MULHERES MACHADIANAS EM “MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS”: ENTRE O MATRIMÔNIO E A PROSTITUIÇÃO NO SÉCULO XIX

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202506302048


Maria De Lourdes De Souza1; Maria Dilmária Do Nascimento Lima2; Maria Silmara Bezerra De Assis Bispo3; Vanderléia De Lira Lopes4; Kathiane Oliveira Diniz5; Josefa Janeide Miroro Do Nascimento6; Maria Joecilde De Souza Nunes Santos7; Auriélia Coelho Isaque Floriano8; Cláudio Alencar9


RESUMO

O presente trabalho busca analisar a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, a fim de demonstrar as críticas presente na narrativa aos hábitos das mulheres e de uma sociedade burguesa do século XIX. Esse artigo focou-se no estudo das figuras machadianas Virgília e Marcela a fim de se observar como se tornam personagens representativas de mulheres que contradizeram um sistema patriarcal. Neste sentido, busca-se compreender a relevância da figura feminina no romance, abordando personagens machadianas ambiciosas. Assim, este projeto desenvolverá uma análise comparativa entre a figura machadiana e a mulher do século XIX, com base na construção das personagens Virgília e Marcela. Dito isto, este projeto irá se fundamentar com base nos estudos de: Antônio Candido (2001), José Aderaldo Castello (1969), Afrânio Coutinho (2004), Stuart Hall (2000), Simone de Beauvoir (2009), João Décio (1986) Roberto Schwarz (19990) Ribeiro (2008). Sobre aspecto metodológico, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico e de caráter qualitativo, abordando o tema de modo explicativo e descritivo. Assim, este trabalho faz uso de um assunto que apesar de ter sido retratado em obras do século XIX, tem grande repercussão no contexto atual, por possibilitar a novos pesquisadores novos conhecimentos sobre o assunto, aguçando uma reflexão acerca da mulher atuante no cenário masculino, que mesmo sendo reconhecida por suas falhas, tem a capacidade de conseguir o seu lugar na sociedade mesmo que seja por um matrimônio ou mesmo que para isso, precise sacrificar-se de alguma forma. Acredita-se que esse estudo irá proporcionar aos alunos do Ensino Médio e aos universitários uma problematização a respeito da prostituição e adultérios, retratados nas obras literárias.

Palavras-chave: Sociedade Patriarcal.  Mulheres machadianas.  Prostituição.  Adultério.

ABSTRAT

The present work seeks to analyze the work “Posthumous Memories of Brás Cubas” by Machado de Assis, in order to demonstrate the criticisms present in the narrative to the habits of women and a bourgeois society of the nineteenth century. This monograph focused on the study of the Machadian figures Virgília and Marcela in order to observe how they become representative characters of women who contradict a patriarchal system. In this sense, it is sought to understand the relevance of the female figure in the novel, approaching ambitious Machado characters. Thus, this project will develop a comparative analysis between the Machadian figure and the woman of the nineteenth century, based on the construction of the characters Virgília and Marcela. This will be based on studies by Antônio Candido (2001), José Aderaldo Castello (1969), Afrânio Coutinho (2004), Stuart Hall (2000), Simone de Beauvoir (2009), João Décio (1986)) Roberto Schwarz (1999) Ribeiro (2008). Regarding methodological aspects, a bibliographical and qualitative research was carried out, approaching the subject in an explanatory and descriptive way. Thus, this work makes use of a subject that although it was portrayed in works of the nineteenth century, has great repercussion in the current context, for enabling new researchers new knowledge on the subject, sharpening a reflection about the woman acting in the male scenario, that even though it is recognized for its failures, it has the capacity to achieve its place in society even if it is through a marriage or even if it requires sacrificing itself in some way. It is believed that this study will provide students in high school and university students with a problem regarding prostitution and adulteries portrayed in literary works.

Keywords: Patriarchal Society. Machado women. Prostitution. Adultery.

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende discutir a constituição dos perfis da cortesã e da adúltera em “Memórias de Brás Cubas”, observando como traços da figura feminina machadiana articulam-se os aspectos próprios a mulher do século XIX.  Assim, essa esta busca estabelecer uma análise estética do romance, contemplando também aspectos sociais, recriados dentro dele.

O objetivo principal deste trabalho é estudar a construção do feminino na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas e, mais precisamente, a constituição do perfil da cortesã e da adúltera na narrativa. Para tanto, baseia-se nos seguintes objetivos específicos: identificar na obra os preconceitos referentes à mulher na sociedade patriarcal do século XIX, observar como o matrimônio e o adultério são recriados   no romance e analisar a construção dos hábitos e valores morais das personagens machadianas em relação às vivências da mulher burguesa. Assim, todos esses objetivos se articulam para responder ao seguinte problema: Como se realizou a ação feminina numa perspectiva machadiana de uma sociedade burguesa do século XIX?

Dessa forma, este artigo é realizada com base na pesquisa de cunho qualitativo bibliográfico, no intuito de demonstrar que para a realização dessa pesquisa, foi necessário ser feito um levantamento em relação às referências teóricas que abordassem o contexto histórico da mulher burguesa do século.  Por isso, esse trabalho é de cunho qualitativo, por não se preocupar com quantidade numérica, e sim, com abordagens que visam à compreensão mais aprofunda de um determinado do universo feminino na obra de Machado de Assis.

Este projeto, portanto, estrutura-se da seguinte forma. É dividido na parte teórica que se estende em três capítulos e seis subcapítulos.

O primeiro capítulo, um estudo teórico sobre a literatura machadiana como representativa da vivência da mulher do século XIX, é um estudo teórico sobre a literatura machadiana como representativa da vivência da mulher do século XIX, cujo objetivo busca compreender como na obra de Machado de Assis podem-se observar aspectos próprios à vivência da mulher deste século. Este capítulo é formado por subcapítulos, referentes à relevância da obra machadiana como representação dos hábitos das mulheres do século XIX. A intenção é demonstrar ao leitor como as mulheres machadianas se contrapuseram às mulheres da vivência do século XIX.

O capítulo dois, “uma análise comparativa entre as figuras femininas de Machado de Assis e a mulher do século XIX”, que se baseia numa análise comparativa entre as figuras femininas de machado de Assis e a mulher do século XIX. Seu objetivo é demonstrar como a figura feminina representada em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” foram fontes para um discurso de contestação em relação à sociedade da época. Assim, no subcapítulo, “Uma reflexão sobre a relevância e uma discussão de identidade na literatura” que se objetiva analisar a mulher machadiana e a sua relação com um discurso patriarcal. Enquanto o subcapítulo “Dualidade identitária das personagens femininas de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’”, irá abordar temas sobre as personalidades das personagens na obra, buscando discutir o comportamento humano.

Por último o terceiro capítulo “A relevância das personagens Cortesã e Marquesa em ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas” onde o foco desse capítulo é demonstrar como essas figuras machadianas tornaram-se exemplos de pessoas morais ou imorais na obra. Dito isto, essa divisão feita nos seguintes subcapítulos. O primeiro subcapítulo retrata a “Ambiguidade de Virgília dentro do casamento”, apresentando a sua dualidade de personalidade. O segundo subcapítulo, é sobre a “Representação da prostituta Marcela, no papel de uma cortesã espanhola”  onde o foco é descrever o papel relevante da personagem na descoberta sexual de  Brás Cubas.

Portanto, o presente trabalho pretende ter uma relevância acadêmica e social, à medida proporciona um estudo da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” que estabelece uma articulação entre história e literatura, buscando desvendar a participar ativa da mulher no contexto social do século XIX. Nesse sentido, o referente estudo irá abordar uma temática contemporânea pois as figuras de Marcela e Vigília são muito atuais na sociedade conservadora e hipócrita daquela época.

CAPÍTULO 1- UM ESTUDO TEÓRICO SOBRE A LITERATURA MACHADIANA COMO REPRESENTATIVA DA VIVÊNCIA DA MULHER DO SÉCULO XIX

O presente trabalho busca compreender como na obra de Machado de Assis podem-se observar aspectos próprios à vivência da mulher do século XIX. Por isso, são observados pontos de convergência e divergência entre as personagens femininas ao longo da trajetória do autor como romancista.

1.1 A relevância da obra machadiana como representação dos hábitos das mulheres do século XIX

A Obra machadiana define-se por estabelecer uma crítica à sociedade burguesa brasileira do século XIX. Em seus romances, as mulheres abandonam o predominante papel de submissão próprio aos lares burgueses e tornam-se atuantes e importantes no cenário de um Rio de Janeiro em urbanização. Machado de Assis, assim, reformulou em sua obra a função das mulheres na sociedade, minando comportamentos femininos engessados por um discurso patriarcal.  Pretende-se, desta forma, demonstrar ao leitor como as mulheres machadianas se contrapuseram às mulheres da vivência do século XIX.

Machado de Assis era reconhecido por muitos pelo ser intelecto e por priorizar o seu ato humanitário e social. Antes mesmo de recriar os costumes das mulheres segundo um ponto de vista diferenciado, colocava a sua sensibilidade e inteligência à frente para, assim, criticar aqueles que não aprovam ou repudiava.Como afirma Antônio Candido (2011, p. 16):   

Se analisarmos a sua de Machado de Assis carreira intelectual, verificaremos que foi admirado e apoiado desde cedo, e que aos cinquenta anos era considerado o maior escritor do país, objeto de uma reverência e admiração gerais, que nenhum outro romancista ou poeta brasileiro conheceu em vida, antes e depois dele.

Entretanto, Machado de Assis passou por um processo de transformação de “dentro para fora”.  Como afirma o próprio Machado (ASSIS, 2013, p.432-433):

Homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no seu espaço. […] para ser do seu tempo e do seu país, reflita certa parte dos hábitos externos, e das condições e usos peculiares da sociedade em que nasce.

Para o autor, o mundo deveria ser observado com mais clareza. O escritor, então, deteve-se a estabelecer críticas aos acontecimentos da época. Foi assim que esses fatos se reluziram no estilo de linguagem de suas obras, tornando-lhe original e universal.

Como diz Candido (1999, p.53) a sua obra “tem, sobretudo, a possibilidade de ser reinterpretada à medida que o tempo passa, porque, tendo uma dimensão profunda de universalidade, funciona como se se dirigisse a cada época que surge“ e a “despreocupação com as modas dominantes” (CANDIDO, 2011, p.22)”. Já José Aderaldo Castello (1968, p.30) afirma que Machado de Assis “acentua, na criação artística, o essencial e o eterno como expressão do espírito e do destino humano.”

No entanto, em uma época marcada por obras indianistas e estilos falsos, Machado de Assis não se deixava levar pelos parâmetros dos outros. A sua atitude de contestação era perceptível e a sua nacionalização também. Segundo Castello (1969, p.33) evidentemente, que ele não poderia aceitar o “Realismo-Naturalismo em todo o seu fundamento ou extensão.

