BRAIN DEATH AND NURSING STAFF: CHALLENGES AND KNOWLEDGE – A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202412200928
Fabiana Amorim da Silva¹;
Emilly Matias Souza Vieira²;
Ana Cláudia Rodrigues da Silva³.
Resumo
A morte encefálica foi descrita pela primeira vez em um estudo no ano de 1959, sendo definida como abolição irreversível e definitiva de toda e quaisquer atividades encefálicas por motivo conhecido. No Brasil, o protocolo de morte encefálica é regido por normas rígidas e de natureza legal. O diagnóstico é concluído apenas após o cumprimento de todas as etapas estabelecidas. A enfermagem desempenha um papel fundamental nesse processo, sendo a classe mais atuante no ambiente hospitalar. Em face disso, o presente estudo tem como objetivo analisar as implicações inerentes ao protocolo de morte encefálica sob a perspectiva da enfermagem e elucidar a sua atuação. Esse trabalho trata-se de uma revisão integrativa da literatura, descritiva, utilizando abordagem qualitativa dos dados. A pesquisa decorreu a partir da busca de artigos associados às palavras-chave validadas pelo DECS junto aos bancos de dados da LILACS, PubMed e BDENF entre os anos de 2019-2024. A partir da pesquisa realizada, constatou-se que o enfermeiro exerce autoridade em sua atuação para chefiar, executar, coordenar, supervisionar e avaliar os procedimentos de enfermagem diante da morte encefálica, orientando a equipe na manutenção adequada dos órgãos e tecidos, atuando nesse processo desde a identificação de possíveis doadores até a etapa de transplante. Entretanto, constatou-se que profissionais apresentavam estresse, insegurança e incerteza diante do diagnóstico, levando a situações de abordagens inadequadas junto aos familiares. Desse modo, o estudo permitiu conhecer que as maiores implicações no âmbito da equipe de enfermagem existem em razão do desconhecimento do processo e da falta de treinamento, fato que deve ser amplamente corrigido, haja vista a notória essencialidade desses profissionais na fluidez de todo o processo que vai desde o rastreamento até o encerramento do processo através da doação de órgãos e tecidos.
Palavras-chave: Enfermagem. Enfermagem neurológica. Protocolos de enfermagem. Morte encefálica.
1 INTRODUÇÃO
Na morte não é uma característica isolada, consiste na cessação irreversível de sinais vitais de maneira que o organismo perca o potencial homeostático e sem o regresso da entropia, perdendo assim a integridade. Dá-se por uma sucessão de eventos que gradativamente se inserem, tornando mais evidente o seu diagnóstico, como imobilidade, ausência de consciência, midríase, parada respiratória e cardiocirculatória (Silva et al., 2016; Sardinha & Dantas Filho, 2016).
Como aponta Joffe et al. (2021), fisiologicamente as funções pulmonares e cardíacas são primordiais para a manutenção da vida, todavia com o avanço da medicina e com a descoberta das manobras de reanimação cardiorrespiratória e suporte de vida, os sistemas reanimados passaram a funcionar preservados artificialmente e independentes entre si, e o convencional conceito de vida e morte foi indagado. Posteriormente, a reatividade cerebral veio a delimitar a vida e a morte do ser humano (Diaz-Cobacho et al., 2023).
Um estudo publicado em 1959 descreveu pela primeira vez o fenômeno chamado coma “depassé”, que significa coma passado, onde o corpo estava vivo e o encéfalo estava morto. Notabilizou-se, a partir daí, achados clínicos e patológicos que evidenciaram a morte encefálica (ME), isto é, a determinação da morte por critérios neurológicos. No entanto, a definição somente pode ser apontada com o surgimento da ventilação mecânica (VM), capaz então de manter o paciente sem “drive” respiratório e com função cardiovascular conservada por um período (Mollaret & Goulon, 1959; Basen & Westphal, 2022).
A morte encefálica (ME) ou morte por critérios neurológicos se dá por um processo de isquemia cerebral e sinais clínicos que evidenciam bradicardia, bradipneia e aumento da pressão arterial, caracterizando a Síndrome de Cushing. O agravamento se instaura com aumento progressivo da pressão intracraniana (PIC) que se inclina a equiparar à pressão arterial média (PAM), fazendo com que a pressão de perfusão cerebral reduza gradualmente até atingir a ausência de fluxo. Em decurso, o segmento do tronco encefálico é comprimido progressivamente, estabelecendo assim o quadro clínico de morte por critérios neurológicos (Sindeaux et al., 2021; Wagner et al., 2021).
