MODELOS DE MATURIDADE ORGANIZACIONAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA EVOLUÇÃO, APLICAÇÃO E IMPACTOS NA GESTÃO E TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202511302203


Felipe Menezes de Abreu1; Antonio Carlos dos Reis Bezerra2; David Alves Luna3; Edinaldo Cunha da Silva4; Elias Ramos Quaresma5; Emerson Leandro da Silva Silva6; Jobson Junior Raiol de Oliveira7; Lucas de Oliveira Moreira8; Paulo Cristiano Abreu de Jesus9; Ruan Diego Brito de Oliveira10


Resumo Este artigo apresenta uma análise aprofundada sobre os Modelos de Maturidade (MM) como instrumentos de diagnóstico e planejamento estratégico organizacional. A partir de uma revisão bibliográfica sistemática e documental, o estudo traça a evolução histórica desses modelos, partindo do Quality Management Grid de Crosby e do CMMI, até os contemporâneos índices de maturidade para a Indústria 4.0 e Transformação Digital. O foco central recai sobre a aplicabilidade dessas ferramentas no cenário brasileiro, considerando as especificidades culturais e econômicas locais. Discute-se a transição de modelos lineares e prescritivos para abordagens multidimensionais e ágeis. Os resultados apontam que, embora a adoção de MM no Brasil tenha crescido, especialmente em TI e Gestão de Projetos, existem barreiras significativas relacionadas à cultura de curto prazo e à burocratização dos processos (“teatro da conformidade”). O artigo conclui propondo uma visão integrada onde a maturidade não é um fim em si mesma, mas um vetor de resiliência e inovação.

Palavras-chave: Modelos de Maturidade. Gestão de Processos. CMMI. Indústria 4.0. Transformação Digital.

Abstract This article presents an in-depth analysis of Maturity Models (MM) as tools for organizational diagnosis and strategic planning. Based on a systematic bibliographic and documentary review, the study traces the historical evolution of these models, starting from Crosby’s Quality Management Grid and CMMI, to contemporary maturity indices for Industry 4.0 and Digital Transformation. The central focus lies on the applicability of these tools in the Brazilian context, considering local cultural and economic specificities. The transition from linear and prescriptive models to multidimensional and agile approaches is discussed. The results indicate that, although the adoption of MM in Brazil has grown, especially in IT and Project Management, there are significant barriers related to short-term culture and the bureaucratization of processes (“compliance theater”). The article concludes by proposing an integrated view where maturity is not an end in itself, but a vector for resilience and innovation.

Keywords: Maturity Models. Process Management. CMMI. Industry 4.0. Digital Transformation.

1. Introdução

A busca pela excelência operacional e pela previsibilidade de resultados tem sido o “Santo Graal” da administração moderna. No contexto de uma economia globalizada e volátil, as organizações necessitam não apenas desempenhar bem suas funções, mas entender como e por que o fazem, garantindo a repetibilidade do sucesso. É neste hiato entre a execução caótica e a gestão otimizada que se inserem os Modelos de Maturidade (MM).

Historicamente, a noção de “maturidade” em gestão foi importada da psicologia do desenvolvimento e aplicada aos processos organizacionais para descrever o estado de perfeição ou completude de uma habilidade. No entanto, no século XXI, a definição evoluiu. Maturidade não é mais vista apenas como um estado estático de “chegada”, mas como uma capacidade dinâmica de adaptação e melhoria contínua.

No Brasil, a aplicação desses modelos ganhou força na década de 1990 com a abertura econômica e a necessidade de as empresas nacionais competirem com padrões internacionais de qualidade (ISO) e desenvolvimento de software. Hoje, com o advento da Quarta Revolução Industrial, novos modelos emergem para mensurar a prontidão digital (Digital Readiness) das empresas.

O problema de pesquisa que orienta este trabalho é: Como os Modelos de Maturidade evoluíram para atender à complexidade da Transformação Digital no Brasil e quais são os riscos de sua aplicação acrítica como meros checklists burocráticos?

A justificativa reside na necessidade de desmistificar os MM. Frequentemente vendidos por consultorias como soluções mágicas (“balas de prata”), eles carecem de uma análise acadêmica que pondere suas limitações metodológicas e os desafios de implementação em uma cultura organizacional como a brasileira, marcada pela flexibilidade e, por vezes, pela informalidade.

