REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505280642
Anne Karoline Oliveira Lima
Maria do Socorro Silva Ferreira Mendes
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar, por meio de uma revisão bibliográfica, as principais dificuldades enfrentadas por mulheres portadoras do vírus HIV no contexto da maternidade. A pesquisa busca compreender os desafios psicossociais, emocionais e clínicos vivenciados desde o desejo de engravidar até o cuidado no pós-parto, abordando também aspectos relacionados ao preconceito e acesso aos serviços de saúde. A metodologia adotada consistiu em uma revisão bibliográfica narrativa, com levantamento de publicações científicas dos últimos 10 anos nas bases de dados SciELO, LILACS e PubMed, utilizando descritores como “HIV”, “maternidade”, “mulheres soropositivas” e “dificuldades”. Os resultados esperados apontam que, apesar dos avanços no tratamento e na prevenção da transmissão vertical do HIV, muitas mulheres ainda enfrentam estigmas sociais, medo da rejeição, inseguranças quanto à saúde do bebê e dificuldades no acesso ao acompanhamento pré-natal adequado. Conclui-se que há necessidade de maior capacitação dos profissionais de saúde, ampliação das políticas públicas inclusivas e ações educativas que promovam o acolhimento e empoderamento das mulheres vivendo com HIV durante o processo da maternidade.
Palavras-chave: HIV; maternidade; mulheres soropositivas; dificuldades; saúde da mulher.
ABSTRACT
This article aims to analyze, through a literature review, the main difficulties faced by women with HIV in the context of motherhood. The research seeks to understand the psychosocial, emotional and clinical challenges experienced from the desire to become pregnant to postpartum care, also addressing aspects related to prejudice and access to health services. The methodology adopted consisted of a narrative literature review, with a survey of scientific publications from the last 10 years in the SciELO, LILACS and PubMed databases, using descriptors such as “HIV”, “motherhood”, “HIV-positive women” and “difficulties”. The expected results indicate that, despite advances in the treatment and prevention of vertical transmission of HIV, many women still face social stigma, fear of rejection, insecurity about the baby’s health and difficulties in accessing adequate prenatal care. It is concluded that there is a need for greater training of health professionals, expansion of inclusive public policies and educational actions that promote the acceptance and empowerment of women living with HIV during the motherhood process.
Keywords: HIV; motherhood; HIV-positive women; difficulties; women’s health.
1. INTRODUÇÃO
HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, (Human Immunodeficiency Vírus), sendo este o retrovírus causador da Síndrome da Imunodeficiência adquirida (SIDA; AIDS – Acquired Immunodeficiency Syndrome. O HIV compromete o sistema imunológico que é responsável por defender o organismo de doenças. O objeto deste estudo é o impacto do diagnóstico de HIV na gestação e pós-parto.
No Brasil, os primeiros casos de AIDS ocorreram na década de 80 e foram considerados uma epidemia que rapidamente tornou-se um problema de saúde pública. Desde 2006, o HIV na gestação é agravo de notificação compulsória. (BRASIL, 2018; DOMINGUES et al, 2018; LIMA et al, 2017).
Os testes rápidos de HIV foram criados na década de 1980 e popularizados mundialmente a partir da década seguinte. Foram incorporados à rede pública de saúde brasileira a partir de 2005 (BRASIL, 2018). O Ministério da saúde recomenda que a testagem rápida para o HIV nas gestantes deve ser realizada na primeira consulta do pré-natal (idealmente, no primeiro trimestre da gestação), no início do terceiro trimestre e no momento do parto. (MS, 2019). Ainda segundo o MS, a testagem deve ser realizada também em qualquer outro momento em que haja exposição de risco ou violência sexual.
A maternidade, por si só, é um processo profundamente transformador na vida de uma mulher. Quando atravessada pelo diagnóstico do vírus da imunodeficiência humana (HIV), essa experiência se torna ainda mais complexa, carregada de desafios emocionais, sociais e clínicos. As mulheres portadoras de HIV, ao enfrentarem a gestação, o parto e o puerpério, convivem com medos intensos — como o da transmissão vertical para o bebê, o estigma social, o julgamento de profissionais de saúde e a insegurança quanto ao futuro da própria saúde e da criança.
Desde a década de 1980, com a emergência dos primeiros casos de AIDS no Brasil, a infecção por HIV passou a ser reconhecida como um grave problema de saúde pública. A partir de 2006, sua notificação em gestantes tornou-se compulsória, dado o risco de transmissão vertical e a necessidade de intervenções oportunas. Embora os avanços na terapia antirretroviral (TARV) e nas estratégias de prevenção tenham reduzido consideravelmente as taxas de transmissão mãe-filho, as mulheres soropositivas ainda enfrentam diversas barreiras no acesso ao cuidado integral e humanizado durante a maternidade.
A decisão de ser mãe, para a mulher vivendo com HIV, é muitas vezes permeada por sentimentos ambíguos, conflitos internos e falta de apoio, tanto da sociedade quanto dos serviços de saúde. Além das questões clínicas, essas mulheres lidam com implicações psicológicas significativas, o medo do julgamento e a fragilidade do vínculo com os profissionais de saúde, o que pode comprometer a adesão ao tratamento e o acompanhamento pré-natal adequado.