Comumente, a ME se dá pela Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) e é destacada por doenças neurológicas ou doenças multissistêmicas. Deste modo, os pacientes em ME podem manifestar múltiplas disfunções orgânicas simultâneas, a depender da causa (Basen & Westphal, 2022).
A morte encefálica é mundialmente e legalmente aceita na comunidade médica como a morte biológica do organismo, pois sem o cérebro integrando e unificando o dinamismo metabólico, o organismo não é mais consubstanciado para assegurar a homeostase. Dessa maneira, os protocolos de morte encefálica devem ser iniciados em todos os pacientes que evidenciam coma não perceptivo, apneia persistente, ausência de atividade motora supraespinhal, confirmado pela realização de exames clínicos, complementares e teste de apneia (CFM, 2017; Joffe et al., 2021; Joffe, 2023).
Obrigatoriamente, para exclusão desses critérios e instauração do diagnóstico, são necessários dois médicos capacitados especificamente para a realização dos protocolos, onde um deles deve possuir o título de especialista em medicina de emergência, medicina intensiva ou neurologia, não sendo permitida a participação de integrantes das equipes de transplante e remoção, por divergências éticas e legais. Os testes devem ser realizados com uma hora de intervalo entre o primeiro e o segundo; entretanto, o teste de apneia deve ser feito uma única vez por um dos médicos responsáveis pelos exames clínicos (CFM, 2017; Westphal et al., 2019).
Os locais mais relevantes em que ocorre o processo de determinação de morte por critérios neurológicos são unidades de pronto atendimento e unidades de terapia intensiva. O diagnóstico deve ser realizado com especificação de 100%, na ocasião adequada, e a notificação desses casos é de extrema importância para aferir a taxa de doadores em potencial (Magalhães et al., 2018; Neto et al., 2019).
Segundo a Lei nº 10.211 de 2001, artigo 4º, após a expressa confirmação da morte e abstração de contraindicações, o cônjuge ou familiar de segundo grau, observando a linhagem sucessória reta ou colateral, maior de 18 anos, firmada em documento subscrito por duas testemunhas, pode ser abordado sobre a anuência da provável doação de órgãos e/ou tecidos (Brasil, 2001). Segundo a base de dados DATASUS, em 2024, até o mês de outubro, foram constatados no Brasil 1.584 óbitos na classificação CID-10-G93, correspondente a outros transtornos do encéfalo em que a morte encefálica está inclusa (Brasil, 2024).
Partindo dessa premissa, elencou-se o seguinte questionamento: Quais as maiores implicações relacionadas ao processo de morte encefálica no âmbito da equipe de enfermagem?
Esse estudo possuiu como objetivo geral: analisar as implicações existentes ao protocolo de morte encefálica sob o ponto de vista da enfermagem e, de modo específico, descrever a atuação da equipe de enfermagem diante do protocolo de morte encefálica, além de identificar fatores estressantes relacionados ao processo de implantação do mesmo.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
Na antiguidade, a premissa de vida e morte na ocidentalidade era o conceito cardiocêntrico, fundamentado na ausência de sinais vitais e/ou sinais abióticos. Com a ascensão de novas técnicas de suporte de vida, os tradicionais critérios de vida e morte ficaram obsoletos, incorporando-se assim novos parâmetros para definir o conceito de morte (Sardinha & Filho, 2016).
As novas técnicas de manobras de ressuscitação cardiopulmonar tornaram-se possíveis após vastas lesões do sistema nervoso central (SNC). Nesse contexto, o cérebro do ser humano obtém em torno de 15% do débito cardíaco, e seu metabolismo aeróbico utiliza aproximadamente 20% do oxigênio gasto pelo corpo. Logo, situações de dano que ocorrem na circulação sanguínea por um período igual ou superior a 20 segundos ocasionam a inconsciência do indivíduo, onde grande parte da energia utilizada conserva-o vivo (Sardinha & Filho, 2016; Camparo, 2017).