2. Metodologia

Para a elaboração deste artigo, adotou-se uma metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, de natureza exploratória e analítica.

2.1. Estratégia de Busca

A revisão abrangeu a literatura clássica (autores seminais) e a produção contemporânea (2018-2024) para capturar a evolução do tema. As bases de dados consultadas incluíram:

  • Scopus e Web of Science: Para artigos internacionais sobre a teoria dos modelos de maturidade.
  • Google Scholar: Para literatura cinzenta, teses e dissertações focadas no contexto brasileiro.
  • Relatórios Institucionais: Documentos da CNI (Confederação Nacional da Indústria), SEI (Software Engineering Institute) e Acatech (Academia Alemã de Ciência e Engenharia).

2.2. Categorização

Os dados foram estruturados em três eixos temáticos:

  1. Fundamentos: A gênese dos modelos (Qualidade e Software).
  2. Expansão: A aplicação em Gestão de Projetos e Processos (BPM).
  3. Contemporaneidade: Modelos para Indústria 4.0 e Inovação.

3. Fundamentação Teórica: A Anatomia da Maturidade

Um Modelo de Maturidade pode ser definido como um arcabouço conceitual que descreve o desenvolvimento de uma entidade (organização, processo ou pessoa) ao longo do tempo. Segundo Pöppelbuß e Röglinger (2011), um modelo robusto deve possuir três componentes básicos: níveis de maturidade (estágios), descritores de nível (características de cada estágio) e um mecanismo de avaliação.

3.1. A Gênese: Crosby e a Gestão da Qualidade

A origem intelectual dos modelos modernos remonta a Philip Crosby. Em sua obra seminal Quality is Free (1979), Crosby introduziu o “Quality Management Maturity Grid”. Ele propôs que a gestão da qualidade evolui em cinco estágios:

  1. Incerteza: A gestão não sabe por que os problemas ocorrem.
  2. Despertar: Começa a reconhecer que a gestão da qualidade pode ajudar.
  3. Esclarecimento: A implementação de processos formais de qualidade começa.
  4. Sabedoria: A gestão de qualidade é rotina.
  5. Certeza: A gestão da qualidade é parte essencial da empresa.

Este grid estabeleceu a lógica de “escalada” (step-by-step) que influenciaria quase todos os modelos subsequentes.

3.2. O Paradigma do Software: CMM e CMMI

A consolidação acadêmica e prática veio com o Software Engineering Institute (SEI) da Carnegie Mellon University. Em resposta aos frequentes fracassos em projetos de software do Departamento de Defesa dos EUA, Watts Humphrey e sua equipe desenvolveram o Capability Maturity Model (CMM) no final dos anos 80, que posteriormente evoluiu para o CMMI (Capability Maturity Model Integration).

O CMMI formalizou a estrutura de 5 níveis que se tornou o padrão ouro da indústria (CMMI Institute, 2018):

  • Nível 1 (Inicial): Processos imprevisíveis, pouco controlados e reativos. O sucesso depende de esforços heroicos individuais.
  • Nível 2 (Gerenciado): Processos caracterizados por projetos e muitas vezes reativos.
  • Nível 3 (Definido): Processos caracterizados pela organização e proativos.
  • Nível 4 (Gerenciado Quantitativamente): Processos medidos e controlados.
  • Nível 5 (Em Otimização): Foco na melhoria contínua de processos.

Este modelo foi amplamente adotado no Brasil, impulsionado por incentivos governamentais como o programa MPS.BR (Melhoria de Processo do Software Brasileiro), criado para oferecer uma alternativa acessível ao CMMI para pequenas e médias empresas nacionais.

3.3. Maturidade em Gestão de Projetos (PMMM)

Expandindo além do software, Harold Kerzner (2001) propôs o Project Management Maturity Model (PMMM). Kerzner argumentou que a maturidade em projetos não é apenas sobre usar ferramentas (Gantt, PERT), mas sobre a integração da gestão de projetos na cultura estratégica da empresa. Seu modelo também segue 5 níveis, enfatizando a “Linguagem Comum” (Nível 2) e o “Benchmarking” (Nível 4). No Brasil, a influência do PMI (Project Management Institute) solidificou o modelo OPM3 (Organizational Project Management Maturity Model) como referência em construtoras e empresas de engenharia.

