MICROBIOTA INTESTINAL: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A ALIMENTAÇÃO E SUAS INFLUÊNCIAS NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).

INTESTINAL MICROBIOTA: A NEW PERSPECTIVE FOR FOOD AND ITS INFLUENCES ON AUTISM SPECTRUM DISORDER (ASD).

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10109904


Ana Carolina Dos Santos Rocha;
Coautora: Patrícia Ramos Figueira;
Orientadora: Joana Maia de Melo Rosa.


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é reconhecido por suas características comportamentais, neurocognitivas, verbais e sociais, além de ser correlacionado ao processo de alimentação dos indivíduos com TEA, viabilizando sua influência com a microbiota. Sua população tem cada vez mais autonomia, mas ainda tem pouca base teórica para seu esclarecimento e opções terapêuticas para adotarem. Logo, o objetivo deste trabalho é relacionar a microbiota intestinal com a alimentação e suas influências no TEA. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica do tipo exploratória, com abordagem qualitativa, nas plataformas eletrônicas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed no período de 2012 a 2022. Observou-se que as manifestações gastrointestinais do TEA se constituem em um campo de atuação novo, o qual pode ser abordado em modificações da dieta dos indivíduos com o TEA. Os macronutrientes podem direcionar a composição intestinal da microbiota, sendo, por conseguinte, uma potencial terapia para o distúrbio. O eixo microbiota-intestino-cérebro é um mediador desse processo, no entanto, ainda não se sabe se de forma causal ou etiológica. Tendo em vista os dados apresentados, pode-se inferir que a alimentação de indivíduos com TEA é uma nova e potencial área de estudo com um futuro promissor para as famílias que convivem como transtorno.

Palavras chave: microbiota, eixo intestino-cérebro, transtorno do espectro autista, criança.

ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is recognized for its behavioral, neurocognitive, verbal and social characteristics, in addition to being correlated with the feeding process of individuals with ASD, enabling its influence with the microbiota. Its population is increasingly autonomous, but still has little theoretical basis for their clarification and therapeutic options to adopt. Therefore, the objective of this work is to relate the intestinal microbiota with food and its influences on ASD. For this, an exploratory bibliographic review was carried out, with a qualitative approach, on the electronic platforms Virtual Health Library (BVS) and PubMed from 2012 to 2022. It was observed that the gastrointestinal manifestations of ASD constitute a new field of action, which can be addressed in dietary modifications of individuals with ASD. Macronutrients can direct the intestinal composition of the microbiota and are therefore a potential therapy for the disorder. The microbiota-gut-brain axis is a mediator of this process, however, whether causally or etiologically is still unknown. In view of the data presented, it can be inferred that the diet of individuals with ASD is a new and potential area of ​​study with a promising future for families who live with the disorder.

Key words: microbiota, gut-brain axis, autism spectrum disorder, child.

INTRODUÇÃO

Assim como muitas palavras da língua latina, o termo autismo tem origem do grego – “autós”, que significa por si mesmo ou de si mesmo. Em 1943, o médico austríaco Leo Kanner identificou algumas características próprias do autismo, podendo distinguir ele de outras anormalidades neurocomportamentais como a esquizofrenia e as psicoses (NEURMARKER, 2003). 

Atualmente, o autismo (também conhecido por transtorno do espectro autista – TEA), é reconhecido por alguns déficits comportamentais e de desenvolvimento neurocognitivo, comunicações verbais e não verbais, sociais, padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses e atividades (APA, 2014). 

A alimentação no autismo, especialmente em crianças, tem muita relação com a seletividade e resistência à introdução do “novo”, que se manifesta por alterações dos hábitos alimentares, incluindo a preferência por texturas específicas, cores e horários das refeições (MURRAY, 2018). Além disso, é evidente a associação entre o grau do espectro manifestado no TEA e a interação do alimento com a microbiota no intestino desse indivíduo, em decorrência ao estresse citológico, ocasionado pelos precursores inflamatórios, propiciando reações sistêmicas, principalmente alterações comportamentais, sendo considerado um grande impacto na qualidade de vida dos mesmos.

