NEFRITE TÚBULO-INTERSTICIAL CRÔNICA ISOLADA NO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO – UM ACOMETIMENTO RARO: UM RELATO DE CASO

ISOLATED CHRONIC TUBULO-INTERSTITIAL NEPHRITIS IN SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS – WITH RARE INVOLVEMENT: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202503251750


Alekssia Luciana dos Santos Guedes¹
Natália Correa Vieira Melo²
Luana Cicília Sousa da Silva³


Resumo

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica e inflamatória que pode afetar diversos órgãos e tecidos, sendo os rins os mais frequentemente comprometidos. A nefrite túbulo-intersticial, que pode ser secundária a doenças autoimunes, medicamentos, toxinas e radiação, raramente se apresenta com acometimento renal isolado. Neste contexto, relata-se o caso de uma paciente de 64 anos, do sexo feminino, diagnosticada com nefrite túbulo-intersticial crônica em atividade, após o diagnóstico de LES. Durante a investigação etiológica, a paciente apresentou hipertensão e, nos exames realizados, a fundoscopia não revelou alterações significativas. O FAN foi positivo (1/1280, padrão nuclear homogêneo pontilhado fino), com complementos C3 e C4 consumidos, além de teste positivo para anti-DNA, anemia hemolítica e presença de serosite, evidenciada por um derrame pericárdico no ecocardiograma. Esses achados culminaram no diagnóstico de LES. Foi realizada biópsia renal, seguida do início de pulsoterapia com metilprednisolona (500 mg por dia durante 3 dias), porém sem resposta clínica ou laboratorial. A biópsia revelou nefrite crônica túbulo-intersticial em atividade, com deposição de imunocomplexos, provavelmente associada ao LES, sem evidência de acometimento glomerular. Isso caracteriza uma Nefrite Túbulo-Intersticial Crônica isolada, uma manifestação rara da nefrite lúpica. Após esse diagnóstico, foram implementadas medidas de suporte e tratamento imunossupressor, incluindo hemodiálise, anti-hipertensivos, hidroxicloroquina (400 mg por dia), corticóide e ciclofosfamida (1 grama por mês durante os primeiros seis meses). A nefrite túbulo-intersticial crônica é marcada por agressão tubular insidiosa, com infiltração intersticial gradual, fibrose e atrofia tubular, resultando em disfunção renal e deterioração progressiva da função renal ao longo dos anos. A sintomatologia é geralmente inespecífica e variada. O prognóstico depende da etiologia, do tratamento e da resposta do paciente, com o objetivo de evitar a ocorrência de fibrose irreversível. A doença túbulo-intersticial, com ou sem depósitos imunes, é um achado raro em pacientes com LES.

Palavras-chave: Nefrite crônica. Tubulointersticial. Imunocomplexos.

Abstract

Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic and inflammatory autoimmune disease that can affect several organs and tissues, with the kidneys being the most frequently affected. Tubulointerstitial nephritis, which can be secondary to autoimmune diseases, medications, toxins and radiation, rarely presents with isolated renal involvement. In this context, we report the case of a 64-year-old female patient diagnosed with chronic active tubulointerstitial nephritis after the diagnosis of SLE. During the etiological investigation, the patient presented hypertension and, in the exams performed, the fundoscopy revealed no significant alterations. The ANA was positive (1/1280, fine speckled homogeneous nuclear pattern), with consumed complements C3 and C4, in addition to a positive test for anti-DNA, hemolytic anemia and presence of serositis, evidenced by a pericardial effusion on the echocardiogram. These findings culminated in the diagnosis of SLE. A renal biopsy was performed, followed by the initiation of pulse therapy with methylprednisolone (500 mg per day for 3 days), but without clinical or laboratory response. The biopsy revealed active chronic tubulointerstitial nephritis, with deposition of immune complexes, probably associated with SLE, without evidence of glomerular involvement. This characterizes an isolated Chronic Tubulointerstitial Nephritis, a rare manifestation of lupus nephritis. After this diagnosis, supportive measures and immunosuppressive treatment were implemented, including hemodialysis, antihypertensives, hydroxychloroquine (400 mg per day), corticosteroids and cyclophosphamide (1 gram per month for the first six months). Chronic tubulointerstitial nephritis is characterized by insidious tubular aggression, with gradual interstitial infiltration, fibrosis and tubular atrophy, resulting in renal dysfunction and progressive deterioration of renal function over the years. Symptoms are usually nonspecific and varied. The prognosis depends on the etiology, treatment and patient response, with the aim of preventing the occurrence of irreversible fibrosis. Tubulointerstitial disease, with or without immune deposits, is a rare finding in patients with SLE.

