NEUROCISTICERCOSE A CAUSA MAIS FREQUENTE DE EPILEPSIA NÃO IDIOPÁTICA PREVENÍVEL NO MUNDO

NEUROCISTYCERCOSIS THE MOST FREQUENT CAUSE OF NON-IDIOPATHIC EPILEPSY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8121784


Gisele Souza da Silva1; Gabriel Teles de Souza Siqueira2; Sophia Nobre de Moura3; Mirelly kalliny Ramos de moura Lopes4; Alexandre Michel Gavronski5; Alexandre Marochi de Castro6; Ana Luíza Fernandes Bernardo7; Júlia Jussim de Souza8; Bruna Passos Conti9; Francieli Tiecher10; Ana Fátima Volkmann11


RESUMO

A Neurocisticercose (NCC) é a doença parasitária do sistema nervoso central (SNC) mais comum em escala global, atingindo uma estimativa de 2,56 a 8,30 milhões de indivíduos. Além disso, a presença de sintomas clínicos como crises epilépticas a torna a principal causa evitável de epilepsia de origem não idiopática no mundo. O presente estudo trata-se de uma revisão integrativa de literatura dos últimos dados evidenciando a causa mais frequente da epilepsia não idiopatica por NCC. Após a leitura e análise do material foram selecionados os principais e mais atualizados dados epidemiológicos. Em relação aos dados revisados, observa-se que a NCC é primariamente uma doença associada à pobreza, que afeta principalmente populações rurais com condições sanitárias precárias. Em áreas endêmicas para cisticercose, exames de neuroimagem revelam lesões de NCC em até 30% das pessoas com epilepsia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a NCC é responsável por aproximadamente 50 mil óbitos anuais em nações em desenvolvimento. Esta revisão permitiu identificar diversos desafios no controle e erradicação da T. solium, incluindo a escassez de dados epidemiológicos confiáveis sobre infecções em humanos e suínos. Atualmente, a maioria dos países de baixa e média renda não possui programas nacionais de vigilância ou controle para lidar com a endemia da T. solium e a prevalência da epilepsia associada a essa condição. No entanto, é importante ressaltar que a China se destaca como uma exceção, com a implementação de programas efetivos de vigilância e controle.

Palavras-chave: Neurocisticercose.  Epilepsia.    Doenças      Negligênciadas.      Países  em desenvolvimento.

SUMMARY

Neurocysticercosis (NCC) is the most common parasitic disease of the central nervous system (CNS) on a global scale, affecting an estimated 2.56 to 8.30 million individuals. In addition, the presence of clinical symptoms such as epileptic seizures makes it the main preventable cause of non-idiopathic epilepsy in the world. The present study is an integrative literature review of the latest data showing the most frequent cause of non-idiopathic epilepsy by NCC.

After reading and analyzing the material, the main and most up-to-date epidemiological data were selected. Regarding the revised data, it is observed that NCC is primarily a disease associated with poverty, which mainly affects rural populations with precarious sanitary conditions. In areas endemic for cysticercosis, neuroimaging tests reveal NCC lesions in up to 30% of people with epilepsy. According to the World Health Organization (WHO), NCC is responsible for approximately 50,000 deaths annually in developing nations. This review identified several challenges in the control and eradication of T. solium, including the scarcity of reliable epidemiological data on infections in humans and pigs. Currently, most low- and middle-income countries do not have national surveillance or control programs to deal with endemic T. solium and the prevalence of epilepsy associated with this condition. However, it is important to emphasize that China stands out as an exception, with the implementation of effective surveillance and control programs.

Keywords: Neurocysticercosis. Epilepsy. Neglected Diseases. Developing countries.