A variação da gravidade da doença é extensa e pode ser diagnosticada a partir dos três anos de idade e persistir pelo resto da vida (ORRÚ, 2009). A etiologia desse transtorno ainda é desconhecida, porém o que se sabe é que são elementos multifatoriais, que envolvem o meio ambiental, a genética e a epigenética. O diagnóstico de autismo é estabelecido por meio de critérios comportamentais e baseiam-se nos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) (DE FREITAS et al., 2016). No entanto, distúrbios gastrointestinais tem uma elevada prevalência em pacientes com TEA, não obstante, esta característica não tem sido considerada nos critérios diagnósticos (HORVATH; PERMAN, 2002).  

Na tentativa de estabelecer relações com as questões gastrointestinais, principalmente do eixo intestino-cérebro, um conjunto de pesquisadores, no período de 1961-2009, buscou relacionar doença célica com o autismo, observando a má absorção de alguns nutrientes por pessoas com TEA, enquanto havia a hiper absorção de alimentos com potenciais para a formação de exorfinas (opioides), ao mesmo tempo que promoviam interrupções neurorreguladoras no desenvolvimento cerebral, justificando a alteração comportamental.  

Ademais, Murch e colaboradores (1993), já sugeriram que a deficiência na proteína fenil-transferase na parede do intestino poderia gerar inflamações nele e em seguida algumas disfunções neuropsiquiátricas. Porém, o resultado obtido por pesquisadores como Campbell e colaboradores (2009) entrou em contraste com as pesquisas anteriores, afirmando que uma variação funcional do gene receptor tirosina-quinase (MET) está associada ao transtorno de espectro autista (GILGER, 2009).

Outrossim, o que correlacionou todas as pesquisas é a relação íntima do eixo intestino-cérebro com a microbiota, e como ela pode exercer influência sobre ele, promovendo reações sistêmicas que se manifestam em reflexos psicomotores e cognitivos. 

Ao longo dos anos, a população com TEA foi ganhando voz e autonomia, podendo contemplar com maior afinco suas necessidades atendidas, seja pelo meio jurídico com a Lei nº12.764/2012 (que instituí a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Espectro Autista), seja pelo meio científico que vem ganhando visibilidade de pouco em pouco. Todavia, a escassez de conhecimento populacional para lidar com esse transtorno, somado as inúmeras teorias científicas que ainda não foram comprovadas a respeito do TEA dificultam o tratamento e a manutenção da qualidade de vida dessa população. 

Nesse sentido, o presente trabalho visa relacionar a microbiota intestinal e os alimentos ingeridos pelas pessoas com TEA com as alterações na manifestação do transtorno, evidenciando seus métodos de funcionamento e adequações ao sistema fisiológico, a fim de tornar público sua utilidade e auxiliar na melhoria de qualidade de vida dessa população. 

METODOLOGIA 

O presente estudo se tratará de uma revisão sistematizada do tipo exploratória, abordagem qualitativa. Será realizado por meio de coleta de dados em plataformas eletrônicas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed. Após acessar as plataformas, a coleta eletrônica será conduzida utilizando seguintes descritores em português, e operadores booleanos, “Transtorno do Espectro Autista AND criança AND eixo intestino-cérebro”, e em inglês, “Autism Spectrum Disorder AND child AND gut-brain axis”, permitindo, assim, que sejam encontrados resultados mais frequentes para a pesquisa em questão. Serão excluídos estudos duplicados, teses, dissertações, monografias e estudos com animais. Ademais, também serão excluídos estudos que não se encaixem na temática a ser abordada, ou seja, a microbiota intestinal e sua relação com o eixo intestino-cérebro e suas influências no TEA. Serão incluídos artigos científicos publicados entre os anos de 2012 a 2022, nos idiomas português e inglês, com full text.

RESULTADOS E DISCUSSÕES 

A escolha inicial dos artigos que participarão da revisão será dada após leitura e análise dos títulos e resumos, filtrando aqueles artigos de revisão relacionados com o tema. 

Figura 1 – Seleção de artigos

Tabela 1 – Descrição dos artigos de acordo com autores, ano de publicação, objetivo, resultados e conclusões.

