REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7901168
João Guilherme Novis de Souza Avellar
Jose Augusto da Paz Peçanha
Olimpio Augusto da Paz Peçanha
Olympio Jose dos Santos Peçanha
RESUMO
Muitas são as causas de infecção de partes moles com abscesso e necrose, porém uma que não pode ser esquecida é o uso incorreto de drogas recreativas endovenosas como a cocaína. Pelas suas propriedades, esse narcótico possui importante poder vasoconstrictor, podendo levar à necrose tecidual em questão de minutos.
Por ser comum a busca tardia de auxílio médico por essa parcela da população, faz-se necessária intervenção precoce para evitar desfechos negativos. Com início de tratamento clínico medicamentoso e desbridamento precoce.
INTRODUÇÃO
Drogas injetáveis no Brasil, segundo o estudo publicado na revista “Cadernos de Saúde Pública”, edição de 2020, já foram utilizadas ao menos uma vez por 0,4% da população, cerca de 800 mil pessoas. Configura-se como problema de saúde pública, não somente pelo risco de infecções associadas como o HIV, Hepatites, endocardite, entre outras patologias, como também o risco de infecção local, quando mal aplicada. A imensa maioria dos usuários não possui o treinamento correto para aplicação endovenosa.
Dentre os narcóticos, é mister destacar a cocaína destilada que possui efeitos estimulantes do sistema nervoso central, podendo causar efeito de euforia, aumento da energia e da confiança, redução do apetite, taquicardia e hipertermia.
Seu uso prolongado pode levar a danos significativos à homeostase, como cardiopatias, disfunções pulmonares e renais, ansiedade, depressão e psicose. Além disso, os usuários crônicos tendem a ter dificuldade com sua aplicação, pelo uso constante das veias, aumentando o risco de aplicação no espaço subcutâneo ou intradérmico, podendo trazer danos catastróficos pelo efeito vasoconstrictor da droga.
MÉTODO
Reportar caso clínico, retrospectivo e descritivo, baseado no prontuário médico e vivência da equipe responsável pelo tratamento da região afetada, além da revisão bibliográfica sobre casos similares e seus desfechos.
Dados do prontuário eletrônico foram coletados de hospital particular em Niterói no ano de 2020, assim como informações e fotos com a equipe assistente.
RELATO DE CASO
Mulher caucasiana de 54 anos de idade, deu entrada na emergência hospitalar queixando-se de dor importante em parte dorsal da mão e polegar. Ao exame físico, paciente encontrava-se desidratada, febril, com frequência cardíaca aumentada e normotensa. À análise da mão direita foi observado grande edema, com sinais de necrose e saída ativa de pus da região.
Ao ser questionada sobre às possíveis causas de tal achado a mesma afirma ser usuária de cocaína endovenosa há 3 anos, porém sem nunca ter tido nenhuma complicação semelhante. Afirma que o quadro se iniciou sete dias antes de buscar auxílio médico, porém como estava piorando optou por procurar.
Procedeu-se com internação da paciente, início precoce de antibiótico associado à coleta de exames de sangue e acionamento da equipe de cirurgia plástica de sobreaviso.
Figura 1: Primeira avaliação em centro cirúrgico, área com abscesso e necrose em dorso de polegar e mão direita.
Cirurgiões optaram por desbridamento de toda a área necrótica associada à lavagem exaustiva da ferida com coleta de material para cultura. Após primeiro desbridamento não foi observado quebra de continuidade do periósteo, que poderia levar à osteomielite.
Figura 2: Final do primeiro desbridamento.
Paciente foi submetida à curativos seriados em centro cirúrgico até formação de tecido de granulação saudável, sem sinais de infecção.
Figura 3: Após 14 dias de internação hospitalar com seis desbridamentos com curativo em centro cirúrgico.
Após exames demonstrando melhora dos marcadores inflamatórios e bom período de antibioticoterapia, optou-se por utilização de substituto dérmico para melhor adesão de enxerto em área nobre como polegar, associada a auto enxertia de enxerto de espessura total em mesmo tempo cirúrgico.
Figura 4: colocação de substituto dérmico de colágeno bovino
Figura 5: Auto enxertia em mesmo tempo cirúrgico
Após uma semana, com total pega de enxerto, e finalização de seu screening infeccioso, como descartar endocardite por uso de drogas endovenosas, paciente foi para casa e continuou acompanhamento ambulatorial da ferida.
DISCUSSÃO
O uso de drogas endovenosas trás grandes riscos associados, não somente pelos riscos inerentes à própria droga, como também à sua aplicação, que quando inadequadamente realizada pode trazer complicações locais como necrose tecidual.
Por se tratar de pacientes que abusam de narcóticos, muitas vezes demoram de buscar auxílio médico, sendo por medo ou até mesmo vergonha da exposição, podendo culminar em quadros graves de septicemia cutânea como a do relato de caso.
É importante ressaltar que ao receber tais pacientes em âmbito hospitalar o acolhimento inicial é muito importante, explicando a gravidade da situação, iniciando o uso de antibióticos o mais rápido possível e acionando a equipe de cirurgiões o mais breve possível para evitar a evolução para quadros de alta mortalidade como a fasciíte necrotizante.
Outra questão importante de lembrarmos é do avanço tecnológico em cirurgias reparadoras. Com a utilização de substitutos dérmicos é notória a diminuição da contração das feridas pós auto enxertia, ou seja, melhor resultado funcional para quando utilizado em áreas nobres como mão.
CONCLUSÃO
O uso de drogas endovenosas é uma realidade em nosso meio e, portanto, devemos estar capacitados a lidar com as consequências.
Seja no rastreio para doenças transmissíveis como o vírus do HIV, das hepatites, entre outros, como no tratamento de feridas oriundas da aplicação incorreta dessas substâncias, como a cocaína destilada.
Ressalta-se, novamente, que a intervenção precoce é fundamental para desfechos positivos, diminuindo a morbidade, como em nosso caso a paciente poderia ter perdido parte da mão. Assim como também é de grande valia lembrar da evolução tecnológica que são os substitutos dérmicos que vieram para diminuir o tempo de internação desses pacientes, assim como melhorar o tratamento dessas feridas em áreas nobres.
BIBLIOGRAFIA
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