MODALIDADES DE TRATAMENTO PARA ACNE VULGAR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7867767


Cassiana de Moura e Costa¹
Dalton Luiz de Moura e Costa²


Introdução: 

A acne vulgar é uma doença inflamatória crônica da pele, multifatorial, imunomediada, caracterizada como a oitava doença mais prevalente no mundo, presente em aproximadamente 80% da população, apresentando pico de prevalência entre dezesseis e vinte anos, intensidade maior em homens e prevalência maior nas mulheres. Além disso, vale ressaltar que a acne é considerada um problema de extrema relevância, pois pode resultar em lesões inflamatórias ou não inflamatórias, as quais podem gerar cicatrizes permanentes na pele do indivíduo. Por isso, é uma enfermidade que está diretamente relacionada com sequelas físicas significativas e graves problemas psicológicos entre os afetados. [1, 2]. 

A acne vulgar é uma doença a qual apresenta relação principalmente com as unidades pilossebáceas da derme, e é definida como uma dermatose que se manifesta na forma de comedões abertos (pontos negros), comedões fechados (pontos brancos) e lesões inflamatórias como nódulos, pápulas e pústulas. Nos últimos anos, esta doença tem sido observada em pacientes mais jovens devido ao início precoce da puberdade. [3, 4]. 

Vários fatores podem induzir a produção de acne ou aumentar a sua gravidade. Alguns desses fatores incluem genética, sexo masculino, estresse, tabagismo, além de medicamentos comedogênicos, como andrógenos, halogênios, corticosteroides e cosméticos que levam a obstrução de poros. [1, 5, 6]. 

O diagnóstico da acne é clínico e direto, porém alguns diagnósticos diferenciais precisam ser descartados antes de iniciar o tratamento desta doença, como rosácea (sem comedões), foliculite, dermatite e erupções medicamentosas. [6].

 Patogênese da acne:

A acne afeta diretamente as unidades pilossebáceas da pele, e apresenta uma variedade de lesões em diferentes estágios inflamatórios, incluindo cicatrizes e hiperpigmentação. As lesões acneicas estão mais presentes em face, tórax, parte superior do dorso e braços, que são os locais que possuem maior densidade de glândulas sebáceas. [4, 6, 7]. 

Os quatro principais fatores patológicos envolvidos no desenvolvimento da acne são: Aumento da produção de sebo, hiperqueratinização folicular, colonização bacteriana pelo Propionibacterium acnes e inflamação da área afetada. [8].   

Excesso de produção de sebo: Hormônios andrógenos – especialmente a testosterona – estimulam o aumento da produção e secreção de sebo. Tal fato se correlaciona diretamente com a gravidade e ocorrência de lesões de acne e, por isso, é um fator que deve ser levado em consideração quando se trata de pacientes – principalmente masculinos – que sofrem de acne vulgar. [9, 10]. 

Hiperqueratinização folicular epidérmica e formação de comedões: Os queratinócitos –  presentes nas camadas da pele – em folículos normais são excretados para o lúmen como células únicas. Em indivíduos acneicos, ocorre hiperproliferação dos queratinócitos os quais não são eliminados como deveriam. Fato este que resulta na reunião dos corneócitos descamados de maneira anormal no folículo sebáceo juntamente com outros monofilamentos e lipídeos. Este evento é conhecido como comedogênese e é considerado o precursor das demais lesões de acne. [8, 9, 11]. 

Colonização do Propionibacterium acnes: P. acnes é um patógeno gram-positivo anaeróbico que coloniza os folículos sebáceos. Geralmente é mais prevalente em áreas da pele densamente preenchidas com folículos sebáceos, pois estes produzem quantidades aumentadas de sebo que favorece um ambiente anaeróbio rico em lipídeos para o bom desenvolvimento do microrganismo. É indiscutível que todos os indivíduos possuem P. acnes presentes na superfície da pele, o que pode contribuir para o entupimento folicular, mas nem todos apresentam acne devido às diferenças na resposta imune individual ao patógeno. Sabe-se também que o P. acnes produz uma enzima lipase que metaboliza triglicerídeos em ácidos graxos, as quais podem, por sua vez, auxiliar na formação de comedões e inflamação. Dessa forma, afirma-se que o P. acnes está entre o principal organismo mais provável para causar quadros de acne vulgar e, portanto, é alvo de tratamento com antibióticos tópicos e orais. [9, 12, 13].  