As estruturas supratemporais e o córtex cerebral são altamente sensíveis ao cenário de isquemia e/ou hipóxia. Entretanto, o tronco cerebral é uma estrutura com alta resistência. Portanto, no momento em que há implicação do tronco cerebral, deve-se ter em vista que a região cortical já se encontra criticamente comprometida (Oliveira & Roza, 2017).
A morte encefálica (ME) foi descrita pela primeira vez em um estudo realizado por Mollaret & Goulon (1959), onde detalharam o coma “depassé”, em que pacientes dependentes de ventilação mecânica demonstraram cessação de respiração, arreflexia, coma irreversível e eletroencefalograma (EEG) registrando inatividade cerebral (Basen & Westphal, 2022).
No Brasil, a morte encefálica foi regulamentada em 1997 pelo Conselho Federal de Medicina por meio da Lei nº 9.434, que trata da remoção de órgãos e tecidos para transplantes e outras providências. Vinte anos depois, a Resolução CFM nº 2.173 de 2017 revogou a Resolução nº 1.480 de 1997. Essa atualização redefiniu os critérios para a determinação da morte encefálica no país (CFM, 2017).
Conforme o CFM (2017), a morte encefálica é caracterizada pela cessação irreversível e definitiva de todas as atividades encefálicas por uma causa conhecida, que deve ser comprovada. O diagnóstico de morte encefálica deve ser realizado de forma padronizada e abrangente em todos os pacientes. Isso inclui tanto os potenciais doadores de órgãos e tecidos quanto aqueles que não se enquadram nesse perfil, desde que apresentem coma aperceptivo e apneia.
A ME decorre de várias causas e frequentemente está relacionada a fatores agudos, destacando-se em especial o acidente vascular encefálico (AVE), o traumatismo cranioencefálico (TCE) e tumores que acometem o SNC, porém esses ocorrem em uma percentagem menor. Consecutivamente, no quadro clínico desses pacientes estão a hemorragia subaracnóidea, edema cerebral e hemorragia intracerebral (Aredes, Firmino & Giacomin, 2018; Furtado et al., 2021).
Segundo a Resolução CFM nº 2.173/2017, o intervalo para observação e intervenções hospitalares, para o propósito de diagnosticar a ME, é estabelecido em um período mínimo de seis horas. Todavia, se a causa primária for encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), o período mínimo transcorre em 24 horas. Para pacientes maiores de 16 anos, o valor da pressão arterial sistólica (PAS) deve ser sustentado acima de 100 mmHg ou a pressão arterial média (PAM) acima de 65 mmHg. A temperatura corporal necessita estar acima de 35°C, e a saturação requer estar acima de 94%.
O Brasil é um país que imputa natureza legal ao protocolo e utiliza normas rígidas, necessitando ser preenchidas todas as etapas do processo para que o protocolo efetivamente determine uma pessoa como morta. Sendo assim, é de caráter obrigatório a efetuação de dois exames clínicos que comprovem o coma não perceptivo e ausência de função do tronco encefálico, acrescidos de um exame complementar.
Os exames clínicos serão realizados por médicos distintos que possuam capacitação para tal, onde um deles deverá ser especialista em medicina intensiva adulta ou pediátrica, neurologia adulta ou pediátrica ou ser emergencista. Porém, se por ventura houver ausência de especialista, o processo deve ser executado por outro médico que possua capacitação. Entre a realização dos exames, é recomendado um intervalo mínimo de uma hora para pacientes acima de dois anos de idade (CFM, 2017; Silva et al., 2022).
Quanto ao exame complementar, realizar-se-á aquele que possua técnica específica para que se possa definir a ME, tendo como exemplos de destaque a angiografia para a constatação de inexistência de fluxo sanguíneo cerebral e o eletroencefalograma para diferenciação de coma e morte encefálica (CFM, 2017; Silva et al., 2022).
Após a realização de todos os testes e a positivação dos mesmos, o paciente é legitimamente declarado como morto, constando assim em sua declaração de óbito o horário do último exame realizado. O termo de declaração de óbito por morte encefálica é enviado para a central estadual de transplantes do estado (Paraná, 2023).
