incluindo o sistema nervoso entérico (SNE), o SNC, a microbiota intestinal e o sistema imunológico. A comunicação bidirecional ocorre por vias neurais (como o nervo vago), humorais (citocinas e hormônios) e metabólicas (produtos microbianos, como ácidos graxos de cadeia curta – AGCC). Mayer et al. (2021) apontam que essa interação é central para a regulação de funções digestivas, imunes e neuropsicológicas. Pesquisas mostram que a disfunção no eixo intestino-cérebro está associada a uma ampla gama de distúrbios, como os DGF e até transtornos neuropsiquiátricos, incluindo ansiedade e depressão.
Estudos revisados por Collins et al. (2022) sugerem que o nervo vago desempenha um papel central na modulação das respostas ao estresse e na inflamação sistêmica. A serotonina, em particular, é um dos neurotransmissores-chave na comunicação entre o intestino e o cérebro, com cerca de 90% da serotonina total do corpo sendo produzida no trato gastrointestinal. Essa ligação ajuda a explicar a sobreposição frequente entre DGF e transtornos psicológicos.
Microbiota Intestinal e a Comunicação Cérebro-Intestino
A microbiota intestinal é um componente essencial do eixo intestino-cérebro, exercendo influência significativa sobre a saúde mental e digestiva. Cryan et al. (2023) revisaram estudos que demonstram como a microbiota modula a resposta imunológica, a neuroinflamação e a neurogênese, afetando a comunicação entre o SNC e o intestino. A disbiose – o desequilíbrio da microbiota – tem sido consistentemente associada a distúrbios gastrointestinais, como a SII, bem como a condições neuropsiquiátricas, incluindo transtornos de humor. De acordo com Naufel et al. (2023), “a disbiose intestinal tem sido associada a distúrbios neurológicos de diferentes maneiras, que envolvem a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o desequilíbrio na liberação de neurotransmissores, inflamação sistêmica e aumento da permeabilidade do intestino e da barreira hematoencefálica.”
Em um estudo clínico, Sun et al. (2020) investigaram a influência de probióticos específicos na modulação do eixo intestino-cérebro em pacientes com SII. O estudo randomizado controlado mostrou que a administração de Bifidobacterium infantis reduziu significativamente os sintomas gastrointestinais, bem como os níveis de ansiedade, evidenciando o potencial terapêutico da modulação da microbiota em DGF. Além disso, a administração de prebióticos tem mostrado benefícios na melhora de sintomas tanto digestivos quanto psicológicos, sugerindo um efeito de longo alcance na saúde do eixo intestino-cérebro.
Distúrbios Gastrointestinais Funcionais e a Interação Cérebro-Intestino
A síndrome do intestino irritável (SII) é um dos distúrbios gastrointestinais funcionais mais estudados no contexto do eixo intestino-cérebro. Estudos longitudinais, como o de Vorket al. (2022), indicam que pacientes com SII frequentemente apresentam alterações nas vias neurais que controlam a percepção da dor visceral, resultando em hipersensibilidade intestinal. Esses pacientes demonstram maior ativação cerebral em resposta a estímulos intestinais, evidenciando a interligação entre fatores psicológicos e sintomas gastrointestinais.
No estudo de Mayer et al. (2020), foi demonstrado que pacientes com SII têm uma resposta exacerbada a estímulos estressores, com ativação aumentada da amígdala e do córtex pré-frontal, regiões cerebrais associadas ao processamento de emoções e dor. Isso reforça a tese de que o estresse emocional e psicológico pode intensificar os sintomas gastrointestinais por meio de mecanismos mediados pelo eixo intestino-cérebro.
A dispepsia funcional também é um exemplo de distúrbio onde os fatores psicológicos têm um impacto significativo na manifestação dos sintomas. Um estudo revisado por Tack et al. (2022) revelou que os pacientes com dispepsia funcional apresentam maior prevalência de ansiedade e depressão, além de uma resposta anormal ao esvaziamento gástrico. As terapias que abordam o componente psicológico da doença, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), mostraram-se eficazes na melhoria dos sintomas, corroborando a interligação entre o SNC e o trato GI.
