REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8144007
Andre L. C. Pinheiro1,2 ,
Anderson J. S. da Costa1 ,
Cleidson R. B. de Souza1.
Resumo
Existem poucos estudos que detalham como a sempre as de software inovam em regiões do Brasil menos inovadoras, como na região amazônica. Este estudo tem como objetivo identificar como uma empresa de software de uma região menos inovadora desenvolveu suas atividades inovadoras. O principal objetivo deste documento e detalhar como uma empresa de software de uma região menos inovadora do Brasil realiza suas atividades de inovação, quais as dificuldades enfrentadas e as lições aprendidas. Método: O método empregado foi um estudo de caso exploratório único por meio de entrevistas em estruturadas com os sócios e colaboradores da empresa Alfa. Resultados: A empresa Alfa realizou atividades de inovação sem ter a intenção de inovar. A busca de conhecimento foi um motivador em muitas atividades. Houve aumento da intencionalidade em inovar e mudança na atitude inovadora da empresa após conexão com pessoas de regiões mais inovadoras. Conclusão: A busca de conhecimento foi importante para promover a inovação e as relações estabelecidas pelos colaboradores da empresa Alfa com pessoas de regiões mais inovadoras foram fundamentais para gerar novos conhecimentos que promoveram inovações e trouxeram um maior pensamento inovador.
Palavras-chave: software, inovação, atividades de inovação, Amazônia
Introdução
Vários pesquisadores estudaram como grandes empresas de software inovam [Dahlander e Wallin 2006, Pinchot 1985, Jung e Lee 2011, Huyskens e Loebbecke 2007, Krishnan 2012, Kitsuta e Quadros 2019]. PMEs, definidas pelo IBGE como empresas com até 499 colaboradores, têm realidades diferentes e, portanto, requerem estudos independentes por duas razões. Primeiro, as PMEs apresentam vantagens distintas, como dinamismo, flexibilidade, eficiência, proximidade com o mercado e motivação. Em contraste, as grandes empresas têm vantagens materiais, como economias de escala e escopo, recursos financeiros e tecnológicos [Love e Roper 2015]
Neste contexto, diversos pesquisadores, como [Meirelles 2015], [Semler e Schenatto 2017], [Lima e da Silva Müller 2017], [Da Conceição e Moreira 2017], [Semler et al. 2018], [Degaspari 2018] e [Machado e Tenório 2021] têm se dedicado a estudos sobre inovação em pequenas e médias empresas (PMEs) de software. Eles identificaram as características do desenvolvimento de uma ou mais inovações nessas empresas, bem como os fatores motivacionais das atividades e os impactos gerados.
Entretanto, a maioria dos estudos encontrados concentra-se em empresas localizadas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, que possuem grandes polos de inovação. Estas regiões são caracterizadas pela maior quantidade de cidades com alto ´índice de inovação e empreendedorismo [?], bem como pela concentração da maioria das aceleradoras e incubadoras de tecnologia do país [ANPROTEC 2019].
[Porter e Stern 2001] realizaram uma análise de dados de inovação de empresas de países emergentes e da OCDE entre as décadas de 70 e 90, demonstrando a influência da vitalidade inovadora de uma região nas empresas localizadas na mesma região. As empresas de países emergentes com maior vitalidade inovadora tiveram maior progresso na inovação do que aquelas em países da OCDE.
Por esta razão, e de grande relevância a existência de estudos em PMEs de software em regiões menos inovadoras que identifiquem como tais empresas desenvolvem inovações, quais desafios enfrentam e os resultados obtidos. Com o objetivo de expandir os estudos sobre inovação em PMEs de software localizadas em regiões menos inovadoras no Brasil, a presente pesquisa realizou um estudo de caso exploratório de uma PME de serviços de software na região Norte do Brasil, na Amazônia, que será nomeada apenas como Empresa Alfa para fins de sigilo de dados. O objetivo principal foi detalhar como uma empresa de software de uma região menos inovadora do Brasil realiza suas atividades de inovação, quais as dificuldades enfrentadas e as lições aprendidas que possam contribuir para que as PMEs de software ampliem sua capacidade de inovar.
