REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7118061
Autoras:
Lília de Sousa Nogueira1
Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé2
RESUMO
Este artigo expõe sobre as características do neoconstitucionalismo brasileiro, com enfoque na constante aplicação de princípios. Há uma tendência na doutrina e na jurisprudência, em decorrência do período constitucional, de uma ampla distinção entre princípios e regras o que favorece ao uso indiscriminado de princípios. Com isso, as fundamentações judiciais e a doutrina utilizam os princípios de forma subjetivista, o que pode dar margem a uma insegurança jurídica.
Palavras-chave: neoconstitucionalismo, princípios, regras.
ABSTRACT
This article discusses the characteristics of Brazilian neoconstitutionalism, focusing on the constant application of principles. There is a tendency in doctrine and jurisprudence, as a result of the constitutional period, for a wide distinction between principles and rules which favors the indiscriminate use of principles. Thus, judicial foundations and doctrine use the principles subjectively, which can give rise to legal uncertainty.
Keywords: neoconstitutionalism, principles, rules.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva discorrer sobre os aspectos do neoconstitucionalismo brasileiro, em especial a supervalorização dos princípios em detrimento das regras. Tal assunto é relevante pelo fato de ser o pensamento vigente do direito constitucional. O presente texto dedicou-se a a abordar as características do período: a constituição é vista como norma jurídica e dotada de força normativa; há a utilização de conceitos abertos e cláusulas gerais; é predominante a apreciação de valores, mas ao mesmo tempo uma relativização dos mesmos. O desafio para o entendimento do texto é compreender que os princípios não devem ser utilizados em toda e qualquer circunstância. A doutrina e jurisprudência tem recorrido aos princípios mesmo quando seja o caso de aplicação de uma regra. Os princípios acabam por serem usados de forma indiscriminada não para uma fundamentação com amparo na lei, mas como produto de um subjetivismo. A metodologia é do tipo bibliográfica em que se recorre aos livros, artigos científicos e jurisprudência dos tribunais superiores. Assim, a criação de princípios inexistentes ou a recorrência as eles quando não necessário ocasiona insegurança jurídica e por isso, deve-se ponderar o uso de princípios e considerar mais o que as regras estabelecem.
2. CONSTITUIÇÃO E NEOCONSTITUCIONALISMO
Em uma visão panorâmica das constituições brasileiras verificamos que as peculiaridades e características que as acompanham são em decorrência do contexto histórico em que estão inseridas.
A Constituição tem como função estruturar o Estado e estabelecer direitos e garantias fundamentais. Das sete constituições do Brasil, do Império a República, em todas percebe-se há uma certa dissonância com a realidade estabelecida:
(…) a Constituição de 1824 falava em igualdade, e a principal instituição do país era a escravidão negra; a de 1891 instituíra o sufrágio universal, mas todas as eleições eram fraudadas; a de 1937 disciplinava o processo legislativo, mas enquanto ela vigorou o Congresso esteve fechado e o Presidente legislava por decretos; a de 1969 garantia os direitos à liberdade, à integridade física e à vida, mas as prisões ilegais, o desaparecimento forçado de pessoas e a tortura campeavam nos porões do regime militar. (SARMENTO, 2003)
Do modo que, ao observar a visão principiológica que se tem atribuído a Constituição Brasileira, mesmo sendo uma constituição prolixa e extensa, percebe-se um desencontro entre a realidade do texto constitucional e a doutrina e jurisprudência a ela relacionada.
As características da Constituição, decorrem do período constitucional em que está inserida, e hoje se vive o neoconstitucionalismo. Este é o movimento do direito constitucional em que aborda o papel da constituição no sistema jurídico como central. Tem seus pontos estruturantes baseados no influxo do pós-positivismo.
Com efeito, a ciência jurídica teve influência primeiramente do naturalismo, seguiu-se a força do positivismo e depois a atuação do pós-positivismo. Pautado na existência da justiça e de princípios morais universalmente válidos e acessíveis a razão humana, o jusnaturalismo alcançou o direito orientando-o na moral e na ética. Diametralmente oposto a ele, o positivismo era constituído por um ceticismo ético pautando a formação do ordenamento em norma positivada.
Até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia essa cultura legalista em que se buscava a aplicação da lei muitas vezes em uma forma exagerada em que, como disse Kelsen, todo conhecimento jurídico deveria excluir tudo que não pertence ao seu objeto, excluindo também valores e aspectos morais. Com as consequências do pós-guerra houve um abandono desse positivismo e uma revalorização da moral e princípios que garantissem a dignidade da pessoa, influência do pós-positivismo.