Aceitaria o princípio estético básico do realismo, segundo o qual nenhum motivo proibido em arte, mas não reconheceria os processos da sua aplicação”. Ele preocupou-se em retratar em suas obras modelos que fugiam da prática de execução realista na linguagem.  Como se nota no trecho abaixo:

“A concepção de romance em Machado de Assis. Certamente ela não é formulada abrupto, mas resulta de uma experiência que se desdobra até Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando eclode a maturidade do escritor […]. No seu momento, o que predominava na concepção do romance era a esquematização do enredo, a composição de uma tessitura dramática apoiada a uma história com princípio desenvolvimento e fim.”  (CASTELLO, 1969, p. 34.)

Diante dos fatos, resumiu Antônio Candido: sua “ironia fina”, seu “estilo refinado”, suas “alusões”, seus “eufemismos” não chocavam.  Ao contrário dos naturalistas, a moral familiar, mais ainda “lisonjeava o público mediana, dando-lhes o sentimento de que eram inteligentes a preço módico”. (CANDIDO, 2004, pp. 18-19). Isso pode ser observado no fragmento:

A ambição e o clima das situações e reações configuravam-se objetivamente, com poder sobrepujante e limitador. No caso romântico ou no realista avultavam o homem e o seu comportamento equacionado com a sociedade ou com o meio. Dava-se excessivo relevo tanto à passagem física quanto à passagem social, donde a acentuada preocupação documentária e mesmo o interesse sociológico que nos oferece romance do século XIX. (CASTELLO,1969, p.34)

Assim, nas obras de Machado de Assis, os personagens principais sempre causavam impacto, pois a contestação era um fator que incomodava a sociedade. Isso já é observado na composição das protagonistas da dita fase romântica.  

Concebe-se o protagonista em face de situações esquematizadas ou com estereótipo de relações e conflitos humanos e sociais. No Romantismo, principalmente durante as primeiras manifestações do romance, o protagonista biparte-se nas categorias de herói e vilão, ou de bem e de mal, convergido para a justiça punitiva e reparadora. (CASTELLO,1969, p.35)

A transformação da abordagem das personagens femininas românticas já pode ser observada na obra “A Mão e a Luva”. Nela, há a apresentação de um comportamento calculista de Guiomar que pretende contrair matrimônio, focado na escolha de um esposo que tivesse uma profissão promissora. Por outro lado, ainda possui traços românticos como almejar amar o conjugue. Neste caso, apesar da ambição da protagonista, ela ainda pode ser considerada uma heroína de folhetins românticos. O comportamento romântico da personagem é descrito no desfecho do romance:  

“Em tais condições, as ambições que se encontram podem legitimar e harmoniosamente se associarem no amor. Mas então o amor se faz conduzindo muito mais pela vontade conscientemente dirigida do que pelos impulsos espontâneos. É a Mão e a Luva.” (CASTELLO,1969, p.100)

Outro romance relevante na primeira fase do Romantismo é “Helena” que retrata o Brasil do século XIX, abordando o seu momento histórico, político e econômico. Considerada por muitos como heroína romântica, Helena representa o estereótipo da mulher “bastarda” numa sociedade elitizada. A narrativa conta a experiência da protagonista em sair da “sombra” de um lugar de minoria, passando a ser “aceita” pela “nova família” por conta de um testamento que é favorecida.  

A obra está em conformidade com o Romantismo Clássico marcado por finais trágicos. Enfatiza a dissimulação da personagem que apresenta uma vida dupla, ou seja, uma trajetória de oscilações entre o sentimento real e o falso.  Assim. Machado de Assis estabelece uma crítica às máscaras humanas, comuns numa sociedade burguesa. E Helena tenta incorporar essa máscara de uma vida de aparências, mas acaba sucumbindo e morrendo por amor, quando esta essa mesma máscara é retirada pelo amado que ela fingia ser seu irmão. Como afirma Castello (1969, p.104): “desfaz-se na morte reparadora, deixando translúcida a imagem da sua consciência e do seu coração”. Afrânio Coutinho (2004, p.24) também tem comentários esclarecedores sobre a obra:

Sua obra é dominada pelo senso estético, pelos valores estéticos. O que nela predomina não é a preocupação social, sem embargo de estar presente a imagem do social, a sociedade do seu tempo (…). Mas, a realidade, o meio, para ele, constituía apenas a base, a matéria-prima que, à imagem de todos os grandes artistas, ele transfigurava e transformava em arte. Para ele, a verdade histórica existia para ser transmutada em verdade estética.

Por outro lado, Memórias Póstumas de Brás Cubas é um divisor de águas na elaboração romanesca de Machado de Assis. Inicia-se o ciclo de memorialista dentro de sua fase romântica. Nele, o autor define o conceito de defunto-autor que serve ao propósito de realização do projeto realista da busca de um olhar imparcial do autor. Como afirma Castello (1969, p.18-19):

Memórias Póstumas de Brás Cubas como marco da passagem de experiência inicial da maturidade. […] Demonstrou conhecer a doutrina dos românticos, realistas-naturalistas, parnasianos, bem como lição dos clássicos. Definiu-se então numa posição independente, mas de tal forma que a obra do ficcionista, com as qualidades que contribuem para a sua projeção na posteridade, apresenta todas as gradações do romance brasileiro do século XIX, inclusive o enraizamento histórico apoiado na tradição da língua.

Por estar morto, Brás Cubas traz pra si a maior liberdade para contar a sua vida. Logo, não poderia sofre punições sociais pelo que viesse a escrever. Por isso, Há uma realização de um autor que escreve o seu livro depois de morto, para contar suas memórias seletivas, apagando ou ressaltando determinados aspectos da vida dele. A partir do momento que as memórias associam às lembranças, a imagem e a imaginação, elas podem ser produto de ficcionalidade, estando vulneráveis ou não. 

            Como ainda diz Castello (1969, p.120):

Memórias Póstumas de Brás Cubas, a sucessão e a acumulação de episódios selecionados, fixados antes pela análise do que pela exposição. Exprimindo uma experiência considerada em si mesmas, cada um deles por ser isolado sem prejuízo da sua unidade partículas. São autônomos, mas ao mesmo tempo, se aglutinam por justaposição, para englobar uma realidade, em virtude de derivarem do mesmo foco de visão e a ele se subordinarem.

Dessa forma o livro se concretiza como um “romance analítico” em que o autor apresenta os fatos de sua vida para melhor analisar não só a si mesmo, mas a classe burguesa da qual fez parte e a humanidade, estabelecendo uma forte crítica e existencial. 

Dom Casmurro é também um romance memorialista. É narrado em primeira pessoa por um personagem-autor, sendo conhecido como o “romance da dúvida”. O livro gira em torno do objetivo do narrador reativar o ideal afetivo ou da ilusão que se perdeu em um dado momento. Assim, Castello (1969, p.150) comenta:

O romance exprime conflita atroz e insolúvel entre a verdade subjetiva e as insinuações de alto poder de infiltração, gerados por coincidências, aparências e equívocos, imediata ou tardiamente alimentados, por intuições. Daí o deslocamento entre ângulos opostos, mas justapostos, de visão da realidade objetiva e de revisão da realidade subjetiva.

O livro se estrutura por memórias subjetivas de um homem apoderado pelo ciúme por conta da “dissimulação” da esposa, já revelada na juventude. Assim, o livro gira em torno de Capitu, definido como “a ambição calculada e a dissimulação pronta, rápida e segura” (CASTELLO,1969, p.152). Sendo estereotipada como mulher formosa, livre e que governa a própria vida, Capitu realiza-se como uma pessoa moral, à medida que demonstra uma psique humana complexo, cujo caráter é caracterizado pelo mistério.

A dúvida do texto é que realizado por um narrador-personagem cujo extremo ciúme acaba por produzir uma adúltera realizada por indícios, alimentados pela dissimulação e ambição feminina que acabam por estereotipar a mulher como falha em suas condutas morais e conjugais. E essas são uma das características bem marcantes das mulheres machadianas.

A obra de Esaú e Jacó é uma narrativa baseada em ódio e contestação. Os gêmeos Pedro e Paulo são diferentes no temperamento e na impulsividade. A personagem Flora (CASTELLO, 1968, p.162) “surgirá como espelho e vítima inconsciente desse conflito involuntário. E a configuração do mundo afetivo da jovem repousa no ideal amoroso da síntese dos dois irmãos.” Com o sentimento em constante oscilação pelos dois irmãos, a personagem teria que sofrer por escolher sobre a individualidade de cada um de maneira inconsciente e não consciente. Desse modo, a personagem Flora é um marco para obra machadiana, pois se ela decidisse sobre Paulo ou Pedro, perderia o encanto na obra.

Impossível ao mesmo tempo uma Flora satisfeita com o seu noivo e um Machado de Assis dormindo sobre a cama boa das certezas (…) Para Flora, os dois astros incompletos eram Pedro e Paulo. Para Machado de Assis toda a função do pensamento consistia nessa oscilação, nessa neutralização de duas forças iguais e contrárias (MEYER, 1952, p.42).

Por não se decidir sobre quem dos dois escolher, Flora, acaba sendo qualificada por muitos críticos como uma personagem machadiana louca, tornando um personagem com densidade psicológico e sendo o ponto para a construção dos gêmeos, além de se tornar o motivo principal das possíveis desavenças e desentendimentos de ambos.  Porém, nem mesmo a sua morte, foi capaz de trazer calmaria para os dois e mudança de caráter e personalidade.

Ela [Flora], que deve identificar-se com uma ou com outra, se sentiria reduzida à metade se o fizesse, e só a posse das duas metades a realizaria; isto é impossível, porque seria suprimir a própria lei do ato, que é a opção. Simbolicamente, Flora morre sem escolher (Cândido, 2004:26).

Memorial de Aires continua seguindo os passos do realismo machadiano por ser escrita em primeira pessoa e narrada pelo Conselheiro Aires, no formato memorialista. Diferente das outras obras machadianas, “Memorial de Aires, seria a da perfeição buscada e alcançada. É caracterizada no personagem-memorialista pela superior serenidade interior, repousada no respeito, na compreensão e complacência.” (CASTELLO,1969, p.130). É nela que é encontrada equilíbrio da vida afetiva com a vida moral e o possível amadurecimento de Machado de Assis ao apontar o Conselheiro Aires:

“A convicção intima que ele amadurece, progressivamente com raízes nos próximos contos, crônicas, romances, etc…, converge para a posição superior do Conselheiro de Aires que final e definitivamente nos empresta o ângulo de visão daquele império da incomunicabilidade e da solidão e sugere a possibilidade do homem conciliar-se com a sua própria condição.” (CASTELLO, 1969, p.164)

Nesta Obra, a mulher recebe uma conotação positiva que já foge à perspectiva realista machadiana, pois as personagens seguem o modelo tradicional de mulher fiel e amorosa. Em seu diário, Aires descreve os acontecimentos das personagens que foram marcados por ternura e choros de amor.