O resultado deste estudo destaca que busca de conhecimento foi importante para promover a inovação e que as relações estabelecidas pelos colaboradores da empresa com pessoas de regiões mais inovadoras foram fundamentais para gerar novos conhecimentos que promoveram inovações e trouxeram um maior pensamento inovador.
Contexto
Inovação e Atividades de Inovação
Inovação combina conhecimento e recursos existentes para criar novos produtos, serviços, métodos de produção ou estruturas organizacionais [Prahalad e Hamel 2006, Schumpeter 1934]. Ela pode ser gerada dentro ou fora da empresa [Damanpour 1991].
O manual de OSLO [OECD e Eurostat 2018] e´ a principal fonte internacional de diretrizes para coleta e uso de dados sobre atividades inovadoras da indústria. Ele define dois tipos principais de inovação: de produto, quando uma empresa lança um novo bem ou serviço no mercado, e de negócio, quando uma empresa introduz um novo processo de negócios que difere dos anteriores.
As atividades de inovação podem ser de desenvolvimento, finanças, comercialização, dentre outras, e podem estar ligadas entre si como parte de um processo maior [OECD e Eurostat 2018, p.86]. Por exemplo, atividades de gestão de parcerias efetivas dentro da empresa e com clientes, fornecedores, consultores e entidades financeiras podem resultar em inovação de negócios [Davila et al. 2010, OECD 2013].
A versão mais recente do Manual de Oslo considera oito tipos principais de atividades que as empresas podem executar em busca de inovação de negócios [OECD e Eurostat 2018, p.87], incluindo pesquisa e desenvolvimento, engenharia, design e outros trabalhos criativos, atividades de marketing e brandequity, propriedade intelectual, treinamento de funcionários, desenvolvimento de software e bancos de dados, aquisição ou arrendamento de bens tangíveis e atividades de gestão da inovação.
Trabalhos relacionados
Estudos recentes sobre inovação em PMEs de software identificaram aspectos humanos relaciona- dos ao desempenho da inovação nas empresas. [Machado e Tenório 2021] observaram que empresas valorizam o networking com atores externos a` organização e a retenção de colaboradores para aumentar o conhecimento corporativo e garantir uma boa gestão do conhecimento, especialmente do conhecimento tácito, capaz de ampliar a capacidade de inovação.
A importância das pessoas na inovação e das redes de relacionamento também foi observada no estudo de [Semler et al. 2018]. Ao medir a inovação de 42 PMEs de software do sul do Brasil, agrupadas em 3 EEI diferentes, estes autores identificaram que a rotatividade corporativa afetava a inovação e que a maturidade de inovação de uma empresa era maior ou menor dependendo do EEI que ela estivesse inserida, indicando que as relações entre as empresas afetavam a sua capacidade de inovação.
Outra característica observada nos estudos foi a dificuldade das empresas em gerenciar as atividades de inovação [Quandt et al. 2015]. Em um estudo com 5 PMEs de software, [Degaspari 2018] identificou que a gestão da inovação era descentralizada e que a maioria das inovações era incrementais. Esse fato também foi observado por [Da Conceição e Moreira 2017]. Em outro estudo, [Semler e Schenatto 2017] buscaram identificar o estágio e as dimensões da inovação de 10 empresas no Sul do Brasil e identificaram que todas as empresas encontravam dificuldades para gerenciar a inovação.
Conforme observado por [Semler et al. 2018], a localização das empresas afeta suas redes de relacionamento externo e, portanto, suas fontes de conhecimento, o que pode influenciar a maturidade das atividades de inovação realizadas por elas. Isso corrobora com a afirmação de [Porter e Stern 2001] de que o local onde a empresa esta´ inserida afeta o resultado de suas inovações. No entanto, a maioria dos estudos identificados concentrou-se em empresas do sul e sudeste do país, que possuem desde 2015 a maior quantidade de cidades com alto ´índice de inovação e empreendedorismo [Enap 2022], bem como a maioria das aceleradoras e incubadoras de tecnologia do país [ANPROTEC 2019]. Um estudo realizado com 6 empresas de um EEI no Norte do país por [Lima e da Silva Muller 2017], constatou que boa parte das atividades de inovação das empresas foram motivadas pela ”necessidade de sobrevivência”, para cumprir aspectos legais e nivelar-se com a concorrência, o que sugere o quanto as relações sociais podem afetar a capacidade de obter novos conhecimentos e consequentemente de inovar [Machado e Tenório 2021, Semler et al. 2018].