No Brasil, a Constituição de 1988 foi o marco do neoconstitucionalimo. Os traços fundamentais do constitucionalismo atual tem como ponto central a superioridade hierárquica constitucional com consequente constitucionalização do Direito. É a partir dessa supremacia que se desenvolvem os demais elementos do período, dentre os quais os novos mecanismos de interpretação para favorecer a aplicabilidade das normas constitucionais e a consequente expansão jurisdicional.
Barroso (2006) classifica esse período histórico com a predominância de três transformações. A primeira é a presença da força normativa da constituição, considerada norma jurídica ao invés de um documento político. A segunda característica pauta-se na expansão da jurisdição constitucional, em que se verifica a proteção da supremacia da Constituição pelo Poder Judiciário. Como terceira transformação anuncia a nova interpretação constitucional em que consta o desenvolvimento de um sistema próprio de princípios aplicáveis a interpretação constitucional.
Com efeito, é pela força normativa que a norma constitucional passou a ter status de norma jurídica. Antes era uma constituição política, pautava diretrizes e dependia da atuação do legislador para que concretizasse as normas constitucionais. Com a visão jurídica da Constituição esta passou a ter conteúdo axiológico, com caráter vinculativo e efetividade capaz de garantir os direitos fundamentais e garantias individuais.
Foi com a Carta Magna que os mecanismos de compromisso constitucional ganharam um formato mais denso e com isso favoreceu a um judiciário atuante. Como guardião da constituição a Suprema Corte do país direciona as matérias de cunho constitucional, conteúdo extenso do nosso ordenamento.
Do mesmo modo, decorre do neoconstitucionalismo, uma constante referência a princípios na aplicação do Direito. Há uma vasta doutrina de teorias que buscam elementos distintivos entre princípios e regras com consequente mecanismos de ponderação e subsunção para melhor aplicá-los. Ocorre atribuição de normatividade aos princípios e recorre-se a eles de pronto e de imediato, enquanto deveria analisar se no caso há necessidade de invocar um princípio.
Na nova hermenêutica constitucional verifica-se a presença de conceitos indeterminados e cláusulas gerais. Estes por serem conceitos abstratos e gerais dão margem ao arbítrio de quem interpreta e/ou aplica o Direito. Segundo Barroso ( 2003, p. 28) “não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral- e as normas constitucionais em particular- tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem”. Para o jurista não é possível ter um sentido único, pois haveria uma “uma atividade de mera revelação do conteúdo preexistente da norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização”.(BARROSO, 2003, p. 28)
No entanto, levar em consideração esse “papel criativo” conduz não a um meio interpretativo da norma mais uma determinação de vontade própria de cada interprete. A nova hermenêutica destoa a função do interprete permitindo-o papel inventivo ao invés de extrair o sentido previamente determinado. Pode-se admitir a existência de mais de um sentido para a norma, mas a interpretação não é de forma particular e aleatória. Tendo em vista que a “Hermenêutica é, assim, guia de escolha do bom sentido” (FALCÃO, 2013, p. 98). Com prudência deve o interprete atuar, “uma vez que a opção pelo sentido pode, em muitos casos, implicar a opção pela justiça, indispensável à convivência e à afirmação da grandeza do ser humano, bom como à própria justificação do Direito” (FALCÃO, 2013, p.98). Por conseguinte, não se pode extrair qualquer conteúdo, pois conduzirá a um relativismo que amplia por demasiado a norma constitucional, na qual foi feita para gerar segurança jurídica.
Diante dos traços do neoconstitucionalismo brasileiro, a Constituição de 1988 desempenha a função de estruturar o Estado e estabelecer garantias e direitos individuais. No entanto, deve-se atentar para a visão principiológica a que se remete a ela. Indaga-se se o tratamento que lhe atribui é o mesmo que se verifica em seu texto.
3. PRINCÍPIOS SEM PONDERAÇÃO
Hoje a fundamentação de direitos, seja na doutrina seja na jurisprudência, é com base em princípios. De pronto recorre-se a eles, seja a um princípio existente seja a um princípio criado para a situação específica. De modo que a função do princípio de nortear seria corrompida em substituição a uma função desejada pelo interprete.