Os familiares do paciente devem ser solicitados à unidade e informados a respeito da conclusão do procedimento e da doação de órgãos, caso o paciente tenha viabilidade. A doação somente poderá ser viabilizada com expresso consentimento do familiar atestado em documento. Esse procedimento é realizado pela comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplante (CIHDOTT). Em caso de afirmação familiar, o suporte de manutenção é continuado até o momento da captação do órgão. Em caso de negativa familiar, o suporte de vida é descontinuado (Paraná, 2023; Santos, 2023).
3 METODOLOGIA
Esse estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, descritiva, utilizando abordagem qualitativa dos dados. O período de buscas na literatura aconteceu entre os meses de março e abril de 2024, selecionando somente os artigos que estivessem dentro do período de publicação dos últimos 5 anos.
Para melhor eficácia nas buscas dos estudos que compuseram esse trabalho, desenvolveu-se a questão de pesquisa a partir do acrônimo PICO, cujos itens possuem os seguintes significados: população do estudo (P), intervenção de interesse (I), comparação com a intervenção de interesse (C), desfecho de interesse (O). A partir deste princípio, elaborou-se a seguinte pergunta: Quais as maiores implicações relacionadas ao processo de morte encefálica no âmbito da equipe de enfermagem?
A coleta dos dados foi realizada a partir da busca ativa de artigos que estiveram indexados nas bases de dados da PubMed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS e Base de Dados em Enfermagem – BDENF, esses dois últimos por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).
A busca fez-se através de descritores validados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) e também do Medical Subject Headings (MeSH), os quais são: enfermagem, enfermagem neurológica, protocolos de enfermagem e morte encefálica traduzidos na língua portuguesa, espanhola e inglesa; além de descritores não controlados que se fizeram disponíveis de acordo com a base de dados.
Figura 1 – Fluxograma de seleção dos estudos.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Após busca de artigos, triagem por meio da aplicação de critérios de inclusão e exclusão e leitura analítica dos estudos, obteve-se como elegíveis para composição dessa revisão os títulos a seguir.
Quadro 1 – Estudos selecionados para composição dos resultados.
N° | AUTORES | ANO | TÍTULO | OBJETIVO |
1 | Flores CML et al. | 2023 | Care for potentialbrain-deadorga ndonors in anadultemergencyroom: a convergentcare perspective | Investigar situações que interferem na atuação dos profissionais da saúde, na identificação e manutenção do potencial doador em morte encefálica em uma unidade de pronto-socorro adulto e sinalizar ações, na percepção da equipe de saúde, que possam promover a assistência a esses pacientes |
2 | Knihs NS et al. | 2021 | 1 Ferramenta de avaliação da qualidade: mapeamento de sinais clínicos de morte encefálica | Identificar características dos óbitos e sinais clínicos de morte encefálica dos pacientes com lesão neurológica internados em unidades de pacientes críticos, a partir de ferramenta para apoio na busca ativa. |
3 | Magalhães ALP et al. | 2019 | Gerência do cuidado de enfermagem ao paciente em morte encefálica | Compreender a gerência do cuidado de enfermagem aos pacientes em morte encefálica na perspectiva de enfermeiros atuantes no processo de doação e transplantes de órgãos. |
4 | Carvalho NS et al. | 2019 | Atuação do enfermeiro no processo de doação e captação de órgãos em doadores elegíveis | Analisar a atuação do enfermeiro no processo de doação e captação de órgãos, avaliar fatores favoráveis e desfavoráveis, bem como suas implicações na efetividade do transplante e evidenciar intervenções para minimizar a recusa à doação de órgãos. |
5 | Alves MP et al. | 2019 | Processo de morte encefálica: significado para enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva | Compreender como os enfermeiros significam o cuidado prestado ao paciente no processo de morte encefálica em uma Unidade de Terapia Intensiva. |
6 | Cesar MP et al. | 2019 | Percepções e experiências de trabalhadores de enfermagem sobre o cuidado ao paciente em morte encefálica | Conhecer as percepções e experiências dos trabalhadores de enfermagem atuantes em terapia intensiva acerca do cuidado de pacientes com suspeita ou diagnóstico de morte encefálica. |
7 | Oliveira FF; Honorato AK; Oliveira LSG. | 2021 | Fragilidades e vivências de enfermeiros na abordagem a família do doador de órgãos e tecidos | Desvelar as fragilidades e a vivência de enfermeiros na abordagem de família do doador de órgãos e tecidos. |
Fonte: Autoras (2024).
