MUCOCELES SUPERFICIAIS ORAIS: UMA ANÁLISE DAS ASSOCIAÇÕES CLÍNICAS, ETIOPATOGENIA E OPÇÕES DE TRATAMENTO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045866


Felipe de Souza Nobre


RESUMO

A mucocele é uma lesão comum na mucosa oral, originada a partir das glândulas salivares menores. Este estudo se concentra nas mucoceles superficiais, um subtipo específico. O objetivo é analisar associações clínicas, etiopatogenia, recorrência e tratamento dessas lesões. Mucoceles superficiais têm associações com várias condições sistêmicas e locais, indicando uma resposta do sistema imunológico a condições subjacentes. A etiologia é complexa, com teorias que incluem obstrução dos ductos salivares e mecanismos inflamatórios. O tratamento varia, desde corticosteroides tópicos até abordagens cirúrgicas. Em resumo, compreender as mucoceles superficiais é crucial para diagnóstico e tratamento eficaz, com abordagens terapêuticas variadas, dependendo da etiologia.

Palavras-chave: Mucocele superficial, lesão oral, associações clínicas.

ABSTRACT

Mucocele is a common lesion in the oral mucosa, originating from minor salivary glands. This study focuses on superficial mucoceles, a specific subtype. The objective is to analyze clinical associations, etiopathogenesis, recurrence, and treatment of these lesions. Superficial mucoceles are associated with various systemic and local conditions, indicating an immune system response to underlying conditions. The etiology is complex, with theories including obstruction of salivary ducts and inflammatory mechanisms. Treatment varies, from topical corticosteroids to surgical approaches. In summary, understanding superficial mucoceles is crucial for effective diagnosis and treatment, with various therapeutic approaches depending on the etiology.

Keywords: Superficial mucocele, oral lesion, clinical associations.

INTRODUÇÃO

A mucocele é uma lesão comumente encontrada na mucosa oral, originada a partir das glândulas salivares menores. Essa lesão surge devido à ruptura ou obstrução de um ducto salivar, levando ao acúmulo de mucina nos tecidos moles circundantes. As mucoceles podem ser classificadas em dois tipos principais: mucoceles de extravasamento e mucoceles de retenção1.

As mucoceles de extravasamento ocorrem quando há a ruptura do ducto salivar, resultando no extravasamento de mucina para os tecidos adjacentes. Por outro lado, as mucoceles de retenção, também conhecidas como cistos de retenção mucosa, ocorrem devido à obstrução do ducto, levando ao acúmulo de mucina e ao desenvolvimento de um cisto delimitado por epitélio separado dos ductos salivares normais. Além dessas categorias, existe também a rânula, um tipo de mucocele que se forma no assoalho da boca2.

Este estudo concentra-se em um subtipo específico de mucocele de extravasamento conhecido como mucocele superficial. A denominação “mucocele superficial” foi introduzida por Everson em 1988, descrevendo um subtipo vesicular de mucocele oral. Essas lesões benignas originam-se das glândulas salivares acessórias e podem aparecer em várias áreas da mucosa oral, sendo mais comuns na região do palato e região retromolar. Clinicamente, as mucoceles superficiais se apresentam como vesículas distendidas, podendo ser únicas ou múltiplas, com diâmetro de 1 a 4mm. Frequentemente, essas lesões se rompem, resultando em úlceras superficiais que cicatrizam rapidamente. A ocorrência repetida no mesmo local não é incomum3.

É notável que mucoceles superficiais não foram previamente reconhecidas como uma entidade distinta nos livros didáticos de patologia oral. Isso levou a diagnósticos incorretos, como penfigoide bolhoso, líquen plano oral e herpes. Portanto, este trabalho enfatiza a importância de reconhecer as mucoceles superficiais como um subtipo específico de mucocele de extravasamento. Além disso, busca-se analisar suas possíveis associações clínicas, a fim de evitar erros de diagnóstico e explorar diagnósticos secundários relacionados às mucoceles superficiais.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo consiste em uma revisão de literatura sistemática de natureza qualitativa e descritiva, com o objetivo de analisar a abordagem da mucocele superficial em artigos científicos. A pesquisa foi conduzida utilizando a renomada base de dados PubMed. Para a seleção dos artigos, foram empregados os descritores “Mucocele” e “Superficial”.

Critérios de Seleção:

Período de Inclusão: Os artigos selecionados abrangem o período de janeiro de 2016 até agosto de 2023, garantindo uma visão abrangente dos avanços recentes nesse campo.

Palavras-chave: A busca foi direcionada para artigos que contivessem o termo “Mucocele Superficial” no título, a fim de garantir a relevância direta para o tópico em questão.