“O que avulta são as sugestões oferecidas no Memorial de Aires pelo casal Aguiar e pelo consórcio da viúva Fidélia com Tristão. O ultimo é o começo que se dá ao fluir da ilusão, o primeiro é o seu ciclo já preenchido harmoniosamente.” (CASTELLO 1969, p.165)

É de acordo com esses teóricos e obras de Machado de Assis que percebemos a abrangência e a riqueza dos seus passos até o amadurecimento do escritor, pois as transformações das suas obras surgiram de formas cronológicas. No entanto, embora as mulheres da prática fossem diferentes das mulheres Machadianas ficcionais, não tem como não reparar nas críticas que todas as suas obras traziam. Em Helena, trouxe a ambição e o uso de máscaras como tragédia de um romance clássico; em A Mão e a Luva, Guiomar foi uma personagem calculista e que se colocava em primeiro lugar, atestando um romance de liberdade e não prisional; Capitu, com a sua dissimulação e o presente “adultério” narrado por Bentinho e por fim as mulheres retratadas em Memorial de Aires, as que não seguiam o modelo Machadiano e foram bem tradicionais no quesito amor e fidelidade.

CAPÍTULO 2 – UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS FIGURAS FEMININAS DE MACHADO DE ASSIS E A MULHER DO SÉCULO XIX

O capítulo a seguir busca fazer uma reflexão sobre as figuras femininas presentes na obra de Machado de Assis em consonância com as vivências da mulher do século XIX. Nesse aspecto, o foco será demonstrar como a figura feminina representada na obra serviu de base crítica e contestação para a sociedade da época.

2.1 Uma reflexão sobre a relevância e uma discursão de identidade na literatura

Sabe-se que a Identidade é uma extrema busca de transição. Não é estética, mas sim uma construção. À medida que o tempo passa os indivíduos contribuem para a construção de sujeitos, numa relação de influências contínuas. Nesse processo, Machado de Assis realizou uma obra, marcada por uma nova representação da figura feminina. Assim, essa subcapítulo objetiva analisar a mulher machadiana e a sua relação com um discurso patriarcal. Segundo Stuart Hall (2000, p.39):

Ao invés de falar de identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação e vê-la como um processo em andamento. A identidade não surge apenas da plenitude da identidade que está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através nos imaginamos ser vistos por outros. 

Nesse sentido, a identidade é definida como um processo. Durante o seu processo de construção identitária, os sujeitos sempre se apoderam de novos valores, fornecidos por relações sociais com outros indivíduos. Assim, a identificação é um processo que acarreta uma constante variabilidade dos sujeitos. É nisto que se enquadra a “identidade relacional”, pois, como o nome já diz, está de acordo com as relações de aceitação ou de exclusão entre os indivíduos.  

De acordo com Castells (2004 apud SOUZA, 2012), “toda identidade é uma construção social e cultural que ocorre sempre em contextos marcados por relações de poder”. Foram nestes aspectos que Machado de Assis fundamentou as suas obras, pois, o papel feminino em seu enredo foi enaltecido e elevado por personagens atuantes e importantes, enquanto o papel masculino, muitas vezes, era coadjuvante.  Segundo Rutherford (1990, p.19-20) “a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora […] a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação”. E sobre essas relações, ainda explica:

Identidade é a fonte de significado e experiência de um povo. […] No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado (CASTELLS, 2002, pág. 22).

A formação da identidade ocorre também como algo pessoal, pois na modernidade ela não se torna fixa, mas plural. É o que acontece com as identidades sociológicas. Logo, observa-se uma classe dominante e determinante de outras classes nas relações identitária:

A consciência de que o núcleo interior do sujeito não era autônomo e suficiente, mas era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’, que mediavam para os sujeitos, valores, sentidos e símbolos- a cultura- dos mundos que ele/ela habitava.  (HALL, 2000, p.11).

Levando em consideração esses dados, nota-se que em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, a classe social dominante era a patriarcal. Porém, isso não foi um obstáculo para as personagens femininas Marcela (a prostituta de luxo) e Virgília (a adúltera). Acredita-se que eram personalidades móveis, tal qual é explicado por Hall (1999, p.13):

 A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (..). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

Partindo desse pressuposto, percebe-se que a Identidade feminina sofreu um processo de transformação já no século XIX, marcado por uma guerra de conflitos culturais, políticos e econômicos. Nessa época, a mulher só tinha uma função, servir pai, marido e, por conseguinte, a sociedade.  Desde muito nova, a mulher seria treinada para ser modelo de “esposa perfeita para o marido”. Para isso, deveria  ser adestrada  para exercer o papel de “boa esposa” e  de “boa mãe”.  Assim, aprenderia os dotes de uma “mulher do lar” que se conforma a ter funções domésticas bem estabelecidas: costurar, cozinhar e tocar algum instrumento.  

O homem está para a mulher como a mulher para a criança; ou o poder para o ministro como o ministro para o súdito”, escreve Bonald. Assim, o marido governa, a mulher administra, os filhos obedecem. O divórcio é naturalmente proibido e a mulher é confinada ao lar. As mulheres pertencem à família e não à sociedade política, e a natureza as fez para as tarefas domésticas e não para as funções públicas afirma ainda Bonald […] (BONALD, Data apud BEAUVOIR, 2009, p.167).

Esse tipo de comportamento é influenciado por um discurso patriarcal. Segundo Barreto (2004, p.64), nesse sistema há “uma autoridade imposta institucionalmente, do homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização da sociedade, da produção e do consumo, da política, à legislação e à cultura.” Esse poder era exercido pelo homem, que não necessariamente seria apenas imposto à mulher, mais que também, a qualquer classe desfavorecida. Como afirma Sérgio Buarque de Hollanda (1981, p.49), o patriarcalismo no Brasil se acentua no domínio rurais onde a “família é organizada segundo normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas na Península Ibérica através de inúmeras gerações, que prevalece como base de toda a organização brasileira”. Nesse sistema, a mulher transitaria de uma casa para outra. Isso também aconteceria de uma mão para outra.

[…] O privilégio econômico detido pelos homens, seu valor social, o prestígio do casamento, a utilidade de um apoio masculino, tudo impele as mulheres a desejarem ardorosamente agradar aos homens. Em conjunto, elas ainda se encontram em situação de vassalas. Disso decorre que a mulher se conhece e se escolhe, não tal como existe para si, mas tal que o homem a define. Cumpre-nos, portanto, descrevê-la primeiramente como os homens a sonham, desde que ser para os homens é um dos elementos essenciais de sua condição concreta (BEAUVOIR, 2009, p.203).

No entanto, quando se fala em “mulher realista”, é notória a transição do papel feminino para a vivência da mulher daquela época, pois, essa figura nas obras de Machado se sobressai por transitarem de uma postura de submissão para um papel de maior importância na própria constituição das relações matrimoniais. Como afirma João Décio (1986, p.46) “as figuras femininas mudam radicalmente de sentido para se afirmarem como caracteres mais integrais e por isso mesmo mais humanos.” Contudo, além de serem atuantes nesse cenário, as narrativas de Machado não retratam atos de punição quando a mulher impõe a sua vontade sobre valores impostos a ela pela sociedade. Como afirma João Décio (1986, p. 47) que Capitu do Dom Casmurro, Virgília de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Sofia do Quincas Borba constituem novidades como figuras literárias, mas novidades no sentido autêntico, mulheres diferentes de todas as outras surgidas em romances brasileiros anteriores e contemporâneos.

A figura feminina é representada nos romances de Machado de Assis como personagens principais. O gênero masculino que antes era considerado por muitos, padrão, é substituído em Machado de Assis pela mulher: corajosa, determinada e ambiciosa. Assim, Décio afirma que (1986, p.48) o “instinto parece representar nos tipos femininos do romance realista de Machado, o principal fator que leva a mulher a atos menos enobrecedores do caráter, já que, como dissemos, não há o ato punitivo para as mulheres.”

O escritor utilizou de arquétipos para construção das suas personagens e as recriou como representação dos atos sociais e econômicos registrados na época. Dito isto, não deixou de demostrar em suas narrativas que o amor idealizado ficou para trás, imperando agora o “amor convencional”. Essa passa a ser o sentimento burguês que dava às personagens machadianas poder e ascensão social, deixando de serem prisioneiras do seu marido por questões financeiras. E assim, em suas narrativas, o adultério era bastante cometido.

Em Quincas Borba, o adultério está latente em Rubião e Sofia, mas não consegue se impor, mais por vacilação da segunda que do primeiro. O romancista traça a heroína dentro de uma linha que conduziria àquele ato, não fosse a dubiedade na ação. O fato, todavia, dela não consumar o ato, não lhe confere qualquer grandeza moral. Em intenção ela adulterava com outro também, veja se, para confirmar o que dizemos sua atitude com relação a Carlos Maria. (DÉCIO,1986, p.48)

As narrativas de Machado de Assis eram marcadas por personagens femininas que não se enquadravam na sociedade tão facilmente, já que “obedecer” a algumas regras não fazia parte da conduta da mulher machadiana. Um exemplo é a protagonista Capitu em “Dom Casmurro”. Segundo Meyer (1986, p.22), a protagonista “é profundamente mulher, sem dúvida, mas é, sobretudo profundamente viril pela energia intorcível, pela audácia pertinaz, pelo senso da ação, por saber ser em tudo e por tudo o conquistador e não a conquistada”. Enquanto Bentinho, por mais que seja o narrador da história, acaba sendo apenas um personagem, já que é Capitu quem conduz toda ação. Ainda conforme Meyer (1986, p. 222), Capitu “também empreendeu a conquista das Gáleas com as armas femininas de que dispõe nessa luta surda entre a ambição e os preconceitos sociais”. Já Eugênio Gomes (1967, p.102) afirma:

Submeti da a um processo sagacíssimo de despersonalização, que duplica os atrativos da mulher incorporando-a, simultaneamente com o mar, ao mito do Eterno-Feminino. A metáfora-adjetivo – “olhos de ressaca” – tem, afinal, efeito preconcebido sobre a psicologia de Capitu muito característico da realidade oscilante da obra, produto de uma imaginação que o pseudo-autor designa com outra metáfora da mesma filiação: “égua ibera”. E ambas as metáforas são inteiramente responsáveis pelo subjetivismo tendencioso e unilateral disseminado por toda a narrativa.

Assim, a narrativa é marcada entre o ciúme e o amor de Bentinho pela amada, entre o excesso de desconfiança e os ciúmes. São esses temas que fazem da protagonista um retrato “emblemático”, cuja trajetória se divide entre a “força” e a “ferida”.  Contudo, assim como outras personagens, no caso Helena, Capitu não vinha de uma família rica. Precisava de um casamento para ter a devida ascensão social.  Porém, não se obteve apenas a isso. Foi autêntica quando não confessou, se houve ou não o adultério com o vizinho que se apaixonou por ela.  No entanto, João Décio (1968, p.51) afirma que Bentinho “apresenta talvez o maior drama de todas as criaturas machadianas. Vê desmoronar o mundo de ilusões que criou, por um simples ato da mulher amada, totalmente inesperado aliás e mesmo misterioso na obra, o adultério.” Neste caso, o silêncio de Capitu custou caro, pois foi alvo fácil para Bentinho falar e insinuar incertezas do seu caráter, pois, se não há contestação da vítima, o narrador dita as “verdades” que assim lhe couber.