As pesquisas retornaram a um número de 1356 artigos em análise inicial, onde: 117 artigos eram da base da BDENF; 100 da LILACS; e, 1139 da PubMed. Acredita-se que o número expressivo de artigos vindos da PubMed tenha ocorrido em razão das palavras-chave utilizadas na língua inglesa e por mau uso e/ou ineficácia do booleano “AND” no direcionamento de estudos que verdadeiramente se adequassem à proposta.
A razão para tal dá-se ao número de 967 artigos removidos após leitura de títulos e resumos, pois não se encaixavam à proposta, além da remoção de 368 artigos por serem duplicatas.
Em seguimento foram listados 21 artigos para leitura na íntegra, entretanto notou-se que a grande maioria possuía como objetivos principais pressupostos que não acrescentariam no trabalho, retirando-os, portanto, da inclusão.
Por fim, selecionou-se 7 artigos para participarem do estudo, onde após leitura analítica dos mesmos foi possível elencar a discussão em 2 tópicos de modo a facilitar a compreensão dos leitores, são eles: Atuação da equipe de enfermagem diante do Protocolo de Morte Encefálica (ME) e Fatores estressantes para equipe de enfermagem relacionada ao processo de ME.
4.1 Atuação da equipe de enfermagem diante do Protocolo de Morte Encefálica (ME)
Ao longo do tempo a morte ampliou sua característica de “cessação de batimentos cardíacos” para ausência de reflexos de tronco encefálico, coma aperceptivo e perda irreversível das funções do encéfalo, desencadeando uma nova denominação de morte: a encefálica. A evolução do conceito permitiu então uma nova era no mundo da medicina nos cenários de doação, captação e transplante de órgãos, que envolve não somente conhecimento técnico e científico, mas ainda aspectos emocionais de profissionais e familiares envolvidos (César et al., 2019).
No Brasil, o processo de doação de órgãos e tecidos vem ganhando cada vez mais destaque e tornando o país uma referência mundial no quesito. Em meio a essa ascensão destaca-se o trabalho incansável de equipes multiprofissionais no que diz respeito aos procedimentos de captação e manutenção adequada desses órgãos, deixando-os viáveis para o transplante (Alves et al., 2019).
É neste contexto que se insere o enfermeiro e a equipe de enfermagem. A autoridade de sua atuação é reafirmada na incumbência da responsabilidade única de chefiar os processos de planejamento, execução, coordenação, supervisão e avaliação dos procedimentos de enfermagem (Alves et al., 2019), organizando a equipe para que esta possa prover a assistência correta e necessária a cada caso.
O estudo de Carvalho et al. (2018) aponta que a atuação do enfermeiro é desenvolvida em etapas que vão desde o pré ao pós-transplante em nível ambulatorial e participação no transplante propriamente dito em nível intra-hospitalar. Os mesmos ainda reforçam que o profissional tem participação robusta na busca ativa dos potenciais doadores (PD), no diagnóstico/fechamento do protocolo de ME, manutenção do PD, abordagem familiar, captação em centro cirúrgico e entrega do corpo aos familiares.
Em alinhamento à declaração, o estudo de Alves et al. (2019) reforça a importância do enfermeiro e equipe de enfermagem no ajuste de condições hemodinâmicas e hidroeletrolíticas do paciente, que seguindo as orientações da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e da Associação Brasileira de Enfermagem e Terapia Intensiva (ABENTI), fornece cuidados ao paciente vítima de ME com a mesma humanidade e dedicação àquele com possibilidade de cura, tendo a distinção somente no que diz respeito à intensidade das medidas de suporte.
Além do suporte ao paciente com vistas à manutenção dos tecidos e órgãos, o enfermeiro também é responsável por contatar a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) para que estes possam dar início ao processo de triagem do PD (Carvalho et al., 2018). O tempo decorrido entre o início da triagem e o fechamento do diagnóstico é essencial para que as doações ocorram de forma adequada, tornando este um dos fatores mais importantes de todo o processo.
Contudo, a assertividade na condução dos casos só é possível com o conhecimento adequado a respeito do assunto. Acerca disso, o estudo de Flores et al. (2023) traz que apesar da morte encefálica ser mais frequente envolta das paredes das unidades de terapia intensiva, esse fato pode acontecer ainda dentro dos serviços de emergência, no primeiro atendimento, onde infelizmente as falhas são mais suscetíveis em razão da limitação de conhecimento dos cuidadores e consequentemente das decisões em interromper o suporte terapêutico artificial.
