MUDANÇAS SOCIOESPACIAIS DESENCADEADAS PELOS GRANDES PROJETOS NA VOLTA GRANDE DO XINGU: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MUNICÍPIO DE SENADOR JOSÉ PORFÍRIO-PA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248211240


Valdinei Mendes Moura1
Anderson Gomes de Oliveira2


RESUMO

Neste artigo, aborda-se que a produção territorial na Volta Grande do Xingu, no município de Senador José Porfírio-PA, vem se configurando de forma contraditória. Frente as mudanças socioespaciais desencadeadas na área de influência da Volta Grande do Xingu, essa região passou (e ainda vem passando) por um processo de ordenamento territorial, sendo que o uso e ocupação da terra e das águas, notadamente vêm resultando em danos significativos ao meio ambiente. Desse modo, através desses pressupostos, objetiva-se analisar as mudanças desencadeadas pelos grandes projetos na volta grande do Xingu a partir do município de Senador José Porfírio-PA, utilizando-se de pesquisa bibliográfica e análises espaciais em bases digitais, como ferramentas para explicar as dinâmicas territoriais, econômicas e socioambientais desses usos, no período de 2010 a 2020.

Palavras-chaves: Volta Grande do Xingu, mudanças, produção territorial.

ABSTRACT

In this article, it is addressed that territorial production in Volta Grande do Xingu, in the municipality of Senador José Porfírio-PA, has been taking shape in a contradictory manner. In the face of the socio-spatial changes triggered in the area of influence of Volta Grande do Xingu, this region has undergone (and is still undergoing) a territorial planning process, with land and water use and occupation notably resulting in significant environmental damage. Thus, through these assumptions, the objective is to analyze the changes triggered by large projects in Volta Grande do Xingu from the municipality of Senador José Porfírio-PA, using bibliographic research and spatial analyses in digital bases as tools to explain the territorial, economic, and socio-environmental dynamics of these uses from 2010 to 2020.

Keywords: Volta Grande do Xingu, changes, territorial production.

RESUMEN

En este artículo se aborda que la producción territorial en la Volta Grande do Xingu, en el municipio de Senador José Porfírio-PA, se ha configurado de manera contradictoria. Frente a los cambios socioespaciales desencadenados en el área de influência de la Volta Grande do Xingu, esta región ha pasado (y sigue pasando) por un proceso de ordenamiento territorial, siendo que el uso y ocupación de la tierra y las águas, notablemente, han resultado en daños significativos al medio ambiente. De este modo, a través de estos supuestos, se objetiva analizar los cambios desencadenados por los grandes proyectos en la Volta Grande do Xingu desde el municipio de Senador José Porfírio-PA, utilizando investigación bibliográfica y análisis espaciales en bases digitales, como herramientas para explicar las dinámicas territoriales, económicas y socioambientales de estos usos, en el período de 2010 a 2020

Palabras clave: Volta Grande do Xingu, cambios, producción territorial.

INTRODUÇÃO

É conhecido o grande interesse existente sobre os recursos amazônicos, principalmente por parte dos sistemas da ciência, tecnologia e inovação que muitas vezes, no decorrer de suas atividades, acessam conhecimentos tradicionais de povos indígenas ou comunidades locais, sem observar as normas vigentes sobre o tema, as quais pressupõem a anuência destas comunidades, a autorização de setores específicos de governo e a necessária repartição dos benefícios derivados destas atividades. (Silva et al 2007).

 A partir destes pressupostos, os Arara da Volta Grande do Xingu, em questão estão localizados na parte baixa da bacia do Xingu, entre os rios Bacajá e Bacajaí (daí serem conhecidos como Arara da Volta Grande do Xingu), por exemplo, habitantes da confluência dos rios Xingu e Bacajá, na Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu (ISA, 2020) vêm sendo afetados pelos grandes empreendimentos hidroenergéticos e minerários nesta Região. A região é formada por diversas corredeiras e ilhas fundamentais para a vida dos Araras, pois as usam para pescar e caçar (ISA, 2020).