Keywords: Chronic nephritis. Tubulointerstitial. Immune complexes.

1 INTRODUÇÃO

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença auto imune crônica, inflamatória, sistêmica e que acomete os rins de muitos pacientes, que por sua vez acarreta uma importante morbimortalidade aos pacientes. Essa doença é mais prevalente no sexo feminino, negros e adultos, e está relacionada com alguns alelos geneticamente conhecidos.

Diante do acometimento do LES é muito importante avaliar a alteração renal que essa doença pode determinar no indivíduo, existindo variadas formas de dano renal, tais como glomerulopatias, nefrite túbulo intersticial, doença vascular, podocitopatia lúpica, glomeruloesclerose colapsante e doença renal associada ao lúpus induzido por drogas. Muitos desses padrões de acometimento renal só podem ser diagnosticados com a biópsia renal (Satoskar et al, 2011).

A nefrite lúpica tem manifestação clínica diversa como, por exemplo, proteinúria podendo ser ou não nefrótica, hematúria microscópica ou macroscópica, disfunção renal, hipertensão, e histologicamente pode ter acometimento glomerular ou túbulo intersticial, e aproximadamente 10% dos pacientes podem cursar com declínio da função renal e necessitar de diálise durante evolução da doença (Narvaéz, 2020).

O diagnóstico da doença renal lúpica é realizado nos pacientes portadores de LES com evidência de alteração renal presente, no entanto se confirma através da biópsia renal, podendo ser dividido em várias classes a depender do acometimento glomerular, vascular e ou túbulo intersticial (Mori et al, 2004).

Apesar da biópsia renal ser de extrema importância no diagnóstico da nefrite lúpica, é indispensável a análise da função renal através de outros exames tais como sumário de urina, proteinúria, hemograma, lipidograma, albumina, além da análise complementar com sorologias e autoanticorpos diante da suspeita clínica, para não só confirmar a suspeita diagnóstica como também estar atento a diagnósticos diferenciais (Satoskar et al, 2011).

No tratamento da nefrite lúpica é abordado um contexto sistêmico com mudanças do estilo de vida, cessação do tabagismo, ajuste de peso, controle da dislipidemia e pressórico, dieta com controle de sódio, proteção renal com agentes antiproteinúricos, vacinação e proteção sorológica viral como hepatite B, controle da doença renal crônica como anemia e doença mineral óssea secundárias, anticoncepção e, o mais importante, o tratamento medicamentoso.

A nefrite túbulo intersticial (NTI) é observada em aproximadamente dois terços de todos os pacientes com nefrite lúpica, porém o seu acometimento isolado (sem lesões glomerulares associadas) é raro na nefrite do LES (Mori et al, 2004).

A NTI pode estar relacionada a outras causas além do depósito de imunocomplexos, como medicamentos, toxinas ou radiação, e isso é muito importante para diagnóstico diferencial. As alterações tubulares renais podem desencadear alterações eletrolíticas urinárias e sanguíneas que são bastante importantes para o diagnóstico (Yu et al, 2010).

Os danos nos túbulos renais resultam em alterações nos níveis de eletrólitos no sangue, como sódio e potássio, e podem afetar a capacidade dos rins de concentrar a urina, que se torna excessivamente diluída, podendo levar poliúria e desequilíbrios nos níveis de água e eletrólitos no sangue (O’Brien, 2023).

De acordo com o tempo de desenvolvimento e das características histológicas a nefrite túbulo intersticial pode se dividir em aguda ou crônica. Clinicamente a nefrite túbulo intersticial crônica pode se apresentar com prurido, fadiga, perda de apetite, náuseas, vômitos e dificuldade para respirar. Nos estágios iniciais da doença, a pressão arterial pode permanecer dentro da faixa normal ou apresentar uma leve elevação. Além disso, a produção de urina pode estar aumentada em comparação ao volume habitual (O’Brien, 2023).

Os achados na nefrite túbulo-intersticial crônica (NTIC) costumam ser parecidos com os da forma aguda (NTIA), embora a presença da hematúria seja rara. Devido ao seu desenvolvimento gradual da fibrose intersticial, exames de imagem podem revelar rins reduzidos em tamanho, com sinais de cicatrização e assimetria renal (Correa-Rotter; Wesseling; Johnson, 2014).

