MULHERES DE FIBRA DE VERA CRUZ/RN: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ECONOMIA SOLIDÁRIA 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502111753


Lígia Dielly de lima Pereira¹ 
Vinícius Claudino de Sá² 
Jarmeson Vidal de Oliveira³
Rivânia Rayane Dantas de Lima4
Sérgio Luiz Freire Costa5
Demétrius Oliveira Marques6
Larissa Nobre de Carvalho Tavares7
Eribaldo Gomes Nobre Júnior8


Resumo

Ao longo dessa pesquisa, nos propomos a discutir e analisar, as atividades e vivências desenvolvidas pelo grupo Mulheres de Fibra – Vera Cruz/RN, tendo por objetivo observar de que forma essas práticas se alinham com a Economia Solidária e de que forma cada integrante do grupo é impactado não somente nas práticas coletivas, mas também em seu aspecto individual. Foi adotado como metodologia uma entrevista semiestruturada e pesquisas bibliográficas em busca de uma discussão de caráter qualitativo que melhor se relaciona com o objeto, a partir de autores que discutem tanto a Economia Solidária, mas também seus desafios para a sua manutenção em meio ao sistema capitalista. Ao relacionarmos o material da pesquisa com o que a literatura indica, observamos que o grupo atua de forma solidária e isso pode ser percebido não somente na forma de produzir e comercializar, mas também ao se relacionar com atores sociais de outros espaços. Por fim, podemos entender que experiências como a pesquisada servem para nortear que há êxito em fomentar a Economia Solidária, que se mostra uma alternativa ainda que permeada de desafios, é uma importante ferramenta para um modelo de desenvolvimento socialmente mais justo.  

Palavras-Chave: Economia Solidária, Artesanato, Associativismo, Grupo de Mulheres. 

  1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo discutir as práticas do Grupo Mulheres de Fibra e as relações com a perspectiva da Economia Solidária. O grupo Mulheres de Fibra de Vera Cruz/RN faz parte da Associação de Proteção à Maternidade e Infância e o Meio Rural (APAMI) localizado no município de Vera Cruz, região metropolitana do Natal, capital do Rio Grande do Norte. Estando ativo desde 2009, sendo o resultado de esforços coletivos em uma tentativa de articulação dos artesãos e artesãs da cidade, e suas diversas tipologias. 

O artesanato é uma temática complexa e que se relaciona com a existência humana desde sua origem, de modo que as primeiras peças que se tem registro, datam de 6.000 A.C. Em um momento em que a transformação de matérias primas de diversas origens tinha, por objetivo atender necessidades específicas daqueles indivíduos. (LIMA, 2011). Para, além disso, devemos salientar que mesmo com o passar do tempo, o artesanato se manteve como um significativo elemento das diversas sociedades, sendo uma importante forma de evidenciar a cultura e povos de cada região. (SEBRAE, 2022). 

Dessa forma, se em um primeiro momento o artesanato tinha por característica suprir demandas específicas, e em seguida passa a ser compreendido também como uma forma de representação e diferenciação entre os povos, é primordial se ter a dimensão dos impactos da Revolução Industrial para esses artífices. É em meio a esse período de grande desenvolvimento tecnológico, que as atividades dos artesãos vão caindo em declínio, uma vez que há um processo de substituição, de forma que suas atividades passam a ser executadas por máquinas, em uma relação que implicou aumento de produtividade e redução dos custos. 

É também reflexo dos impactos da Revolução Industrial, o ambiente perfeito para o surgimento tanto de experimentos no âmbito do cooperativismo, bem como a Economia Solidária, de forma que seu nascimento está ligado ao capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. (SINGER, 2002). Assim podemos perceber uma primeira relação entre as duas temáticas e como essas seguem se consolidando ao longo do tempo. 

Em vista disso, adotamos como metodologia uma entrevista semiestruturada realizada em outubro de 2023, e pesquisas bibliográficas por compreendermos ser mais adequado para nosso objeto de pesquisa e assim trazer as discussões que serão apresentadas.

2. Relato de Experiência

Quem nos descreve a trajetória do grupo são duas artesãs. Maria Dos Anjos (50 anos) que participou de todas as reuniões desde a fundação do grupo em 2009 e hoje atua como uma das lideranças, ela descreve que resolveu participar por gostar de artesanato, mas que não tinha ideia da dimensão que tudo iria tomar, que foi para a reunião de forma despretensiosa, que era uma forma de ocupar o tempo livre que tinha durante as tardes, mas que hoje, não se imagina fora do grupo e vê toda a sua família envolvida com as atividades do artesanato e da associação.

A segunda entrevistada é Lívia Mizaeli (26 anos) ela só entrou no grupo em 2011 quando tinha apenas 14 anos. Lívia diz que resolveu fazer parte das atividades do grupo por ver sua família se empenhando nas atividades e gostou.