Este artigo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre as principais dificuldades enfrentadas por mulheres portadoras de HIV no contexto da maternidade, abrangendo o período gestacional, o parto e o pós-parto. O estudo busca reunir e analisar a produção científica disponível entre janeiro de 2015 e abril de 2020, oferecendo subsídios para que os profissionais de saúde, especialmente da área da enfermagem, possam compreender melhor essa realidade e promover um cuidado mais empático, acolhedor e livre de estigmas.
A relevância deste trabalho reside na necessidade de ampliar o olhar sobre a mulher soropositiva que deseja exercer a maternidade, considerando não apenas os aspectos biomédicos da infecção, mas também os fatores emocionais, sociais e culturais que impactam essa vivência. Reconhecer essas dificuldades é fundamental para garantir o direito à saúde reprodutiva e o respeito à dignidade dessas mulheres.
2. FUNDAMENTACAO TEÓRICA
2.1 Sentimentos das mulheres ao receber o diagnóstico de HIV na gestação ou pós-parto
A gestação é um processo fisiológico que envolve significativas transformações físicas, hormonais e emocionais, além das expectativas e sonhos relacionados à maternidade. Para muitas mulheres, a notícia de uma gravidez é motivo de alegria e realização. No entanto, para aquelas que recebem o diagnóstico de HIV positivo durante a gestação ou no pós-parto, essa experiência pode desencadear uma série de reações emocionais intensas e desorganizadas, além de questionamentos sobre sua própria saúde e a do bebê. O diagnóstico de HIV, em muitos casos, é percebido como uma ameaça iminente à vida, gerando sentimentos de insegurança e desespero.
De acordo com Silva et al. (2018), um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais revelou que 60% das gestantes diagnosticadas com HIV o descobriram durante a triagem sorológica do pré-natal ou no momento do parto. O impacto desse diagnóstico nas vidas dessas mulheres foi significativo, pois, em sua maioria, elas não se percebiam vulneráveis à infecção pelo HIV. As reações iniciais dessas mulheres, ao tomarem conhecimento da soropositividade, foram predominantemente negativas, gerando sentimentos de indignação, remorso, tristeza e até indiferença, sentimentos que demonstram a surpresa e o choque com a situação.
Renesto et al. (2014) complementam essa visão ao afirmar que a descoberta da soropositividade provoca uma transformação profunda na percepção que a mulher tem de si mesma e de sua vida. Essas mulheres, ao se depararem com o diagnóstico, vivenciam uma reestruturação de sua identidade, o que pode gerar sentimentos de alienação, perda de controle e distanciamento, inclusive na relação com os profissionais de saúde. A mudança de percepção sobre a própria vida pode resultar em uma dificuldade em lidar com o apoio dos profissionais, o que, por sua vez, dificulta a adesão a tratamentos e o acompanhamento adequado.
Um estudo realizado por Payán et al. (2019) corroborou esses achados, observando que a maioria das mulheres diagnosticadas com HIV durante a gestação ou no pós-parto descreveram o impacto imediato do diagnóstico como essencialmente psicológico e emocional. Para essas mulheres, a descoberta foi um evento profundamente traumático, que alterou sua visão sobre a maternidade e seus próprios sentimentos em relação ao cuidado com o bebê. Esse impacto não se restringe apenas ao momento do diagnóstico, mas se estende ao acompanhamento da gestação e ao medo constante da transmissão vertical, além da preocupação com o julgamento social.
Lobo et al. (2018), ao realizarem um estudo em Maceió – AL, analisaram os discursos de mulheres vivendo com HIV e encontraram relatos semelhantes de reações intensas após o diagnóstico. Para essas mulheres, o diagnóstico foi recebido com uma gama de sentimentos complexos, incluindo angústia, medo, tristeza, terror, surpresa, incredulidade, injustiça e vergonha. Esses sentimentos refletem o estigma associado ao HIV e a preocupação com as implicações para a maternidade, a própria saúde e o futuro do bebê.
Bastos et al. (2019) também abordam o impacto emocional do diagnóstico de HIV na gestação, destacando que, para muitas mulheres, a confirmação da infecção pelo HIV é uma experiência avassaladora. A descoberta da soropositividade pode “tirar o chão” das gestantes, fazendo com que percam os referenciais de segurança que sustentavam sua visão de mundo e a percepção sobre sua capacidade de ser mãe. Esse efeito pode gerar uma sensação de desorientação e medo do futuro.
Contudo, a análise dos estudos primários selecionados para este trabalho revela que, embora a maioria das mulheres experimente esses sentimentos negativos após a descoberta do diagnóstico, há exceções. Um estudo de caso específico, a cartografia de uma jovem vivendo com HIV durante suas três gestações, apresentado por Medeiros e Jorge (2018), diverge das experiências relatadas pelas demais mulheres. A jovem em questão não demonstrou os mesmos sentimentos de desespero ou angústia que as outras participantes, o que levou os autores a sugerirem que, embora a jovem não tenha se abalado de forma evidente, seus sentimentos de medo e preocupação com a exposição social e o julgamento como mãe negligente eram claramente presentes. Ao final da entrevista, ela expressou um momento de choro, o que, para a autora deste trabalho, indica que, embora ela tenha negado o impacto emocional do diagnóstico, isso possa refletir uma fase de negação, em que a jovem não se permitiu vivenciar plenamente o impacto emocional do HIV. Essa negação pode ser uma forma de defesa frente ao estigma e ao medo do julgamento social.