AUTORARTIGOANO DE PUBLICAÇÃOOBJETIVORESULTADOSCONCLUSÕES
Iglesias-Vázquez L, Van Ginkel Riba G, Arija V, Canals JComposição da microbiota intestinal em crianças com transtorno do espectro do autismo: uma revisão sistemática e meta-análise2020O objetivo deste estudo é descrever e comparar a composição da microbiota intestinal em crianças com e sem TEAIncluímos 18 estudos que avaliaram um total de 493 crianças com TEA e 404 controles. A microbiota era composta principalmente pelos filos Bacteroidetes, Firmicutes e Actinobacteria, todos mais abundantes nas crianças com TEA do que nos controles. Crianças com TEA apresentaram abundância significativamente maior dos gêneros Bacteroides , Parabacteroides , Clostridium , Faecalibacterium e Phascolarctobacterium e menor percentual de Coprococcus e BifidobacteriumEsta meta-análise sugere que existe uma disbiose em crianças com TEA que pode influenciar o desenvolvimento e a gravidade da sintomatologia do TEA. Mais estudos são necessários para obter evidências mais fortes da eficácia dos pré ou probióticos na redução dos comportamentos autistas.
Santocchi, E., Guiducci, L., Fulceri, F. et al.Interação intestino-cérebro nos transtornos do espectro do autismo: um ensaio clínico randomizado sobre o papel dos probióticos nos parâmetros clínicos, bioquímicos e neurofisiológicos2016Determinar os efeitos da suplementação com uma mistura probiótica (Vivomixx®) em crianças com TEA, não apenas em sintomas gastrointestinais específicos, mas também nos déficits centrais do transtorno, no desenvolvimento cognitivo e de linguagem, e em função cerebral e conectividade.Um grupo de 100 pré-escolares com TEA será classificado como pertencente a um grupo GI ou a um grupo Não GI (NGI) com base em um índice de gravidade de sintomas específico para distúrbios GI. Para obter quatro braços, os pertencentes aos dois grupos (GI e NGI) serão randomizados às cegas 1:1 para dieta regular com probióticos ou com placebo por 6 meses. Todos os participantes serão avaliados no início do estudo, após três meses e após seis meses do início do estudo, a fim de avaliar as possíveis mudanças em: (1) sintomas gastrointestinais; (2) gravidade dos sintomas do autismo; (3) sintomas comórbidos afetivos e comportamentais; (4) biomarcadores plasmáticos, urinários e fecais relacionados à função intestinal anormal; (5) padrões neurofisiológicos.Os efeitos dos tratamentos com probióticos em crianças com TEA precisam ser avaliados através de ensaios rigorosos e controlados. Examinando o impacto dos probióticos não apenas nos padrões clínicos, mas também nos padrões neurofisiológicos, o presente estudo pretende fornecer novos insights sobre a conexão intestino-cérebro em pacientes com TEA. Além disso, os resultados poderiam acrescentar informações à relação entre os níveis de ftalatos, características clínicas e padrões neurofisiológicos no TEA.
Agustín Ernesto Martínez-González, Pedro Andreo-Martínez.Prebióticos, probióticos e transplante de microbiota fecal no autismo: uma revisão sistemáticaPrebióticos, probióticos e transplante de microbiota fecal no autismo: uma revisão sistemática2020O objetivo do presente estudo é realizar uma revisão sistemática dos efeitos psicobiológicos dos probióticos, prebióticos e do MTT em crianças que possuem TEA.Os resultados dos estudos iniciais sugerem mudanças nos sintomas TEA, sintomas gastrointestinais e composição do MI intestinal após as intervenções por meio de prebióticos (polvo de zanahoria, vitamina A, goma de guar parcialmente hidrolizada, galactooligossacaridos, etc.), probióticos (fundamentalmente: Lactobacillus, Bifidobacterium, etc.) e transplante de microbiota fecal.Os estudos sobre probióticos, prebióticos e MMT são esperançosos no momento, mas não há evidências empíricas suficientes. A análise sobre o risco de sessão indica que 58,33% dos estudos sobre probióticos e prebióticos têm uma sessão média, 25% alto e 16,66% abaixo, enquanto nos estudos realizados com MMT o sessão média está presente em 75% dos estúdios, sendo 25% alto. Nestes resultados se reflete, em certa medida, a confiabilidade dos dados em nível mundial, pelo que estes devem ser tomados com cautela