A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte) trouxe significativas mudanças para o rio Xingu, especialmente na região conhecida como Volta Grande, que está inserida no Trecho de Vazão Reduzida (ISA, 2020). Esse trecho, caracterizado pela diminuição do fluxo de água, exemplifica a tensão entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental.

A alteração no fluxo do rio não apenas impacta a ecologia local, mas também afeta as comunidades ribeirinhas e indígenas que dependem do Xingu para sua subsistência e cultura. A redução da vazão altera os ciclos naturais do rio, comprometendo a biodiversidade aquática e a pesca, essencial para a alimentação e economia locais.

O caso de Belo Monte ilustra os desafios e conflitos que surgem quando projetos de grande escala são implementados sem uma avaliação adequada dos impactos socioambientais, destacando a necessidade de um planejamento mais cuidadoso e inclusivo para assegurar que o desenvolvimento não ocorra às custas do meio ambiente e das populações tradicionais.

Atualmente, essa demonstração de poder territorial é evidenciada pela existência do mapa das comunidades potencialmente impactadas pelo Projeto Volta Grande, da empresa Belo Sun Mineração Ltda.

O mapa abrange uma diversidade de habitantes na região do Xingu, incluindo indígenas, sejam eles aldeados ou não, agricultores, garimpeiros, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores em geral. Todos esses grupos estão atentos aos riscos e promessas associadas ao primeiro empreendimento de mineração industrial da área.

Os empreendimentos hidrelétricos no Brasil ocasionam pontos divergentes de diferentes atores ou sujeitos sociais envolvidos no processo de materialização dessas formas geográficas, notadamente confirmado com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, com resultados catastróficos na região da Volta Grande do Xingu.

Embasado nesses pressupostos, o objetivo deste artigo é investigar as mudanças socioespaciais decorrentes dos grandes projetos na Volta Grande do Xingu, a partir do município de Senador José Porfírio-PA, utilizando pesquisa bibliográfica e análises socioespaciais em bases digitais para elucidar as dinâmicas territoriais, econômicas e socioambientais desses usos, no período de 2010 a 2020.

ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo está localizada no trecho do rio Xingu chamado de Volta Grande (figura 1), (município de Altamira-PA, Vitória do Xingu, Anapu e Senador José Porfírio-PA) das mesorregiões do baixo e médio Xingu, no estado do Pará (MPEG 2008). O clima da região é do tipo tropical úmido segundo classificação de Köppen, com temperatura média de 26° C, precipitação anual de 2.289 mm e umidade relativa entre 78 e 88% (Sousa Jr. et al. 2006).

A cobertura vegetal é composta por quatro fitofisionomias principais, a saber: floresta ombrófila densa, floresta ombrófila aluvial, floresta ombrófila aberta com palmeiras e floresta ombrófila aberta com palmeiras e cipós, conforme descreve Salomão et al. (2007), além de capoeiras e áreas de pastagens.

Na Volta Grande do Rio Xingu encontra-se um expressivo trecho em canais rochosos, trechos de canais anastomosados e trechos mistos (ocorrência dos dois padrões) cuja singularidade no território amazônico deveria ser explorada como importante área de geodiversidade (Silva & Rodrigues, 2010, p. 224).

MATERIAL E MÉTODOS

Os procedimentos metodológicos utilizados nessa pesquisa têm como cerne a pesquisa bibliográfica e as análises espaciais em bases digitais, realizadas através do sistema de informações geográficas, neste caso PRODES (Programa Nacional de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por satélite), ISA (Instituo Socioambiental), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), utilizando-se de coordenadas geográficas no datum SIRGAS 2000 e MAPBIOMAS (Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil). Nestas bases de dados secundários realizaram-se análises para interpretação do material obtido.

Esses procedimentos possibilitaram-se através de pesquisa bibliográfica em bases digitais, estudos sobre a dinâmica dos usos do rio e da terra na região da Volta Grande do Xingu. Por fim com esses dados secundários foram elaborados gráficos e tabelas, a partir de cálculos de área obtidos bases digitais, buscando possibilitar uma análise das dinâmicas geográficas na Volta Grande do Xingu.