A desigualdade de espírito e de modo de conduzir a vida separou Bentinho de Capitu bem como a igualdade de gênio, pelo menos num determinado momento, uniu esta a Escobar. Mesmo aqui, sem forçar, podemos sentir certo fatalismo a conduzir a figura de Capitu para o adultério, visto que em pouquíssimos momentos nossa heroína deixa transparecer seu pecado e em nenhum instante apresenta qualquer drama moral. (DÉCIO, 1968, p.51)

Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, as personagens femininas se realizam como típicas “pessoas morais”, à medida que possuem uma psique própria com formas particulares de pensar e agir. Virgília é a representação da complexidade humana. A jovem expressa à ambição tipicamente burguesa.

É conhecida por muitos como a “ambiciosa” e “manipuladora”. Importava-se muito com as aparências e tinha a plena convicção de que o seu casamento não seria por amor, mas sim por conveniência, pois não deixaria jamais a sua vida de conforto e luxo para viver sendo modelo romântico. No entanto, mesmo sendo casada com Lobo Neves, não abdicaria da segurança do seu casamento para viver o amor que sentia por Brás.

Isto revela, inicialmente, um profundo egoísmo de Capitu, aliás, desde o início, de Dom Casmurro, uma criatura fria e calculista por excelência. Parece, por outro lado, ser Virgília a criatura feminina que a vida colocou em situação mais difícil, eis que mãe de um filho, mas completamente dissociada do marido, encaminha-se fatalmente para o adultério. (DÉCIO, 1968, p.52)

A personagem atuante era tida como determinada e tinha um grande poder de persuasão. Foi assim que ela conseguiu “manipular” tanto o marido, quanto a Brás Cubas por sua beleza estonteante.  No entanto, além de viver uma vida conjugal, Virgília também conseguiu o seu momento de honra um título de nobreza, que foi o de marquesa as sombras do seu marido. Assim, fica evidente que o papel feminino marcado nessa narrativa é o de que, a sua grande ambição foi fator principal para obter visibilidade e reconhecimento social, desconstruindo totalmente a ideia de que a mulher só poderia ter papel de “dona de casa”.

Assim, sem querer se desfazer da sua vida confortável, na sua fase madura, o adultério como chagas da família burguesa, foi cometido por ela, uma mulher que se impõe como a dona do seu próprio corpo. Como afirma Décio (1968, p.55) “Virgília cede abertamente, vindo a adulterar com Brás Cubas. Atitude errada, sem dúvida, mas ela não nega nem renuncia a seu amor; pelo contrário, embora mãe de um filho, passa a viver com a pessoa amada, apesar dos preconceitos sociais.”

Ao término da leitura de Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba uma impressão nos fica: os tipos masculinos convencem como figuras humanas, mas os femininos não, porque incompletos, insensíveis, vazios e embora estejamos procurando fazer uma análise de como a obra é, gostaríamos deque ela fosse melhor, mais completa. E’ evidente que Machado conhecia muito mais a psicologia masculina que a feminina, mas isto não justifica a parcialidade com que trata a mulher, conferindo tão somente a ela, elementos negativos do caráter. (DÉCIO, 1968, p. 56-57)

Assim, como afirma Décio (1968, p.46) “figuras femininas como Capitu, Sofia e Virgília guardam entre si certas semelhanças de raiz, embora divirjam em certos elementos do caráter.” Neste caso, dentre tantas reflexões de identidade e adultério praticados pelo papel feminino vale destacar que Machado de Assis apenas instigou o leitor a perceber que, por mais que essas personagens fossem ambiciosas, audaciosas e destemidas, não deixaram de viver suas vidas em prol de uma sociedade omissa e preconceituosa. Dessa forma, fizeram suas escolhas e foi mulheres corajosas o suficiente para assumir consequências dos seus atos, mesmo que estes deixassem marcas por toda uma trajetória.

2.2 A dualidade identitária das personagens femininas de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”

Este subcapítulo irá se desenvolver com base na construção da figura feminina, representada na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, a fim de analisar personagens que contribuíram para a construção do modelo machadiano feminino, realizado na narrativa.

O enredo é construído pela visão de um homem a respeito da condição da mulher. No entanto, uma das características marcantes na obra de Machado é a sua visão de “pessoa moral”, em que o objeto principal é o comportamento humano. Assim, a moral corresponde à identidade, personalidade e o caráter. Neste aspecto, as figuras femininas são caracterizadas por serem dissimuladas, ambiciosas, pretensiosas, caprichosas e eróticas.

A primeira narrativa de “amor” vivenciada por Brás Cubas é no lugar chamado Cajueiro. Ela retrata a sua paixão pela cortesã espanhola “Marcela”. É o primeiro caso de amor de Brás Cubas, rotulado como a “Prostituta de luxo da Elite”, por possuir as seguintes características: ser sensual, mentirosa, amiga de rapazes e do dinheiro. Segundo Schwarz (1990, p.49), ela foi para Brás seu “primeiro cativeiro— uma paixão ‘impura’, por uma espanhola de vida alegre — coincide com os festejos da Independência, paradoxo que não é fortuito.” Foi desse modo que a personagem foi retratada na história, por ter uma marcante identidade de interesse, ambição e dissimulação, pois não aceitaria dos “companheiros” menos do que merecia. Neste caso, eram as joias e objetos de valor, que ela guardava numa caixa prateada com muito carinho e deslumbramento.  Conforme Ribeiro (2008, p.256-257)

A relação com Marcela, que o inicia nos mistérios do amor, tem características marcadamente românticas. É o jovem bem-nascido que se apaixona pela moça de vida fácil, ao invés de apenas desfrutar de seus préstimos, como determinava a moral do sistema. Lances de emoção e suspense, desperdício de recursos e planos insensatos levam o pai a transferi-lo, à força, para Coimbra: forma de afastá-lo de Marcela e proporcionar-lhe a indispensável formação bacharelesca.

No entanto, havia muito mistério na cortesã, pois, por mais que sua dissimulação fosse à chave de acesso para seu comportamento de ambição diante dos rapazes, inclusive Brás, não gostava de ser chamada de interesseira por causa disso. Desde muito nova aprendera a se virar como pôde, e assim, não poderia se deixar levar por romances ou aventuras sentimentais, pois tais práticas não se enquadravam na sua vivência de cortesã. Além de ter plena convicção do seu lugar na sociedade, ela era um modelo típico de mulher que não sonhava com casamento e muito menos ansiava um amor duradouro. Embora fosse retratada pelos homens como a “linda Marcela”, sempre deixou claro, que eles só a mimavam com presentes caros como: joias, seda e objeto de valor, e não com carícias amorosas.

Entretanto, a personagem foi linear a obra toda. Não deixava de demonstrar sua personalidade volúvel e ambiciosa, apesar de ser rotulada pela sociedade como prostituta por seguir um modelo feminino de pessoa que escolhe trocar carícias por algo que gostasse como dinheiro ou presentes. Desse modo, Marcela representa o arquétipo da mulher interesseira e sem moral. É a representação simbólica da prostituta, cujas relações são movidas por dinheiro.

Por outro lado, surge mais um modelo machadiano oposto a Marcela, Eugênia. Seu nome significa “bem-nascida”, mas é nomeada na narrativa como a “flor da moita”, por ter sido fruto de uma relação amorosa “ilícita” e “adúltera”, atrás de um “arbusto” ou “moita”. Como afirma Schwarz (1990, p.55):

A flor da moita, em cujo encanto não entra artifício e linhagem, é uma figura cara às Luzes, ao Romantismo e ao sentimento democrático da vida. A expressão serve de título a um passo capital das Memórias, onde, todavia ela traz um segundo sentido, contrário ao primeiro. Designa com desprezo a moça nascida fora do casamento, concebida atrás do arbusto, por assim dizer no matinho. O conflito das acepções resume o teor ideológico do episódio, ao passo que a grosseria do trocadilho anuncia os extremos a que a narrativa irá.

Essa história foi vivenciada no bairro da Tijuca, onde Brás se abrigou na casa de D. Eusébia, qual ele há muito tempo havia presenciado um beijo atrás do arbusto com Doutor Vilaça. Porém, ao entrar na casa, se admira com a beleza de Eugênia:  uma menina aparentemente angelical, meiga e sem resquícios de luxo, diferente de outras moças que ele conhecera. Logo, ela seria o modelo de mulher ideal para ele naquele dado momento.

Conforme Schwarz (1990, p. 56), Brás Cubas aprecia “a dignidade da menina, superior ao nascimento irregular e à situação precária, e corre o risco de ‘amar deveras’, quer dizer, de igual para igual, e casar.” Vale ressaltar que no mesmo lugar em que Eugênia foi concebida, assim também aconteceu o seu primeiro beijo em Brás Cubas, consentido por ela. No entanto, isso não lhe tirou o valor de uma menina pura e digna, mesma que tenha nascida fruto de um adultério. Contudo, depois de um tempo olhando a moça de semblante triste e timidez presente, observou que ela coxeava de uma perna e perguntou-lhe o que de fato seria, e obteve a seguinte resposta. “sou coxa de nascença”. Sobre isso João Décio (1968, p.54) afirma:  

Como vemos, Machado confere às suas personagens alguns defeitos de raiz que conduzem naturalmente ao caos, eis que às criaturas não é conferida a mínima possibilidade de salvação eis que raramente as personagens principais encontram outras de valor moral que poderiam ser a tábua de salvação de suas vidas. É o caso de Eugênia nas Memórias Póstumas que sendo uma jovem perfeita, a ela Machado conferiria um defeito físico, o ser manca.

Entretanto, na narrativa é possível observar uma presente ironia no que diz respeito à deficiência física da personagem, pois, naquela época tal incidente impedia a moça de ter um casamento promissor, visto que a sociedade em si era preconceituosa e hipócrita, e não dava o direito a uma “coxa” de ter a ascensão social garantida pelo casamento.

            Como se nota na seguinte afirmação de Schwarz (1990, p.59-60):

O defeito físico de Eugênia. Com efeito, além de bastarda e sem posses, a menina é coxa. Observe-se todavia que o rapaz não se dá conta do defeito senão tarde, quando a dignidade da criatura pobre já o havia incomodado ao ponto de fazer que ele a abatesse em efígie. Noutras palavras, a lógica e o desfecho do episódio fixaram-se em função de inferioridades sociais, e a imperfeição não afeta a marcha da situação. Não obstante, será ela. Uma desfaçatez de classe inferioridade física, o pivô das cogitações do moço. Este despejará sobre a deformidade natural os maus sentimentos que lhe inspira o desnível de classe, e, mais importante, verá a iniquidade social pelo prisma sem culpa e sem remédio dos desacertos da natureza.

Por isso, a moça tinha semblante triste.  Ela onde era o seu lugar na sociedade. Apesar de ser linda e comportada era também “[…] dissimulada, aliás, como qualquer mulher, na opinião do narrador. E não só dissimulada, mas de uma ‘tartufice profunda’”. (RIBEIRO, 2008, p. 273). Esses fatores não eram o suficiente para lhe garantir um amor sólido.