4. A Nova Onda: Maturidade na Era Digital e Indústria 4.0

A partir de 2015, com a consolidação do conceito de Indústria 4.0, os modelos tradicionais baseados em processos estáveis começaram a ser questionados. Em um ambiente de inovação disruptiva, a estabilidade do CMMI Nível 5 poderia significar rigidez excessiva?

4.1. O Modelo Acatech

A referência global para a manufatura avançada tornou-se o Acatech Industry 4.0 Maturity Index, desenvolvido pela Academia Nacional de Ciência e Engenharia da Alemanha (Schuh et al., 2017). Diferente dos modelos focados apenas em tecnologia, o Acatech propõe que a maturidade digital passa por quatro estágios de evolução de dados:

  1. Visibilidade: O que está acontecendo? (Sensores/IoT).
  2. Transparência: Por que isso está acontecendo? (Causas raízes).
  3. Capacidade Preditiva: O que vai acontecer? (IA/Simulação).
  4. Adaptabilidade: Como o sistema reage autonomamente? (Sistemas autônomos).

4.2. Adaptação ao Contexto Brasileiro (CNI)

No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) adaptou esses conceitos para a realidade local. Em seus relatórios sobre a Indústria 4.0 (CNI, 2021), a CNI identifica que a maioria das indústrias brasileiras ainda transita entre a Indústria 2.0 (linhas de montagem rígidas) e a 3.0 (automação isolada). O modelo de maturidade proposto pela CNI foca em desmistificar a tecnologia, sugerindo que a maturidade começa com a “Digitalização do Chão de Fábrica” antes de avançar para sistemas complexos de Inteligência Artificial. Isso é crucial em um país onde a infraestrutura de conectividade industrial ainda é heterogênea.

5. Análise Crítica: Desafios e Paradoxos no Brasil

A aplicação prática dos modelos de maturidade no Brasil revela tensões importantes entre a teoria e a prática.

5.1. O “Teatro da Conformidade” e o Jeitinho

Um dos maiores riscos na aplicação de modelos como CMMI ou ISO 9001 no Brasil é o fenômeno que Meyer e Rowan (1977) chamariam de “isomorfismo institucional”, ou o que o mercado apelida de “Teatro da Conformidade”. Muitas organizações brasileiras buscam atingir níveis de maturidade (selos e certificados) não para melhorar processos, mas como requisito contratual para licitações governamentais ou exportação. Isso gera uma maturidade “de papel”, onde os processos descritos nos manuais divergem radicalmente da prática diária (“o processo real vs. o processo oficial”).

5.2. A Falácia da Linearidade

Os modelos clássicos pressupõem uma evolução linear (degrau 1 para o 2, depois 3). Contudo, na Transformação Digital, a evolução é frequentemente não-linear. Startups brasileiras (“Unicórnios” como Nubank ou iFood) muitas vezes nascem com práticas de Nível 5 (otimização contínua, uso de dados) sem nunca ter passado pela formalização burocrática do Nível 3. Westerman et al. (2014), em seus estudos sobre mestria digital, sugerem que a maturidade digital exige dois eixos simultâneos: Capacidade Digital e Capacidade de Liderança. Focar apenas em processos (a herança do CMMI) sem liderança para a mudança resulta em empresas “Fashionistas” (compram tecnologia mas não mudam o negócio).

5.3. O Custo Brasil e a Maturidade

A manutenção de altos níveis de maturidade exige investimento constante em treinamento, ferramentas de medição e auditorias. Para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) brasileiras, que lutam com uma carga tributária complexa e custos logísticos elevados, a implementação formal de um modelo de maturidade pode ser vista como um custo proibitivo. Aqui reside a importância de modelos adaptados, como o MPS.BR citado anteriormente, ou o MEG (Modelo de Excelência da Gestão) da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), que oferecem diretrizes escaláveis para a realidade nacional.

6. Estudos de Caso e Evidências Empíricas

6.1. Setor Bancário Brasileiro

O setor bancário no Brasil (Febraban) é um exemplo de alta maturidade tecnológica forçada pela necessidade (inflação galopante nas décadas de 80/90 exigia compensação noturna rápida) e segurança. Estudos recentes indicam que os grandes bancos brasileiros (Itaú, Bradesco) utilizam modelos de maturidade híbridos. Eles mantêm estruturas rígidas tipo CMMI para seus sistemas de Core Banking (onde a falha não é tolerada) e adotam modelos ágeis (Spotify Squads, SAFe) para suas áreas de inovação e canais digitais. Isso demonstra uma “Maturidade Bimodal”.