Ademais, também foram organizados mapas e tabelas com o escopo de possibilitar geograficamente, cartograficamente e estatisticamente os procedimentos analisados, buscando embasar resultados e discussão de aspectos territoriais, econômicos e socioambientais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Frente às mudanças ocorridas na área de influência da Volta Grande do Xingu, essa região passou (e ainda vem passando) por um processo de ordenamento territorial, sendo que as formas de uso e ocupação da terra e das águas notadamente vêm resultando em danos significativos ao meio ambiente.

Na região da Vota Grande do Xingu, a instalação da UHE Belo Monte e a iminente implantação do Projeto Belo Sun, visando à exploração minerária, no território de Senador José Porfírio, desencadearam processos geográficos contraditórios, com histórico de violência, sobretudo aos povos tradicionais dessa região (ribeirinhos, agroextrativistas, garimpeiros, assentados e indígenas) que incidiram no uso da terra e da água, evidentemente.  

Depois da inauguração da parcial da UHE Belo Monte em 2015, Chaves (2018) alertou que essa hidrelétrica modificou profundamente a dinâmica natural do rio Xingu, e trouxe muitas incertezas aos moradores do trecho de vazão reduzida (TVR) do empreendimento.

Efetivamente, com a formação do TVR, o regime do rio Xingu tornou-se estranho aos grupos ribeirinhos, de modo que, esses grupos, como assinala Chaves (2018), já tiveram plantações e embarcações arrastadas por um fluxo repentino decorrente da abertura de comportas da barragem principal da UHE Belo Monte.

Figura 1: Localização da área de interesse do Projeto Belo Sun na Volta Grande do Xingu.   
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

Dessa maneira, a construção da UHE Belo Monte redefiniu a relação sociedade-natureza na Volta Grande do rio Xingu, atingindo fortemente o modo de vida dos grupos sociais ribeirinhos que, contraditoriamente, por estarem num trecho do rio que não iria submergir, mas perder vazão não foram considerados como atingidos pelo empreendimento, ficando assim, sem direitos a indenizações e/ou reassentamento.

As intervenções antrópicas, através das políticas econômicas verticalizadas na Região, viabilizadas inicialmente pela construção da BR 230 (Transamazônica), e mais recentemente sofreram influências diretas de construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte a montante do Rio Xingu no município de Vitória do Xingu-PA.

Outro grande empreendimento em vias de instalação na Volta Grande do Xingu, na porção territorial sul de Senador José Porfírio, é o Projeto Belo Sun (ver figura 1). Os planos de expansão da mineradora têm aquecido o mercado de terras local.

A viabilidade através da rede fluvial e sobretudo as redes rodoviárias (estradas e ramais) e de comunicação, demonstrados na figura 1, vêm produzindo conflituosamente e assimetricamente o território na zona de influência da Volta Grande do Xingu.

Essas antropizações resultaram em possibilidade de uma indenização vultosa no momento de implantação do projeto minerário, o que tem levado muitos atores locais a ocupar e desmatar grandes áreas de floresta na região. A estratégia de ocupação inclui o uso de Cadastro Ambiental – CAR para legitimar posses recentes e reivindicar indenizações (ISA, 2018, p. 3).

Ainda segundo o ISA (2018, p. 03),O eventual avanço do processo de licenciamento do projeto Belo Sun, junto com a mudança do cenário político, que tende a facilitar a concentração fundiária, podem agravar o processo de ocupação e desmatamento nessa região, pertencente ao município de Senador Porfírio”, o que, aliás, é o que já vem ocorrendo, como se observa subsequentemente, inclusive no interior de Terras Indígenas, áreas que por lei, estariam mais protegidas desse processo de degradação ambiental.

Ademais, os projetos Belos Sun para exploração mineral na região da volta grande do Xingu, no município de Senador José Porfírio, com influência para o Brasil e o mundo, são descompromissados com as questões socioeconômicas e socioambientais da Volta Grande do Xingu, além de questões climáticas locais e globais.

São as atividades antrópicas que produzem o território, portanto, compreender o processo de evolução de uso e ocupação da terra nos remete neste artigo a uma compreensão multiescalar.