 A sua oportunidade no caso é patente, já que a situação social da moça é um problema de consciência para o rapaz, ao passo que o defeito físico é um dado definitivo e, neste sentido, confortador. As coisas, porém são mais enredadas, pois é claro que a perna defeituosa tampouco impediria Eugênia de ser uma esposa perfeita Noutras palavras, se o universo fosse ordenado razoavelmente, moças coxas (pobres) não seriam bonitas, e moças bonitas não seriam coxas. (SCHWARZ 1990, p. 60-61)

A narrativa “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é marcada por duras críticas a sociedade burguesa e patriarcal da época, pois, a aparência é a base para ter um futuro promissor. Entretanto, a personagem Eugênia por ser “coxa” não poderia jamais sonhar com um matrimônio, já que o seu “defeito” é visto por muitos como algo vergonhoso e doloroso. Propp (1992, p. 36) afirma que “(…) o riso torna-se impossível quando percebemos no próximo um sofrimento verdadeiro.” Assim, conclui Ribeiro (2008, p.262):

Pobre Eugênia, massacrada, enganada, tripudiada e, ainda por cima, acusada de dissimulação e de hipocrisia. Mais uma vez, por quem? Justamente por Brás Cubas que, no Capítulo XIV / O primeiro beijo, narra a sua primeira experiência, com Marcela — esta sim, moça de vida fácil — em que, aproveitando-se de uma distração, rouba-lhe o primeiro beijo de sua vida. Da prostituta, ele rouba; Eugênia entrega-o a ele, como uma honesta devedora…

Porém, na história da humanidade em “Esaú de Jacó” há uma desconstrução de sentido no que diz respeito a uma “deficiência física”, pois esse ato foi um troféu de honraria para Jacó, cujo nome significava “aquele que segura pelo calcanhar” porque no ato do nascimento ele estava segurando o calcanhar do teu irmão gêmeo Esaú.

A narrativa registra a traição de Jacó perante o seu irmão Esaú, pois era seu primogénito quem deveria receber a benção de Deus concedida pelo o seu pai Isaque, mais foi Jacó quem foi abençoado por engano. Porém, logo após esse ato errôneo, ele teve que sair de casa por ter sido jurado de morte pelo seu irmão mais velho. Então, Jacó partiu-se da sua casa para outras terras em Gênesis (27:31) “Foge para Labão, meu irmão, em Harã. E terás de morar com ele por alguns dias, até que se acalme o furor de teu irmão até que a ira do seu irmão se desvie de ti e ele tenha esquecido o que fizeste.” Logo após essa passagem, ele construiu uma família: duas esposas, muitos filhos e um rebanho vasto, mais a benção não lhe trouxe a consagrada paz, pois seguia com um único objetivo, desculpar-se com Esaú pela traição que fizeste em ter tomado dele o que era de direito.

No entanto, assim com tudo na vida que não é conquistado e sim roubado, tem um preço, e Jacó pagou caro por isso.  Porém, antes de a se encontrar com o seu irmão e obter o perdão pelo seu ato falho, ele teve uma contenda com um anjo. Em Gênesis (32:21):

Finalmente, Jacó ficou sozinho. Um homem começou então a engalfinhar-se com ele até subir a alva! Quando não viu que não tinha prevalecido contra ele, então lhe tocou na concavidade da articulação da coxa, e a concavidade da articulação da coxa de Jacó deslocou-se enquanto se engalfinhava com ele.

A partir desse momento, percebe-se como foi à vivência de Jacó, pois foi depois de lutar com o anjo, anjo esse que não conseguiu subjuga-lo e não arrancar dele a benção de Deus, que teve o nome mudado, pois não seria mais referenciado como Jacó, o traidor, egoísta e astuto, porque agora teria seu nome mudado. Segundo em Gênesis (32:28) o anjo falou “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois contendeste com Deus e com homens, de modo que por fim prevaleceste.” Após essa confirmação, Jacó caminhava manquejando devido a sua coxa com a certeza de que, não foi o seu amor por sua esposa e nem pelos rebanhos, mais sim, a sua aliança com Deus, que o tornou honrado e digno de ser perdoando pelo seu irmão Esaú e chamar-se Israel “aquele que luta com Deus”.

Portanto, é observável a ironia numa dada situação da Obra, pois Eugênia tem a personalidade construída por um parente paradoxo “Bela e Coxa” que nada mais é do que a uma ironia para uma sociedade hipócrita e dependente de padrões de beleza estabelecidos. Como se nota abaixo:

A ironia na perspectiva romântica caracteriza-se pela existência de uma contradição primordial: a distância entre o ideal e o real. Os seres humanos têm a capacidade de idealizar as situações da vida, que logo se mostram ilusórias. Nesse sentido, a ironia é triste e muitas obras do Romantismo têm um final trágico. Aqui surge outro aspecto da ironia que é o fato de alguém ser vítima dela, isto é, vítima de circunstâncias, eventos, ou até de ingenuidade (GAI, 2008, p.3)

Assim, fica evidente que Eugênia é a única personagem feminina de caráter integro e também a única que é abandonada por Brás Cubas por conta do seu defeito físico. O que revela a forte crítica à burguesia existente no texto, marcado pela ideologia das aparências: Brás é a expressão de que para o burguês e para o ser humano de um modo geral, é mais importante a capa que vai causar elogios do que a própria essência que sustentará uma relação de amor sólido.

As personagens femininas de Machado de Assis, diferente de outros autores, são criadas não como objeto de posse masculino, mas como atuantes. Sobressaem-se na narrativa tendo muita importância com o papel da mulher, sendo peça fundamental de uma sociedade em construção. Logo, Machado de Assis consegue expressar, não só marcas do feminino naquela sociedade patriarcal agindo no espaço masculino, mas também, vislumbrar a essência do ser humano através da moral feminina que reflete no caráter e personalidade de Virgília.  

Nesse momento, o escritor atrela-se ao Realismo reflexivo em que mantém diálogo honesto com o leitor, tratando questões sociais e emocionais de uma maneira objetiva. Ele não faz críticas apenas à sociedade, mas também à ação em que cada um desempenha na sua vivência. Como afirma Schwarz (2000, p.11) que, o dispositivo literário capta e dramatiza a estrutura do país, transformada em regra de escrita. E, com efeito, a prosa narrativa machadiana é das raríssimas que pelo seu mero movimento constituem um espetáculo histórico-social complexo, do mais alto interesse…  

            Já Alfredo Bosi afirma (2007, p.11):

O objeto principal de Machado de Assis é o comportamento humano. Esse horizonte é atingido mediante a percepção das palavras, pensamentos, obras e silêncios de homens e mulheres que viveram no Rio de Janeiro durante o Segundo Império. A referência local e histórica não é de somenos; e para a crítica sociológica é quase tudo. De todo modo, pulsa neste quase uma força de universalização que faz Machado inteligível em línguas, culturas e tempos bem diversos do seu vernáculo luso-carioca e do seu repertório de pessoas e situações do nosso restrito oitocentos fluminense burguês. Se hoje podemos incorporar à nossa percepção do social o olhar machadiano de um século atrás, é porque este olhar foi penetrado de valores e ideais cujo dinamismo não se esgotava no quadro espaço-temporal em que exerceu.

Neste caso, temos a personagem Virgília, uma figura marcante do enredo, que além de ter alta beleza, é manipuladora, dominadora, determinada e convicta dos seus desejos pessoais, pois tem presente ambição de ser Marquesa ou Baronesa, uma visão que é extremamente moral. Entretanto, a representação da complexidade humana nessa personagem é apresentada em três fases na obra de Memórias Póstumas de Brás Cubas: juventude, maturidade e velhice.

Na juventude, ela é marcada como uma jovem bela, “atrevida”, “fresca”, “clara”, um anjo com lindas vestimentas. Foi respectivamente nessa fase dos 15 ou 16 anos que conheceu Brás, cujo pai dele já tinha interesse em fazer o casamento dos dois, a fim de torná-lo deputado através da influência do futuro sogro.  É sabido por muitos que o casamento era a única possibilidade de ascensão social para as mulheres e era apenas deste modo que a mulher conseguiria seu lugar na sociedade e, para obter uma vida memorável, e é basicamente nessa fase, que a atitude da moça expressa a ambição tipicamente burguesa em já ter o seu desejo muito bem marcado, só faltava conquistá-lo ao tornar-se Baronesa.

É certo que relatos dos cronistas, viajantes e historiadores do período nos exibem um quadro em que a menina ou mulher candidata ao casamento é extremamente bem cuidada, é trancafiada nas casas etc. (…) Todavia, essa rigidez pode ser vista como o único mecanismo existente para a manutenção do sistema de casamento, que envolvia a uma só tempo aliança política e econômica (D’INCAO,2008, p.235).

Após 20 anos, a fase marcada pela maturidade, Virgília se transforma em “diabrete angelical”, pois não se casou com quem tanto amava Brás, mais sim com Lobo Neves, pessoa de grande influência no meio social. A personagem foi caracterizada na obra como uma “dama volúvel” que sabe mais do que ninguém escolher a conformidade de uma vida, do que um amor de preocupações. Deste modo à moça já tinha traços de ambição quando numa conversa, deixou claro o seu desejo de tornar-se marquesa e assim ter uma vida sólida ao olhar da política social. Pois, ela sabia o peso de uma mulher solteira naquela época.

Virgília, contrariamente aos cavalheiros, não é uma figura diminuída. Também ela faz questão do bom e do melhor, em que se inclui as audácias da elegância moderna tanto quanto as vantagens da situação tradicional. Brilho mundano, um pouco de agnosticismo, galanteios românticos, liberdade no amor ─ sem prejuízo de vida familiar sólida, consideração pública, oratório de jacarandá no quarto, reputação imaculada, privilégio. Ocorre que a busca simultânea destes benefícios contraditórios diminui os varões, pois lhe tira o credito à gravidade moral, assentada sobre a presunção de consistência (…) Virgília, posta diante de uma alternativa, escolhe os dois partidos. (SCHWARZ 2000,p.136)

No entanto, depois de muito tempo, Brás reencontra a amada e se vislumbra, ao perceber que o casamento com Lobo Neves a fez muito bem, tornando-a mais bela e atraente um tanto quanto esplendida. Como afirma Schwarz (2000, p.90) à “beleza de Virgília, por exemplo, culmina e atinge dimensão heroica fora de quaisquer considerações biográficas, morais ou sociais, a que por assim dizer não pede licença”. Porém, a riqueza não foi o bastante para Virgília, já que ela queria o ardor de uma paixão que lhe faltava no casamento. Adiante, o ardor surgiu ao encontrar Brás Cubas. Com isso, inicia o jogo da sedução, que logo mais, tornaria um “adultério” cometido pelos dois, pois foi a partir de um “Beijo” que Vírgilia torna-se amante de Brás.  Segundo Ribeiro (2008, p.251)

Essa falsidade intrínseca atinge, de cheio, suas personagens femininas. Aqui, especialmente Virgília, mas sem poupar as demais coadjuvantes desse drama pequeno e despido de qualquer grandiosidade épica. Longe de suas intenções os arquétipos femininos tão competentemente talhados pelo buril verbal de um José de Alencar. Aqui habitam mulheres comuns, medíocres mesmo, tiradas, estas sim, ao vivo da sociedade carioca do nosso século XIX. Incultas, muitas vezes desgraciosas, incoerentes e astutas, ingênuas calculistas e simplórias desfrutáveis, elas desfilam sua mesmice e vacuidade ao longo das páginas de seus romances.