Observa-se, portanto, a oportunidade de ampliar os estudos sobre inovação em PMEs de serviços de software que não estão inseridas nestes grandes EEI para, descrever as atividades de inovação realizadas e compreender como os aspectos humanos e sociais influenciaram esse processo.
Métodos de Pesquisa
Este estudo tem como objetivo identificar como a empresa Alfa desenvolveu atividades inovadoras. Para isso, utilizou-se um método de estudo de caso simples [Yin 2001] com uma abordagem qualitativa, , que aprofunda os dados em detalhes [SAMPIERI 2013, p 91] e conhece as percepções dos sujeitos pesquisados sobre a situação- problema investigada [Mendonça 2014].
Para coletar os dados, inicialmente, o pesquisador catalogou as atividades de inovação usando a classificação do manual de Oslo (OCDE, 2018) e criou uma planilha de Excel para tabulação dos dados. E´ importante destacar que o pesquisador era o líder de inovação da empresa Alfa, sendo colaborador da empresa há´ dez anos, o que permitiu acesso privilegiado aos dados da empresa. No entanto, reconhece-se que isso possa ter gerado um certo grau de viés.
Após a catalogação das atividades, foram realizadas entrevistas semiestruturadas [King e Horrocks 2010] com quatro sócios e 6 colaboradores da empresa Alfa para confirmar as atividades e obter informações detalhadas sobre elas. Para analisar os dados, foi utilizado o processo de codificação aberta e axial, com técnicas da Teoria Fundamentada em Dados (TFD) [Strauss e Corbin 2008].
O caso
A empresa
A empresa Alfa foi fundada em 2011 por dois sócios. A sede da empresa fica na cidade de Belém, PA, mas também possui escritórios na cidade de Florianópolis e São Paulo, além de colaboradores que moram em outras regiões do Brasil.
A empresa alfa é especializada em fornecer soluções em software e infraestrutura de TI, bem como consultoria em tecnologia da informação, integração, suporte e implantação de sistemas para médias e grandes empresas privadas e órgãos públicos. Ao longo de sua existência, já entregou mais de 1.000 projetos de software.
Durante esta pesquisa, a empresa possuía cinco sócios e 160 funcionários . Os sócios da empresa estão diretamente ligados às equipes, sem muitas hierarquias. A empresa abriu uma filial em Florianópolis em 2019, o que influenciou algumas atividades de inovação, conforme será discutido posteriormente.
As cidades onde a empresa possui escritórios e networking
Conforme mencionado anteriormente, a sede da empresa Alfa fica em Belém, no estado do Para´. Entretanto, em 2019, a empresa abriu filiais nas cidades de Florianópolis e São Paulo, estabelecendo maior conexão com empresas e pessoas nessas regiões.
Em 2022, um estudo da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e do instituto Endeavor classificou Belém como a 44ª cidade mais empreendedora entre 101 cidades brasileiras avaliadas. No quesito inovação, Belém ocupou a 37ª posição. Foram considerados aspectos como proporção de funcionários com mestrado, doutorado e tecnologia, investimentos em ciência e tecnologia por fundos governamentais, infraestrutura tecnológica, contratos de concessão e tamanho das empresas de TIC e da indústria inovadora [Enap 2022].
No mesmo estudo realizado pela ENAP e Endeavor em 2022 [Enap 2022] que avaliou Belém, a cidade de Florianópolis foi classificada como a segunda cidade mais empreendedora do Brasil e a segunda mais inovadora. Em 2019, outra pesquisa [Distrito 2019] destacou que Santa Catarina e´ o estado brasileiro com mais startups em operação por 100.000 habitantes, tendo sido identificadas 7,4 startups para cada 100 mil habitantes. A cidade de São Paulo, por sua vez, e´ a maior cidade da América Latina, com mais de 22 milhões de habitantes [Dejtiar 2022]. No mesmo estudo realizado pela ENAP e Endeavor em 2022 [Enap 2022], a cidade de São Paulo foi classificada como a primeira cidade mais empreendedora do Brasil e a primeira mais inovadora, juntamente com Belém e Florianópolis.