Esse processo de uso e ocupação da terra se deu através dessas interações multiescalares, veiculadas por uma rede de estradas, ramais e travessões interligada ao rio Xingu e à predominante BR 230 (Transamazônica), o que vem viabilizando redes de comunicação, a comercialização e ocupação da terra e a produção territorial na Volta Grande do Xingu.

Desse modo, ultimamente vêm sendo priorizado a pecuária extensiva, com maior intensidade para criação de gado bovino, mas que intencionalmente ocorrem a supressão vegetal e queimadas para efetivação da agropecuária ocasionando diversos conflitos socioambientais. Com essas antropizações são evidenciadas as mudanças nos assentamentos, localizados ao sul do município de Senador José Porfírio, zona de influência da Volta Grande do Xingu, (Figura 02).

É importante ressaltar que os empreendimentos estatais e voltados para interesses econômicos, como os projetos hidroenergéticos (Belo Monte) e mineradores (Belo Sun), têm provocado transformações significativas no uso e na ocupação da terra e das águas na região da Volta Grande. Veja figura 2 a seguir.

Figura 2: Assentamento Ressaca, Volta Grande do Xingu
Fonte: brasil.mongabay.com

No período de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (2010 a 2018) e, posteriormente, com a inserção da mineradora Belo Sun no assentamento Ressaca, na Volta Grande do Xingu, houve uma expansão das atividades humanas no Projeto de Assentamento Extrativista (PEAEX Napoleão Santos), situado na Volta Grande do Xingu, no município de Senador José Porfírio. Principalmente entre os anos de 2010 e 2019, essas ações modificaram significativamente a paisagem natural da região.

Figura 3: Mapa de Localização dos Assentamentos Rurais
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

A análise dos dados agropecuários e florestais dos projetos de assentamento na região da Volta Grande do Xingu é fundamental para compreender o impacto e a dinâmica dessas iniciativas sobre o meio ambiente e a economia local.

A região, localizada ao centro-sul do município de Senador José Porfírio-PA, abriga diversas comunidades que dependem diretamente da agricultura familiar, pequena pecuária e das atividades florestais para sua subsistência.

O Quadro 1 a seguir apresenta dados agropecuários e florestais referentes aos assentamentos na região centro-sul de Senador José Porfírio, no estado do Pará, destacando a evolução das áreas ocupadas pelos Projetos de Assentamento (PA) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) entre os anos de 2010 e 2020. Esses dados são decisivos para entender a dinâmica de uso da terra e a conservação das florestas na região.

O PA (Projeto de Assentamento) Itapuama apresentou um aumento significativo de 165% na área ocupada entre 2010 e 2020. Embora a expansão agropecuária seja notável, quase metade da área (48,21%) ainda é coberta por floresta em 2020, indicando uma coexistência entre atividades agropecuárias e conservação florestal.

O PA (Projeto de Assentamento) Ressaca também apresentou um aumento expressivo de 149% na área ocupada. A porcentagem de área de floresta em 2020 é ligeiramente maior que a de Itapuama (48,53%), o que sugere um equilíbrio similar entre a expansão das atividades humanas e a manutenção de áreas florestais.

O PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) Itatá destaca-se pelo aumento extraordinário de 333,2% na área ocupada em apenas dez anos. Apesar desse crescimento acentuado, 65,13% da área permanece coberta por floresta, o que sugere uma abordagem mais sustentável no desenvolvimento do assentamento, em comparação com os outros dois projetos.

Quadro 1: Dados agropecuários e florestais nos assentamentos ao centro-sul de Senador José Porfírio-PA.

Projeto de Assentamento – PA e Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS  Ano 2010 (ha)  Ano 2020 (ha)  Aumento (%)  Área de floresta em 2020 (%)
PA Itapuama19.80932.68816548,21
PA Ressaca14.21321.24614948,53
PDS Itatá5.47618.248333,265,13

Fonte: Mapbiomas (2020)
Elaboração: Moura e Mendes (2020).  