Com o desenrolar da história, Virgília teve momentos de arrependimentos por sua infidelidade, porém, Brás a fazia esquecer-se desses pensamentos com sua linguagem sedutora. Assim, Machado começou a construir na personagem um modelo de dissimulação quando adota nela um disfarce do comportamento adulterino.  

            Conforme Ribeiro (2008, p.256):

Virgília não pode negar o adultério porque, sendo o narrador o seu amante, a traição torna-se constitutiva da história. Mas, mesmo assim, pode armar-se de uma postura familiar e, mesmo, moralista no curso de uma bem construída dissimulação. Entretanto a Virgília, que aí está, é construído pelo discurso de Brás Cubas. Não é o marido ciumento que fantasia a dissimulação de uma esposa que pode ser culpada ou não e que transforma a sua narrativa em libelo acusatório. […] De tudo, entretanto, resta o fato de que, entre a fidelidade conjugal o adultério, a dissimulação move-se totalmente à vontade, como parte constitutiva da natureza feminina…

A personagem possui uma dualidade de identidade, pois para Lobos (esposo) ela é a figura de mulher “perfeita”: amável, elegante e carinho. Já para Brás (amante), ela é sedutora, erótica e sensual. Segundo João Décio (1968, p.52) “Virgília a criatura feminina que a vida colocou em situação mais difícil, eis que mãe de um filho, mas completamente dissociada do marido, encaminha-se fatalmente para o adultério”.

Contudo, ao observar as atitudes da personagem, ela não se preocupava com o sentimento do marido caso ele soubesse das suas traições, assim, insere na narrativa a personagem burguesa, com valores e intenções deste aspecto, mais com instinto “animal” a ponto de não se preocupar com a sua posição social, já que para ela, prevaleciam apenas os seus desejos e não as opiniões alheias. Como afirma Schwarz (2000,p.88):

Em consequência, no universo machadiano, são elas as figuras capazes de harmonia, entendido o termo em acepção extramoral. O estatuto brasileiro da lei burguesa, que vale e não vale, é o referente remoto desta relativização do escrúpulo — encantadora ou detestável segundo o caso. Quando Virgília se dispõe, como vimos, a “eguais e grandes sacrifícios para conservar ambas as vantagens”, desenvolve a postura interiormente desimpedida que permitiria à classe dominante gozar sem rebaixamento o seu privilégio composto de escravidão, mandonismo e vida moderna.

Por ultimo, a fase da velhice é a redenção humana que se realiza no livro pela capacidade da personagem cuidar do amante no seu leito de morte depois de tê-lo abandonado, resgatando a virtude presente nas fases anteriores. Aparece na sua casa para visitá-lo e dizer-lhe palavras de conforto. Por ser uma figura de mulher soberba e imponente, não se preocupava com os olheiros e dizia não acreditar no que via e chorava lágrimas verdadeiras pela morte do amado, assim, desafiava mais uma vez as regras impostas da mulher do século XIX.

            Com conceitua Schwarz (2000,p.91):

Noutras palavras, a ficção machadiana dá forma clara à degradação causada à vida pelo funcionamento incompleto do padrão burguês no país, e torna palpável, no mesmo passo, a folga e plenitude possibilitadas por essa insuficiência. De outro ângulo ainda, digamos que o aburguesamento incompleto dos costumes brasileiros permitia a Machado estudar o dinamismo despoliciado do desejo em termos semelhantes àqueles — revolucionários — ocasionados na Europa pela emancipação da sexualidade como esfera autônoma de vida.

Portanto, a obra, apesar de criticar uma sociedade, não fez a figura feminina submissa ao marido e muito menos aos valores sociais. Logo, o modelo machadiano se sobressai como componentes fortes e marcantes do enredo, e claros, cada uma com a sua particularidade e personalidade. É deste modo que o modelo realista de Machado de Assis serve de espelho para a vivência da mulher da contemporaneidade, pois nota, a bravura e a coragem em não seguir padrões, mais sim, seguir a si mesmo.

CAPITULO 3 – A RELEVÂNCIA DAS PERSONAGENS CORTESA E MARQUESA EM “MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS”

Este capítulo irá se desenvolver a partir das análises das personagens Marcela e Virgília. O seu foco será demonstrar como essas figuras machadianas tornaram-se exemplos de pessoas morais ou imorais na obra, visto que a sua dualidade e dissimulação foram chaves de acesso para se compreender o adultério e a prostituição no romance.  

3.1 A ambiguidade de Virgília dentro do casamento

O tópico busca identificar aspectos que fizeram de Vigília uma representação machadiana da marquesa adúltera. Defende-se que a sua dualidade de personalidade foram fatores primordiais para a realização e conclusão de um caso amoroso ilícito.

A participação da personagem mais efetiva no romance se dá quando é apresentada na narrativa na condição de mulher adúltera, reforçando o aspecto volúvel já existente em outra fase do romance. Como se trata de uma narrativa realista persiste uma critica a valores inerentes à sociedade e ao comportamento humano. Assim, Virgília rompe com “hábitos virtuosos” exigidos para se ter um “comportamento burguês”.  Ao mesmo tempo em que se identifica com a mulher burguesa, por almejar uma vida familiar de esposa, mãe e doméstica, também busca realizar seus desejos íntimos.

Dessa forma, a marca da personagem é a ambição. Seu maior objetivo é obter um lugar na sociedade, não só como mulher/esposa, mas também, como uma personagem atuante na vida social/política.

            Deste modo, Vírgilia sempre enfatizou que casaria não por amor, mas com aquele que fizesse dela uma figura pública, ou melhor, uma baronesa. No trecho abaixo:

Uma semana depois, Virgília perguntou ao Lobo Neves, a sorrir, quando seria ele ministro.

  • Pela minha vontade, já; pela dos outros, daqui a um ano. Virgília replicou:
  • Promete que algum dia me fará baronesa?
  • Marquesa, porque eu serei marquês. (ASSIS, 1994 p. 54)

Nesse trecho, é perceptível que a personagem já dá indícios de ambição. E O seu jeito de “sorrir” já demonstra uma dualidade de personalidade, mudando de comportamento para conseguir o que almeja. Essa conduta é típica das mulheres burguesas do século XIX, que só tinham uma ascensão social mediante o matrimônio. A frieza da personagem é expressa no comentário de Brás, quando explica a causa do fim da primeira relação com a personagem:

Desde então fiquei perdido. Virgília comparou a águia e o pavão, e elegeu a águia, deixando o pavão com o seu espanto, o seu despeito, e três ou quatro beijos que lhe dera. Talvez cinco beijos; mas dez que fossem não queria dizer coisa nenhuma. O lábio do homem não é como a pata do cavalo de Átila, que esterilizava o solo em que batia; é justamente o contrário. (ASSIS, 1994 p. 54)

Nesse momento, Vírgilia é coroada como ambiciosa por Brás Cubas, quando prefere ter o “conforto da águia” que seria uma vida memorável, de luxo, poder e preferências, a ter que escolher a “beleza do pavão” que só lhe daria apenas amor.

Neste sentido, a metáfora é explicita.   Machado compara a “águia” à Lobo neves, pois ele era um indivíduo que não possuía tanto resquícios de beleza, mas tinha recursos políticos, para alcançar voos que o levassem ao topo da pirâmide aristocrática. Já Brás era um o “pavão” que possuía apenas uma beleza pitoresca.  Assim, Virgília prefere realizar o projeto de se tornar uma nobre, a se casar por conta de uma atração física.

Para reforçar a ambição de Virgília, Brás, ainda faz referência à história de Átila, um cavalheiro Bárbaro que conseguia usar sua força e voracidade para destruir tudo o que via, no intuito de conquistar terras.

Assim, no trecho, “O lábio do homem não é como a pata do cavalo de Átila, que esterilizava o solo em que batia; é justamente o contrário”. O lábio masculino é metaforizado uma parte do corpo que necessita da outra incessantemente. E Vírgilia frustra este anseio, tratando Brás Cubas como uma boca descartável, usada momentaneamente.

Quando se casou, Vírgilia tornou-se o que tanto desejava: marquesa, conseguindo ter uma posição importante no meio político/social. Contudo, o seu matrimônio não a fez prisioneira dos valores sociais, dando-se o direito de viver uma paixão ardente por Brás Cubas. Isso fica evidente no título e na passagem  “Vírgilia Casada”:

Cerca de três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião intima. Fui; Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra:

  • O senhor hoje há de valsar comigo.
  • Na verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que ela me preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam… Um delírio (ASSIS,1994, p.60).

O título “Vírgilia casada” estabelece uma ironia em relação ao comportamento da personagem quando finge não se dá do desejo sexual de Brás Cubas, ao tocá-la enquanto valsam.  No século XIX, a valsa foi considerada por muitos um tipo de “dança vulgar”.  Seu estilo “corpo a corpo” proporcionava uma excitação física e emocional de seus participantes, desacostumados ao toque.  Por outro lado, também é uma dança típica da aristocracia, sendo valorizada pela classe burguesa. Assim, é uma dança de encenação social que oculta o erotismo íntimo, apresentando uma dissimulação de corpos nobres.

Para Vírgilia e para Brás Cubas, a valsa representa uma metáfora para o início de um flerte (paquera) entre os dois. O fragmento “Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca; cá foi a valsa que nos perdeu”, exprime um jogo de sedução, marcado por desejo ardente sexual.

Sobre ainda à valsa, Brás diz: “Creio que nessa noite apertei-lhe a mão com muita força, e ela deixou a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos com os olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam… um delírio”. Deste modo, já ocorre, no fragmento, indícios de dissimulação da personagem e de desejo por Brás, deixando-se que ele a paquerasse e a cortejasse na dança.

Contudo, ainda há uma ironia presente no modo como valsavam e se abraçavam, remetendo ao “delírio”, enquanto algo esplêndido e inacreditável. Dessa forma, Virgília dá brecha para o início de uma paixão que começou com um jogo de sedução e se firmou a um caso amoroso ilícito.