Em uma ocasião em que o fato se encaixa em uma regra e seria suficiente para solucionar o problema, ainda assim se invoca um princípio. Ou mesmo percebe-se que “Os princípios podem até fundamentar a não aplicação da regra em determinado caso, mas não servem para preencher um espaço onde não haja legislação ou para criar soluções desconsiderando a lei.”(SOUSA, 2015, p.92)
Steck (2012) nomeou de panprincipiologia o uso indiscriminado de princípios. Segundo o autor (2012, p.09) é “uma espécie de patologia especialmente ligada às práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo que ficou regrado pela produção democrática do direito”. A pratica leva os juízes a descobrir pela sensibilidade, o senso de justiça que melhor cabe para a solução do caso.
O autor enumera em sua obra “Verdade e consenso” ( 2014) um roteiro de princípios criados que não fazem parte do texto constitucional. Dentre eles podemos citar: “princípio da simetria”, “princípio da precaução”, “princípio da não surpresa”, “princípio da confiança”, “princípio da absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente”, “princípio da afetividade”, “princípio do processo tempestivo”, “princípio da ubiquidade”, “princípio do fato consumado”, “princípio do deduzido e do dedutível”, “princípio da instrumentalidade processual”, “princípio da alteridade”, “princípio da cooperação processual”, “princípio da confiança no juiz da causa”, “princípio da humanidade”, “princípio do autogoverno a magistratura”, “princípio da situação excepcional consolidada”; “princípio lógico do processo civil” e dentre outros princípios que foram elencados pelo autor.
Frisa-se a atenção em alguns peculiares como o “Princípio da felicidade” em que o judiciário assegura a felicidade ao peticionantes. Em que pese a felicidade ser algo pessoal e individual, que se refere ao âmbito subjetivo, o judiciário se legitima capaz de fundamentar decisões com base nesse “princípio”. Segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em que considera o princípio da felicidade como princípio constitucional implícito:
Dignidade da pessoa humana e busca da felicidade. O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa-considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º , III)- significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucionalmente vigente em nosso país, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina- o princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fato de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo esterilizar direitos e franquias individuais. (STJ- AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 477554 MG (STF) data da publicação: 25.08.2011.)
No âmbito do direito de família, deu pauta ao surgimento do “princípio da afetividade” em que também, se considera o aspecto subjetivo do indivíduo e sua dimensão afetiva:
A partir desta conceituação, questiona-se: o ordenamento jurídico brasileiro vigente comportaria, nesse molde, o “princípio da afetividade”? Sendo a afetividade elemento da interioridade, como dar-lhe status de princípio jurídico, sendo que o Direito prima pela dimensão objetiva das relações sociais? Nenhum princípio jurídico se refere a algo da dimensão interna do indivíduo, exatamente porque isso escapa ao Direito. Pelo contrário, os princípios referem-se a situações objetivas ou relacionais, como a boa fé objetiva, o pacta sunt servanda, o rebus sic stantibus, a equidade, o melhor interesse da criança, etc. Além disso, os afetos, por si mesmos, são movimentos da sensibilidade involuntários (portanto sem autocontrole), por vezes contrários ao bem comum e à justiça. Todo o plano dos desafetos, não se deve olvidar, também compõem o universo afetivo. Como se vê, de rigor, os afetos não podem ser, por si, associados à dignidade humana, sendo muitas vezes movimentos contrários a ela.” (OLIVEIRA NETO; PEREIRA JÚNIOR, p. 119, 2016)
E muitos outros princípios podem surgir, especialmente fundamentado na dignidade da pessoa humana, que serve de impulso para favorecer aspectos subjetivos, como fruto do criacionismo constitucional.
Só se deveria recorrer aos princípios quando realmente fosse necessário. A falta de ponderação na utilização de princípios retira-lhes etimologicamente o seu significado, que é fundamento, essência de algo. “Assim, resta incabível que o intérprete ignore o direito democraticamente construído e decida com base em princípios – inventados para chegar a conclusão que ele, particularmente, considere a mais adequada.”(SOUSA, 2015, p. 185)
4. MENOS PRINCÍPIOS MAIS REGRAS
O conceito de norma jurídica e a distinção entre suas espécies tem sido questão intensamente elencada na contemporaneidade. Sem adentrar nas inúmeras definições , importa destacar que a extensão inapropriada das definições e teorias sobre o alcance dos princípios e regras conduz a uma ideia de que o debate é indispensável para a aplicação do Direito.
A ideia de que a Constituição “passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos supra positivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central.” (BARROSO, 2003, p.33) não corresponde as expectativas de um ordenamento jurídico ordenado em que se espera que cada conceito possua um âmbito de atuação.