Desse modo, é de conhecimento comum o essencial papel do enfermeiro no que diz respeito ao gerenciamento burocrático do processo de ME e do reconhecimento de potenciais doadores no dia a dia assistencial, mas esse papel só será bem exercido se o profissional tiver o conhecimento clínico e crítico de todo quadro, em outras palavras, só será bem exercido caso o profissional tenha a capacitação adequada para assim orientar e participar ativamente de todo o cuidado (Alves et al., 2019; Flores et al., 2023; Carvalho et al., 2018).
4.2 Fatores estressantes para equipe de enfermagem relacionada ao processo de ME
A ideia de “salvar vidas” cursa como o objetivo principal durante a formação dos profissionais de saúde, o que os leva muitas vezes a situações desafiadoras face à probabilidade de abertura do protocolo de morte encefálica (Knihs et al., 2024). Nesse sentido, o estudo de Knihs et al. (2024) apontou durante sua pesquisa que alguns enfermeiros apresentaram hesitação em relação ao diagnóstico de ME, mesmo compreendendo que a oferta de cuidados distendidos a esses pacientes no ambiente de terapia intensiva pode permitir que outro paciente possa ter continuidade da vida por meio da doação de órgãos.
A incompreensão acerca da fisiopatologia da morte encefálica corrobora para quadros de insegurança dos profissionais, que ao dispensarem cuidados a esses pacientes os tratam tal qual um paciente em óbito, tornando-os, desse modo, despreparados para o atendimento aos familiares, que compensatoriamente apresentam dificuldade em assimilar o diagnóstico diante da presença de sinais vitais e ao processo de doação de órgãos e tecidos para o transplante, sendo esse um dos principais motivos para a não doação (César et al., 2019; Alves et al., 2019).
Essa incompreensão e despreparo ainda é apontada nos estudos de Flores et al. (2023) e Magalhães et al. (2019). De acordo com o primeiro autor, em seus resultados foi possível obter, por parte dos profissionais participantes, a falta de fluxogramas que: a. auxiliassem o processo de abertura do protocolo; e, b. após o diagnóstico de ME, auxiliassem nos cuidados que deveriam ser prestados ao PD para manutenção adequada dos órgãos e tecidos. Em consonância a isso, a pesquisa de Magalhães et al. (2019) obteve que profissionais apresentaram insegurança em relação à legitimação do processo e à identificação/definição de possíveis doadores.
Para Carvalho et al. (2019), algumas das adversidades encontradas pelo enfermeiro no diagnóstico de morte encefálica foram: atrasos no processo de abertura do protocolo, gerenciamento logístico e de recursos materiais, cuidados com o possível doador de órgãos, escassez de leitos de UTI e dificuldade em lidar com os familiares. Ainda segundo o autor, tais problemas foram ocasionados pela resistência de profissionais em enfrentarem a morte e acarretando assim em retardamento da comprovação.
No estudo realizado por Oliveira, Honorato e Oliveira (2021) há o apontamento de que eventos como a morte encefálica aliada a embates recorrentes entre os integrantes da equipe desencadeiam situações frequentes de estresse entre os enfermeiros. Os mesmos autores constataram que o amadurecimento profissional para lidar com o processo de morte e morrer tornou mais compreensivo o processo de “aceitação” ao diagnóstico de ME. Além disso, os profissionais que trabalham em UTI possuem condutas melhoradas em relação à manutenção do possível doador e da doação de órgãos.
Além do estresse e discussões com equipe afetarem a qualidade do cuidado dispensado a pacientes vítimas de ME, já citados anteriormente, Magalhães et al. (2019) ainda acrescenta o desastre que a diminuição dos recursos humanos e estruturais provocam. De acordo com o autor, a falta de tais recursos torna o cuidado mais complexo, resultando em situações de identificação tardia que podem gerar danos potenciais, como a parada cardiorrespiratória, e assim impossibilitar a doação, provocando mais sentimento de frustração e desânimo.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim do estudo, conclui-se que as maiores implicações relacionadas ao processo de morte encefálica no âmbito da equipe de enfermagem existem em razão do desconhecimento do processo e da falta de treinamento relacionado a ele.