1. INTRODUÇÃO

A infecção pela forma larvária da Taenia solium, conhecida como cisticercose, representa um sério desafio para a saúde pública em diversas regiões da Ásia, África e América Latina, especialmente nos países em desenvolvimento. Nesses locais, a falta de infraestrutura sanitária adequada, aliada a condições socioeconômicas e culturais precárias, contribui para a persistência e propagação desse problema. (TAKAYANAGUI, 2019)

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a neurocisticercose (NCC) é responsável por aproximadamente 50 mil óbitos anuais em nações em desenvolvimento. No Brasil, a doença é endêmica na região Sudeste. Os dados epidemiológicos revelam que a maioria dos óbitos por cisticercose no país ocorre em homens de origem branca, com idades entre 50 e 59 anos. (PAIXÃO, 2018)

Embora a NCC seja geralmente assintomática na maioria dos casos, as crises epilépticas são as características mais frequentes. É amplamente aceito que a NCC é a principal causa prevenível de epilepsia em todo o mundo. (OMS, 2022)

Com base nas informações fornecidas pelos estudos, é calculado que entre 2,56 e 8,30 milhões de pessoas possam estar infectadas com NCC, tanto na forma sintomática quanto na assintomática. Essa divergência nos resultados dos estudos evidencia o quanto a NCC ainda é uma doença tropical pouco pesquisada, mal compreendida e negligenciada. (OMS, 2022)

1.1. CICLO EVOLUTIVO

Normalmente, o ser humano é o hospedeiro definitivo da Taenia solium, abrigando o parasita adulto no intestino, onde as proglótides cheias de ovos são eliminadas nas fezes. Dentro do ovo ou embrióforo encontra-se o embrião hexacanto, que é liberado quando ingerido pelo hospedeiro intermediário (porco) e exposto à ação do suco gástrico. Através de acúleos, o embrião penetra a mucosa intestinal do porco e, ao entrar na corrente sanguínea, é transportado para várias partes do corpo, onde se desenvolve e se transforma em Cysticercus cellulosae. O cisticerco, presente na carne de porco crua ou mal cozida, ao ser ingerido pelo ser humano e chegar ao intestino, completa o ciclo evolutivo natural, transformando-se novamente em Taenia solium. (Figura 1) (TAKAYANAGUI, 2019)

A infecção humana pelos ovos da Taenia solium ocorre principalmente por autoinfestação em pessoas que já possuem teníase, seja por contaminação externa das mãos ou por infecção cruzada através de alimentos, especialmente verduras cruas, água e mãos contaminadas. Além da possibilidade de autoinfestação interna, também há relatos de outras formas alternativas de transmissão dos ovos da Taenia solium, como coprofagia em indivíduos com distúrbios psicopáticos, transmissão pelo ar e por meio de moscas. (TAKAYANAGUI, 2019)

Enquanto a cisticercose suína afeta principalmente os músculos estriados dos porcos, no ser humano, o sistema nervoso é o local mais importante devido à sua frequência e gravidade. Estudos indicam que em cerca de 90% dos casos de cisticercose humana, a localização é exclusivamente cerebral, com frequências semelhantes relatadas por outros pesquisadores. (OMS, 2022)

Do ponto de vista morfológico, o cisticerco pode se apresentar em duas formas: a forma cística, que é uma vesícula contendo o escólex em seu interior, conhecida como Cysticercus cellulosae, e a forma racemosa, que consiste em cachos de vesículas numerosas, mas sem o escólex. (OMS, 2022)

Figura 1. Ciclo de transmissão da Taenia solium (OMS, 2022)

2. DESENVOLVIMENTO

A grande maioria dos indivíduos afetados pela NCC apresenta episódios de crises epiléticas, levando a epilepsia não idiopática por infecção. O tratamento com medicamentos antiepilépticos de primeira linha, como fenitoína e carbamazepina, geralmente proporciona um controle adequado dessas crises.

A epilepsia é uma disfunção de atividade excessiva, temporária e reversível do cérebro que não é provocada por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. Durante breves períodos de alguns segundos ou minutos, uma região do cérebro emite sinais anormais que podem se limitar a essa área ou se espalhar. (Ministério da Saúde, 2022)

A epilepsia afeta uma estimativa de 23,4 milhões de pessoas em todo o mundo e pode resultar em perda de consciência, perda repentina de controle intestinal ou vesical, lesões ou até mesmo morte súbita. Além disso, em muitos países, a epilepsia está associada à estigmatização social e discriminação. Embora cerca de 60% a 70% das pessoas com epilepsia respondam bem ao tratamento, aproximadamente 80% das pessoas afetadas vivem em países de baixa e média renda, onde a maioria delas não tem acesso ao tratamento adequado. Em áreas endêmicas para cisticercose, exames de neuroimagem revelam lesões de NCC em até 30% das pessoas com epilepsia.

A Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) atualizou a Classificação das Epilepsias para refletir o conhecimento atual sobre a condição e seus mecanismos. (Figura 2)

Figura 2. Quadro de classificação das epilepsias. * Refere-se ao início das crises. (ILAE, 2017)

A apresentação clínica da NCC é altamente variada. Os cistos localizados em diferentes partes do cérebro levam ao surgimento de síndromes clínicas distintas, que requerem tratamentos específicos. Os cistos no tecido cerebral estão frequentemente associados a crises epilépticas, sendo mais suscetíveis a tratamentos, especialmente quando estão viáveis ou em processo de degeneração. Por outro lado, a NCC que ocorre fora do tecido cerebral está relacionada a hidrocefalia, meningite, déficits neurológicos focais e pode levar à morte se não for devidamente tratada. O manejo da NCC extraparenquimatosa é geralmente mais complexo do que o da forma parenquimatosa, muitas vezes envolvendo neurocirurgia além do tratamento conservador.

2.1. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As manifestações clínicas da NCC são influenciadas por vários fatores, incluindo o tipo morfológico do parasita (Cysticercus cellulosae ou Cysticercus racemosus), o número, localização e estágio de desenvolvimento do parasita, bem como as reações imunológicas tanto localmente quanto no hospedeiro em geral. Devido a essa combinação de fatores, a NCC apresenta um quadro clínico diversificado, com uma ampla variedade de sinais e sintomas neurológicos, não havendo um quadro patognomônico específico.

Existem várias classificações da NCC, que variam de acordo com critérios topográficos, clínicos e laboratoriais. Com base em achados anatomopatológicos, Trelles e Lazarte subdividiram as manifestações clínicas em quatro formas: epiléptica, hipertensiva, psíquica e apoplética. A introdução da tomografia computadorizada (TC) e a correlação de seus achados com os aspectos clínicos e do líquido cefalorraquidiano (LCR) permitiram a classificação proposta por Sotelo e colaboradores (SOTELO, 1985), que divide a NCC em formas ativas e inativas, baseadas na vitalidade dos cisticercos. Mais recentemente, foi descrita uma forma transicional, na qual o cisticerco entra em um estágio degenerativo, acompanhado de inflamação e edema perilesional, que pode ser visualizado como lesões nodulares com realce na fase contrastada da tomografia computadorizada ou ressonância magnética nuclear.

2.2. DIAGNÓTICO

O diagnóstico da NCC requer o uso de técnicas de neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM), que não estão amplamente disponíveis em muitas áreas onde a doença é prevalente. Os serviços neurocirúrgicos necessários para casos mais graves também são limitados. Atualmente, as evidências sugerem que um tratamento eficaz e o uso de corticosteroides durante e após o tratamento podem reduzir as crises epilépticas. O grau de edema ao redor dos cistos em degeneração é um preditor de resultados adversos, e os corticosteroides ajudam a diminuir as crises e a calcificação subsequente das lesões. No entanto, ainda há incerteza em relação à dose ideal e à duração necessária do tratamento para obter o efeito máximo. Mais informações são necessárias sobre os melhores agentes antiepilépticos para pacientes com NCC e sobre o tempo adequado para interromper seu uso.

3. CONCLUSÃO

A NCC é primariamente uma doença associada à pobreza, que afeta principalmente populações rurais com condições sanitárias precárias. O impacto da NCC na saúde, economia, sociedade e indivíduos, devido à epilepsia, resulta em perda de renda, custos de saúde e estigmatização tanto para os afetados como para seus cuidadores. A doença também tem consequências econômicas para os criadores de suínos, que podem perder renda caso não consigam vender animais e carne infectados. Em 2010, a cisticercose por T. solium foi incluída na lista de doenças tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cisticercose por T. solium continua sendo uma doença negligenciada devido à falta de conscientização geral, falta de informações sobre sua carga, escassez de ferramentas validadas para diagnóstico e tratamento em campo, acesso limitado a exames de neuroimagem e cuidados neurológicos, bem como hesitação em investir em doenças tropicais negligenciadas de origem zoonótica.