A gestação, por ser um período de transformações físicas, emocionais e psicológicas, carrega consigo expectativas positivas, mas também complexidades. Quando uma mulher recebe o diagnóstico de HIV positivo, tanto durante a gestação quanto no pós-parto, diversos sentimentos e reações emocionais podem ser desencadeados, em especial aqueles relacionados ao medo e à ansiedade em relação ao futuro. A maioria dos estudos revisados, incluindo os de Spindola et al. (2015), McLeish e Redshaw (2016), Pinto et al. (2017), Payán et al. (2019), Hernandes et al. (2019), Souza et al. (2019), e Pacheco et al. (2019), relatam que as gestantes e puérperas diagnosticadas com HIV experimentam medo, pânico, desespero e choque ao tomarem conhecimento de sua soropositividade. Esses sentimentos muitas vezes são amplificados pela sensação de estar diante de uma ameaça iminente à própria vida e à do bebê.
Willcocks et al. (2016) destacam que, ao receberem o diagnóstico do HIV, muitas mulheres sentem que seus pensamentos maternos são dominados pela ansiedade relacionada à possibilidade de morte fetal, um medo que pode persistir mesmo após o nascimento da criança. Esse medo da perda do bebê é frequentemente abordado em estudos, como no trabalho de Pinto et al. (2017), que aponta a presença de ansiedades em relação à possibilidade do bebê morrer, parar de respirar, não se alimentar adequadamente ou se machucar. Relatos semelhantes, que envolvem a preocupação de perder o bebê, também são encontrados em Hernandes et al. (2019). Esses medos refletem as dificuldades psicológicas das mulheres em relação à percepção do risco de transmissão vertical do HIV e suas implicações.
De acordo com Bastos et al. (2019), o nascimento de um filho é frequentemente idealizado como um evento positivo e de felicidade, mas, para mulheres vivendo com HIV, o medo da transmissão do vírus ao bebê transforma esse momento em uma experiência angustiante. A angústia é especialmente notável em mulheres que enfrentam o dilema de como lidar com a maternidade no contexto do HIV. Dentre os estudos analisados nesta revisão, Lingen-Stallard, Furber e Lavender (2016), Pinto et al. (2017), Payán et al. (2019), Hernandes et al. (2019) e Souza et al. (2019) documentam que os sentimentos de angústia e tristeza são comuns entre as mulheres diagnosticadas com HIV, e esses sentimentos impactam diretamente sua vivência da maternidade.
No que se refere ao período gestacional e ao início do puerpério, Faria e Piccinini (2015) observaram que muitas mulheres sentem-se culpadas pela possível infecção do bebê. Esse sentimento de culpa é uma constante em diversos estudos, como os de Willcocks et al. (2016), Payán et al. (2019), Hernandes et al. (2019) e Pacheco et al. (2019), sendo que um dos estudos destaca a culpa da mãe pela descoberta do diagnóstico de HIV na criança, uma vez que ela não havia seguido o tratamento adequado durante a gestação. A culpa é um sentimento particularmente presente em mulheres que vivenciam a possibilidade de transmissão vertical, o que implica na adoção de medidas preventivas para proteger o bebê, como a não amamentação, o que também gera uma série de reflexões emocionais.
Lewandowski et al. (2017) sugerem que, embora ainda não se tenha uma compreensão plena dos sentimentos das mães quando o diagnóstico do bebê é negativo para o HIV, é possível que mesmo em tais situações, persista o medo de uma reversão do quadro. Isso implica que as vivências emocionais de mulheres com HIV, mesmo após a confirmação da saúde do bebê, continuam marcadas pela ansiedade e incerteza. Esse temor de que o quadro possa se reverter é uma reflexão importante sobre o processo emocional dessas mães, que continuam a lidar com as consequências psicológicas de um diagnóstico positivo, independentemente do estado sorológico final do bebê.
Outro sentimento recorrente nas pesquisas analisadas é a frustração por não poder amamentar, devido ao risco de transmissão do HIV através do leite materno. Faria e Piccinini (2015), Pinto et al. (2017), Hernandes et al. (2019) e Souza et al. (2019) relatam que, para muitas mães, a impossibilidade de amamentar torna-se uma fonte significativa de sofrimento. No entanto, Pinto et al. (2017) destacam um fator importante: algumas mulheres experimentam uma sensação de indiferença em relação à não amamentação, considerando-a uma medida necessária para proteger o bebê da transmissão do HIV. Esse sentimento de indiferença pode ser uma adaptação psicológica à realidade do diagnóstico, onde a proteção do filho se torna a prioridade, embora a dor pela perda da experiência de amamentar seja evidente.
Brasil (2019) aponta que a comunicação da necessidade de suprimir a lactação deve ocorrer antes do parto, e não somente após o nascimento, para que a mulher tenha tempo de compreender e aceitar essa medida. A decisão de comunicar esse aspecto de maneira tardia, ou após o parto, pode resultar em respostas emocionais negativas, aumentando a frustração e o sofrimento das mães. A orientação precoce é, portanto, uma estratégia importante para minimizar os impactos psicológicos dessa realidade.
Por outro lado, alguns estudos também identificam sentimentos positivos, como esperança, superação, motivação e gratidão. Willcocks et al. (2016) relatam que algumas mães, ao descobrirem seu diagnóstico de HIV no pré-natal e iniciarem o tratamento precoce, expressaram sentimentos de gratidão e felicidade por conseguirem proteger a saúde de seus bebês. Outros estudos, como os de Spindola et al. (2015), Payán et al. (2019), Hernandes et al. (2019) e Souza et al. (2019), também registram relatos de mães que, apesar das dificuldades, encontraram na maternidade um motivo para continuar lutando, demonstrando resiliência e adaptabilidade frente ao diagnóstico.