O manejo da nefrite túbulo-intersticial crônica fundamenta-se predominantemente em intervenções de suporte. Estas incluem o controle da pressão arterial e a implementação de estratégias anti-proteinúricas, que são frequentemente realizadas por meio da administração de inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRAs). Adicionalmente, é essencial o tratamento da anemia e da doença óssea associada à disfunção renal. Em situações em que o paciente apresenta evidências de doença renal de progressão rápida, pode ser indicada a utilização de corticosteroides e imunossupressores, visando uma melhor resolução do quadro clínico (Yamaguchi et al.,2012).

Diante do exposto, tem-se por objetivo relatar o caso de uma paciente com 64 anos, sexo feminino, diagnosticada com Nefrite Túbulo-Intersticial Crônica, com deposição de imunocomplexos, em atividade após diagnóstico de LES. Visa-se ainda enfatizar os desafios do diagnóstico da doença, além da discussão de abordagens terapêuticas eficazes.

2 RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 64 anos, branca, natural e procedente de Minas Gerais, previamente hipertensa e diabética insulinodependente, sem outras comorbidades, apresentava ausência de alteração da função renal, sendo a creatinina 0,7 mg/dl – normal – em março de 2023.

A paciente foi admitida em um serviço de emergência em novembro de 2023, apresentando um quadro de urgência hipertensiva, com pressão arterial registrada em 230 x 110 mmHg. Relatava dor em flanco esquerdo de intensidade moderada, acompanhada de espumúria. Os exames laboratoriais realizados na admissão evidenciaram injúria renal aguda, com níveis de creatinina de 2,9 mg/dL, além de anemia, com hemoglobina de 10,7 g/dL.

Durante a internação, foram realizados os seguintes exames laboratoriais: exame de urina tipo 1 (EAS), que evidenciou a presença de hematúria e leucocitúria, mas sem proteinúria; dosagem de proteinúria de 24 horas, com valor de 418 mg; fator antinuclear positivo (1/1280, padrão nuclear homogêneo pontilhado fino); redução nos níveis dos complementos C3 e C4; presença de anticorpos anti-DNA positivos; diagnóstico de anemia hemolítica; e sorologias negativas. Adicionalmente, foi realizada uma ecografia de rins e vias urinárias, que demonstrou rins em posição anatômica normal, com forma, contornos, ecotextura e dimensões adequadas, sem evidência de dilatação pielocalicial; a bexiga apresentou forma, contornos e capacidade dentro dos padrões normais; a fundoscopia não revelou alterações, e o ecocardiograma transtorácico evidenciou derrame pericárdico e remodelamento concêntrico do ventrículo esquerdo.

No que tange à investigação etiológica, foi estabelecido o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES), com base nos seguintes achados: FAN positivo, anticorpos anti-DNA positivos, consumo de complementos C3 e C4, presença de anemia hemolítica e serosite. Durante a internação, a paciente evoluiu com anasarca, oligúria e piora significativa das funções renais, necessitando, em menos de 15 dias após a admissão hospitalar, do início de terapia renal substitutiva devido à hipervolemia refratária.

Diante do quadro clínico optou-se pela realização de biópsia renal para elucidação diagnóstica, com avaliação por microscopia de luz e imunofluorescência. A amostra da microscopia de luz (figuras 1 e 2) tinha 19 glomérulos de tamanhos regulares, com nenhum glomérulo esclerosado globalmente. As alças capilares dos tufos glomerulares eram delgadas, sem sinais de quaisquer lesões proliferativas ou esclerosantes. Os túbulos e o interstício estavam bem alargados por edema, infiltrado inflamatório grânulo mononuclear, com numerosos granulócitos. Os vasos arteriais exibiam paredes delgadas, sem sinais de vasculite ou trombos.

Figura 1: Microscopia de luz / compartimento glomerular

Fonte: Instituto de Nefropatologia, exame número 03915-23.

Figura 2: Microscopia de luz / compartimento túbulo-intersticial com presença de edema, numerosas células inflamatórias granulomononucleadas e discreta fibrose com proporcional atrofia tubular (20-30%).

Fonte: Instituto de Nefropatologia, exame número 03915-23.

A imunofluorescência apresentava negatividade no compartimento glomerular para quase todos os imunomarcadores pesquisados, que incluíram o IgG, IgA, C1q, C3, Kappa, Lambda e Fibrinogênio. Apresentava presença de IgM granular mesangial e em plasmócitos. Entretanto, havia marcação em membrana basal tubular, cápsula de Bowman, multifocal para IgG, C3, Kappa e Lambda. Sendo assim, os achados configuram Nefrite Crônica Túbulo-Intersticial em Atividade por LES.