Coleta de dados
Para identificar as atividades de inovação da empresa Alfa, o próprio pesquisador, que também era colaborador da empresa há dez anos e líder de inovação, identificou as atividades realizadas de Jan/2013 a Jul/2022 com base nos tipos de atividades de inovação existentes definidos pelo manual de Oslo (OCDE, 2018). Ele as catalogou em uma planilha do Excel com oito variáveis nominais, que classificaram as atividades com base em características comuns, como o ano em que ocorreu, o perfil dos participantes e o tipo de inovação pretendida. Para confirmar os dados, o pesquisador analisou documentos da empresa que confirmavam os eventos, como e-mails, materiais de divulgação internos, apresentações, atas de reuniões e documentos de texto. No total, foram catalogadas 69 atividades entre janeiro de 2016 e julho de 2022. Para confirmar os dados coletados e obter a percepção dos participantes sobre as atividades, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os sócios e colaboradores da empresa.
No total, foram realizadas cinco entrevistas semiestruturadas com sócios da empresa para validar suas atividades de inovação e explorar suas perspectivas sobre elas. Além disso, foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com seis colaboradores da empresa. A seleção dos colaboradores entrevistados foi baseada em indicação dos sócios, considerando os colaboradores que haviam participado de mais atividades de inovação. As entrevistas foram realizadas através do Microsoft Teams, com duração média de 1 hora cada.
Análise de dados
Para a ana´lise dos dados coletados neste estudo, foram utilizadas te´cnicas de codificac¸a˜o de da- dos com base no me´todo de teoria fundamentada em dados (TFD) [Strauss e Corbin 2008]. Para auxiliar na ana´lise, utilizou-se a ferramenta QDA Miner versa˜o Lite. Os co´digos foram defini- dos a partir da ana´lise minuciosa dos dados coletados. Alguns co´digos possu´ıam similaridades e, portanto, foram agrupados em uma categoria. Por exemplo, va´rios co´digos criados representavam desafios que os participantes haviam enfrentado durante a execuc¸a˜o das atividades. Cada desafio foi classificado a partir de um co´digo e todos os co´digos foram agrupados em uma categoria cha- mada ”Desafios”. O processo de criac¸a˜o dos co´digos se enquadra na codificac¸a˜o aberta, enquanto a criac¸a˜o das categorias corresponde a` codificac¸a˜o axial. O objetivo e´ permitir a identificac¸a˜o de correlac¸o˜es entre os dados posteriormente.
Resultados
As atividades de inovação realizadas
Durante o período em análise, a empresa Alfa realizou um total de 141 atividades de inovação, classificadas em nove tipos conforme descrito na literatura. No entanto, duas categorias de atividades não foram identificadas durante a coleta de dados, a saber: aquisição ou locação de ativos tangíveis e atividades relacionadas a` propriedade intelectual (PI). Dessa forma, apenas sete tipos de atividades foram identificados, conforme pode ser observado na Figura 1. Vale ressaltar que as atividades mais executadas pela empresa foram as atividades de treinamento de funcionários, engenharia, design e outras atividades criativas, totalizando 74 atividades desses dois tipos.
O manual de OSLO [OECD e Eurostat 2018] apresenta dois tipos de inovação que as empresas podem desenvolver: inovação de produto e inovação em processos de negócios. A inovação de produto e´ quando a empresa cria um produto novo ou aprimora um existente, seja tangível (como carros e celulares) ou intangível (como serviços de consultoria e software). Já a inovação em processos de negócios ocorre quando a empresa cria ou melhora um processo para uma ou mais funções de negócios, que difere significativamente dos anteriores. Nesse aspecto, observou-se que a maioria dos participantes buscou aprimorar ou criar novos processos para a empresa nas atividades realizadas, como destacado na figura 2.
Esse número sugere que a empresa estava mais empenhada em realizar atividades de inovação que gerassem novos conhecimentos para melhorar seus processos internos, capacitar seus colaboradores e mantê-la competitiva no mercado, do que criar inovações de produto.