  Os dados apresentados no Quadro 1 fornecem uma visão abrangente das mudanças nas áreas de assentamento na região centro-sul de Senador José Porfírio entre 2010 e 2020. Indicam um crescimento significativo nas áreas ocupadas pelos assentamentos ao longo da última década.

Esse aumento relaciona-se a intensificação da produção agropecuária e a pressão por novos espaços de cultivo e pastagem. No entanto, a preservação de áreas florestais consideráveis, especialmente no PDS Itatá, aponta para uma preocupação crescente com a sustentabilidade e a conservação ambiental.

Analisa-se que a coexistência entre atividades agropecuárias e a preservação de áreas florestais é seminal para a sustentabilidade dos assentamentos. As políticas públicas e as práticas de manejo sustentável desempenham um papel fundamental para assegurar que o desenvolvimento regional e econômico não ocorra à custa da degradação ambiental.                  

  A Figura 4 a seguir revela a extensão do impacto ambiental causado pela ocupação desordenada e a ação indiscriminada dos grileiros na Gleba Bacajaí. Este desmatamento descontrolado, além de violar as regulamentações ambientais, compromete a sustentabilidade da região, ameaçando a biodiversidade e a integridade dos ecossistemas locais. A situação expõe a necessidade urgente de políticas mais eficazes e de uma fiscalização rigorosa para conter a atuação desses sujeitos e proteger as áreas de preservação.

A análise bibliográfica revela que, em 2005, famílias hipossuficientes solicitaram a regularização fundiária de uma parcela da Gleba Bacajaí, na modalidade Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista (PEAEX), visando beneficiar cerca de 268 famílias agroextrativistas pertencentes à Associação dos Produtores Rurais das Glebas Ituna, Bacajá e Bacajaí – APRIBAI (DPE, p. 03).

A partir dessa dinâmica, em 2012, o município de Senador José Porfírio-PA passou a figurar entre os que mais desmatam a Amazônia, conforme apontado por Paula Filho e Neres (2016).

Essa sequência de eventos destaca a complexidade das questões fundiárias na Amazônia, onde a pressão por regularização de terras e a necessidade de conservação ambiental frequentemente se chocam.

Apesar de passados onze anos de sua instauração e tramitação, o Processo/ITERPA 2005/183.675 não foi concluído, o que tem acarretado transtornos e ameaças às famílias (DPE, p. 03).

Além disso, a pesquisa bibliográfica relatadas nos seguintes parágrafos, corrobora que “toda essa demora em garantir a segurança na posse tem sido agravada com a iminência de instalação do projeto minerário denominado volta grande, da empresa belo sun mineração Ltda., cujo licenciamento tramita na Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Sustentabilidade” (DPE, p. 07).

O PEAEX está na área de impacto do projeto minerário, ao lado da terra indígena arara da volta grande, aumentando o risco de despejo e pressão humana de pessoas atraídas pelo empreendimento minerário, o qual já possui licença de instalação (lo) expedida pelo estado do Pará/SEMAS, para início das obras (doc. 18), (DPE, p. 07).

A análise espacial da figura 4 a seguir, baseia-se em dados geoespaciais fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), utilizando coordenadas geográficas no datum SIRGAS 2000.

A classificação das áreas desmatadas foi realizada em diferentes classes de tamanho, variando de 0,652 m² até 41,549 m². Essa cartografia digital permitiu a visualização e interpretação dos dados e uma compreensão precisa da distribuição e extensão do desmatamento.

A figura 4 destaca a distribuição do desmatamento na Gleba Estadual Bacajaí, evidenciando que as áreas mais afetadas variam consideravelmente em tamanho. As classes de desmatamento estão organizadas em intervalos crescentes, com áreas menores (0,652 m² a 4,112 m²) até áreas significativamente maiores (13,629 m² a 41,549 m²). As áreas desmatadas estão distribuídas de forma heterogênea, com uma concentração maior nas regiões nordeste e centro-leste da gleba.

Essa análise espacial revela que o desmatamento na Gleba Estadual Bacajaí é um fenômeno disseminado, com variações significativas em termos de tamanho das áreas desmatadas. As maiores concentrações de desmatamento nas regiões nordeste e centro-leste sugerem uma pressão antropogênica mais intensa nessas áreas, relacionada a atividades agrícolas e pecuárias.            