O controle e a erradicação da T. solium são desafiados por vários fatores, incluindo a falta de dados epidemiológicos confiáveis sobre infecções em seres humanos e suínos. Atualmente, não há programas nacionais de vigilância ou controle em vigor, exceto na China, apesar da endemia da T. solium e da epilepsia em países de baixa e média renda. Embora muitos países tenham programas para evitar a entrada de carne infectada nos mercados e recomendações de saúde pública para evitar o consumo de carne mal cozida, ainda são necessárias ferramentas adequadas de vigilância e tecnologia de diagnóstico de ponto de atendimento para identificar casos e implementar intervenções direcionadas em comunidades de alto risco.

As oncosferas invasivas, que eclodem a partir de ovos infectantes, estimulam uma resposta imunológica significativa, e vacinas foram desenvolvidas com base em antígenos específicos dessas oncosferas, conferindo um alto nível de proteção. No entanto, essas vacinas não foram amplamente desenvolvidas nem incluídas em programas de controle devido à ineficiência, incômodo e dificuldades associadas à vacinação de suínos.

Novos casos podem ser prevenidos por meio de intervenções comunitárias de saúde e educação, utilizando uma abordagem de Saúde Única, que inclui:

● Vacinação e tratamento anti-helmíntico de suínos para prevenir a infecção por cisticercos de T. solium.

● Melhores práticas de criação de suínos para evitar a exposição dos animais a fezes humanas.

● Melhorias no saneamento para evitar o contato entre suínos (ou humanos) e os ovos de T. solium presentes nas fezes humanas e no ambiente.

● Inspeção da carne suína e cozimento adequado para reduzir o risco de infecção humana.

● Tratamento da teníase em seres humanos.

● Educação em saúde para promover a higiene das mãos, segurança dos alimentos, saneamento e manejo adequado de suínos.

REFERÊNCIAS

1. International League Against Epilepsy (ILAE). SCHEFFER, I. E. alt el. Classificação das epilepsias da ILAE: Relatório da Comissão de Classificação e Terminologia da ILAE, Epilepsia, 58(4):512-521, 2017 Doi:10.111/epi.13709

2.  MINISTÉRIO DA SAÚDE. Epilepsia: conheça a doença e os tratamentos disponíveis no SUS, 2022.

3.  Organização Mundial da Saúde (OMS). DIRETRIZES da OMS para o MANEJO da NEUROCISTICERCOSE por TAENIA SOLIUM, 2022.

4.  PAIXÃO, V. M. S. Perfil Epidemiológico dos Óbitos por Cisticercose no Brasil, 2018.

5.  Sotelo J, Guerrero V, Rubio F. Neurocysticercosis: a new classification based on active and inactive forms. A study of 753 cases. Archives of Internal Medicine 145: 442-445, 1985.

6.  TAKAYANAGUI, O. M.; LEITE, J. P. Neurocisticercose. Journal of the Brazilian Society of Tropical Medicine, 2019. DOI: 10.1590/S0037-86822001000300010


1GraduandadeMedicina-FaculdadesPequenoPríncipe,gisele.silva@aluno.fpp.edu.br
2GraduandodeMedicina-FaculdadedeMedicinaNovaEsperança,gabrielltelless17@gmail.com
3GraduandadeMedicina-FaculdadedeMedicinaNovaEsperança,sophiamoura1@hotmail.com
4GraduandadeMedicina-FaculdadedeCiênciasMédicasdaParaíba,mirellymoura1@hotmail.com
5GraduandodeMedicina-FaculdadesPequenoPríncipe,alemigav@gmail.com
6GraduandodeMedicina-FaculdadeEvangélicaMackenziedoParaná,alexandremarochi@gmail.com
7GraduandadeMedicina-FaculdadeEvangélicaMackenziedoParaná,ana.luiza.bernardo15@gmail.com
8GraduandadeMedicina-FaculdadeEvangélicaMackenziedoParaná,juliajussim@gmail.com
9GraduandadeMedicina-FaculdadeEvangélicaMackenziedoParaná,brunapconti@gmail.com
10GraduandadeMedicina-UniversidadePositivo,francielitiecher@gmail.com
11DocentedeMedicina-FaculdadesPequenoPríncipe,ana.volkmann@professor.fpp.edu.br