Processo inflamatório: Inicia quando o P. acnes é identificado pelo sistema imunológico. Esta bactéria apresenta um efeito inflamatório que pode desencadear a liberação de linfócitos, macrófagos e neutrófilos. Estes fatores podem causar danos foliculares, ruptura e vazamento de bactérias, ácidos graxos e lipídios na derme circundante. Todo este processo dará origem a formação de pápulas, pústulas, cistos e nódulos. As lesões inflamatórias são preenchidas com pus e costumam ser maiores que as lesões não inflamatórias. Além disso, os neutrófilos geram espécies reativas de oxigênio que contribuem para a inflamação do quadro acneico ao danificar o epitélio folicular. [7, 8, 9, 14].

Objetivos: A pesquisa teve por objetivo reunir os principais tratamentos prescritos por especialistas, presentes no mercado atual e utilizados de maneira expressiva para minimizar o quadro clínico de acne vulgar. 

Métodos: Revisão sistemática de literatura e metanálise com base nos artigos publicados em plataformas eletrônicas como Pubmed, MEDLINE e Scielo. 

Resultados: O principal objetivo do tratamento da acne é controlar e tratar lesões preexistentes, prevenir cicatrizes, limitar a duração do quadro clínico e minimizar a morbidade da doença. Fatores individuais do indivíduo devem ser levados em consideração ao se determinar um regime de tratamento para a enfermidade. A acne pode ser tratada topicamente ou sistemicamente. Outras opções de tratamento também são relevantes e incluem uso de produtos naturais ou uso de tratamento não medicamentoso, como por exemplo, laser. No entanto, tratamentos combinados têm se mostrado mais efetivos. [4, 6, 12, 15].

Tratamento tópico: 

Os produtos tópicos possuem a vantagem de serem aplicados diretamente na área lesionada, diminuindo assim a absorção sistêmica e aumentando a exposição das unidades pilossebáceas ao tratamento. No entanto, são produtos que podem apresentar irritações na pele. As preparações para a aplicação tópica estão disponíveis nas mais diversas formas, como géis, loções, cremes e soluções. A terapia tópica se baseia no tipo e gravidade da acne. A acne classificada em leve é frequentemente tratada com retinóides tópicos ou outras formulações, como ácido azeláico, peróxido de benzoíla e ácido salicílico. Já, a acne inflamatória classificada como leve a moderada pode ser tratada com agentes anti-inflamatórios tópicos ou antibióticos tópicos. [15, 16, 17]. 

Retinóides: Os retinóides tópicos podem ser usados como monoterapia para acne inflamatória, em combinação com formas mais graves de acne ou como tratamento de manutenção. Eles geralmente controlam a formação de microcomedões, reduzem a formação de lesões e comedões existentes, diminuem a produção de sebo e normalizam a descamação do epitélio. Eles visam os microcomedões e suprimem a formação de comedões. No mais, podem também mostrar propriedades anti-inflamatórias. Especialistas americanos e europeus afirmam que o uso de retinóides tópicos é vital para o tratamento de manutenção da acne. Os retinóides tópicos mais comuns encontrados no mercado e utilizados no tratamento da acne são: tretinoína, adapaleno e tazaroteno. [8, 17, 18]. 

Antibióticos: Antibióticos tópicos são geralmente usados ​​para acne inflamatória leve a moderada. Possuem atividade contra o P. acnes e atuam na superfície da pele reduzindo o estímulo para inflamação das lesões. Devido a certos efeitos colaterais e menor eficácia do cloranfenicol tópico e das tetraciclinas, essas drogas são usadas com menos frequência. Atualmente os mais utilizados no tratamento da acne são a eritromicina e a clindamicina, mas, nos últimos anos, o uso contínuo desses antibióticos tem levado ao desenvolvimento crescente de resistência contra cepas de P. acnes. Portanto, recomenda-se que a monoterapia com antibióticos tópicos seja usada apenas por um curto período de tempo (até 12 semanas) e que os antibióticos sejam combinados com peróxido de benzoíla, zinco ou retinóides para prevenir a resistência bacteriana. O uso de antibióticos orais e tópicos em combinação para tratar a acne devem ser completamente evitados. [4, 17, 19]. 

Corticosteróides: Os corticosteróides tópicos podem ser usados ​​em certas condições, como, por exemplo, para tratar acne muito inflamatória. O período de tratamento deve, no entanto, ser curto e a comprovação de sua eficácia ainda não foi determinada. [17, 20].

Tratamentos diversos: Outros tratamentos tópicos podem ser usados para acne, como por exemplo, peelings químicos, peróxido de benzoíla e dapsona. [8]. 