Figura 1. Atividades realizadas por tipo (janeiro/2013-Julho/2022)-Criado pelo autor
Figura 2. Atividades realizadas por tipo (janeiro/2013-Julho/2022)-Criado pelo autor
A inovação para manter-se competitiva no mercado também pôde ser observada em uma inovação de produto. Por exemplo, em relação a` criação de um novo serviço de desenvolvimento de software para dispositivos móveis, um dos sócios afirmou que a intenção não era inovar, mas acompanhar uma tendência do mercado, conforme podemos observar no trecho:
‘A gente via que tinha uma tendência no mercado e que a gente não fazia. A empresa precisava inovar pra estar junto com o mercado. A gente não via isso com inovação, mas hoje a gente entende que foi uma inovação.’
Inovação fruto da busca por conhecimento
Observou-se que várias atividades de inovação foram motivadas ou estiveram relacionadas com a busca por conhecimento. Isto se aplica, por exemplo, em relação a` participação da empresa em alguns hackathons. Quando indagado se a intenção teria sido a criação de novos produtos para a empresa, (S1) disse:
‘A empresa não achava que estava criando coisas novas, mas ela estava dando oportunidade para quem quisesse buscar conhecimento.’
Em outra atividade, na qual a empresa criou uma equipe especializada em desenvolvimento de software para dispositivos móveis, (S1) disse que antes de criar a equipe, eles identificaram a oportunidade de aprender a desenvolver aplicativos devido a uma demanda de um cliente, como observado a seguir:
‘Estávamos planejando ir para o mercado privado quando surgiu a ideia: ”olha, o [CLIENTE B] vai nos pedir para fazer um aplicativo, vamos faze-lo para aprender”. Sempre acreditei que tínhamos essa cultura de nos reinventar, inovar e buscar conhecimento constantemente’
Ainda sobre a criação dessa equipe, (S1) ainda afirmou:
‘Não foi uma coisa assim pensada com intuito de inovar. A gente sempre se motivou por dois motivos: um de achar que a gente pode ajudar e o outro é que a gente vê oportunidade de aprender’
Houve também uma atividade em que a empresa estava analisando a possibilidade de utilizar uma nova tecnologia para o desenvolvimento de aplicativos móveis, eles realizaram um estudo da arquitetura de outra empresa com quem pretendiam fazer parceria, conforme podemos ver na fala de (S2) no trecho a seguir:
‘Nós escolhemos uma pessoa para estudar e ela traçou todo o “roadmap” de aprendizagem. Depois disso, ela nos disse: ”Cara, ele não tem nenhuma camada arquitetural. Basicamente, ele pegou o “React Native” da internet e esta´ desenvolvendo como esta´”’
Quando questionado pelo motivo de terem realizado essa atividade, (S1) afirmou:
‘A gente é curioso e a gente se alimenta por aprender’
Também foi observada a busca de conhecimento em uma atividade de inovação aberta., conforme podemos ver na fala de (S1) em relação à uma visita que realizaram em uma empresa parceira:
‘Nós fizemos três vistas a esta empresa. Essa visita a gente já´ foi para dizer ”Vamos lá conhecer o que eles estão fazendo”’
A cerca de uma atividade de treinamento de arquitetura de software que foi promovida para todos os desenvolvedores de software da empresa, (C2) afirmou que antes de pedir par para a empresa adquirir o curso ele já consumia o conteúdo do instrutor, conforme o trecho a seguir:
‘Eu já acompanhava o blog do primeiro dele, pois ele e´ um MVP Microsoft, titulo que não é concedido aleatoriamente, mas sim para pessoas que contribuem muito para a comunidade. Por isso, já acompanhava esse instrutor em seu blog’
O impacto da conexão da empresa com Florianópolis e São Paulo
Em 2019, após abrir escritórios nas cidades de Florianópolis e São Paulo, a empresa estabeleceu relações com empresas e pessoas destas regiões. Observou-se que a partir deste evento, as atividades de inovação da empresa aumentaram. De janeiro de 2013 a Dezembro de 2018, foram 20 atividades. De janeiro de 2019 a julho de 2022, foram 124 atividades, demonstrando um aumento significativo. Segundo um dos sócios, foi em uma viagem a Florianópolis que as atividades de inovação ganharam maior intencionalidade e percepção. Como ele disse:
‘Naquela viagem para Florianópolis foi onde a gente começou as iniciativas de inovação propriamente ditas, intituladas com isso. Ali que a gente teve contato com o conceito de inovação corporativa.’