Há uma tendência na doutrina e na jurisprudência argumentar com base em princípios. Mesmo que seja o caso de uma regra, procura-se , muitas vezes, um principio equivalente para discorrer na ocasião. Parece que uma fundamentação em princípio “eleva” o “status”do direito violado. O que se percebe é que em uma ocasião em que o fato se encaixa como regra, isso seria suficiente para solucionar o problema. No entanto, procura-se também um princípio para fundamentar o caso, seja invocando um principio existente, seja criando um princípio inexistente. Bem elucida Streck ( 2010, p.09) quando afirma:
Positivação dos valores: assim se costuma anunciar os princípios constitucionais, circunstância que facilita a criação, em um segundo momento, de todo tipo de princípio, como se o paradigma do Estado Democrático de Direito fosse a ―pedra filosofal da legitimidade principiológica, da qual pudessem ser retirados tantos princípios quantos necessários para solvermos os casos difíceis ou corrigir as incertezas da linguagem.
O autor evidencia uma proliferação de princípios que influencia no enfraquecimento da autonomia do direito e da força normativa da Constituição, pois os princípios acabam sendo usados como instrumentos de pretensão de correção, “como efetividade’ do judiciário , sendo forma de ultrapassar os limites do texto constitucional (2009).
Nossa constituição é uma constituição analítica. Há regulação constitucional da Organização do Estado, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Da Previdência, Do âmbito social e tributário. Bem sabemos que há regulação dos direitos fundamentais a aspectos irrelevantes como dispõe o artigo 242 § 2º : “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Assim, evidencia-se que há dispositivos constitucionais orientadores mais do que suficientes para a conduta do interprete.
No neoconstitucionalismo há uma supervalorização dos princípios, enquanto se verifica na Constituição brasileira a existência mais de regras do que de princípios. “A leitura do ordenamento constitucional facilmente comprova essa constatação — a Constituição Brasileira de 1988 é uma Constituição de regras” (ÁVILA, 2009, p.04). Isso se dá porque a “ escolha constitucional por regras tem uma justificativa relacionada às suas funções: as regras têm a função eliminar ou reduzir problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder.” (ÁVILA, 2009, p.04)
Pelo contexto histórico poderia se pensar que há sobreposição da ponderação de princípios na resolução de casos ao invés da subsunção de regras. De modo que “ o intérprete poderia saltar do plano legal para o nível constitucional sempre que um princípio pudesse servir de fundamento para a decisão, isto é, toda vez que fosse possível uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais.” (ÁVILA, 2009, p.07)
A tendência de certos juristas, advogados, doutrinadores é desenvolver um raciocínio em uma ponderação de princípios inexistente ou na fundamentação em princípios que não se aplicam. Pautados pelo relativismo dos dias hodiernos o aplicador do direito é levado a justificar direitos em fundamentos que a Constituição não quis proteger.
Vai-se além da Constituição, há um abuso do judiciário, adentrando em uma competência que não lhe pertence. Em síntese:
(…) o uso desmedido da retórica principialista e a criação de princípios que não estão nem implicitamente na Constituição Federal, para resolver subjetivamente casos específicos, citando apenas alguns dos legados do neoconstitucionalismo, provoca uma inconsistência no sistema jurídico e, consequentemente, tende a apagar a fronteira da separação dos poderes. (SOUSA, p. 122, 2015)
O uso indiscriminado de princípios segundo Ávila acarreta não somente uma violação na separação dos poderes, mas também alcança a estrutura do estado democrático. Afirma que “a interpretação centrada nos princípios constitucionais culmina com a violação de três princípios constitucionais fundamentais — os princípios democrático, da legalidade e da separação dos Poderes. Obedece-se à (parte da) Constituição, violando-a (noutra parte)”. (ÁVILA, 2009, p.08)
Ou mesmo em casos em que é admitido o uso da norma “o emprego dos princípios ultrapassa a interpretação teleológica pelo abandono da hipótese legal, está-se, ao mesmo tempo, consentindo com a desvalorização da função legislativa e, por decorrência, com a depreciação do papel democrático do Poder Legislativo”. (ÁVILA, 2009, p.08)
Apesar de se constatar uma certa abstração nos princípios, ou como Bonavides (2008) menciona em sua obra os “princípios abertos” como sendo “sobretudo, os princípios da Constituição, tais como, segundo assinala Grabitz, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, o Estado de Direito, o Estado social, a democracia e a separação de poderes”. Um âmbito de indefinição não justifica qualquer matéria componha o princípio.