Figura 04: Distribuição do desmatamento na Gleba Bacajaí.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE  

A proximidade com corpos hídricos, representados em azul na figura 4, também indica uma possível correlação entre o desmatamento e o acesso a recursos hídricos, que são essenciais para a viabilidade das atividades econômicas na região. A distribuição do desmatamento na Gleba Estadual Bacajaí, conforme ilustrado pela figura 3, aponta para um padrão de uso da terra que tem resultado em significativos impactos ambientais.

Para mitigar esses efeitos, é crucial a implementação de políticas públicas focadas na conservação e uso sustentável dos recursos naturais. Futuras pesquisas devem continuar monitorando essa dinâmica, utilizando tecnologias de sensoriamento remoto e análises geoespaciais para fornecer dados atualizados e precisos, essenciais para a tomada de decisões informadas.

Nesse contexto, segundo a (DPE, p. 03), a regularização fundiária dessa parcela da gleba Bacajaí, foi solicitada em 2005, mas até hoje o estado do Pará não finalizou o processo, resultante no alto índice de desmatamento em seu território, efetuado principalmente por madeireiros e grileiros, com grandes áreas maiores que 100 ha, sobretudo para produção de pastagens.

De acordo com as informações do departamento nacional de produção mineral (DNPM), a Empresa Belo Sun mineração Ltda, realizou atividades de pesquisas na área do interior do PEAEX, sem consulta aos povos tradicionais agroextrativistas (DPE, p. 07).  

Na análise da tabela 02 a seguir fornece dados sobre o desmatamento na Amazônia brasileira até 2019, com valores em hectares (ha) e a porcentagem do desmatamento em relação ao total.

Esses dados são provenientes do Programa Nacional de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES) e refletem a evolução do desmatamento ao longo dos anos.

Observa-se na tabela 2 uma variação significativa no desmatamento ao longo dos anos. Em 2010, o desmatamento foi de 26,2 ha, correspondendo a 0,4% do total registrado até 2019. Este valor é relativamente baixo e pode refletir um período de maior controle ou menor atividade econômica que pressionasse por desmatamento.

Nos anos seguintes, houve um aumento considerável nos números. Em 2011, o desmatamento saltou para 202,2 ha, com uma porcentagem de 3,1%. Este aumento está associado a fatores como expansão agrícola, mineração e extração de madeira ilegal. Em 2012 e 2013, embora o desmatamento tenha mostrado uma pequena redução, os valores ainda foram elevados comparados a 2010.

A partir de 2014, observa-se um aumento drástico no desmatamento, com 220,2 ha em 2014 e 988,6 ha em 2015. Esses anos marcam uma tendência crescente, que atinge seu ápice em 2018, com 6.755,47 ha, o que representa 102% do total até aquele ano.

O aumento acentuado em 2018 atribui-se a uma combinação de fatores políticos e econômicos que favorecem o desmatamento, como a flexibilização de regras ambientais e o crescimento da demanda por recursos naturais.

Tabela 2:Evolução anual do desmatamento entre 2010 a 2019 no Projeto Estadual de assentamento Agroextrativista (PEAEX) Napoleão Santos.

  AnoDesmatamento até 2019
Ha%
201026,20,4
2011202,23,1
20128,80,1
201315.90,2
2014220,23,3
2015988,615,1
20161.933,629,2
20171.772,926,8
20186.755,47102
20199.631,24145,4
Total19.621,5171,43%


FONTE: PRODES (Programa Nacional de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por satélite), 2019.             

Em 2019, o desmatamento atinge 9.631,24 ha, representando 145,4% do total registrado até 2019. Esse crescimento exponencial pode indicar uma intensificação das atividades que levam ao desmatamento, possivelmente agravado por políticas menos restritivas e um aumento na exploração da Amazônia.

O total de desmatamento registrado até 2019 é de 19.621,51 ha, o que representa 71,43% do total monitorado pelo PRODES. Isso demonstra que uma parte significativa da área desmatada ao longo do período está concentrada em poucos anos, com uma alta intensidade de desmatamento em anos recentes.