Ainda sobre o impacto causado por esta conexão, outro sócio afirmou um impacto mais amplo sobre a cultura da empresa:
‘O contato com Florianópolis trouxe a cultura da inovação para a empresa e mostrou que para levarmos essa cultura para os nossos clientes, primeiro temos que nos tornar um exemplo.’
Da mesma forma, observou-se também uma mudança na mentalidade dos sócios e um desejo por transformação, como podemos observar nos 2 trechos abaixo:
‘Para nos encaixar no ecossistema de Florianópolis, precisamos nos reinventar.’
‘Florianópolis reacendeu uma motivação pessoal de poder aprender sem ser formal. Florianópolis começou em junho de 2019. Aprendemos muito durante a visita. Esses quatro meses já me reinventaram. Eu já penso diferente. A forma como lido com meus concorrentes, colaboradores e sócios mudou.’
Com relação ao uso de novas metodologias para gestão de projetos de software de maneira ágil, (C2) afirmou que em um evento em São Paulo, onde discutiam que o papel do gerente de projetos seria substituído pelo papel do SCRUM Master, perceberam a importância de se manterem atualizados sobre o assunto. Isso pode ser visto no trecho a seguir:
‘Quando fomos a esse evento em SP, percebemos que estavam introduzindo conceitos ágeis. Houve uma discussão sobre se esses conceitos fariam sentido no contexto de gestão. Também foi levantada a possibilidade de que o papel do Scrum Master substitua o do GP e que o GP não teria mais razão de existir. Isso nos alertou para essa possibilidade’
Inclusive, depois desse evento a empresa decidiu estudar e implementar a metodologia SCRUM, conforme podemos ver no trecho a seguir:
‘A gente disse “Vamos separar um time aqui que a gente vai tentar trabalhar com SCRUM’
Entretanto a tentativa de uso da metodologia SCRUM não foi bem sucedida, conforme o trecho da fala de (C3) a seguir:
‘Percebemos que essa não seria uma abordagem viável. Teríamos que quebrar completamente nossa forma de trabalhar para seguir as práticas do SCRUM, sabe?’
Apesar do insucesso com o SCRUM, a empresa Alfa continuou buscando métodos para aprimorar sua gestão de projetos. Segundo a afirmação (C3), em 2021 alguns colaboradores e sócios da empresa participaram de um curso na cidade de Florianópolis para aprender um novo método de gestão que tem sido usado ate´ hoje na empresa. A fala a seguir ilustra essa situação:
‘No início de 2021, [C4], [S2], [Colaborador], [Sócio] e [C1] fizeram um curso de Kanban em Florianópolis. Depois desse curso, eles adquiriram mais conheci- mento em Kanban’
Discussão
Ao observar que a maioria das atividades de inovação focou em gerar novos conhecimentos, capacitar colaboradores e melhorar processos internos, sugere-se que a empresa também inova para se manter ativa e competitiva no mercado (Lima e Muller, 2017, como citado na secção 2.2).
A busca por conhecimento por parte de pequenas e médias empresas (PMEs) de software leva a` inovação, conforme destacado por [Machado e Tenório 2021]. O conhecimento foi gerado em grande parte por meio de redes de relacionamento com atores externos. É possível notar que, no caso da empresa Alfa, a busca por conhecimento motivou as atividades e, em vários casos, o conhecimento foi obtido por meio da interação com atores externos.
