NECROSE ASSÉPTICA BILATERAL DA CABEÇA DO FÊMUR EM GATA: RELATO DE CASO

BILATERAL AVASCULAR NECROSIS OF THE FEMORAL HEAD IN FEMALE CAT: CASE REPORT

NECROSIS ASÉPTICA BILATERAL DE LA CABEZA FEMORAL EN GATA: RELATO DE UN CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7698965


Raphael Grillo da Silva1
Vitória Valente da Silva2
Renato Dalcin Segala3
Stefani Martins4
Leonardo Augusti5
Carolina Rodrigues6
Jaqueline Barbosa7
Luann de Lemos8


RESUMO

A Necrose Asséptica da Cabeça do Fêmur (NACF) é uma enfermidade não inflamatória, asséptica e de origem pouco esclarecida que compromete a vascularização, resultando em necrose da cabeça e colo femoral, com maior acometimento unilateral, em animais de até 1 ano de idade, pequeno porte e sem predileção sexual, sendo os felinos raramente acometidos. O objetivo do trabalho é relatar o caso de uma gata, com NACF bilateral. Felino, fêmea, Sem Raça Definida, 7 meses de idade, atendida no Hospital Veterinário Escola Universidade Guarulhos – São Paulo, com histórico de claudicação de membro pélvico esquerdo há 3 dias.

Ao exame físico observou-se atrofia muscular, impotência funcional do membro acometido, dor durante abdução e adução. Exames hematológicos e bioquímicos sem alterações e radiografia com diminuição da radiopacidade e alteração morfológica em colo e cabeça femoral bilateral sendo sugestivo de NACF. Realizada intervenção cirúrgica com a excisão do colo e cabeça femoral do membro esquerdo e após 2 meses, realizado a intervenção do membro contralateral. As amostras foram encaminhadas para histopatológico confirmando o diagnóstico de NACF.

Conclui-se que a idade do paciente condiz com a literatura, ainda que o acometimento bilateral seja menos comum. Devido ao início agudo e sem histórico de trauma, fatores hormonais, hereditários ou anatômicos podem estar envolvidos. A enfermidade na espécie felina encontra-se escassa em relatos. Embora rara, a NACF acomete felinos, inclusive de forma bilateral. A técnica cirúrgica proposta e a fisioterapia pós-operatória mostraram-se eficaz no tratamento da afecção.

PALAVRAS-CHAVE: Fêmur. Felino. Radiografia. Necrose. Bilateral.

ABSTRACT

Avascular necrosis of the femoral head (ANFH) is a non inflammatory and aseptic disease of understood origin that compromises the vascularization, resulting in necrosis of the femoral head and neck, in general with unilateral involvement, in animals up to 1 year old, small size and without sexual predisposition. Felines are seldom affected. The objective of this study is to report the case of a female cat with bilateral ANFH. Feline, female, No Defined Race, 7 months old, attended at the Guarulhos Veterinary School University Hospital – São Paulo, with a claudication historic of the left pelvic member for 3 days. The physical examination showed muscle atrophy, functional impotence of the affected member and pain during the abduction and adduction movements. Hematological and biochemical exams were requested, no alteration found, and radiography found reduced opacity and morphological alteration in bilateral femoral head and neck, suggestive of ANFH. Surgical intervention was performed with the excision of the femoral head and neckof the left member and after 2 months the intervertion of the contralateral member was performed too. The samples were sent for histopathology confirming the diagnostic of ANFH. It is concluded that the patient ́s age matches with the literature, although bilateral involvement be less ordinary. Due to the acute condition and no trauma history, hormonal, hereditary or anatomical factors may be involved. The disease presentation in the feline species is scarce in reports. Although rare, ANFH affects cats, even bilaterally. The proposed surgical technique and physiotherapy after surgery showed to be effective in the disease treating.

KEYWORDS: Femur. Feline. Radiography. Avascular. Bilateral.