O grupo Mulheres de Fibra de Vera Cruz/RN faz parte da Associação de Proteção à Maternidade e Infância e o Meio Rural (APAMI) localizado no município de Vera Cruz, região metropolitana do Natal, capital do Rio Grande do Norte. Estando ativo desde 2009 numa tentativa de articular o artesanato do município, buscou-se parcerias junto ao SEBRAE-RN, Instituto Cooperforte e outros.

Este processo de articulação foi idealizado pela Secretaria Municipal de Habitação e Assistência Social que tinha como secretária, Eliene Cruz. Que entendia ser necessário organizar a categoria para que pudessem conquistar novos mercados e gerar renda. Foram convidados artesãos e artesãs do município para uma reunião. Ao longo dos encontros, foi pensado em uma tipologia que pudesse representar as características do município e que pudesse criar uma identidade, uma vez que cada um trabalhava com materiais e técnicas diferentes.

Essa escolha passou por todo um acompanhamento de parceiros institucionais que apresentaram algumas possibilidades, depois de pesquisas, optou-se pela fibra da palha do coqueiro, já que era perceptível a facilidade de encontrar a matéria-prima, e também pelo fato de ser uma tipologia ainda pouco explorada no país todo, mas esse processo não foi simples, de certa forma houve uma resistência por parte dos integrantes, como descreve a entrevistada:

“Essa já foi uma primeira dificuldade, várias das pessoas que estavam na primeira reunião não quiseram mudar o artesanato que já faziam. Tinha gente do crochê, biscuit, ponto cruz. E também não gostaram da ideia de ter que trabalhar em grupo, quando disseram que a ideia era montar uma associação, várias pessoas se levantaram e desistiram na hora”. (Entrevistada M, 2023).

Firmado as pessoas que tinham interesse em fazer parte do grupo, que inicialmente tinha o nome de “Arte de Futuro” buscou-se através do SEBRAE alguém que pudesse dar a formação na técnica escolhida. Assim, o grupo passou por um curso básico sobre a fibra da palha de coqueiro, tendo 4 semanas de duração, divididas em 2 semanas para a limpeza da fibra e 2 semanas para o aprendizado da técnica propriamente dita e confecção das peças. A partir dessa formação as mulheres deram início a produção.

“A gente foi fazer o curso de fibra e não sabia de nada, começamos do zero. Tudo foi muito novo, precisamos aprender do escolher quais as palhas podiam tirar do coqueiro até como fazer o acabamento das peças. Tivemos pouco tempo com a professora, logo depois a gente já começou a pegar encomendas, mas tudo o que a gente sabia fazer ainda era muito básico”. (Entrevistada M, 2023).

Inicialmente o grupo se reunia em um espaço alugado e uma das demandas mais emergentes era uma sede própria, mas seguia desenvolvendo suas atividades e realizando suas primeiras encomendas. O processo de amadurecimento do grupo naturalmente impôs desafios cada vez maiores, e ao mesmo tempo em que cada vez mais o grupo se qualificava para melhorar seu empreendimento, componentes ficavam pelo caminho por diferentes motivos, dentre as mudanças mais significativas os poucos homens do início do projeto acabaram saindo.

Nesse mesmo período o grupo optou por mudar de nome e passou a se chamar “Mulheres de Fibra” a escolha passa por um duplo aspecto, por um lado tendo a ver com a matéria prima utilizada e também pela determinação das mulheres que mesmo em meio a tantas adversidades optaram por seguir lutando e encontrando no apoio mútuo, a razão para seguir em frente.

“No começo tinham alguns homens, mas acabou que eles saíram. A gente começou a ter desafios, algumas pessoas foram precisando sair, fosse porque não tinham mais interesse em estar em associação, por questões de saúde ou por trabalho. Também aconteceu de algumas mulheres que faziam parte, acabavam tendo problema em ir para a associação porque os maridos não queriam deixar elas se reunirem, mas a gente seguia pra que elas não desistissem, o grupo fazia bem para todas”. (Entrevistada M, 2023).

Em 2010/2012 foram contempladas com uma sede própria que foi adquirida através de um projeto submetido a um edital do Governo do RN, com a construção do prédio outras formações dessa vez mais focados na gestão solidária do empreendimento que era pautado em reuniões e acompanhamento por especialistas. 

Assim, o grupo foi se fortalecendo no cenário do artesanato rompendo as fronteiras do estado e se estabelecendo também no âmbito nacional, citando também que o grupo já foi premiado como destaque no município por suas atividades desenvolvidas e pelo SEBRAE Nacional com a premiação do TOP 100 que premia as 100 maiores e mais competitivas associações do país.

“Nós passamos por muitos desafios, a gente precisou lidar com as dificuldades na parte da gestão do grupo, cuidar do dinheiro, divisão das atividades. Tudo isso algumas vezes acabava causando desconforto, mesmo não sendo fácil a gente sempre tentou conversar e chegar em um ponto que fosse o melhor para o grupo. (Entrevistada M, 2023).