Souza et al. (2019) afirmam que, apesar das mudanças na vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS, muitos dos impactos emocionais negativos estão fortemente relacionados ao estigma, preconceito e discriminação, fatores que podem desencadear sentimentos de angústia, vergonha, ansiedade e até depressão. Esses sentimentos são corroborados por estudos de Lingen-Stallard, Furber e Lavender (2016), Pinto et al. (2017), Medeiros et al. (2018), Payán et al. (2019), Hernandes et al. (2019) e Pacheco et al. (2019), que identificam o estigma como uma barreira importante na vivência das mulheres diagnosticadas com HIV. Willcocks et al. (2016) relatam que muitas dessas mulheres percebem a discriminação, não só em relação a si mesmas, mas também em relação aos seus bebês, por parte de familiares, amigos e até profissionais de saúde.
Andrade e Iriart (2015) destacam que o desconhecimento sobre as formas de transmissão do HIV contribui para a ampliação do estigma, não se restringindo apenas ao parceiro sexual, mas atingindo também outras pessoas que têm contato com indivíduos HIV positivos. Esse estigma alimenta o medo de discriminação e isolamento social, como evidenciado nos estudos de McLeish e Redshaw (2016), Lingen-Stallard, Furber e Lavender (2016), e Payán et al. (2019). Em alguns casos, o isolamento é autoimposto, como relatado por Lingen-Stallard, Furber e Lavender (2016), onde as mulheres expressam o desejo de esconder sua condição, temendo que os outros percebam mudanças em sua vida após o diagnóstico.
Bastos et al. (2019) ressaltam que o diagnóstico positivo de HIV leva muitas mulheres a utilizar mecanismos de defesa, como a negação, o isolamento e a desvalorização de si mesmas. Essa negação é evidenciada em estudos de Spindola et al. (2015), Lingen-Stallard, Furber e Lavender (2016), Payán et al. (2019) e Hernandes et al. (2019), onde as mulheres tentam minimizar o impacto emocional do diagnóstico, muitas vezes como uma forma de proteção psicológica. Além disso, sentimentos de vergonha, como relatados por Willcocks et al. (2016), Payán et al. (2019) e Souza et al. (2019), também são comuns, refletindo a internalização do estigma associado ao HIV.
Finalmente, a questão do medo do estigma também permeia muitos estudos, como os de Spindola et al. (2015), Faria e Piccinini (2015), e McLeish e Redshaw (2016), que mostram que o receio de ser julgada e sofrer preconceito é uma das principais razões pelas quais muitas mulheres optam por não divulgar seu diagnóstico sorológico. Esse medo é um dos fatores que contribuem para o isolamento social dessas mulheres, complicando ainda mais sua experiência com a maternidade no contexto do HIV.
2.2 Desafios e Implicações na Revelação do Diagnóstico
A revelação do diagnóstico ao parceiro é uma das primeiras etapas desse processo e pode ser um momento de grande tensão emocional. De acordo com Oliveira et al. (2015), essa revelação pode proporcionar uma oportunidade para a mulher expressar suas inseguranças, buscar apoio afetivo e cuidar da sua saúde em conjunto com o parceiro. No entanto, como destacado por Lingen-Stallard et al. (2016), a revelação do diagnóstico pode resultar em implicações complexas, como o fim do relacionamento, a quebra de confiança e, em casos extremos, agressões físicas ou emocionais. A insegurança em relação ao julgamento social, a perda de controle sobre quem saberá da condição e o medo da rejeição são alguns dos principais fatores que influenciam a decisão de não revelar o diagnóstico. Esse processo é, portanto, uma decisão delicada e muitas vezes marcada pela ambivalência emocional.
O sigilo profissional e a proteção da privacidade dos pacientes são princípios fundamentais no atendimento a pessoas vivendo com HIV. Segundo Brasil (2017), os profissionais de saúde têm a responsabilidade legal de manter a confidencialidade das informações relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento das pacientes, compartilhando essas informações apenas com o consentimento do paciente ou em situações de risco iminente à saúde pública. Contudo, como apontado por Lingen-Stallard et al. (2016), existem relatos de quebra de sigilo, em que informações sobre o diagnóstico foram divulgadas sem a autorização da paciente, contribuindo para a perpetuação do estigma e a exclusão social.
A ocultação do diagnóstico é uma estratégia comum adotada por muitas mulheres, principalmente no início do processo de enfrentamento da condição. Segundo Andrade e Iriart (2015), muitas mulheres optam por esconder o diagnóstico até que se sintam mais preparadas para lidar com as reações dos outros. Essa ocultação pode se estender a familiares próximos, amigos e colegas de trabalho, refletindo o medo de ser discriminada. Hernandes et al. (2019) reforçam que muitas mulheres enfrentam a dor do diagnóstico sozinhas, sem o apoio da rede de apoio social, temendo perder amigos, familiares e até mesmo o afeto de seus filhos.
A revelação do diagnóstico também pode ocorrer em momentos em que o acompanhamento médico exige a presença de um familiar, como no início do tratamento antirretroviral. A exigência de um acompanhante no atendimento médico, conforme discutido por Andrade e Iriart (2015), pode ser um gatilho para a divulgação do diagnóstico, mas essa decisão não é simples. Muitas mulheres ainda lutam com a dúvida sobre qual a melhor forma de compartilhar essa informação sem sofrer as consequências do estigma.