Além disso, a atividade minerária do Projeto Volta Grande no PEAX é totalmente incompatível com a garantia dos direitos territoriais das comunidades tradicionais agroextrativista, pois afeta diretamente o desenvolvimento do assentamento, (DPE, p. 26).

 No caso de assentamentos que sejam formados por populações tradicionais poderá haver atividade de mineração, desde que não exista realocação de famílias e devidamente autorizadas pela comunidade (DPE, p. 26).  

Relata a defensoria de que há essa inércia e a demora de onze anos têm gerado insegurança jurídica nas posses e/ou ocupações, colocando as famílias em conflito com pessoas interessadas em demarcar lotes de terra e em explorar ilegalmente madeira em terras públicas, (DPE, p. 05).

 Para vertente política o Iterpa (Instituto de Terras do Pará) informa que já foi realizada a identificação da área pretendida pela comunidade, assim como a arrecadação das terras públicas. Desde 2010, porém, o procedimento permanece na fase de demarcação e vistoria.

Estão pendentes, portanto, o licenciamento ambiental, o ato de criação do assentamento e a assinatura do contrato de concessão de direito real coletivo em favor da associação dos beneficiados, DPE (2017).

Para a perspectiva econômica, mesmo com o processo ainda em andamento, a DPE (2017) solicita que o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) revogue as licenças de pesquisa mineral que afetam a área extrativista e beneficiam a empresa Belo Sun.

Na perspectiva cultural, a solicitação menciona a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige a consulta prévia às comunidades tradicionais, conforme compromisso firmado pelo Brasil.

No aspecto ambiental, a atividade minerária do Projeto Volta Grande no PEAEX Napoleão Santos é totalmente incompatível com a proteção dos direitos territoriais das comunidades tradicionais agroextrativistas, pois compromete diretamente o desenvolvimento do assentamento, de acordo com a DPE (2017).

 No contexto contemporâneo exemplificado pelo PEAEX (Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista) Napoleão Santos e pelas práticas sociais da empresa Belo Sun, observa-se o impacto das dinâmicas globais do capital internacional e das relações de produção.

Essas práticas exemplificam o processo de produção territorial e a divisão do trabalho em várias escalas, desde o local até o global. Conforme Raffestin (1986), esse processo abrange a exterioridade e a alteridade, mediadas por instrumentos ou mediadores.

Discutir o conceito de território, segundo o autor, implica a noção de limite, que se manifesta na relação que um grupo estabelece com uma porção específica do espaço, resultando na delimitação que expressa seu poder sobre essa área determinada (Raffestin, 1993 [1980], p. 153).

Os conceitos mencionados nos levam a refletir sobre os conflitos de regularização fundiária presentes no território da Gleba Bacajaí, onde está situado o PEAEX Napoleão Santos, na Volta Grande do Xingu. Nessa região, diversos atores sociais competem e exercem relações de poder de maneira conflituosa, refletindo um movimento dinâmico de interações espaciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início do século XXI, observa-se uma intensificação significativa das mudanças na região da Volta Grande do Xingu, especialmente no município de Senador José Porfírio-PA, onde políticas de ocupação territorial e desenvolvimento econômico têm privilegiado o grande capital, incluindo empresas agropecuárias, mineradoras como a Belo Sun, e empreendimentos de geração de energia como a Hidrelétrica de Belo Monte.

Essa entrada do grande capital tem gerado impactos socioambientais negativos, exacerbando disputas de lógicas opostas por terras públicas e confrontos entre diferentes grupos sociais, incluindo grileiros e povos agroextrativistas.

A Associação dos Produtores Rurais das Glebas Ituna, Bacajá e Bacajaí (APRIBAI) tem desempenhado um papel crucial na busca pela regularização fundiária do PEAEX Napoleão Santos, enfrentando desafios significativos diante do avanço contínuo do desmatamento na região.