Desde sua fundação até o presente momento, o grupo segue participando, representando não só o município e a região Agreste, mas todo o RN em diversas feiras de artesanato e eventos, entre elas podemos citar: Festa do Boi, Fenearte, Brasil Mostra Brasil, Fiart, Festa de Sant’Ana, Decoração Natalina do SEBRAE-RN entre outras.

O período mais crítico da Pandemia Covid-19 que impactou os diversos segmentos da sociedade, trouxe também implicações ao grupo Mulheres de Fibra, de forma que parte considerável do grupo fazia parte do grupo de risco, e precisaram interromper momentaneamente as atividades. Mas observa-se que a união é um importante fator para a permanência das integrantes.

“Acho que direta ou indiretamente a pandemia afetou todas as pessoas, com o grupo não foi diferente. A gente precisou parar um pouco, se cuidar. Mas agora estamos retomando a participação nos espaços e feiras. O grupo não é importante só pelo fator financeiro, mas também como um lugar seguro e de apoio, sabe?! A gente sabe que nos faz bem!” (Entrevistada L, 2023).

“Eu percebo que muda não só a minha forma de produzir, mas como eu me relaciono com as outras pessoas. Não vejo como concorrentes, mas como aliadas mesmo. Se vou em uma cidade, sei que posso contar com alguma amiga de lá, e torço para que elas venham e eu possa retribuir. Se vou em uma feira e conheço alguma pessoa mesmo que não seja do grupo, tento levar as peças para comercializar, é bom pra todas.” (Entrevistada M, 2023).

4. Considerações Finais:

Constata-se que ao longo do tempo, a dinâmica do meio rural vem se transformando, de forma com que cada vez mais, mulheres buscam se inserir em perspectivas produtivas. Mas mais que isso, em espaços que possam se sentir acolhidas e que haja respeito as suas demandas individuais, se no capitalismo há um processo de mercantilização em todos os espaços possíveis. (TAUILE, 2002) é no coletivo a possibilidade da compreensão do outro. 

Observamos que as práticas desenvolvidas pelo grupo se alinham tanto na produção em uma perspectiva solidária, mas também no se relacionar com os demais atores da comunidade. Que o acompanhamento técnico que o grupo teve tem colaboração fundamental no êxito da experiência, mas que só é alcançada com o empenho efetivo dos participantes, uma vez que a permanência no coletivo é opcional. 

Os desafios descritos de certa forma são esperados em coletivos, uma vez que o processo de assumir responsabilidades e corrigir o que é necessário com relação ao empreendimento solidário, é fruto da experiência coletiva e de entender que aquele espaço é fruto de uma autogestão, que como indica (SINGER, 2002), as pessoas não nascem inclinadas a um modelo ou outro, mas sim aprendem. 

Assim fica evidente o quão positivo são as práticas do grupo Mulheres de Fibra, ainda que constantemente precisem lidar com desafios, vêem na coletividade e Economia Solidária uma razão para seguir desenvolvendo suas atividades em busca do fortalecimento da comunidade e que a adoção da perspectiva solidária impacta mais que o grupo, mas que acabam norteando as práticas individuais das integrantes.  

5. Referências:

ARTESANATO: cultura e arte no turismo regional. [S. l.], 2 dez. 2022. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/artesanato-cultura-e-arte-no-turismoregional,2e5da30bd0f13810VgnVCM100000d701210aRCRD#:~:text=O%20artesanato%20%C3%A9%20a%20produ%C3%A7%C3%A3o,o%20povo%20de%20uma%20regi%C3%A3o. Acesso em: 4 out. 2023.

Tauile, José Ricardo. DO SOCIALISMO DE MERCADO À ECONOMIA SOLIDÁRIA. R. Econ. contemp., Rio de Janeiro, 6(1): 107-122, jan./jun. 2002, [s. l.], 3 jun. 2002.

LIMA, Ricardo Gomes. Artesanato e arte popular: duas faces de uma mesma moeda. Brasília: Ministério da Cultura -Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, 2009.

LUZ, Ana Carla Andrade; SILVA, Emanuelle Kelly Rodrigues. ARTESANATO: ARTE POPULAR OU O NOVO LUXO? 12º Colóquio de Moda – 9ª Edição Internacional 3º Congresso de Iniciação Científica em Design e Moda, [S. l.], p. 1-12. 2016.

MACHADO, Juliana Porto. O conceito de artesanato: Uma produção manual. Revista de Ciências Humanas e Sociais, [S. l.], p. 52-72, set. 2016.


PROGRAMA do Artesanato Brasileiro (PAB). [S. l.], 9 jul. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/artesanato/conheca-o pab/programa-do-artesanato-brasileiro-pab-1. Acesso em: 4 out. 2023.

Singer, Paul. Introdução à Economia Solidária / Paul Singer – 1a ed. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.,


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