REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7730103
Júlia Garcia do Espírito Santo1
Maria Eduarda Tuczynski Carneiro2
Heloisa Martins Chaves de Souza3
Nicolly Larrhiuo Viana4
Isabella Albert Larrhiuo Viana5
Maria Clara Mansur de Melo6
Gabriel Ribeiro Messias Paraíso7
João Alfredo Seixas8
Resumo
Introdução: O Ministério da Saúde (2009) define como mortalidade materna (MM) o óbito de mulheres no período gestacional ou em até 42 dias posteriores ao parto devido às causas relacionadas a gestação. Dentre as mortes maternas destacam-se as por causas diretas, desencadeadas por intervenções e tratamentos indevidos, sendo também denominadas de mortes maternas evitáveis. Tais intervenções são responsáveis pela morte de, aproximadamente, quinhentas mil mulheres a nível mundial (WHO, 2015). O grande número citado revela as desigualdades dos sistemas de saúde e as diferenças entre os níveis de poder aquisitivo mundialmente (OPAS, 2021). Sob essa perspectiva, é importante ressaltar que os óbitos maternos devem, obrigatoriamente, ser investigados e notificados. Objetivo: Analisar o comportamento da mortalidade materna por causas diretas no Rio de Janeiro em comparação com o Brasil e destacar o comportamento da Razão de Mortalidade Materna (RMM) nos anos de 2015-2020. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, longitudinal e retrospectivo, no qual foi feita uma análise comparativa e quantitativa da RMM por causas diretas do Rio de Janeiro e do Brasil no período de 2015 – 2020. A coleta de dados se deu através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Resultados e Discussões: No período do estudo, foram registrados 2.441 óbitos maternos por causas obstétricas diretas no Brasil, sendo 186 (7,6%) no estado do RJ entre mulheres de 20 – 29 anos. Nesse período de 6 anos, a média das RMM por causa direta no RJ foi de 29,51%, enquanto no Brasil, no mesmo período, foi de 28,91%. No Brasil, observou-se ainda que não houve grandes variações nas RMM durante os anos estudados, enquanto no RJ houve um aumento de 22,9% em 2015 para 41,78% em 2017. Por outro lado, de 2018 em diante essa razão caiu bruscamente para 22,72%, ou seja, ocorrem mais óbitos maternos por causas obstétricas diretas por nascidos-vivos no estado do RJ se comparado à média brasileira. Conclusão: A análise dos dados obtidos pelo DATASUS evidencia redução das RMM tanto no RJ quanto no BR no período e faixa etária estudadas. Ademais, a significativa oscilação observada no RJ representa disparidade em relação à média nacional, o que revela a importância e necessidade de melhora da vigilância dos óbitos maternos por causas obstétricas diretas, tendo em vista que estas são evitáveis.
Palavras – chave: morte materna; Brasil/epidemiologia; gravidez;
Abstract
Introduction: The Ministério da Saúde (2009) defines maternal mortality (MM) as the death of women during pregnancy or up to 42 days after delivery due to pregnancy-related causes. Among maternal deaths, those from direct causes, triggered by improper interventions and treatments, are also called preventable maternal deaths. Such interventions are responsible for the death of approximately five hundred thousand women worldwide (WHO, 2015). The large number cited reveals the inequalities of health systems and the differences between levels of purchasing power worldwide (PAHO, 2021). From this perspective, it is important to emphasize that maternal deaths must be investigated and notified. Objective: To analyze the behavior of maternal mortality from direct causes in Rio de Janeiro in comparison with Brazil and to highlight the behavior of the Maternal Mortality Ratio (MMR) in the years 2015-2020. Methodology: This is a descriptive, longitudinal, retrospective study, in which a comparative and quantitative analysis of the MRM for direct causes in Rio de Janeiro and Brazil in the period 2015 – 2020 was carried out. Data were collected through the Department of Informatics of the Brazilian National Health System (DATASUS). Results and Discussions: In the study period, 2,441 maternal deaths from direct obstetric causes were recorded in Brazil, 186 (7.6%) in the state of RJ among women aged 20 – 29 years. In this 6-year period, the average of MMR due to a direct cause in RJ was 29.51%, while in Brazil, in the same period, it was 28.91%. In Brazil, it was also observed that there were no major variations in the MRMs during the years studied, while in RJ there was an increase from 22.9% in 2015 to 41.78% in 2017. On the other hand, from 2018 onwards this ratio dropped sharply to 22.72%, that is, more maternal deaths from direct obstetric causes per live births occur in RJ state if compared to the Brazilian average. Conclusion: Analysis of the data obtained by DATASUS shows a reduction in MRD both in RJ and BR in the period and age range studied. Moreover, the significant oscillation observed in RJ represents disparity in relation to the national average, which reveals the importance and need to improve the surveillance of maternal deaths from direct obstetric causes, considering that these are preventable.