6.2. Agronegócio e Agricultura de Precisão

No agronegócio, a maturidade tecnológica é medida pela adoção da Agricultura de Precisão. Relatórios da Embrapa (2020) mostram uma disparidade: enquanto grandes latifúndios exportadores utilizam telemetria e IoT (Nível 4 do Acatech), pequenos produtores ainda carecem de gestão básica de custos (Nível 1). A maturidade, neste setor, é diretamente correlacionada à capacidade de investimento e acesso à conectividade no campo.

7. Discussão: O Futuro dos Modelos de Maturidade

Para onde caminham os modelos de maturidade? A tendência aponta para três direções:

  1. De Estático para Dinâmico: Modelos que não avaliam a empresa a cada dois anos, mas monitoram indicadores em tempo real (Process Mining).
  2. Foco em ESG: Novos modelos de maturidade estão integrando sustentabilidade. Não basta ter um processo eficiente (econômico); ele deve ser maduro ambiental e socialmente. O ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3 é um reflexo financeiro dessa maturidade.
  3. Maturidade Cultural: Reconhecimento de que a cultura devora a estratégia. Modelos modernos, como o Organisational Culture Assessment Instrument (OCAI), estão sendo usados em conjunto com modelos de processos para garantir que a mentalidade dos colaboradores acompanhe as novas ferramentas.

8. Conclusão

A análise da evolução dos Modelos de Maturidade revela que eles continuam sendo ferramentas vitais para a estruturação organizacional no Brasil, mas sua aplicação exige uma releitura crítica. A velha abordagem de “seguir o manual para ganhar o certificado” tornou-se obsoleta e perigosa em um mercado que exige agilidade.

Conclui-se que a verdadeira maturidade organizacional no cenário atual não é a rigidez de processos imutáveis, mas a capacidade de resiliência e adaptação. Para as empresas brasileiras, o desafio é duplo: superar o atraso infraestrutural (Indústria 4.0) e vencer a barreira cultural do imediatismo, investindo em governança de longo prazo.

As tecnologias emergentes e a transformação digital não anulam a necessidade de gestão; pelo contrário, elas exigem uma gestão mais sofisticada (Gerenciado Quantitativamente). Portanto, os modelos de maturidade, quando despidos de sua burocracia excessiva e focados na geração de valor, servem como bússolas essenciais na navegação da complexidade contemporânea.

Referências Bibliográficas

ACATECH. Indústria 4.0 Maturity Index. Managing the Digital Transformation of Companies. Munique: Herbert Utz Verlag, 2017. Disponível em: https://en.acatech.de/publication/industrie-4-0-maturity-index/. Acesso em: 28 nov. 2025.

CNI – Confederação Nacional da Indústria. Sondagem Especial: Indústria 4.0 no Brasil. Brasília: CNI, 2021. Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br. Acesso em: 28 nov. 2025.

CMMI INSTITUTE. CMMI for Development, Version 2.0. Pittsburgh: CMMI Institute, 2018.

CROSBY, Philip B. Quality is Free: The Art of Making Quality Certain. New York: McGraw-Hill, 1979.

EMBRAPA. Agricultura Digital no Brasil: tendências, desafios e oportunidades. Brasília: Embrapa Informática Agropecuária, 2020.

FNQ – Fundação Nacional da Qualidade. Modelo de Excelência da Gestão (MEG) 21. São Paulo: FNQ, 2021.

KERZNER, Harold. Strategic Planning for Project Management Using a Project Management Maturity Model. New York: John Wiley & Sons, 2001.

MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, v. 83, n. 2, p. 340-363, 1977.

PÖPPELBUß, J.; RÖGLINGER, M. What makes a useful maturity model? A framework of general design principles. In: European Conference on Information Systems (ECIS). Helsinki, 2011.

SCHUH, G. et al. Industrie 4.0 Maturity Index. Acatech Study. Munich, 2017.

WESTERMAN, G.; BONNET, D.; MCAFEE, A.Leading Digital: Turning Technology into Business Transformation. Boston: Harvard Business Review Press, 2014.


1 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
2 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
3 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
4 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
5 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
6 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
7 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
8 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
9 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará
10 Graduando em Engenharia de Software – Universidade do Estado do Pará