Resultado da Seleção:

Após uma busca abrangente, 26 artigos foram inicialmente identificados. No entanto, após a aplicação dos critérios de inclusão, 13 artigos se mostraram elegíveis para esta revisão. Essa seleção rigorosa assegurou a pertinência e a qualidade dos artigos que serão analisados.

Procedimentos de Análise:

Os artigos elegíveis serão submetidos a uma análise minuciosa, onde serão avaliados quanto aos métodos utilizados, resultados obtidos e conclusões apresentadas. Além disso, serão identificadas tendências e lacunas na literatura existente sobre mucocele superficial.

RESULTADOS E DISCURSSÃO

Na seção de discussão deste artigo, adotou-se uma abordagem que se estende por três pilares, que definem os principais pontos de compreensão das mucoceles superficiais (MS): Associações clínicas, etiopatogenia, recorrência e tratamento. A análise aprofundada das associações clínicas realça a importância da identificação e compreensão das conexões intricadas entre as MS e uma variedade de condições sistêmicas e locais, que abrangem o espectro do líquen plano, doença do enxerto contra hospedeiro (DECH), radioterapia de cabeça e pescoço, entre outras. Este enfoque saliente a natureza não isolada das MS, frequentemente associadas a manifestações imunologias em resposta a condições subjacentes. A seguir, será abordado o tópico da etiopatogenia, explorando as diversas hipóteses propostas para explicar a origem das MS, englobando a obstrução dos ductos das glândulas salivares menores, mecanismos inflamatórios e até mesmo resposta alérgicas. Por fim, será abordado as opções de tratamento disponíveis, que variam de uma abordagem observacionais cuidados até intervenções terapêuticas ativas, que compreendem modalidades de tratamento tópico, cirúrgico e alterativo, de acordo com a etiologia subjacente e a severidade dos sintomas. Esta abordagem abrangente fornecerá uma compreensão mais completa das MS, oferecendo informações para orientar o diagnóstico e abordagem clínica.

A compreensão das associações clínicas da mucocele superficial é crucial para o diagnóstico e o tratamento eficaz desta condição. Ao contrário das mucoceles convencionais, a MS demonstrou associações com uma variedade de condições sistêmicas e locais. Essas associações são fundamentais para a avaliação clínica e o manejo adequado.

A mucocele superficial tem sido descrita em associação com várias condições sistêmicas. Entre elas, destacam-se o líquen plano, doença do enxerto contra hospedeiro (DECH), distúrbios línquenoides, ocorrência após radioterapia de cabeça e pescoço, estomatite alérgica e sensibilidade à pasta de dente. Isso sugere que a SM não é uma entidade isolada, mas muitas vezes reflete uma resposta do sistema imunológico a essas condições subjacentes3,4,5.

Outra observação relevante, há o relato no trabalho de Heguedusch D. et al, de que a MS foi a primeira queixa do paciente com Síndrome de Sjögren (SS), uma condição autoimune caracterizada por ressecamento de mucosas e glândulas exócrinas, apresentando múltiplas vesículas, principalmente no palato mole, que se romperam facilmente, resultado em pequenas úlceras. Dentre os casos relatados neste trabalho este e outro caso de MS sem causa inflamatória sistêmica conhecida, foram os únicos que permaneceram recorrentes. Essa associação sugere que a MS pode servir como um sinal precoce de SS, levando ao diagnóstico e tratamento adequados3.

Além disso há relatos que mencionais casos de MS em pacientes que já tem lúpus sistêmico e líquen plano. Esses achados destacam a complexidade das associações clínicas da MS e enfatizam a importância da avaliação completa dos pacientes que apresentam essa lesão3.

Os estudos analisados demonstraram que mucoceles superficiais estão relacionadas a condições locais e sistêmicas, o que diferencia das mucoceles convencionais. Portanto, clínicos devem estar atentos à aparência das MS e à sua relação com outras doenças. Embora a MS possa ocorrer em pacientes saudáveis, evidencias recentes indicam que essa lesão está mais frequentemente associada a condições primárias subjacentes3.

A etiopatogenia do mucocele superficial (MS) é um campo de estudo em constante evolução, e embora não seja completamente compreendida, diversas hipóteses têm sido propostas para explicar a origem desta condição.

Uma das hipóteses mais amplamente consideradas sugere que o SM pode surgir devido à obstrução dos ductos das glândulas salivares menores ou por meio de um mecanismo inflamatório. A alta dose de radioterapia na mucosa oral, especialmente após radioterapia de cabeça e pescoço, pode causar SM devido ao impacto direto nas glândulas salivares menores ou à inflamação local associada à mucosite3.

Outra teoria que ganha destaque é a relação entre o líquen plano oral (LPO) e o desenvolvimento de SM. Nessa hipótese, um mecanismo inflamatório é o cerne da questão. A infiltração linfocítica associada ao LPO pode bloquear os ductos glandulares menores, levando ao extravasamento da mucosa subepitelial. Isso sugere uma possível conexão entre condições inflamatórias orais e o surgimento de MS8.