No entanto, Virgília sabia que o seu casamento com Lobo Neves seria uma troca de favores, isto é, ele lhe daria o título de marquesa e ela manteria a aparência de um casamento perfeito e promissor. Este jogo de atributos sociais com o seu marido, não lhe dera uma paixão ardente, que só desabrochou com Brás Cubas. Na narrativa, Machado de Assis, chama a atenção do leitor ao iniciar um título, usando “reticências” e não palavras a fim de salientar que nesta passagem do texto seria o começo de uma relação ilícita. Como se nota no fragmento abaixo:

[…] Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, – coitadinha, – trêmula de medo, porque era ao portão da chácara, à vista das estrelas, – das castas estrelas de Otelo- you chaste starts! Uniu-nos esse beijo único, – breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, – uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio. (ASSIS, 1994, p.63)

Nesse trecho, o autor ironiza e faz uso da metáfora “flor” para ilustrar o começo de um romance proibido, quando há o desabrochar do desejo sexual dos personagens. Dito isto, o autor ainda faz uso de uma linguagem romântica a fim de “suavizar” o momento do adultério, propiciado por Virgília e Brás Cubas. No trecho o “beijo que ela me deu, trêmula, – coitadinha, – trêmula de medo, porque era ao portão da chácara, à vista das estrelas, – das castas estrelas de Otelo”, Machado de Assis usa as “estrelas” a fim de tornar o lugar do início do adultério um cenário mágico e memorável, comprovado com o uso do intertexto Otelo, para obter um momento lindo e majestoso, porém, ilícito.

Está aparente idealização é quebrada, quando o autor cita a hipocrisia de uma relação adúltera, no trecho “- uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio”. É a partir desta citação, que percebemos que a relação amorosa entre os dois teria que ser muito bem efetuada e pensada, pois ambos tinham a perder, caso fossem descobertos.  Então, a “hipocrisia” refere-se ao modo que Virgília se comportava na sociedade e ao amor proibido que um sentia pelo outro. Assim, essa mesma hipocrisia seria o “freio” dessa paixão avassaladora, expressa no trecho abaixo:

Virgília amava-me com fúria; aquela resposta era a verdade patente. Com os braços ao meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar a olhar para mim, com os seus grandes e belos olhos, que davam uma sensação singular de luz úmida; e eu deixei-me estar a vê-los, a namorar-lhe a boca, fresca como a madrugada, e insaciável como a morte. (ASSIS, 1994, p.71)

Nesse momento, já é descartada a possibilidade de Virgília ser honesta e virtuosa.  O trecho exprime, nas entrelinhas, a realização do adultério. O fragmento “com os braços no meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar olhando para mim” (1994, p.71), expressa o ápice do amor entre os dois. Há um desejo mútuo e um perigo latente, que se expressa como a “fúria” de um trovão e a “luz úmida” de um córrego, fluída e prazerosa. 

Logo, nesta passagem desabrocha o que Vírgilia tanto almejava no casamento com Lobo Neves, mas só conseguiu com Brás.  Nesta ocasião, o seu desejo mais íntimo foi concedido por uma paixão carnal entre corpos, própria ao adultério, movido pelo desejo insaciável de um pelo outro.

Conforme o tempo passa e os encontros do casal acontecem na casa de Lobo Neves, as pessoas começaram a cochichar que poderia haver entre os dois um caso, já que Brás Cubas vivia na casa de Virgília, sem que o esposo estivesse presente. No entanto, a fim de não manchar a reputação “consagrada” de Virgília, ele então propôs uma fuga, que facilitaria o amor dos dois. Como se percebe no trecho:

– De fugir. Iremos para onde nos for mais cômodo, uma casa grande ou pequena, à tua vontade, na roça ou na cidade, ou na Europa, onde te parecer, onde ninguém nos aborreça, e não haja perigos para ti, onde vivamos um para o outro… Sim? fujamos. Tarde ou cedo, ele pode descobrir alguma coisa, e estarás perdida… ouves? perdida…morta… e ele também, porque eu o matarei, juro-te (1994, p.72).

Porém, ao constatar essa possibilidade, Brás não deixou de pensar em nenhum detalhe, no intuito de fazer a cabeça de Vírgilia e trazê-la para perto dele. Pois, ao citar a casa confortável e ao dar a ela o poder da escolha, fica claro que ele sabia da dissimulação que a amante tinha em pensar primeiramente no conforto de uma vida e não apenas no amor. Logo, essa personagem não agia apenas por impulsividade, mas com maturidade e ambição, pois vale primeira uma vida de marquesa do que uma traidora fugida.

Entretanto, a narrativa dá indícios de dualidade da personagem, já que para Lobos “Virgília era a perfeição mesma, um conjunto de qualidades sólidas e finas, amorável, elegante, austera, um modelo” (1994, p.66). Enquanto para o seu amante Brás Cubas, “era o travesseiro do meu espírito, um travesseiro mole, tépido, aromático, enfronhado em cambraia e Bruxelas. Era ali que ele costumava repousar de todas as sensações más, simplesmente enfadonhas” (1994, p.71).

Porém, para a personagem era muito fácil ela manter a postura de ótima esposa, já que ela era “religiosa”, mais que quase não participava das missas. Assim, Vígilia foi uma construção de uma modelo de dissimulação e de ambiguidade, pois o seu comportamento era alterado entre a “perfeição” e a “dissimulação”, marcado neste trecho, em um presente diálogo com Brás Cubas. Conforme Assis (1994, p.76):

Meu B…
Desconfiam de nós; tudo está perdido; esqueça-me para sempre. Não nos veremos mais. Adeus; esqueça-se da infeliz
V.. a.

Na narrativa, Virgília, não só o desempenha o papel da “dissimulada”, mas também de mulher corajosa. Assim, realiza o desejo de uma mulher burguesa que é vivenciar o “amor” e manter o “status”. Logo, considera-se essa personagem como a mais complexa figura feminina machadiana.

3.2 A representação da prostituta Marcela no papel de uma cortesã espanhola

Este subtópico busca compreender a relevância de Marcela na obra, observando o seu papel de prostituta na relação com Brás Cubas e na sociedade. Logo, pretende-se analisar os diálogos em que essa figura machadiana se consolida como uma cortesã espanhola.

A narrativa se desenvolve quando Brás se apaixona por uma Espanhola no lugar chamado Cajueiro. Como cita Assis (1994, p.22): “A que me cativou foi uma dama espanhola. Marcela, a “linda Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. E tinham razão os rapazes.”. Essa personagem tinha resquícios de ambição e dissimulação, pois, por mais que fosse cortesã, usava a beleza do seu corpo como peça chave para fazer da luxúria um momento de poder feminino.  Como outras personagens de Machado de Assis, Marcela vai fazer de seu corpo instrumento de sedução. Joias, sedas e dinheiro serão artifícios proporcionadores da execução da manipulação masculina. Como descrito no trecho abaixo:

A verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes. […] Via-a sair de uma cadeirinha, airosa e vistosa, um corpo esbelto, ondulante, um desgarre, alguma coisa que nunca achara nas mulheres puras. (ASSIS,1994, p.22-23)

No trecho, Marcela recebe uma perspectiva crítica do autor, sendo vivência associada às experiências das cortesãs do século XIX. Logo, quando descreve como uma personagem que “não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código”, dá a entender que esta figura machadiana não se enquadrava no modelo de uma mulher burguesa séria daquela época. A obra ainda apresenta um paradoxo, ao usar o qualificativo “inocência rústica” para associar a conduta comportamental da personagem a de uma mulher interesseira, que não se enquadrava na “moral do código”.

Embora a personagem fosse bem resolvida sobre a sua escolha profissional, o autor faz uso da ironia presente nas expressões “boa moça” e “amiga dos rapazes e do dinheiro”. Nesta ironia, é possível observar a justaposição de uma apreciação a um julgamento, pois Marcela era considerada “boa moça” apenas por ser uma cortesã bela e educada. O mesmo acontece com a, “amiga de rapazes e do dinheiro” que faz referência ao uso beleza feminina de uma prostituta para “arrancar” dinheiro e objetos de valor de seus amantes.

Dessa forma, o corpo de ainda é lugar de sedução dos homens.  Neste caso, Marcela era bem “contemplada”. A personagem possuía “um corpo esbelto, ondulante, um desgarre, alguma coisa que nunca achara nas mulheres puras.” Assim, observa-se que há uma alusão à beleza física da personagem, como proporcionadora de luxúria e, ao mesmo tempo, de “mimos”, conseguidos com o mesmo corpo. Brás Cubas, então, tem o seu primeiro “envolvimento carnal” propiciado pela “dama espanhola”. Este envolvimento foi realizado no Cajueiro, lugar onde se concretiza a prostituição. Conforme a citação abaixo:

Três dias depois perguntou-me meu tio, em segredo, se queria ir a uma ceia de moças, nos Cajueiros. Fomos; era em casa de Marcela. O Xavier, com todos os seus tubérculos, presidia ao banquete noturno, em que eu pouco ou nada comi, porque só tinha olhos para a dona da casa. Que gentil que estava a espanhola! Havia mais uma meia dúzia de mulheres, – todas de partido -, e bonitas, cheias de graça, mas a espanhola…  (ASSIS, 1994, p.23)

Esse momento de desejo mútuo é sugerido nos versos: “ceia de moças, nos Cajueiros”. Nele, o autor utilizou da ironia expressa no termo “cajueiros”, para se referir à rua de prostitutas que era um lugar suburbano. Logo, há a ressignificação do termo “ceiar” que perde o sentido sublime da troca de afetos para se tornar um banquete de luxúria onde as mulheres se oferecem para o sexo. Neste sentido, observa-se que o “alimento” da ceia não seria as próprias “moças”.  

Ainda há uma ironia quando Assis (1994, p;24) afirma que todas as mulheres que se encontravam naquele lugar eram: “todas de partido -, e bonitas, cheias de graça, mas a espanhola…” Neste trecho, a mulher recebe um parâmetro de beleza, sintetizado na expressão “todas de partido” que  significa que elas se enquadravam “nas boas aparências” ,porém, Marcela  se sobressaia entre todas elas, por ter uma beleza exótica que criava um estereótipo da espanhola como a grande cortesã.