Em relação a conexão da empresa com empresas e pessoas de regiões mais inovadoras, observou-se uma relação com os resultados de [Machado e Tenório 2021] e [Semler et al. 2018]. Enquanto no estudo de [Machado e Tenório 2021], observa-se a valorização das redes de networking com atores externos por parte dos empresários, objetivando a expansão do conhecimento da empresa e, consequentemente, a sua capacidade de inovar, [Semler et al. 2018] identificam que houve diferença na maturidade das atividades de inovação entre empresas em regiões diferentes. No caso do primeiro estudo, a ligação e´ mais direta, observando-se que o relacionamento da em- presa com empresas e pessoas de Florianópolis e São Paulo trouxe impacto em suas atividades de inovação e na mentalidade dos sócios. Isso sugere a importância do estabelecimento de redes de contatos para trazer novos conhecimentos para a organização, uma vez que as organizações que aprendem têm melhor desempenho e são mais inovadoras, mantendo uma vantagem competitiva sustentável [Kaufmann et al. 2019]. No segundo estudo, ao considerar a diferença da maturidade de inovação das empresas em regiões diferentes, percebe-se a importância que o estabelecimento de conexões com atores de outras regiões, sobretudo de regiões mais inovadoras, pode ter sobre a atitude inovadora da empresa.
Conclusões e Trabalhos Futuros
Nossos resultados reforçam a importância da busca de conhecimento para promover a inovação em empresas de serviços de software, mesmo em regiões com menor vitalidade inovadora. Observou- se que a rede de networking externo, principalmente com atores de regiões mais inovadoras, desempenhou um papel fundamental na geração de novos conhecimentos e na promoção da inovação na empresa estudada. Além disso, o estudo evidencia a relevância da análise do contexto local para a compreensão da dinâmica de inovação em PMEs de serviços de software, uma vez que as relações sociais estabelecidas pelos colaboradores e sócios da empresa corroboram para a obtenção de novos conhecimentos que podem resultar em inovações. Portanto, considerando a predominância dessas empresas no setor de tecnologia e a necessidade de inovar para se manterem competitivas, este estudo contribui para o entendimento de como essas empresas podem alavancar seus processos de inovação mesmo em regiões menos inovadoras.
Apesar dos achados importantes, este estudo e´ limitado por ser um caso u´nico. Futuros trabalhos devem explorar mu´ltiplos casos para observar padro˜es e diferenc¸as nas formas como as empresas se conectam com EEIs estabelecidos e como isso afeta suas atividades de inovac¸a˜o.
Referências
ANPROTEC (2019). Mapeamento dos mecanismos de geração de empreendimentos inovadores no brasil. https://anprotec.org.br/site/wp-content/uploads/2019/09/ Mapeamento_Empreendimentos_Inovadores.pdf. last accessed 2022/07/02.
Da Conceição, T. G. and Moreira, M. F. (2017). Inovação em serviços de software: Qual o papel dos clientes, da pesquisa e do desenvolvimento?
Dahlander, L. and Wallin, M. W. (2006). A man on the inside: Unlocking communities as complementary assets. ResearchPolicy, 35(8):1243–1259. Special issue commemorating the 20th Anniversary of David Teece’s article, ”Profiting from Innovation”, in Research Policy.
Damanpour, F. (1991). Organizational innovation: A meta-analysis of effects of determinants and moderators. Academy of Management Journal, 34(3):555–590.
Davila, T., Epstein, M. J., and Shelton, R. (2010). Making innovation work:How to manage it, measure it, and profit from it. Wharton School, Upper Saddle River, NJ.
Degaspari, M. L. (2018). Indicadores de desempenho de inovação: um estudo exploratório das empresas brasileiras desenvolvedoras de software. In Dissertação (Mestrado Profissional Em Gestão de Negócios) – Faculdade FIA de Administração e Negócios, Fundação Instituto de Administração, São Paulo., page 180. São Paulo.
Dejtiar, F. (2022). As 10 maiores cidades da américa latina em 2022.Distrito (2019). Distrito Santa Catarina tech report. https://materiais.distrito.me/ mr/santa-catarina-tech. last accessed 2022/07/10.
Enap (2022). ´Índice de cidades empreendedoras – brasil 2022. https://repositorio. enap.gov.br/bitstream/1/6880/1/ICE2022_Atualizado-com-errata. pdf. last accessed 2022/07/02.
Huyskens, C. and Loebbecke, C. (2007). Second wave e-ventures: Entrepreneurship in a new context.