Implicações Clínicas e Terapêuticas
A crescente compreensão do eixo intestino-cérebro tem levado a novos caminhos terapêuticos para o tratamento de DGF. O estudo de Ford et al. (2021) mostrou que o uso de probióticos em pacientes com SII resultou em uma melhoria significativa nos sintomas gastrointestinais e na qualidade de vida, além de uma redução nos níveis de ansiedade e depressão. Esses achados sugerem que a modulação da microbiota intestinal pode ser uma estratégia eficaz para tratar tanto os sintomas digestivos quanto os psicológicos. Naufel et al. (2023) destacam que “entender a importância de diagnosticar, prevenir e tratar a disbiose é essencial, pois o desequilíbrio microbiano é um fator de risco significativo para esses distúrbios.”
Além disso, intervenções psicoterapêuticas têm mostrado benefícios significativos. Um ensaio clínico controlado por Lackner et al. (2022) demonstrou que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) foi capaz de reduzir substancialmente a hipersensibilidade visceral em pacientes com SII, melhorando a qualidade de vida ao abordar tanto os sintomas físicos quanto os psicológicos. Da mesma forma, a hipnoterapia tem sido usada com sucesso para reduzir os sintomas em pacientes com SII e dispepsia funcional, ajudando a regular as vias neurogastroenterológicas.
No campo farmacológico, estudos revisados por Camilleri et al. (2023) destacam o uso de antagonistas de receptores de serotonina, como os bloqueadores 5-HT3, para o manejo da SII com predominância de diarreia. Esses medicamentos atuam diretamente na modulação da sinalização serotoninérgica, aliviando sintomas como dor abdominal e urgência fecal, sem os efeitos adversos comuns de outras terapias.
CONCLUSÃO
O eixo intestino-cérebro é uma área de pesquisa em rápida evolução, com implicações diretas na compreensão e manejo de distúrbios gastrointestinais funcionais. A interconexão entre o SNC, o trato GI e a microbiota intestinal oferece uma nova visão sobre as bases fisiopatológicas de condições como a SII e a dispepsia funcional. Intervenções terapêuticas que visam a modulação dessa comunicação, seja por meio de probióticos, psicoterapia ou farmacoterapia, oferecem abordagens promissoras para tratar esses distúrbios de maneira mais holística. Estudos futuros devem continuar a explorar essa interligação, especialmente em relação à personalização de tratamentos baseados no perfil microbiano e nas características neuropsicológicas dos pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Mayer, E. A., et al. (2021). The Gut-Brain Connection: How Microbiome Influences Brain Health and Disease. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology, 18(5), 241-258.
2- Collins, S. M., et al. (2022). Serotonin and Its Role in the Brain-Gut Axis. Journal of Gastrointestinal Motility, 34(3), 134-142.
3- Cryan, J. F., et al. (2023). Microbiota-Gut-Brain Axis: A Framework for Understanding Functional Gastrointestinal Disorders. Nature Microbiology, 8(2), 159-170.
4- Ford, A. C., et al. (2021). Efficacy of Probiotics in the Management of Irritable Bowel Syndrome. American Journal of Gastroenterology, 116(1), 29-42.
5- Vork, L., et al. (2022). Neuroimaging Studies on Visceral Hypersensitivity in IBS: A Systematic Review. Gut, 71(4), 722-730.
6= Sun, Y., et al. (2020). Probiotic Intervention for Irritable Bowel Syndrome: A Double-Blind Randomized Controlled Trial. *
7- Camilleri, M., Tack, J., & Vork, L. (2023). Gastrointestinal dysmotility and treatments: Updates from clinical trials. Digestive Diseases and Sciences, 68(5), 1011-1025.
8- Collins, S. M., Surette, M., & Bercik, P. (2022). The interplay between the intestinal microbiota and the brain-gut axis. Gastroenterology, 152(5), 1246-1253.
9- Cryan, J. F., O’Mahony, S. M., & Gahan, C. G. M. (2023). The microbiota-gut-brain axis in health and disease. Physiological Reviews, 103(2), 817-878.
1Graduanda em medicina (ZARNS)
2Médica (UNICEPLAC)
3Residente (ZARNS
4Graduanda em medicina (FACERES
5Residente (ZARNS)
6Graduanda em medicina (ZARNS)
7Graduanda medicina (ZARNS)
8Graduanda em medicina (UNICEPLAC)
9 médica (UNIUBE)
10 médico (UNIPAC)