De acordo com Souza et al. (2019), o apoio familiar tem um papel fundamental no processo de adaptação ao diagnóstico e no sucesso do tratamento. Mulheres que contam com o suporte emocional de familiares têm maior adesão ao tratamento antirretroviral e conseguem lidar melhor com as demandas diárias de cuidados com seus filhos e com a vida em geral. Silva et al. (2015) destacam que o suporte familiar não se limita ao aspecto emocional, mas também contribui para a criação dos filhos, garantindo uma rede de segurança para as mães que, por vezes, enfrentam desafios significativos no dia a dia.
Em suma, a revelação do diagnóstico de HIV é um processo repleto de implicações emocionais, psicológicas e sociais. As mulheres que vivem com HIV enfrentam múltiplos desafios relacionados à aceitação de sua condição, à manutenção da confidencialidade e ao estigma associado à doença. Esses fatores influenciam diretamente a qualidade de vida das pacientes e o sucesso do tratamento, o que torna essencial a criação de estratégias de apoio tanto no contexto familiar quanto no sistema de saúde.
2.3 A Maternidade e o HIV: Os Principais Desafios Enfrentados pelas Mães Após o Diagnóstico
Ao serem surpreendidas com o diagnóstico de infecção pelo HIV durante a gestação ou no puerpério, as mulheres vivenciam um processo de enfrentamento que pode transitar da negação à aceitação, exigindo uma reorganização significativa da vida diante dos desafios impostos pela soropositividade. Spindola et al. (2015) destacam que, embora muitas gestantes relatem experimentar uma gravidez semelhante à de outras mulheres, elementos singulares permeiam sua vivência cotidiana, exigindo ressignificações emocionais e práticas. Lewandowski (2017) acrescenta que a angústia tende a ser mais intensa entre aquelas diagnosticadas durante a gestação ou no momento do parto, devido à dupla necessidade de reorganizar-se diante da condição de soropositiva e, simultaneamente, adaptar-se às exigências do cuidado com o neonato.
Hernandes et al. (2019) observam que mulheres previamente diagnosticadas com HIV tendem a vivenciar a gestação como uma manifestação positiva do sucesso terapêutico, enquanto aquelas diagnosticadas no pré-natal frequentemente enfrentam sentimentos de culpa, fragilidade emocional e insegurança quanto à condução da gestação. Após o diagnóstico, iniciase uma mobilização imediata para a prevenção da transmissão vertical (TV), a qual envolve a introdução precoce da terapia antirretroviral (TARV), orientações sobre a via de parto mais adequada e a contraindicação da amamentação. Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2018), a transmissão vertical do HIV pode ocorrer durante a gestação, o parto ou pela amamentação, sendo uma das principais formas de infecção pediátrica.
A valorização histórica do parto vaginal e da amamentação como práticas ideais para a saúde materno-infantil contribui para o sofrimento das mulheres que, ao receberem o diagnóstico, precisam desconstruir expectativas em torno da maternidade. A partir da 38ª semana gestacional, indica-se a cesariana para mulheres com carga viral desconhecida ou superior a 1.000 cópias/mL, como forma de minimizar o risco de TV (BRASIL, 2019). Esse processo de adaptação, além de técnico, envolve componentes emocionais complexos, pois significa abrir mão de práticas que simbolizam o cuidado materno idealizado.
Willcocks et al. (2016) analisaram a experiência de gestantes soropositivas e verificaram que o diagnóstico impactou negativamente a forma como essas mulheres projetavam a maternidade. A responsabilidade de proteger o filho extrapolava os cuidados com o HIV e incluía aspectos emocionais, como o desejo de poupá-lo do estigma social. Os autores também identificaram uma sobrecarga emocional significativa, composta por estressores diversos que interferiram na possibilidade de vivenciar uma gravidez saudável do ponto de vista psicológico. Em contrapartida, a informação fornecida pelos profissionais de saúde quanto à eficácia da TARV na prevenção da transmissão vertical mostrou-se como fator encorajador, contribuindo para uma mudança de perspectiva.
Apesar do impacto inicial, os estudos primários incluídos nesta revisão indicam que o bem-estar do bebê funciona como uma motivação importante para a adesão à TARV. Entretanto, as mulheres também expressam receio em relação a possíveis reações adversas ou efeitos colaterais das medicações antirretrovirais. A TARV é disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e sua eficácia está associada à supressão da carga viral a níveis indetectáveis, o que reduz drasticamente o risco de transmissão do HIV (BRASIL, 2018).
Ainda que os benefícios da TARV sejam amplamente reconhecidos, existem relatos de efeitos adversos, tanto para a gestante quanto para o recém-nascido. Entre os riscos apontados estão a prematuridade e a restrição do crescimento fetal, condições que podem ser atribuídas tanto à infecção pelo HIV quanto ao uso dos antirretrovirais (BRASIL, 2018). Leite et al. (2019) destacam a correlação entre a infecção pelo HIV e o aumento da incidência de trabalho de parto prematuro e nascimento de neonatos com baixo peso, o que amplia a complexidade do manejo clínico durante a gestação.