Logo após realização da biópsia renal foi realizada pulsoterapia com Metilprednisolona 500mg/dia por 3 dias, seguida do uso de Ciclofosfamida 1g/mês durante 6 meses, sem resposta ou melhora clínica e laboratorial. A paciente mantém-se em terapia renal substitutiva com hemodiálise associada ao tratamento anti hipertensivo e do LES com hidroxicloroquina 400mg/dia e corticoide diário.

3 DISCUSSÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O LES é uma doença autoimune que pode gerar acometimento sistêmico, com um processo fisiopatológico complexo, que pode afetar diversos órgãos e tecidos de maneiras distintas. Sendo uma doença multissistêmica com manifestações polimórficas, apresenta acometimento cutâneo, articular, hematológico, renal, imune e neurológico, podendo haver períodos de exacerbação e remissão. No LES, a inflamação sistêmica pode afetar os rins, levando a diferentes formas de comprometimento renal, incluindo o acometimento túbulo-intersticial (Errante, 2020).

Nesse contexto, é fundamental destacar os danos crônicos resultantes da inflamação persistente, bem como outras lesões que levam a alterações no sistema renal. O acometimento renal pode se apresentar em aproximadamente 50% dos pacientes, no entanto geralmente com alteração glomerular, já os casos de acometimento túbulo intersticial isolado é raro. (Narvaéz, 2020).

Bandhari (2024) aponta que há vários fatores causadores da nefrite túbulo-intersticial (NTI). As principais causas incluem os fatores medicamentosos e tóxicos: anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) – uso prolongado pode causar nefropatia por analgésicos; antibióticos – especialmente penicilinas, cefalosporinas e sulfonamidas; diuréticos – alguns podem desencadear reações adversas que levam à inflamação renal crônica; exposição a metais pesados – como chumbo e cádmio e drogas nefrotóxicas – como inibidores da calcineurina (ex.: ciclosporina e tacrolimo). Tem-se ainda as doenças autoimunes e inflamatórias: lúpus eritematoso sistêmico pode causar deposição de imunocomplexos nos túbulos renais; Síndrome de Sjögren – associada a inflamação crônica do interstício renal; Sarcoidose – inflamação granulomatosa que pode afetar os rins; doença tubulointersticial associada a anticorpo antimembrana basal tubular (anti-TBM). Além disso, as infecções crônicas como Pielonefrite crônica – infecções urinárias repetitivas podem levar à fibrose renal; infecções virais como o vírus da imunodeficiência humana, hepatite B e C podem causar inflamação renal persistente (Couser; Johnson; Feehally, 2019).

A nefrite lúpica tem sido tradicionalmente associada à lesão glomerular; no entanto, evidências recentes indicam que a fibrose intersticial e a atrofia tubular podem ser fatores ainda mais importantes para determinar a resposta ao tratamento e o prognóstico da recuperação renal. Ela afeta até 40% dos adultos e 80% das crianças com lúpus eritematoso sistêmico. Apesar dos avanços no tratamento, 10% dos pacientes evoluem para doença renal estágio final e necessitam de terapia de substituição renal (Satoskar et al., 2011).

O termo nefrite intersticial refere-se a condições em que o interstício renal apresenta inflamação, edema e fibrose. Quando a inflamação está em fase ativa e envolve a infiltração de linfócitos, células plasmáticas, polimorfonucleares e edema, a condição é classificada como nefrite intersticial aguda. Já nos casos em que há predominância de fibrose, acompanhada por um pequeno número de células inflamatórias crônicas e perda de túbulos renais, a doença é denominada nefrite intersticial crônica (Yu et al., 2010; Beltrame, 2016).

Foi descrita pela primeira vez em 1898 por um patologista que observou, em biópsias post-mortem de pacientes com infecção estreptocócica, a presença frequente de lesões inflamatórias não supurativas no interstício renal. Nesse grupo de doenças, a nefrite se caracteriza pela presença de células inflamatórias e líquido na matriz extracelular do interstício renal, além da infiltração das células dos túbulos renais por macrófagos, linfócitos, células plasmáticas e, em alguns casos, eosinófilos. Os glomérulos geralmente não são afetados, a menos que a NTI evolua para a forma crônica (Bhandari et al, 2024).

A nefrite túbulo-intersticial é uma doença que resulta no prejuízo da função renal, e quando é crônica apresenta uma agressão tubular insidiosa com infiltração intersticial gradual, fibrose e atrofia tubular, evoluindo com disfunção e deteriorização gradual da função renal ao longo dos anos, e pode ter uma clínica inespecífica e diversa (Yu et al, 2010).