Dessa forma, a história sugere que o caso acontece num momento de ilusão, quando Brás aprende que, para obter o “amor” de Marcela, teria que possuir muito mais do que beleza, pois, a personagem gostava de ser “mimada” com carícias e, sobretudo, com riqueza. Então, nesse momento evidencia-se que, na narrativa, há a troca de prazeres por valores financeiros. E essa circunstância é realizada de forma doentia pelo “jovem” Brás, que busca incessantemente realizar-se sexualmente com uma “mulher experiente”. Como é notado no trecho abaixo: 

Foi-me preciso coligir dinheiro, multiplicá-lo, inventá-lo. Primeiro explorei as larguezas de meu pai; ele dava-me tudo o que eu lhe pedia, sem repreensão, sem demora, sem frieza; dizia a todos que eu era rapaz e que ele o fora também. Mas a tal extremo chegou o abuso, que ele restringiu um pouco as franquezas, depois mais, depois mais. Então recorri a minha mãe, e induzi-a a desviar alguma coisa, que me dava às escondidas. (ASSIS, 1994, p.23)

No trecho, há a representação dos pensamentos de um rapaz ingênuo e a sua visão de Brás em relação à Marcela: “Foi-me preciso coligir dinheiro, multiplicá-lo, inventá-lo” (1994, p.23). Essa passagem retrata a multiplicação do dinheiro entre a prostituta e o cliente, que se deixou se enganar no intuito de se concretizar o desejo que ele tinha por ela. Porém, na obra há uma visão machista e altamente patriarcal realizada pelo pai de Brás Cubas, quando se refere ao caso do rapaz com a meretriz da seguinte maneira: “dizia a todos que eu era rapaz e que ele o fora também”.  Nessa sentença, há uma sugestão que o primeiro ato sexual dos rapazes burgueses, deveria ser realizado com “prostituta”, descartando o argumento romântico de que a iniciação sexual deveria coincidir com a amorosa. Assim, a figura da prostituta é abordada como um objeto descartável cuja função é apenas proporcionar prazer. O caso de Brás Cubas e de Marcela é descrito da seguinte maneira:

Teve duas fases a nossa paixão, ou ligação, ou qualquer outro nome, que eu de nomes não curo; teve a fase consular e a fase imperial. Na primeira, que foi curta, regemos o Xavier e eu, sem que ele jamais acreditasse dividir comigo o governo de Roma; mas, quando a credulidade não pôde resistir à evidência, o Xavier depôs as insígnias, e eu concentrei todos os poderes na minha mão; foi a fase cesariana. (ASSIS, 1994, p.26)

O trecho apresenta o desenvolvimento do caso entre a cortesã e o burguês, demonstrando a sua evolução em fases, designadas pelo narrador com uma abordagem irônica, como se nota no trecho: “a nossa paixão, ou ligação, ou qualquer outro nome [..] teve a fase consular e a fase imperial.”  A fase “consular” é, então, uma ironia acerca do momento em que Marcela se torna a amante de dois rapazes: Brás e Xavier. A segunda fase é denominada de “Imperial” por que Brás Cubas se torna amante único de Marcela, considerando-se, com o tempo, tão que dono do corpo da prostituta que acredita que esta fase evolui para a “cesariana”, quando, de fato, torna-se dono absoluto da “Linda Marcela.  

As personagens de Machado de Assis eram construídas com base nas atitudes burguesas. Marcela não foi diferente, pois essa figura machadiana desejava mais riqueza do que um amor propiciado pelo matrimônio. Assim, no decorrer da narrativa, a personagem demonstra ter uma dissimulação própria às figuras femininas machadianas. O uso da máscara da dissimulação e da luxúria para objetos de valor e dinheiro expressa-se no trecho:

– Em verdade, dizia-me Marcela, quando eu lhe levava alguma seda, alguma joia; na verdade, você quer brigar comigo… Pois isto é coisa que se faça… um presente tão caro…E, se era joia, dizia isto a contemplá-la entre os dedos, a procurar melhor luz, a ensaiá-la em si, e a rir, e a beijar-me com uma reincidência impetuosa e sincera; mas, protestando. (ASSIS, 1994, p.26)

Nesse trecho, é perceptível a ambiguidade no comportamento de Marcela. A personagem finge “brigar” por ter recebido um presente caro. Assim, representa o papel de uma doce mulher “mimada” cujos gracejos do amante a enrubescem. Mas, ao mesmo tempo, denuncia ter um olhar ambicioso, ao mirar o objeto. Dessa forma, todos os “presentes” que Marcela ganhava, ela os guardava como uma espécie de “tesouro”, tendo uma visão extremamente calculista sobre sua profissão, por saber que a beleza um dia terminaria, sendo, depois disso, descartada pelos rapazes, como um objeto sem uso prático.

Como se nota no trecho: “juntava-as todas dentro de uma caixinha de ferro, cuja chave ninguém nunca, jamais soube onde ficava”. Essa “caixa” é representada metaforicamente como um “tesouro” de uma prostituta, sendo o seu paraíso escondido. Em um dado momento na obra, Brás Cubas começa a perceber em Marcela o seu lado falso e sem caráter. Conforme percebe-se no fragmento:

  • Mas essa cruz, observei eu, não me disseste que era teu pai que… Marcela abanou a cabeça com um ar de lástima:
  • Não percebeste que era mentira, que eu dizia isso para te não molestar? Vem cá, chiquito, não sejas assim desconfia- do comigo… Amei a outro; que importa, se acabou? Um dia, quando nos separarmos.
  • Não digas isso! bradei eu.
  • Tudo cessa! Um dia… (ASSIS,1994, p. 25).

No momento em que percebe a dissimulação da personagem acerca da origem da cruz, Brás Cubas descobre o real caráter de Marcela, a qual é o retrato de uma mulher que faz uso de todos os recursos para se conseguir o que quer, até “mentir. No entanto, a maior revelação é notada no fragmento abaixo:

Ficando a sós, derramei todo o desespero de meu coração; disse-lhe que ela era um monstro, que jamais me tivera amor, que me deixara descer a tudo, sem ter ao menos a desculpa da sinceridade; chamei-lhe muitos nomes feios, fazendo muitos gestos descompostos. Marcela deixara-se estar sentada, a estalar as unhas nos dentes, fria  como um pedaço de mármore . (ASSIS, 1994, p.26)

O fragmento expressa o desespero de Brás Cubas em se descobrir descartado pela dama espanhola. É nesta presente situação que ele se dá conta de que Marcela não passava de uma usurpadora de seu “dinheiro”. A cortesã deixa de ser referenciada como a “Linda Marcela” e passa a ser denominada como “um monstro, que jamais me tivera amor”. Este comentário exprime a revelação de que a “amante” fingiu todo “amar” ao longo de todo o caso.

Marcela então sai da relação amorosa demonstrando sua real face que é a de mulher, capaz de descartar situações e rapazes. Assim, Marcela “deixa-se estar sentada, a estalar as unhas nos dentes, fria como um pedaço de mármore”. A metáfora de mulher “mármore” é a representação de uma mulher segura e madura, que não se deixa levar por “paixões” e, muito menos, “romantizar” ações que não lhe proviam. Então, a personagem é metaforicamente chamada de fria e calculista, quando o autor utiliza de “pedaço de mármore” para evidenciar a sua postura sólida naquela situação. E essa ideia é confirmada na célebre frase que define a personagem:

Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.  (ASSIS, 1994, p.26)

Neste fragmento, fica nítida a ironia estabelecida pelo autor, quando resume a relação entre ambos na premissa acima. O dinheiro, então, passa a ser compreendido pelo narrador como o sustentáculo da relação. Mesmo assim, esse momento foi contemplado na narrativa com uma grande importância, já que Marcela tem um capítulo com o seu nome para retratar a realização desse romance.

Acredita-se que essa figura feminina machadiana se sobressai na narrativa, por usar a dissimulação como artifício de uma certa autonomia na sociedade. Deste modo, a personagem acaba por inverter posições, quando aborda os rapazes como os objetos de valor que, futuramente, seriam utilizados para uma virada de página de uma vivência não muito memorável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo foi de grande importância, então, se verificar como as figuras machadianas se tornam “pessoas morais” importantes para a compreensão de um feminino silenciado pela maioria da literatura escrita no século XIX. Frisa-se a constituição de personalidades fortes, capazes de escolher o seu “bem-estar” em primeiro lugar, a manter hábitos arcaicos.

Dessa forma, o estudo de Marcela e de Vigília proporcionou uma compreensão do modelo feminino machadiano como um repertório relevante para a reflexão sobre a identidade da mulher do século XIX, dando-lhe novas vozes.  Assim, acredita-se que essas personagens são modelos de contra conduta, inspiradores para a compreensão do universo feminino atual.  Ressalta-se como aspecto singular a ambiguidade de Vigília, tão comum em outras personagens machadianas, e também a dissimulação, como prática permanente nas duas personagens que se torna um artifício de prazer e de também sobrevivência ainda existente atualmente

Neste sentido, considera-se que a análise efetivada dá uma abordagem estética diferenciada ao romance, fazendo com o que o leitor tenha um olhar novo sobre o objeto estudado, já que a narrativa acontece segundo um olhar masculino, mas as ações são praticadas por figuras femininas, atuantes e protagonistas nesse mesmo cenário.

Assim, este romance se torna um corpus necessário a ser lido por leitores que almejam crescer academicamente e ter um olhar mais crítico sobre a sociedade brasileira do século XIX. Acredita-se que “Memória Póstuma de Brás Cubas” se torna um romance relevante na história da literatura Brasileira por ser uma obra realista, é também, contemporânea. Ela abre espaço para várias reflexões de cunho histórico e filosófico. No caso do estudo feminino é espelho de vivência de mulheres que se tornam arquétipos machadianos para se compreender a própria mulher brasileira.

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1 Professora. Especialista em Língua Portuguesa e Literaturas (FAFOPA); e Libras (FATAP). Licenciatura Plena em Letras (FAFOPA).

2 Professora. Especialista em Gestão na Educação com ênfase em Psicopedagogia (UNILEÃO); e em Formação Pedagógica em Biologia (UNIVASF); Licenciatura Plena em Geografia (FAFOPA); e em Pedagogia (UNIVASF).

3 Professora. Especialista em Educação Especial e inclusiva, e Metodologia de Ensino (FAVENI). Licenciatura Plena em Geografia (FAFOPA).

4 Professora. Especialista em Língua portuguesa, Inglês e suas Respectivas Literatura (FAFOPA); e em Educação Infantil (UFPI). Licenciatura Plena em Letras – Habilitação Português/Inglês e Respectivas Literaturas (FAFOPA).

5 Professora. Especialista em Coordenação Pedagógica (ISESPI); e em Psicopedagogia Institucional (ISESPI); Licenciatura Plena em Pedagogia (FACITE).

6 Professora. Especialista em Educação Ambiental (FACIAGRA). Licenciatura Plena em Biologia (FTC).

7 Professora. Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica (FARJ); e Geografia e Meio Ambiente (FIBMG); Licenciatura Plena em Pedagogia (FAFOPA); e em Geografia (FAFOPA).

8 Professora. Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica (FARJ); em AEE – Atendimento Educacional Especializado (FAVENI); em Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos (FAVENI); em Docência da Educação Infantil e dos Anos Iniciais (FAVENI); Metodologia do Ensino da Artes (FAVENI); e em Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar (FAP); Licenciatura Plena em Pedagogia (FACITE); em Educação Especial (UNIFAVENI); e em Artes Visuais (UNIFAVENI).

9 Professor & Analista Administrativo. Mestre em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido (PPGDiDeS/UNIVASF). Especialista em Metodologias Ativas (UNIVASF); em Tecnologias Digitais Aplicadas à Educação (IFSertãoPE); em EJA – Educação de Jovens e Adultos e Informática da Educação (FAVENI); em MBA em Gestão em Projeto (FAVENI); em Gestão Ambiental de Empresas (FAVENI); em Ensino de Matemática (UNIVASF); em Gestão Pública (UNIVASF); em Gestão Pública Municipal (UNIVASF); em Psicopedagogia (UNICSUL); em Ensino da Geografia (UNIBF); em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (UFPE); Bacharelado em Administração (UNICSUL); e em Ciências Contábeis (FACISA); e Licenciatura Plena em Pedagogia (FACITE); e em Geografia (UNICSUL).