No ciclo gravídico-puerperal, o diagnóstico da infecção por HIV apresenta implicações significativas na esfera emocional e relacional das mulheres. Mesquita et al. (2019) ressaltam que a amamentação é culturalmente compreendida como um momento de expressão máxima do afeto materno, sendo fundamental para o fortalecimento do vínculo entre mãe e filho. A impossibilidade de amamentar, portanto, é vivenciada por muitas mulheres como uma ruptura dolorosa desse processo. Essa percepção é corroborada por estudos como os de Spindola et al. (2015), Willcocks et al. (2016) e Pinto et al. (2017), que apontam o sofrimento materno diante da restrição à amamentação como uma das experiências mais difíceis relacionadas ao cuidado da criança exposta ao HIV. Alvarenga et al. (2019) reforçam essa conclusão ao identificarem relatos de intensa dor emocional entre mães, independentemente de já terem vivenciado a amamentação em gestações anteriores ou não.
A impossibilidade de amamentar, imposta pelo diagnóstico de infecção pelo HIV, desencadeia implicações que vão além das barreiras imunológicas, afetando diretamente o exercício da maternidade, o vínculo mãe-bebê e a percepção de completude materna. Pinto et al. (2017) identificaram, em seus achados, que diversas mulheres expressaram receio quanto à qualidade do vínculo com o filho, além de preocupações sobre o desenvolvimento infantil e uma sensação de maternidade incompleta. No mesmo sentido, McLeish e Redshaw (2016) evidenciaram o esforço das mães para manterem sua identidade materna diante da necessidade de omitir, ou mesmo mentir, o motivo da não amamentação, como forma de evitar a revelação da soropositividade e, por consequência, o estigma social. Spindola et al. (2015) também relatam o sofrimento vivenciado pelas mulheres ao serem interpeladas sobre a ausência da amamentação, demonstrando como a pressão social interfere no bem-estar psíquico dessas mães. Alvarenga et al. (2019) observam que, na tentativa de proteger seus filhos da infecção pelo HIV, muitas mulheres renunciam ao desejo de amamentar, procurando mitigar o sofrimento emocional com o apoio familiar e, em alguns casos, através do afastamento físico temporário da criança.
Ainda segundo Spindola et al. (2015), estudos internacionais têm apontado mudanças nas diretrizes relativas à amamentação por mulheres vivendo com HIV. Em contextos nos quais há acesso seguro à TARV tanto para mãe quanto para a criança, a amamentação não tem sido sistematicamente contraindicada. A justificativa principal para essa abordagem é a ampla gama de benefícios do leite materno, como o fortalecimento do sistema imunológico, prevenção de doenças infecciosas e desnutrição, especialmente em regiões onde há elevada taxa de mortalidade infantil no primeiro ano de vida, escassez de fórmulas lácteas e falta de acesso à água potável. No entanto, o mesmo estudo ressalta que a aplicabilidade dessa recomendação permanece controversa, sendo responsabilidade das autoridades nacionais deliberarem sobre as diretrizes mais seguras em cada contexto. No Brasil, a normativa vigente preconiza o aconselhamento às mulheres vivendo com HIV quanto à não amamentação, sendo disponibilizada gratuitamente a fórmula láctea infantil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme assegurado pela Portaria GM/MS nº 2.313, de 19 de dezembro de 2002 (Alvarenga et al., 2019).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2018), mesmo diante da supressão da carga viral a níveis indetectáveis por meio da TARV, há registros de transmissão do HIV pelo leite materno. Dessa forma, os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas mantêm a recomendação de contraindicação à amamentação por mulheres vivendo com HIV, como medida preventiva de transmissão vertical.
O medo da transmissão vertical, além de motivar a interrupção da amamentação, também impacta diretamente o comportamento das mães no cuidado cotidiano com o filho, influenciando negativamente o vínculo afetivo. Diversos estudos identificam que esse temor pode levar à restrição de contato físico e manifestações de afeto, como beijos e abraços, por receio da contaminação da criança (Willcocks et al., 2016; Pinto et al., 2017; Payán et al., 2019; Hernandes et al., 2019; Pacheco et al., 2019). Willcocks et al. (2016) relatam que, em alguns casos, a ansiedade associada à possibilidade de transmissão resultou em atitudes de distanciamento materno, com limitações físicas e afetivas impostas pelas próprias mulheres.
Apesar do distanciamento inicial, o mesmo estudo observou que, ao longo do tempo, a relação mãe-filho pôde ser reconstruída. Algumas mulheres relataram o fortalecimento do vínculo após os primeiros 18 meses de vida da criança, motivadas por um sentimento de empatia, pelo fato de seus filhos também terem enfrentado intervenções médicas como exames e uso de medicamentos. Além disso, o reconhecimento materno do distanciamento precoce levou a ações conscientes e planejadas para recuperar e fortalecer o vínculo afetivo (Willcocks et al., 2016).
Outro fator agravante no enfrentamento da maternidade após o diagnóstico de HIV é a ausência de apoio conjugal. Segundo Andrade e Iriart (2015), muitas mulheres descobrem a soropositividade durante o pré-natal, por meio dos testes rápidos. Em diversos casos, seus parceiros, ao desconhecerem seu próprio estado sorológico, reagem com acusações, responsabilização e discriminação, culminando em episódios de violência, ruptura da relação ou abandono. Essa realidade evidencia que, para muitas mulheres, a maternidade será vivida de forma solitária, sem o suporte afetivo e prático do companheiro, o que agrava a sobrecarga física e emocional.