Além disso, existe a hipótese de irritação alérgica como um fator desencadeante. Agentes como creme dental para controle de tártaro e impressões de alginato foram relatados em associação com SM, o que sugere uma possível resposta alérgica como parte do mecanismo subjacente8.

Embora a patogênese do SM permaneça desconhecida, uma base inflamatória é presumida devido à sua associação com o líquen plano oral e a doença do enxerto contra hospedeiro crônica (DECHc). Essas associações reforçam a ideia de que um processo inflamatório pode desempenhar um papel fundamental na formação das mucoceles superficiais6.

Entretanto, vale ressaltar que, apesar dessas teorias, a explicação detalhada da patogenia do SM ainda é uma questão em aberto. Por exemplo, enquanto se sugere que a obstrução pode ocorrer devido à infiltração linfocítica, a literatura ainda carece de dados que expliquem de forma mais precisa e detalhada esse aspecto da etiopatogenia das mucoceles superficiais.

No que diz respeito ao tratamento, o manejo das mucoceles superficiais implica em considerações específicas sobre recorrência e opções terapêuticas. A literatura científica não apresenta consenso em relação ao tratamento, abordagem deve ser individual, cita-se os seguintes métodos: Corticosteroides tópicos, crioterapia e ablação a laser, ácido gama-linolênico oral, excisão cirúrgica, tacrolimos swish-and-spit3,4,5,6.

Estudos, como o de Keshet et al., reportam que MS relacionadas à irradiação, notadamente após radioterapia de cabeça e pescoço, podem se manifestar assintomáticas. Nesses casos, a conduta inicial preconiza a observação, sem intervenções terapêuticas, com a resolução espontânea das lesões. Esse cenário suscita indagações sobre a necessidade de intervenções ativas para MS correlacionadas à radiação3.

Por outro lado, nas situações associadas à doença do enxerto contra hospedeiro crônica (DECHc), o clobetasol tópico tem sido preconizado para contar a inflamação da mucosa oral e promover a resolução das MS3.

A recorrência constituiu uma preocupação no trabalho de Heguedusch D. et al, em especial no paciente com Síndrome de Sjogren (SS), onde, mesmo após um seguimento de dois anos, MS podem manifestar-se de forma esporádica. É de se notar que a SS se caracteriza por disfunção das glândulas salivares, culminando na xerostomia, e a presença de múltiplas mucoceles superficiais persistentes representa uma ocorrência excepcional3.

Nos casos nos quais o tratamento com casos nos quais o tratamento com corticosteroides tópicos se revela ineficaz, alternativas têm sido exploradas. Enxágues com pó de budesonida dissolvido em água demonstraram uma melhora dos sintomas em pacientes não responsivos aos corticoesteoides tópicos. Além disso, os corticosteroides tópicos ou injetáveis figuram como escolhas comuns para o tratamento de MS3,5.

Para pacientes com DECHc, com MS, que não apresentaram resposta com uso de dexametasona tópica, foi prescrito tacrolimus swish-and-spit. Dissolvente 1 mg de tacrolimus em 1L de água, usando esta solução para bochechar duas vezes ao dia. O paciente analisado neste estudo apresentou melhora progressiva das lesões com resolução completa após 3 meses de tratamento4. Abordagens terapêuticas mais abrangentes também são objeto de análise. A excisão cirúrgica frequentemente se erige como preferível, ainda que deva ser ponderada em razão de desvantagens, como formação de cicatrizes na área de excisão e a potencial remoção parcial das glândulas salivares menores circundantes, o que pode precipitar a recorrência. Dentre as alternativas, destacam-se a crioterapia, a ablação a laser utilizando dióxido de carbono, a terapia com laser de neodímio, o enxaguante bucal com betametasona e a administração oral de ácido gama-linolênico4.

Para pacientes que apresentam MS associadas ao líquen plano oral (LPO), a abordagem terapêutica assume maior complexidade. O tratamento de LPO, em geral, envolve corticosteroides e/ou agentes imunossupressores, entretanto, as MS se mostram refratárias ao tratamento com corticosteroides tópicos. Nesse contexto, o estudo de Lv K. et al, optou pela abstenção terapêutica, a menos que MS provoque irritação contínua8.

Em síntese, o manejo das mucoceles superficiais é um domínio multifacetado, que depende da etiologia subjacente e da resposta do paciente. A recorrência constitui uma consideração relevante, e as opções terapêuticas abrangem desde a vigilância atenta até intervenções ativas, compreendendo tratamento tópicos, cirúrgicos e alternativas diversas. Cada situação requer uma abordagem individualizada, que considere a etiologia, os sintomas e a resposta à terapêutica.

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