Jung, G. and Lee, B. (2011). How did facebook outspace myspace with open innovation? an analysis of network competition with changes of network topology. In Seddon, P. B. and Gregor, S., editors, PacificAsiaConferenceonInformationSystems,PACIS2011:QualityResearchin Pacific Asia, Brisbane, Queensland, Australia, 7-11 July 2011, page 88. Queensland University of Technology.
Kaufmann, E., Favretto, J., Filippim, E. S., and Cohen, E. D. (2019). Relationship between the organizational memory and innovativity: the case of software development companies in the southern region of brazil.
King, N. and Horrocks, C. (2010). Interviews in Qualitative Research.
Kitsuta, C. M. and Quadros, R. (2019). Gestão da inovação em empresas brasileiras de serviços de tecnologia da informação: modelos de inovação planejada, de aplicação rápida e de inovação deliberada a posteriori. Cad. EBAPE BR, 17(4):1048–1061.
Krishnan, R. T. (2012). Innovation strategies of indian market leaders. Journal of Indian Business Research, 4(2):92–96.
Lima, V. A. and da Silva Mu¨ller, C. A. (2017). Why do small businesses innovate? relevant factors of innovation in businesses participating in the local innovation agents program in rondônia (amazon, brazil). RAI Revista de Administrac¸a˜o e Inovac¸a˜o, 14(4):290–300.
Love, J. H. and Roper, S. (2015). SME innovation, exporting and growth: A review of existing evidence. Int. Small Bus. J., 33(1):28–48.
Machado, H. P. V. and Teno´rio, N. (2021). ‘faça o que eu digo e faça o que eu faço’: como pequenos empreendedores de software percebem a inovação em suas empresas. Perspectivas em Gestão amp;amp; Conhecimento, 11(Especial):131–145.
Meirelles, L. (2015). Inovação em serviços de softwares: como empresas do distrito federal a reconhecem? In Monografia(Bacharelado em Administração)—Universidade de Brasília, Brasília, page 91. Brasília.
Mendonca, A. W. (2014). Metodologia para estudo de caso. Santa Catarina, Brasil. OECD (2013). Knowledge networks and markets. (7).OECD and Eurostat (2018). OsloManual 2018.
Pinchot, G. (1985). Introducing the ‘intrapreneur Successful innovators in large companies so- metimes function as in-house entrepreneurs, running projects as independent innovators would. IEEE Spectrum.
Porter, M. and Stern, S. (2001). Innovation: Location matters. MITSloanManagementReview, 42:28–36.
Prahalad, C. K. and Hamel, G. (2006). The core competence of the corporation. In Strategis- che Unternehmungsplanung — Strategische Unternehmungsfu¨hrung, pages 275–292. Springer- Verlag, Berlin/Heidelberg.
Quandt, C., Bezerra, C., and Ferraresi, A. (2015). Dimensões da inovatividade organizacional e seu impacto no desempenho inovador: proposição e avaliação de um modelo. Gestão Produção, 22.
SAMPIERI, Roberto Herna´ndez.; COLLADO, C. F. (2013). Metodologia de pesquisa. 5ed.Da- dos eletrônicos– Porto Alegre: Penso.
Schumpeter, J. A. (1934). The theory of economic development: Aninquiry in to profits, capital, credit, interest, and the business cycle. MA, Cambridge.
Semler, R., Piovesan, A., Schenatto, F., and Adamczuk, G. (2018). Innovation measurement in clusters of information technology companies: Multi-case study in a brazilian it lpa (local production arrangement). DEStech Transactions on Engineering and Technology Research.
Semler, R. and Schenatto, F. (2017). Diagnóstico da inovação em empresas de tecnologia da informação de um município do sudoeste do Paraná´. Navus – Revista de Gestão e Tecnologia, 7:90–104.
Strauss, A. L. and Corbin, J. (2008). Pesquisa Qualitativa técnicas e Procedimentos para o Desenvolvimento de Teoria Fundamentada. Artmed, Porto Alegre.
Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: Planejamento e Métodos. Bookman, Porto Alegre.
1 Universidade Federal do Para, Belem, PA,66075-110, Brazil
2 Vibe Tecnologia Belem, PA, 66055-030, Brazil
acgrafic@gmail.com,
andersonjsc@uepa.br,
cleidson.desouza@acm.org