Tratamento sistêmico:

O tratamento sistêmico oral é necessário quando a acne é resistente ao tratamento tópico ou se manifesta como lesões nodulares ou deixa cicatrizes. É a escolha preferencial no tratamento de lesões inflamatórias. Pode também ser necessário para evitar constrangimento social e comprometimento psicológico em pessoas que sofrem de acne. O tratamento sistêmico mais comum inclui isotretinoína, antibióticos orais e agentes hormonais. [7, 21].

Retinóides: A isotretinoína é um retinóide sistêmico e derivado da vitamina A. Atualmente, está sendo usada como tratamento de primeira linha para acne nodular ou inflamatória grave e é o único medicamento conhecido que tem potencial para a supressão da acne a longo prazo. Também pode beneficiar pacientes com casos leves a moderados que se mostraram resistentes a agentes tópicos ou orais no passado. É considerada tratamento de primeira linha na acne grave da face e tronco, acne que causa cicatrizes e acne que causa complicações psicológicas. Tal medicação é a única droga disponível que tem efeito sobre todos os quatro fatores patogênicos da acne. A isotretinoína atua provocando desdiferenciação da glândula sebácea, diminuindo a produção de sebo, o que levará a uma alteração do ecossistema da flora bacteriana cutânea, acabando por reduzir a colonização do P. acnes nos folículos. Além disso, causa a descamação dos queratinócitos. O tratamento com isotretinoína normalmente dura de 16 a 24 semanas. Porém, vale ressaltar que é necessário monitorar de perto os pacientes que usam este retinóide devido seus efeitos colaterais nocivos [7, 21, 22, 23].  

Antibióticos: Os antibióticos orais são geralmente indicados para acne inflamatória moderada a grave, acne que apresenta resistência ao tratamento tópico anterior ou para acne que cobre uma grande área de superfície do corpo. A acne é frequentemente tratada com antibióticos orais, como macrolídeos (eritromicina, clindamicina, azitromicina e roxitromicina), fluoroquinolonas  (levofloxacina), tetraciclinas (doxiciclina, minociclina e limeciclina) e cotrimoxazol. Esses agentes antimicrobianos inibem o crescimento de P. acnes e a síntese de mediadores inflamatórios liberados por esta bactéria. O sucesso do tratamento antibiótico baseia-se na capacidade do agente atingir o ambiente lipídico dos folículos pilossebáceos na derme, que é a área onde o P. acnes mais coloniza. As tetraciclinas são muito populares porque são eficazes e baratas. A doxiciclina e a minociclina são preferidas porque causam menos irritação gastrointestinal e são mais lipossolúveis, penetrando no folículo pilossebáceo com mais eficiência. A família das tetraciclinas exibe propriedades anti-inflamatórias e antibacterianas. Além disso, menor resistência em P. acnes foram relatados com as tetraciclinas do que com os macrolídeos. Não foram realizados muitos estudos para determinar a eficácia da azitromicina no tratamento da acne, enquanto a clindamicina (tópica) e a eritromicina (tópica e oral) têm sido bem reconhecidas como tratamentos para a acne. A eritromicina e a clindamicina têm pouca atividade anti-inflamatória e atua principalmente reduzindo os níveis de P. acnes. Uma vez que esses antibióticos são usados ​​repetidamente em doses baixas por longos períodos de tempo durante o tratamento da acne, o aumento da resistência se desenvolveu ao longo do tempo, o que resultou no uso limitado desses agentes. Para reduzir a resistência e melhorar a eficácia, os antibióticos orais devem ser combinados com peróxido de benzoíla tópico ou retinóides. Além disso, a duração do tratamento não deve exceder 12 semanas, quando possível. No mais, foi sugerido que, se um paciente é um bom candidato para o tratamento com isotretinoína, o tratamento antibiótico a longo prazo é inviável. [4, 8, 21, 23, 24, 35]. 

Tratamentos diversos: Outros tratamentos orais que podem ser usados como terapias adjuvantes da acne incluem o uso de anticoncepcionais orais combinados em mulheres, sulfato de zinco, ibuprofeno, clofazimina e espironolactona. [16, 20, 26]. 

Conclusão: A acne é uma doença inflamatória comum da pele e causa muito sofrimento aos pacientes que convivem constantemente com ela. O alvo da terapia da acne são os quatro fatores patogênicos bem conhecidos e responsáveis pelo desenvolvimento desta patologia. Esta revisão atual discutiu as diferentes opções de tratamentos existentes no mercado para o quadro acneico, como terapias tópicas e sistêmicas. No entanto, devido ao aumento da resistência bacteriana do P. acnes aos antibióticos disponíveis e diferenças imunológicas entre os pacientes, mais pesquisas neste campo sempre serão necessárias.

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¹Estudante de Medicina do Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz (FAG)
²Médico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)