Não há que atribuir caráter abrangente nas normas, sob justificativa de pauta-las na subjetividade. A questão da subjetividade é um artefato, um subterfúgio para fundamentar interesses contrários ao que se estabelece. E com isso “o paradigma da ponderação conduz a um subjetivismo e, com isso, à eliminação ou severa redução do caráter heterolimitador do Direito.” (ÁVILA, 2009, p.09)
A questão da principiologia tem início em considerar que “é que o caráter aberto de muitas normas , o espaço de indefinição de conduta deixado pelos princípios e os conceitos indeterminados conferem ao intérprete elevado grau de subjetividade.” Dai se desenvolve as nuances de fundamentar uma conduta não discriminada com base no “espaço de indefinição” ou “conceito indeterminado”.
O exemplo dado por Barroso (2003) para fundamentar a indefinição dos conceitos é o caso de um sujeito ocupante de um cargo político na República que é visto na saída de um motel, acompanhado de uma outra mulher que não é sua esposa. Ocorre que um jornalista fotografa o casal e irá trazer a público a notícia. Nesse intervalo o político descobre e entra com uma medida judicial cautelar para impedir a publicação da notícia. Barroso argumenta que nesse caso há um conflito entre direito de privacidade contra liberdade de expressão e de informação. Afirma que o juiz pode negar a liminar sob o argumento que o episódio de fato ocorreu, que a informação foi obtida por meio licito e que há interesse público no conhecimento do fato, no entanto, outras formas de soluções seriam possíveis segundo o autor.
Levando em consideração que o caso poderia ter outra fundamentação, não se constata “o caráter aberto de muitas normas, o espaço de indefinição de conduta deixado pelos princípios e os conceitos indeterminados conferem ao interprete elevado grau de subjetividade”. (BARROSO, 2003, p.48) E não se pode afirmar que há um vasto leque de opções, das mais variadas fundamentações. O que existe são poucas opções restritas a norma. Se não há regra que proíbe tal conduta, é então permitido. Se cria justificativa para pautar condutas sob um aparente “espaço de indefinição”.
Antes do neoconstitucionalismo, não havia tanta referência a princípios e necessidade de sopesamento. De modo que hoje há um contrassenso em que “tudo está na Constituição, e nada na legislação que deveria estar conforme a ela, a supremacia constitucional perde seu significado, pois deixa de servir de referência superior pela inexistência ou irrelevância do elemento inferior” (ÁVILA, 2009, p.08). O autor vai mais além afirmando que:
Daí a importância de insistir na eficácia das regras frente aos princípios, na separação dos Poderes e no controle fraco de proporcionalidade como mecanismos de salvaguardar a liberdade de configuração do Poder Legislativo, no lugar de simplesmente exaltar a importância dos princípios e da ponderação. (ÁVILA, 2009, p.09)
Como afirma Ávila ( 2009, p.07) “o interprete poderia saltar do plano legal para o nível constitucional sempre que um princípio pudesse servir de fundamento para a decisão, isto é, toda vez que fosse possível uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais”. É o que se constata na medida em que os direitos fundamentais são abrangentes e alcançam qualquer argumentação imaginável, “pois sempre poderão servir, dada a sua abrangência, de fundamento para uma decisão; e se sempre deverão ser empregados, todas as outras manifestações normativas assumem papel secundário em face dos princípios constitucionais”. (ÁVILA, 2009, p.08)
Com efeito, não se deseja desprezar a importância dos princípios para o ordenamento jurídico. São eles os norteadores do sistema. No entanto, busca-se revisar a aplicação dos princípios constitucionais para que não seja um artifício para a subjetividade e arbitrariedade. Dá-se, com isso, uma insegurança jurídica pois não se sabe ao certo o que esperar ao julgar um caso, pois esquece-se das regras para fundamentar em princípios.
5. CONCLUSÃO
No contexto histórico do neocontitucionalismo, considera a Constituição de forma equivocada. É uma constituição regulatória ao invés de principiológica. Na doutrina e na jurisprudência há um predomínio em considerar os princípios em detrimento das regras. Muitas vezes o interprete argumentado em um princípio deixa de aplicar uma regra para o caso ou mesmo promove a criação de um princípio para fundamentar de acordo com o seu alvedrio. Os conceitos indeterminados e princípios abertos dão margem a prática de condução subjetivista. O que deve ser afirmado pelo aplicador do Direito é a aplicação das regras para solução de conflitos ao contrário da recorrente referência a princípios o que dá espaço a subjetividade e insegurança jurídica.
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1Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada. Professora.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4113956933777124
E-mail: liliadesousa@hotmail.com
2Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Piauí. Advogada.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8822423275712919
E-mail: ceciliamourafe@gmail.com