Um desafio adicional recorrente nos estudos analisados diz respeito à ansiedade gerada pela espera do diagnóstico da criança. De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2019), a detecção de anticorpos anti-HIV em crianças menores de 18 meses não é suficiente para diagnóstico definitivo, devido à presença de anticorpos IgG maternos transferidos por via transplacentária, especialmente no terceiro trimestre da gestação. Esses anticorpos podem permanecer circulantes por até 18 meses, sendo necessária a realização de exames específicos que detectem diretamente o material genético viral, como a quantificação da carga viral.
Estudos como os de Spindola et al. (2015) e Willcocks et al. (2016) mostram que este período de incerteza é vivenciado com angústia pelas mães. Algumas delas relataram manter a esperança de um resultado negativo para o HIV na criança, enquanto outras, temendo a frustração e o sofrimento de um diagnóstico positivo, optaram por não alimentar expectativas. Hernandes et al. (2019) destacam que, para muitas dessas mulheres, o nascimento de um filho saudável representa um importante fator de motivação para a continuidade do tratamento, funcionando como um símbolo de superação e redenção da culpa. No entanto, Pacheco et al. (2019) revelam que uma parcela significativa das mulheres diagnosticadas no pré-natal ou no momento do parto não aderiram ao tratamento antirretroviral, resultando em maior risco de infecção da criança. A confirmação do diagnóstico positivo nos bebês gerou nelas sentimentos de culpa e arrependimento. Os autores também ressaltam falhas no sistema de saúde, como o diagnóstico tardio e a ausência de orientações adequadas, o que evidencia a importância fundamental da atuação qualificada dos profissionais de saúde para a efetiva prevenção da transmissão vertical.
3. METODOLOGIA
Este estudo teve como objetivo investigar as principais dificuldades enfrentadas por mulheres portadoras do HIV no contexto da maternidade. Para isso, será adotada uma abordagem metodológica baseada em revisão bibliográfica, com foco em estudos qualitativos e quantitativos que abordem os aspectos psicossociais, emocionais, clínicos e sociais vivenciados por essas mulheres desde o planejamento da gravidez até o período pós-parto. A pesquisa foi fundamentada em uma análise ampla da literatura científica, incluindo artigos originais, revisões sistemáticas, estudos de caso e diretrizes clínicas pertinentes ao tema. A busca por publicações foi realizada em bases de dados especializadas, como SciELO, LILACS e PubMed, utilizando descritores como “HIV”, “maternidade”, “mulheres soropositivas”, “transmissão vertical”, “barreiras no pré-natal” e “preconceito”. Foram incluídos estudos publicados entre 2010 e 2024, redigidos em língua portuguesa, inglesa e espanhola, e a seleção seguiu critérios de relevância temática, rigor metodológico e contribuição para a compreensão das dificuldades enfrentadas por esse grupo.
Espera-se, ao final da pesquisa, oferecer uma análise aprofundada sobre os obstáculos que essas mulheres encontram ao exercerem sua maternidade, contribuindo para reflexões que possam subsidiar políticas públicas, práticas de saúde mais humanizadas e ações de enfrentamento ao estigma social associado ao HIV.
Para Gil (2002, p. 44), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
4. RESULTADOS
Com base nos estudos analisados nos tópicos 1.2 e 1.3, é possível identificar resultados significativos e realizar uma análise crítica sobre os desafios enfrentados por mulheres que vivem com HIV, especialmente no contexto da gestação e maternidade. Um dos aspectos mais delicados abordados na literatura refere-se à revelação do diagnóstico ao parceiro. Essa etapa é marcada por tensão emocional, medo da rejeição, rompimento de vínculos afetivos e até violência. Como demonstram Lingen-Stallard et al. (2016), embora a revelação possa possibilitar apoio afetivo e compartilhamento da responsabilidade pelo tratamento, ela também pode provocar reações negativas que agravam o sofrimento da mulher. A decisão de contar ou não sobre o diagnóstico está profundamente ligada ao medo do estigma, da exclusão social e da perda do controle sobre a informação. Em muitos casos, a mulher opta por ocultar sua condição, mesmo diante da necessidade de iniciar o tratamento antirretroviral, o que revela uma profunda ambivalência emocional (Andrade e Iriart, 2015; Hernandes et al., 2019).
Outro ponto crítico se refere ao sigilo profissional, que deve ser garantido pelos serviços de saúde. Apesar disso, há relatos de quebra de confidencialidade, fato que compromete a relação de confiança entre paciente e equipe de saúde, além de ampliar a exposição ao preconceito (Brasil, 2017; Lingen-Stallard et al., 2016). A ausência de apoio social e conjugal agrava a vulnerabilidade dessas mulheres, especialmente quando o diagnóstico é feito no prénatal, contexto em que o abandono pelo parceiro e a responsabilização pela infecção são frequentes (Andrade e Iriart, 2015). Nessas situações, a maternidade acaba sendo vivida de forma solitária, sem suporte emocional, afetivo ou prático, o que aumenta a sobrecarga física e psicológica da mulher.