O diagnóstico da nefrite túbulo-intersticial muitas vezes é retardado devido aos seus sintomas inespecíficos. Diferenciar a nefrite aguda da crônica pode ser um desafio. É fundamental distingui-la de outras doenças renais, como glomerulonefrite e necrose tubular aguda, pois o tratamento e o prognóstico são significativamente diferentes. A avaliação clínica e os exames complementares, como a biópsia renal, são as principais abordagens atualmente utilizadas para o diagnóstico (Finnigan et al, 2023).

A microscopia óptica histopatológica nos casos de nefrite túbulo-intersticial pode revelar infiltração inflamatória de células no interstício e edema, independentemente da causa, geralmente com predomínio de infiltração linfocítica. A inflamação intersticial pode ser focal ou difusa. Além disso, são observadas características de tubulite, como alterações degenerativas nos túbulos, contornos luminais irregulares e ectasia, vacuolização citoplasmática, núcleos proeminentes, células apoptóticas, perda da borda em escova e atrofia tubular. A presença de granulomas bem demarcados com células gigantes multinucleadas sugere sarcoidose, enquanto granulomas caseosos ou necróticos são indicativos de tuberculose. O exame de urina costuma apresentar leucocitúria e hematúria, com proteinúria leve se presente. (Kidney International, 2024; Finnigan et al, 2023; Murashima, 2007).

A investigação etiológica junto à paciente deste relato de caso confirmou o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), com resultados positivos para FAN e anti-DNA, além de consumo dos complementos C3 e C4, presença de anemia hemolítica e manifestação de serosite.

O tratamento da nefrite túbulo-intersticial (NTI) baseia-se na eliminação da causa subjacente, como a suspensão do medicamento responsável, quando aplicável. No caso da nefrite túbulo-intersticial aguda de origem imunomediada, e em alguns casos induzidos por medicamentos, o uso de corticosteroides pode ser benéfico. A administração de prednisona (1 mg/kg/dia por via oral), com redução progressiva ao longo de 4 a 6 semanas, pode acelerar a recuperação (Correa-Rotter; Wesseling; Johnson, 2014).

O manejo da nefrite túbulo-intersticial crônica envolve medidas de suporte, incluindo controle da pressão arterial e tratamento da anemia associada à insuficiência renal. Para pacientes com progressão da doença renal, o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRAs) pode ajudar a retardar a progressão da doença. (Yamaguchi et al, 2012).

A identificação precoce da doença é fundamental para evitar prognóstico ruim. A nefrite túbulo-intersticial representa um grande desafio clínico devido à variedade de suas causas e ao impacto significativo na função dos rins (Beltrame, 2016).

Em alguns casos, internações prolongadas podem ser necessárias para o acompanhamento da função renal, para a realização de exames complementares e para a implementação de tratamentos, incluindo a correção de distúrbios eletrolíticos e, nos casos mais graves, hemodiálise (Nishikawa et al, 2014).

4 CONCLUSÃO

A doença túbulo-intersticial com ou sem depósitos imunes é um achado raro em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico. A gravidade desse envolvimento é um importante sinal prognóstico, correlacionando-se positivamente com a presença de hipertensão, concentração elevada de creatinina plasmática e curso clínico progressivo, apresentando um risco duas vezes maior de desenvolver doença renal em estágio final.

A suspeição clínica deve ser baseada nos fatores de risco e na análise do sedimento urinário, além da exclusão de outras causas por meio de exames de imagem. A biópsia renal é fundamental para a confirmação diagnóstica. O tratamento envolve a suspensão de medicamentos causadores, o manejo das causas subjacentes e a adoção de medidas de suporte.

O estudo da temática é essencial devido ao seu impacto na função renal e ao desafio diagnóstico que representa. Investigar a doença é fundamental para diagnosticar precocemente, prevenir complicações, otimizar tratamentos e reduzir a progressão da doença renal crônica, impactando diretamente na saúde dos pacientes e na eficiência do sistema de saúde.

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¹Discente do Programa de Residência de Nefrologia da Escola Superior de Ciências da Saúde no Hospital Regional de Taguatinga. E-mail: alekssialuciana@gmail.com
²Docente do Programa de Residência de Nefrologia da Escola Superior de Ciências da Saúde no Hospital Regional de Taguatinga. Doutora em Nefrologia pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: ncvmelo@gmail.com
³Docente do Programa de Residência de Nefrologia da Escola Superior de Ciências da Saúde no Hospital Regional de Taguatinga. E-mail: luana.cicilia@gmail.com