RESUMEN

La Necrosis Aséptica de la Cabeza Femoral (NACF) es una enfermedad aséptica, no inflamatoria, de origen poco conocido, que compromete la vascularización, resultando en necrosis de la cabeza y cuello femoral, con mayor afectación unilateral, en animales de hasta 1 año de edad, de pequeño tamaño y sin predisposición sexual, siendo los felinos raramente afectados. El objetivo de este estudio es reportar el caso de una gata con NACF bilateral. Felino, femenino, Raza No Definida, 7 meses de edad, atendido en el Hospital Universitario Escuela de Veterinaria Guarulhos – São Paulo, con antecedente de claudicación del membro pélvico izquierdo desde hace 3 días. El examen físico mostró atrofia muscular, impotencia funcional del miembro afectado, dolor em movimentos de abducción y aducción. Se solicitó examen hematológico, bioquímico, no se encontraron alteraciones, y radiografia con radiopacidad disminuida y alteración morfológica em cuello y cabeza femoral bilateral, siendo sugestivo de NACF. Se realizó intervención quirúrgica con escisión de cuello y cabeza femoral del miembro izquierdo y Después de 2 meses se realizó intervención del miembro contralateral. Las muestras fueron enviadas para histopatología confirmando el diagnóstico de NACF. Se concluye que la edad de la paciente concuerda con la literatura, aunque la afectación bilateral es menos frecuente. Debido al inicio agudo y sin antecedentes de trauma, factores hormonales, hereditarios o anatómicos pueden estar involucradas. La presentación de la enfermedad en la especie felina es escasa en los reportes. Aunque es raro, NACF afecta a los gatos, incluso de forma bilateral. La técnica quirúrgica propuesta y la fisioterapia ostoperatoria demostraron ser eficaces en el tratamiento de la enfermedad.

PALABRAS CLAVE: Fémur. Felino. Radiografía. Necrosis. Bilateral.

INTRODUÇÃO

A necrose asséptica da cabeça do fêmur (NACF) é caracterizada por uma condição não inflamatória que antecede o fechamento fisário da cabeça do fêmur, resultando em perda do aporte sanguíneo da região e consequente necrose isquêmica da cabeça femoral.1 A necrose asséptica pode evoluir para uma fratura subcondral, fragmentação, revascularização e remodelação na cabeça femoral.5

A causa para a perda do suprimento sanguíneo não é completamente esclarecida, portanto há diversas hipóteses como: fatores hereditários, particularidades anatômicas, pressão intracapsular e enfartamento da cabeça femoral.1 A afecção também pode ser proveniente de uma atividade hormonal precoce com fechamento prematuro da placa epifisária e demasiada formação de osso endosteal, desse modo, ocasionando interferências no suprimento sanguíneo.3 A NACF ocorre com maior frequência em cães jovens de até 1 ano de idade, raças pequenas, sem predileção sexual, sendo bilateral apenas em 10% a 17% dos animais com a enfermidade. Além de que, felinos são raramente acometidos.1

Os sinais clínicos envolvem claudicação, algia, incapacidade para sustentar o peso, atrofia por desuso dos tecidos moles e redução da função articular.3 A claudicação possui evolução progressiva e lenta, piorando o quadro em torno de 6 a 8 semanas. Outras manifestações clínicas como irritabilidade, redução do apetite e mordedura da pele sobre o membro afetado também podem ser observadas.1 Ao exame físico, durante a manipulação da articulação coxofemoral, pode-se observar intensa dor na região afetada durante os movimentos de extensão, abdução e adução, atrofia muscular e crepitação.6

O diagnóstico é realizado por meio da anamnese, sinais clínicos, exame físico da articulação do quadril e radiografias que revelam uma deformidade da cabeça femoral, encurtamento e/ou análise da estrutura e focos de diminuição da radiopacidade óssea na epífise do fêmur.3 O posicionamento radiográfico deve ser com o paciente em decúbito dorsal, membros posteriores em extensão (tracionados para trás), fêmures paralelos e com uma ligeira rotação interna, dessa forma, a projeção realizada é a ventrodorsal.10

O tratamento a ser realizado pode variar de acordo com a gravidade da doença e progressão avaliada radiologicamente e clinicamente, o que traz as possibilidades de ser conservador (clínico) ou cirúrgico. O tratamento conservador baseia-se na restrição ao exercício de 4 a 8 semanas, analgésicos e anti-inflamatórios, mudança na alimentação e suplementos vitamínicos. Portanto, na maioria dos casos é difícil diagnosticar a NACF no início, então o tratamento de escolha é o cirúrgico.8

O tratamento cirúrgico geralmente trata-se da excisão do colo e cabeça femoral acometido (colocefalectomia). O objetivo do procedimento é estimular a formação de uma pseudoartrose e assim, aliviando a dor e claudicação.9 O prognóstico é favorável quanto ao uso normal do membro após a intervenção cirúrgica.1

Porém, na literatura são relatadas certas complicações provenientes da intervenção cirúrgica como o encurtamento do membro, dano ou aprisionamento do nervo ciático, luxação de patela, redução da amplitude de movimento, atrofia muscular, dor contínua, claudicação e intolerância ao exercício.4

OBJETIVO

O objetivo desse trabalho é relatar o caso de uma gata com necrose asséptica da cabeça do fêmur bilateral que foi submetida à intervenção cirúrgica (colocefalectomia) para correção da afecção.