  A preservação ambiental tornou-se um discurso central nesse contexto, à medida que o território do PEAEX se torna palco de conflitos intensificados pelo uso da terra e dos recursos hídricos do Rio Xingu, resultando em profundas mudanças socioambientais em níveis local e regional.

A expansão das atividades agropecuárias, madeireiras e minerárias no território do PEAEX Napoleão Santos tem criado novos espaços geográficos, substituindo a vegetação nativa por pastagens e causando perdas significativas de biodiversidade.

  O resultado das transformações da paisagem (floresta ombrófila) do PEAEX Napoleão Santos, no município de Senador José Porfírio-PA, se relaciona aos interesses do capital, nesse caso não pela transformação da paisagem “em si”, mas “para si” capitalizar o uso da terra por pastagens objetivando negociá-la posteriormente com maior taxa de lucro Moura et al. (2021).     

Essas transformações têm gerado tensões sociais e degradação ambiental crescentes, agravadas pela iminente instalação do Projeto Belo Sun, que visa à exploração de ouro em larga escala no médio rio Xingu.

O projeto promete intensificar ainda mais os impactos socioambientais na região, ameaçando não apenas a biodiversidade, mas também os modos de vida das comunidades agroextrativistas que dependem dos recursos naturais locais.

Recentemente, decisões judiciais destacam a influência política, econômica, social, ambiental, cultural e jurídica sobre a Volta Grande do Xingu. A suspensão da decisão que limitava o uso da água pela Hidrelétrica de Belo Monte revela a importância dessas questões para as comunidades locais, cuja subsistência depende diretamente do ecossistema do rio Xingu.

A análise das dinâmicas geográficas na Volta Grande do Xingu revela uma interação complexa entre diferentes atores sociais e interesses econômicos. A pressão humana e a migração de pessoas, especialmente grileiros que competem com agroextrativistas tradicionais por território, destacam-se como elementos centrais nesse contexto.

Os grileiros não apenas utilizam ilegalmente a terra na gleba Bacajaí, mas também pretendem indenizações concedidas pela empresa Belo Sun, intensificando os conflitos territoriais na região.

Além desses aspectos, a influência econômica na organização e transformação do espaço é um fator crucial. Santos (2014) destaca que o espaço, tratado como mercadoria, é diretamente moldado por instituições financeiras, bancos, proprietários imobiliários urbanos e latifundiários rurais.

Esses atores são frequentemente envolvidos em conflitos que evidenciam as contradições inerentes às práticas espaciais e à produção do espaço, conforme apontado por Lefebvre (2008).

Para o efeito, a Volta Grande do Xingu, Localizada no município de Senador José Porfírio-PA se tornou um epicentro de conflitos de interesse e territorialidades. Aqui, grupos com maior poder político e econômico, como latifundiários e interesses empresariais, competem por territórios com povos agroextrativistas, camponeses, ribeirinhos e indígenas. Frequentemente marginalizados, estes últimos continuam em suas lutas por acesso e controle sobre recursos naturais e territórios tradicionais.

Esses eventos sublinham a necessidade urgente de políticas públicas que considerem tanto o uso sustentável quanto a preservação dos recursos naturais da região, garantindo a sobrevivência das atividades humanas e a proteção ambiental a longo prazo.

Consequentemente, os achados desta pesquisa oferecem informações essenciais para a criação e execução de políticas públicas eficazes no planejamento do uso e cobertura da terra na Volta Grande do Xingu.

Para além disso, ressalta-se a importância de futuras investigações para continuar monitorando e mitigando os impactos das atividades econômicas sobre o meio ambiente e as comunidades locais, assegurando um desenvolvimento sustentável para a região.

REFERÊNCIAS

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1 Licenciado (2015) e Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Pará (PPGEO 2021).
Doutorando em Planejamento Regional e Urbano (UNIFACS)
E-mail: vmendesmoura0@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6926-5694

2 Doutor em Geografia pela Universidade de Santiago de Compostela
Pós-Doutor em Planejamento Regional e Urbano (UNIFACS)
Professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano – UNIFACS
Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial – UEFS
Coordenador de Recursos Naturais e Ambientais – SEI
E-mail:andersongomes.oga@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-4640-5583