Key words: maternal death; Brazil/epidemiology; pregnancy;
Introdução
O Ministério da Saúde (2009) define como mortalidade materna (MM) o óbito de mulheres no período gestacional ou em até 42 dias posteriores ao parto devido às causas relacionadas a gestação, excluindo causas acidentais ou incidentais. A MM, por sua vez, é um importante indicador usado na avaliação das condições de vida e saúde sob as quais as mulheres em idade reprodutiva se encontram, além de permitir analisar a aplicação e efetividade das políticas de saúde no pré-natal, parto e pós-parto (SOUZA, 2011).
Dentre as causas de mortes maternas destacam-se as por causas diretas, as quais são desencadeadas por intervenções e tratamentos indevidos, sendo também denominadas de mortes maternas evitáveis (PICOLE, 2017). Tais intervenções são responsáveis pela morte de, aproximadamente, quinhentas mil mulheres a nível mundial, além de deixarem sequelas em cerca de dez milhões (WHO, 2015).
Os grandes números citados acima revelam as desigualdades dos sistemas de saúde e as diferenças entre os níveis de poder aquisitivo mundialmente (OPAS, 2021). Nos países em desenvolvimento, sobretudo, há uma grande quantidade de mulheres que passam por complicações associadas a gestação, sendo que uma parcela considerável resulta em morte (FILLIPI, 2013).
Além disso, associados a uma inadequada prestação de serviços de saúde às mulheres desde o planejamento familiar e assistência pré-natal até o parto e puerpério, tem-se um elevado valor da razão de mortalidade materna (RMM), indicador este que é calculado como o número de óbitos maternos e de nascidos vivos no mesmo período (WHO, 2015; OPAS, 2008). Sob essa perspectiva, é importante ressaltar que os óbitos maternos devem, obrigatoriamente, ser investigados e notificados, entretanto, sabe-se que tais mortes são subestimadas, o que resulta em subnotificação destas (OPAS, 2008).
Diante desse cenário agravante em saúde pública, o presente estudo objetiva analisar o comportamento da mortalidade materna por causas diretas no Rio de Janeiro em comparação com o Brasil, bem como destacar o comportamento da Razão de Mortalidade Materna (RMM), afim de promover uma abordagem ampla e integral acerca da saúde da mulher, além de contribuir para o aperfeiçoamento da assistência no pré-natal, parto e puerpério, a fim de reduzir a RMM.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, longitudinal e retrospectivo, no qual foi feita uma análise comparativa e quantitativa da RMM por causas diretas do Rio de Janeiro e do Brasil no período de 2015 – 2020. Tal razão é calculada pelo número de mortes maternas por causas diretas dividida pelo número de nascidos vivos no mesmo período e localidade e multiplicada por cem mil.
A coleta de dados se deu através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Foram realizadas seis buscas, sendo elas: número de óbitos maternos por faixa etária e tipo de causa obstétrica. Além disso, foi calculado o coeficiente de MM anual no período de 2015-2020 (número de óbitos maternos ligados a gestação, parto e puerpério – até 42 dias pós-parto x 100.000 / número total de nascidos vivos) e o coeficiente correspondente a todo o período do estudo. (Figura 1).
Com a utilização de dados de domínio público disponibilizados por meio eletrônico, esse estudo é isento de análise pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Ademais, é válido ressaltar que serão respeitadas as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados e Discussão
No período do estudo, foram registrados 2.441 óbitos maternos por causas obstétricas diretas no Brasil, sendo 186 (7,6%) no estado do RJ entre mulheres de 20 – 29 anos. Nesse período de 6 anos, a média das RMM por causa direta no RJ foi de 29,51%, enquanto no Brasil, no mesmo período, foi de 28,91%. Além disso, no ano de 2020, a RMM no RJ foi de 28,71%, valor esse maior que o do Brasil, o qual registrou uma razão de 26,35%. O mesmo ocorreu também nos anos de 2016 e 2017, sendo que no RJ a RMM foi de 35,05% e 41,78%, respectivamente, ao passo que no BR durante esses dois anos foi, respectivamente, de 31,46% e 29,78%.
No Brasil, observou-se ainda que não houve grandes variações nas RMM durante os anos estudados, enquanto no RJ houve um aumento de 22,9% em 2015 para 41,78% em 2017. Por outro lado, de 2018 em diante essa razão caiu bruscamente para 22,72%, ou seja, ocorrem mais óbitos maternos por causas obstétricas diretas por nascidos-vivos no estado do RJ se comparado à média brasileira.