RELATO DE CASO

Paciente felino, fêmea, 7 meses de idade, Sem Raça Definida, deu entrada no Hospital Veterinário Escola Universidade Guarulhos do curso de Medicina Veterinária, Campus Guarulhos – São Paulo, com queixa de claudicação de membro pélvico esquerdo há três dias. Ao exame físico foi observado atrofia muscular, impotência funcional do membro acometido e dor durante abdução e adução.

Solicitados exames hematológicos e bioquímicos, com valores dentro da referência para a espécie e radiografia (Figura 1) apresentando diminuição da radiopacidade e alteração morfológica em colo e cabeça femoral bilateral, sendo sugestivo de NACF.

Figura 1. Radiografia pré-operatória em projeção ventrodorsal de região de articulação coxofemoral (Clínica Escola Veterinária UNG).

Com base nos achados do exame físico e diagnóstico confirmado por meio do exame radiográfico, optou-se por realizar primeiramente a cirurgia no membro pélvico esquerdo no qual o paciente apresentava claudicação e dor mais acentuada.

Na área da intervenção cirúrgica foi realizada tricotomia e assepsia com clorexidina alcoólica 2%. Com o animal em decúbito lateral direito, a técnica foi iniciada através de uma abordagem craniolateral na articulação do quadril esquerdo, onde a região foi luxada manualmente. Feita incisão curvilínea sobre o músculo glúteo superior e os músculos adjacentes foram rebatidos e, posteriormente, uma incisão na cápsula articular para exteriorização do colo femoral. Realizada incisão do ligamento redondo com uma tração lateral no trocanter maior, assim, subluxando a cabeça femoral. As tesouras curvas foram posicionadas na articulação e seccionaram o ligamento. Para realização da ostectomia o membro foi rotacionado externamente de forma que a linha articular do joelho se encontrasse paralela à mesa cirúrgica.

Identificada a junção do colo com a metáfise femoral, consequentemente sendo identificada a linha de ostectomia. Para o posicionamento correto da osteotomia e também para uma melhor visualização das estruturas, foi rebatido ventralmente o músculo vasto lateral. Após a excisão da cabeça e colo femoral com o uso do osteótomo e martelo, foram removidas as bordas da superfície da incisão do colo do fêmur e, em seguida, a cápsula articular foi suturada sobre o acetábulo. Para finalização da técnica, feito rafia no padrão contínuo com fio nylon dos músculos vasto lateral, glúteo profundo e tensor da fáscia lata, assim como no tecido subcutâneo. Na pele foi realizado rafia com pontos simples separados, utilizando fio nylon.11

Após 2 meses, animal foi submetido ao mesmo tipo de intervenção cirúrgica do membro contralateral (Figura 2). Paciente foi encaminhado para fisioterapia para reabilitação e reconstrução da massa muscular durante todo o período entre a primeira cirurgia até a alta da segunda intervenção. As amostras dos colos e cabeças femorais dos membros do paciente foram encaminhadas para histopatológico confirmando o diagnóstico de NACF.

Figura 2. Radiografia pós-operatória dos dois membros (Clínica Escola Veterinária UNG).

DISCUSSÃO

No presente relato, os sinais clínicos são condizentes com as manifestações descritas em literatura dos animais mais susceptíveis a desenvolver a necrose asséptica da cabeça do fêmur (NACF) como a claudicação, algia, incapacidade para sustentar o peso, atrofia por desuso dos tecidos moles e redução da função articular 1, 3, 6 e, embora os cães sejam mais acometidos, felinos também podem sofrer com a enfermidade, porém menos casos são relatados abordando a espécie.1

Os aspectos radiográficos também são condizentes com os descritos em literatura, caracterizados por uma diminuição da radiopacidade e alteração morfológica em colo e cabeça femoral bilateral.1,7 A projeção realizada é a ventro-dorsal, onde o paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal, com membros posteriores em extensão, fêmures paralelos e com uma ligeira rotação interna.10