É de conhecimento comum que profissões que desempenham seus trabalhos dentro de unidades de saúde são formadas desde o princípio para lidar com situações de doença e resolvê-las, esquecendo-se geralmente de treiná-los para ocasiões em que a morte é irreparável. Explicar ao profissional que sinais vitais estáveis nem sempre significam vida é um desafio que exige sensibilidade e clareza.
Com o presente estudo foi possível concluir que os enfermeiros possuem dúvidas de quando a morte encefálica acontece, seja as situações que possam a desencadear, seja em sinais apresentados pelos pacientes que são possíveis doadores, impactando negativamente na celeridade – fortemente exigida – do processo.
Infere-se ainda que estes profissionais são parte essencial na fluidez dos processos burocráticos relacionados à ME, tendo a responsabilidade da identificação de possíveis doadores, notificação às instâncias superiores para início do processo de triagem, e por vezes, comunicação à família quanto a situação diagnóstica e o questionamento referente à autorização de doação.
No mais, evidenciou-se ainda que o estresse e o desafio em lidar com vítimas de ME são potencializados com as situações de intrigas entre os colaboradores e a falta de recursos materiais e humanos para continuidade da assistência.
Sugere-se, portanto, a abordagem de que as fragilidades aqui encontradas possam ser amenizadas com estratégias de ensino ao profissional, por meio de educação permanente em saúde, por exemplo. Atividades de treinamento in loco, com estabelecimento de fluxogramas e protocolos podem ser a chave para estruturação e fortalecimento do cuidado.
REFERÊNCIAS
- Alves, M. P. et al. Processo de morte encefálica: significado para enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva. Revista Baiana de Enfermagem, vol. 33, 2019, p. 1-11.
- Aredes, J. S.; Firmo, J. O. A.; Giacomin, K. C. A morte que salva vidas: complexidades do cuidado médico ao paciente com suspeita de morte encefálica. Cadernos de Saúde Pública, vol. 34, n. 11, 2018, p. 1-13.
- Basen, B. A. M. P.; Westphal, G. A. Morte encefálica e manejo do potencial doador. In: AZEVEDO, L. C. P. et al. Medicina Intensiva: Abordagem Prática. 5ª ed. São Paulo: Manole, 2022, p. 544-562.
- Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Painel de monitoramento da mortalidade por transtornos do encéfalo. Brasília. Disponível em: <Painel de Monitoramento da Mortalidade CID-10 – Mortalidade – Painéis de Monitoramento – Centrais de Conteúdos – DAENT – SVSA/MS>. Acesso em: 17 de novembro de 2024.
- Brasil. Planalto. Lei nº 10.211 de 23 de março de 2001. Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 de junho de 2023.
- Brasil. Planalto. Lei nº 9.434 de 4 de fevereiro de 1997. Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm. Acesso em: 23 de agosto de 2024.
- Carvalho, N. S. et al. Atuação do enfermeiro no processo de doação e captação de órgãos em doadores elegíveis. Revista de Enfermagem da UFPI, vol. 8, n. 1, 2019, p. 23-29.
- Cesar, M. P. et al. Percepções e experiências de trabalhadores de enfermagem sobre o cuidado ao paciente em morte encefálica. Revista Baiana de Enfermagem, vol. 33, 2021, p. 1-11.
- Conselho Federal de Medicina. Resolução do CFM nº 2173 de 15 de dezembro de 2017. Brasília. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2173. Acesso em: 2 de junho de 2023.
- Diaz-Cobacho, G. et al. Death pluralism: A proposal. Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, vol. 18, n. 10, 2022, p. 9-12.
- Ercole, F. F.; Melo, L. S.; Alcoforado, C. L. G. C. Revisão integrativa versus revisão sistemática. Revista Mineira de Enfermagem, vol. 18, n. 1, 2014, p. 9-12.
- Flores, C. M. L. Care for potential brain-dead organ donors in an adult emergency room: a convergent care perspective. Text & Context Nursing, vol. 32, 2023, p. 1-15.
- Furtado, L. B. S. et al. O papel do enfermeiro frente a casos de morte encefálica e doação de órgãos e tecidos. Research, Society and Development, vol. 10, n. 2, 2021, p. 1-11.