De acordo com a meta da OMS, a RMM no Brasil deve ser de 30 mortes maternas por nascidos vivos até 2030. No entanto, o estado do Rio de Janeiro, sempre teve esse valor acima do previsto. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a RMM no RJ varia de média a alta, atualmente, o que pode ser explicado pela melhoria na notificação e investigação que, mesmo ainda sendo eficiente, está em melhora constante em razão da atuação dos Comitês de Mortalidade Materna, grupos esses de natureza multiprofissional, interinstitucional e sigilosa.
Além disso, é importante ressaltar que o óbito materno se mantém como um importante fator estimador de fragilidades sob as quais a população está submetida, sendo que a RMM constitui um dos indicadores responsáveis por revelar o estado de saúde e de assistência desta à mulher. Sob essa perspectiva, é sabido que há uma concentração do risco de óbito materno nas áreas mais pobres do RJ.
Vale destacar que dentre as principais causas diretas de óbitos maternos encontram-se os distúrbios hipertensivos da gestação, que deveriam ser diagnosticados e acompanhados adequadamente durante o pré-natal. De acordo com um estudo publicado em 2011, apenas 27% das gestantes com hipertensão na gestação atendidas pela rede pública foram manejadas corretamente (VETTORE et al., 2011).
Acerca do exposto, sabe-se ainda que, no Brasil, a MM é um importante problema de saúde pública e, as altas taxas configuram uma situação de violação dos direitos humanos de mulheres e crianças, sendo que as de classes sociais mais baixas são mais atingidas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Sob essa perspectiva, as mortes por causas evitáveis estão diretamente associadas a falhas na assistência, que pode ocorrer por diversos fatores, dentre os quais pode-se destacar a detecção tardia de fatores de risco para complicações ao longo da assistência pré-natal e até mesmo o despreparo dos profissionais para intervir em situações de risco e complicações durante ou após o parto. Isso pode, inclusive, ser um dos motivos de disparidade entre os valores de RMM e de assistência ao pré-natal e parto e pós-parto (VICTORA et al., 2011).
Conclusões
A análise dos dados obtidos pelo DATASUS evidencia redução das RMM tanto no RJ quanto no BR no período e faixa etária estudadas. Ademais, a significativa oscilação observada no estado do RJ representa significativa disparidade em relação à média nacional. Isso revela a importância e necessidade de melhora da vigilância dos óbitos maternos por causas obstétricas diretas, tendo em vista que estas são evitáveis.
Tal cuidado deve se iniciar desde o pré-natal, por meio da identificação de fatores de risco modificáveis, o que interfere positivamente nos desfechos maternos e fetais, tendo em vista que a prevenção do óbito materno está relacionada à quantidade e qualidade das consultas de pré-natal realizadas durante a gestação.
Além disso, é inegável a importância de se diminuir as taxas de subnotificação e sub-investigação dos óbitos maternos e, para isso, a atuação dos Comitês de Morte Materna é imprescindível, bem como o preparo dos setores de Vigilância Epidemiológica das Secretarias de Saúde, já que a atuação dos comitês depende disso.
Referências
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FILIPPI V, RONSMANS C, CAMPBELL O.M., GRAHAM W.J., MILLS A., BORGHI J., et al. Maternal health in poor countries: the broader context and a call for action. Lancet 2006; 368:1535-41.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
OPAS, (Organização Pan-Americana de Saúde). Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2a Ed. Brasília; 2008.
PICOLE, R.P., CAZOLA, L. H. O., LEMOS, E. F. Mortalidade materna segundo raça/cor, em Mato Grosso do Sul, Brasil, de 2010 a 2015. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 17 (4), 739-747. 2017
SOUZA J.P. Mortalidade materna no Brasil: a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. 2011; 33 (10): 273-9.
VETTORE M. V. et al. Cuidados pré-natais e avaliação do manejo da hipertensão arterial em gestantes do SUS no município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública 2011; 27:1021-3.
VICTORA C.G. et al. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 29-42.
WHO, (World Health Organization). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva. 2015.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
¹Médica formada pelo Centro Universitário de Valença – RJ (UNIFAA) e residente de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Escola de Valença.
²Acadêmica de Medicina do UNIFAA
³Acadêmica de Medicina do UNIFAA
⁴Acadêmica de Medicina do UNIFAA
⁵Acadêmica de Medicina do UNIFAA
⁶Acadêmica de Medicina do UNIFAA
⁷Médico formado pela Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO) e residente de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Escola de Valença
⁸Médico Ginecologista e Obstetra e preceptor da disciplina de Saúde da Mulher do UNIFAA.