No contexto da maternidade, o diagnóstico de HIV impõe desafios adicionais que exigem uma reorganização da vida. Mulheres diagnosticadas durante a gravidez ou o parto tendem a apresentar maior sofrimento emocional, pois enfrentam, simultaneamente, a adaptação à maternidade e à condição de soropositiva (Lewandowski, 2017; Hernandes et al., 2019). A vivência da gestação, embora em alguns casos seja percebida como positiva, especialmente entre mulheres já diagnosticadas anteriormente, também pode ser atravessada por sentimentos de culpa, insegurança e medo da transmissão vertical. Nesse sentido, a prevenção da transmissão do HIV ao bebê torna-se uma prioridade imediata, com início da terapia antirretroviral (TARV), definição da via de parto e proibição da amamentação (Brasil, 2018).
A impossibilidade de amamentar é um dos aspectos mais dolorosos da maternidade para mulheres vivendo com HIV. Diversos estudos revelam que a amamentação é vista como um momento de expressão máxima do vínculo materno, e sua proibição representa uma ruptura simbólica com o ideal cultural da maternidade (Mesquita et al., 2019; Pinto et al., 2017; Willcocks et al., 2016). Muitas mulheres sofrem por não poder amamentar, sentem-se incompletas como mães, e vivem o medo constante da exposição de sua sorologia ao serem questionadas sobre a ausência da amamentação. Além disso, o medo de infectar o filho também interfere no contato físico e nas manifestações afetivas, levando, em alguns casos, ao distanciamento emocional da criança (Pinto et al., 2017; Payán et al., 2019; Willcocks et al., 2016).
Apesar desses desafios, há também relatos de superação e reconstrução do vínculo afetivo ao longo do tempo. Algumas mães, motivadas pela empatia com os filhos, que também enfrentam exames e medicamentos, buscam formas de fortalecer a relação, mesmo após períodos de distanciamento (Willcocks et al., 2016). A adesão à TARV é frequentemente impulsionada pelo desejo de proteger o bebê e garantir seu bem-estar. No entanto, o uso dos antirretrovirais também está associado a preocupações com efeitos colaterais e possíveis impactos no crescimento fetal. Estudos como os de Leite et al. (2019) apontam correlação entre o HIV, a TARV e o aumento da incidência de prematuridade e baixo peso ao nascer.
O momento posterior ao nascimento também é marcado pela ansiedade em relação ao diagnóstico da criança. Como os anticorpos maternos podem permanecer no organismo do bebê até os 18 meses, a confirmação do diagnóstico exige testes moleculares específicos e aguardar por esse resultado é uma fonte constante de angústia (Spindola et al., 2015; Brasil, 2019). Algumas mães mantêm a esperança de um diagnóstico negativo, enquanto outras preferem não criar expectativas para evitar frustrações. O nascimento de um filho saudável, por outro lado, é percebido por muitas mulheres como um símbolo de superação e motivação para continuidade do tratamento (Hernandes et al., 2019). Contudo, em situações de diagnóstico tardio ou falhas no acolhimento e orientação, o risco de transmissão aumenta, e a confirmação do HIV na criança gera sentimentos de culpa e arrependimento, como relatado por Pacheco et al. (2019).
De modo geral, os resultados revelam que o diagnóstico de HIV durante a gestação ou no período puerperal desencadeia uma série de desafios emocionais, sociais e clínicos, que afetam profundamente a experiência da maternidade. A análise crítica dos estudos evidencia que os impactos vão além da questão médica: envolvem a construção de uma nova identidade materna, atravessada pelo estigma, pelo medo, pela solidão e pela luta diária por aceitação e proteção do filho. Embora o acesso à TARV e às políticas públicas de prevenção da transmissão vertical representem avanços significativos, ainda há falhas na abordagem humanizada do cuidado, na orientação adequada e na proteção contra a discriminação.
É essencial que os profissionais de saúde estejam preparados não apenas tecnicamente, mas também emocionalmente para acolher essas mulheres, respeitando suas vivências e subjetividades. A construção de estratégias de apoio psicológico, fortalecimento das redes sociais e familiares, bem como a garantia do sigilo e da empatia no atendimento, são medidas fundamentais para que a maternidade, mesmo diante do HIV, possa ser vivida com dignidade, segurança e afeto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão integrativa de literatura, teve como objetivo sintetizar o conhecimento produzido na literatura científica nos últimos cinco anos (2015 a 2020), acerca do impacto do diagnóstico do HIV na gravidez ou pós-parto e seus efeitos na vida das mulheres.
Este estudo enfatiza a relevância de compreender as múltiplas dificuldades enfrentadas por mulheres portadoras do HIV no exercício da maternidade. Através da revisão bibliográfica, foi possível identificar que, apesar dos avanços científicos no controle da transmissão vertical e no acesso ao tratamento antirretroviral, persistem barreiras significativas de ordem emocional, social e estrutural. Entre os principais desafios destacam-se o estigma social, o medo da rejeição, o julgamento moral, a desinformação e as falhas no acolhimento por parte dos serviços de saúde. Esses fatores impactam diretamente o planejamento reprodutivo, o acompanhamento pré-natal e o vínculo entre mãe e filho.
Constata-se, portanto, a necessidade urgente de promover práticas de cuidado mais humanizadas, embasadas em uma abordagem interprofissional e centrada na escuta qualificada. Além disso, reforça-se a importância da formação continuada dos profissionais da saúde, da ampliação das políticas públicas inclusivas e da promoção de campanhas educativas que combatam o preconceito e garantam os direitos reprodutivos dessas mulheres. Espera-se que este trabalho contribua para o fortalecimento do debate acadêmico e para a formulação de estratégias mais eficazes de apoio à maternidade entre mulheres vivendo com HIV.
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