- Joffe, A. R. et al. The intractable problems with brain death and possible solutions. Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, vol. 16, n. 11, 2021, p. 1-27.
- Joffe, A. R. Should the criterion for brain death require irreversible or permanent cessation of function? Irreversible. Neurology, vol. 101, n. 4, 2023, p. 181-184.
- Knihs, N. S. et al. Ferramenta de avaliação da qualidade: mapeamento de sinais clínicos de morte encefálica. Cogitare Enfermagem, vol. 26, 2021, p. 1-12.
- Magalhães, A. L. P. et al. Significados do cuidado de enfermagem ao paciente em morte encefálica potencial doador. Revista Gaúcha de Enfermagem, vol. 39, n. 1, 2018, p. 1-9.
- Magalhães, A. L. P. et al. Gerência do cuidado de enfermagem ao paciente em morte encefálica. Revista de Enfermagem UFPE Online, vol. 13, n. 4, 2019, p. 1124-1132.
- Mollaret, P.; Goulon, M. Le coma dépassé. Revue Neurologique (Paris), vol. 101, n. 1, 1959, p. 3-15.
- Neto, J. A. C. et al. Atualização dos critérios diagnósticos de morte encefálica: aplicação e capacitação dos médicos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, vol. 31, n. 3, 2019, p. 303-311.
- Oliveira, P. C.; Roza, B. A. Morte encefálica e cuidados com o potencial doador. In: DICCINI, S.; RIBEIRO, R. M. Enfermagem em Neurointensivismo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018, p. 177-186.
- Oliveira, F. F.; Honorato, A. K.; Oliveira, L. S. G. Fragilidades e vivências de enfermeiros na abordagem à família do doador de órgãos e tecidos. Revista Nursing, vol. 24, n. 280, 2021, p. 6157-6162.
- Paraná. Secretaria de Estado de Saúde do Paraná. Manual para notificação, diagnóstico de morte encefálica e manutenção do potencial doador de órgãos e tecidos. 4ª ed., Paraná, 2023, p. 6-17.
- Praça, F. S. G. Metodologia da pesquisa científica: organização estrutural e os desafios para redigir o trabalho de conclusão. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos”, vol. 8, n. 1, 2015, p. 72-87.
- Santos, J. R. Contribuições da equipe de enfermagem no cuidado ao paciente com diagnóstico de morte encefálica internado na unidade de terapia intensiva. Research, Society and Development, vol. 12, n. 2, 2023, p. 1-14.
- Sardinha, L. A. C.; Dantas Filho, V. P. Diagnóstico de morte encefálica. In: KNOBEL, E. Condutas no Paciente Grave. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 2016, p. 2393-2406.
- Silva, M. T. et al. Assistência de enfermagem ao doador de órgãos: revisão integrativa da literatura. Revista Ciência e Saúde Nova Esperança, vol. 14, n. 1, 2016, p. 37-46.
- Silva, L. et al. Comparação do perfil clínico de dois grupos que foram submetidos ao protocolo de morte encefálica. Research, Society and Development, vol. 11, n. 11, 2022, p. 1-10.
- Sindeaux, A. C. A. et al. Cuidados de enfermagem dispensados ao potencial doador de órgãos em morte encefálica: uma revisão integrativa. Revista Nursing, vol. 24, n. 272, 2020, p. 5134-5140.
- Wagner, L. S. et al. Novos procedimentos de confirmação da morte encefálica no Brasil: resultados da central estadual de transplantes de Santa Catarina. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, vol. 33, n. 2, 2021, p. 290-297.
- Westphal, G. A. et al. Determinação da morte encefálica no Brasil. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, vol. 31, n. 3, 2019, p. 403-409.
¹Discente do Curso de pós-graduação lato sensu em Terapia Intensiva do Instituto Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde/SES-DF. E-mail: fabiana21.amorim@gmail.com;
²Discente do Curso de pós-graduação lato sensu em Terapia Intensiva do Instituto Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde/SES-DF. E-mail: emillymatiasvieira@gmail.com;
³Docente do Curso Superior de Enfermagem da Escola de Ciências da Saúde do Distrito Federal. Preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva. Mestre em Saúde Pública. E-mail: enf.anaclaudia.acr@gmail.com.