Como diagnóstico além do exame radiográfico, foi possível por meio do exame físico da articulação coxofemoral observar dor significativa durante abdução e adução, atrofia muscular e impotência funcional do membro acometido.1, 3, 6

A técnica cirúrgica escolhida para os dois membros foi a colocefalectomia, com excisão da cabeça e o colo femoral bilateralmente, com um intervalo de 2 meses entre os procedimentos, para melhor recuperação do paciente 1, 4, 9 A finalidade do procedimento foi que se formasse uma pseudoartrose fibrinosa na região da articulação coxofemoral onde estava presente o distúrbio devido à falta de suprimento sanguíneo.4, 5, 9

Para um bom resultado pós-operatório, foi indicado realização de sessões de fisioterapia pois o sucesso da intervenção cirúrgica depende também da competência e consequente força muscular periarticular que manterá a pseudoartrose funcional e duradoura.1,2 Além disso, reduzindo a dor, inflamação e tempo de recuperação do paciente.2

O prognóstico é bom e quando realizada a fisioterapia após o procedimento se torna mais favorável ainda pois estimula a recuperação do paciente.2, 3 Entretanto, as possibilidades de complicações devido a colocefalectomia não devem ser exclusas.

Pode haver encurtamento do membro, dano ou aprisionamento do nervo ciático, luxação de patela, redução da amplitude de movimento, atrofia muscular, dor contínua, claudicação e intolerância ao exercício.1, 3, 4, 6, 9

CONCLUSÃO

Esse relato de caso demonstrou que a idade do paciente condiz com a literatura, ainda que o acometimento bilateral seja menos comum. Devido ao início agudo e sem histórico de trauma, as teorias apresentadas como fatores hormonais, hereditários ou anatômicos podem estar envolvidas. A apresentação da afecção na espécie felina encontra-se escassa em relatos até o presente momento. Embora rara, a NACF acomete felinos, inclusive de forma bilateral. A técnica cirúrgica proposta e a fisioterapia pós-operatória mostraram-se eficaz no tratamento da patologia.

REFERÊNCIAS

1. FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. Elsevier. 4 ed. Cap. 34,2014, p. 1313-1314, 1321-1323.

2. PERRY, K. Feline hip dysplasia: A challenge to recognise and treat. Journal of Feline Medicine and Surgery, n. 18, p. 203-218, 2016.

3. Warren DV, Dingwall JS. Legg-Perthes disease in the dog: a review. Can Vet J 1972; 13(6):135-7.

4. DEGREGORI, E. B.; PIPPI, M. R.; FRANCO, N.; TEIXEIRA, L. G.; CONTESINI, E. A.; SERAFINI, G. M. C. Uso da técnica de colocefalectomia no tratamento de displasia coxofemoral em canino: Relato de caso. Pubvet, v. 12, n. 10, p. 1-9, 2018.

5. CATTERALL, A. The natural history of Perthes ́s disease. Journal of Bone and Joint Surgery, lllinois, v. 53, p. 37-53, 1971.

6. BOJRAB, M. J. Mecanismos das Doenças em Cirurgia de Pequenos Animais. 3. ed. São Paulo: Roca, 2014. 1014 p.

7. SAKAMOTO, M.; SHIMIZU, K.; IIDA, SATOSHI.; AKITA, T.; MORIYA, H.; NAWATA, Y. Osteonecrosis of the femoral head: a prospective study. The Journal of Bone and Joint Surgery v. 79-B, n. 2, 1997.

8. DENNY, H.R.; BUTTERWORTH, S.J. A guide to canine and feline orthopaedic surgery. United Kingdom: Blackwell Science, 2000. 634p.

9. SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 3a ed. São Paulo: Manole, 2009.2v. 2714pp.

10.BARBOSA, A. L. T.; SCHOSSLER, J. E. W.; BOLLI, C. M.; LEMOS, L. F. C.; MEDEIROS, C. Recuperação funcional coxofemoral pós-operatória em cães: estudo clínico, radiográfico e biomecânico. Ciência Rural, v. 42, n.11, p. 2011-2017, 2012.

11.FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. Elsevier. 5 ed. 2022, p.3749 – 3750.


1Médico Veterinário pela Universidade de Guarulhos (UNG), especialista em Cirurgia
de Pequenos Animais, cursando mestrado em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP. CEP: 07132350 –
rp.grillo@hotmail.com