Ligezka AN, Sonmez AI, Corral-Frias MP, Golebiowski R, Lynch B, Croarkin PE, Romanowicz M.Uma revisão sistemática das alterações do microbioma e do impacto da suplementação de probióticos em crianças e adolescentes com distúrbios neuropsiquiátricos.2020Nas últimas décadas, as implicações diagnósticas e terapêuticas das alterações do microbioma e o impacto da suplementação probiótica aumentaram rapidamente. No entanto, o potencial para tradução clínica da investigação do microbioma para crianças e adolescentes com perturbações psiquiátricas não é claro. Esta revisão examinou as evidências disponíveis relacionadas à microbiota intestinal, bem como o impacto da suplementação de probióticos nos transtornos psiquiátricos na população pediátrica relatados até o momento.Um total de 7 estudos preencheram os critérios de inclusão que consistem em ensaios clínicos randomizados e estudos de coorte que examinaram diversas associações entre transtornos psiquiátricos e a microbiota intestinal em jovens. Seis estudos examinaram os efeitos de várias intervenções de tratamento, como a suplementação de probióticos, na composição e nos comportamentos da microbiota. Um estudo mostrou um aumento no comportamento pró-social em crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e um aumento na família Lachnospiraceae após a suplementação de prebióticos. Outro estudo sugeriu que a suplementação de prebióticos aumentou as populações de bifidobactérias para TEA e controles saudáveis. Um estudo que avaliou a suplementação infantil de prebióticos mostrou uma probabilidade diminuída de desenvolver Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou TEA e diminuição de Bifidobacterium intestinal . Um estudo não encontrou diferenças significativas na composição do microbioma após o tratamento com micronutrientes.O principal objetivo desta revisão sistemática foi examinar e resumir de forma abrangente as evidências atuais focadas no efeito potencial da relação entre a composição da microbiota intestinal, bem como os efeitos da suplementação de probióticos em transtornos psiquiátricos em crianças e adolescentes. Esta é uma área de pesquisa relativamente nova e o número de estudos incluídos é limitado. Mais estudos são necessários para determinar se a disbiose intestinal leva ao desenvolvimento e/ou contribui para a gravidade dos transtornos mentais ou se a disbiose intestinal é resultado de outros processos que acompanham os transtornos mentais.
Beopoulos A, Gea M, Fasano A, Iris F.Alterações neuroanatômicas do sistema nervoso autônomo podem provocar e manter disbiose gastrointestinal no transtorno do espectro do autismo (TEA): uma nova hipótese mecanística de interação microbioma-hospedeiro2021 Explorar os mecanismos pelos quais os desequilíbrios do SNA podem levar a alterações nas interações microbioma intestinal-hospedeiro que podem contribuir para a gravidade do TEA, mantendo as vias do eixo cérebro-intestino em um estado desregulado.Além das causas comuns de disbiose descritas para outras condições crônicas, uma atenuação da estimulação mediada autonomicamente da secreção exossômica pela mucosa do cólon, provavelmente junto com a diminuição da secreção de lectinas, pode estar em jogo no ASD. A consequência seria uma diminuição na secreção de peptídeos e metabólitos bactericidas das células de Paneth, células caliciformes e fagócitos da superfície da mucosa intestinal, como macrófagos, que coexistem com comunidades microbianas. Isso levaria à perda de populações microbianas comensais e à desregulação simultânea da homeostase iônica luminal e da água, resultando em disbioses altamente heterogêneas e polimórficas com incidências incomumente altas observadas no TEA.As alterações neuroanatômicas subjacentes ao TEA provocam anormalidades no funcionamento do sistema nervoso autônomo (SNA), caracterizadas por uma superativação do ramo simpático do SNA em um contexto de déficits de atividade parassimpática. Isto induz a desregulação do eixo intestino-cérebro, a qual resulta na atenuação dos componentes humorais e celulares do sistema imunitário intestinal, juntamente com a desregulação da homeostase osmótica intestinal e da produção de muco, com a consequente disbiose persistente, que então estabelece um ciclo vicioso onde as anomalias do funcionamento imunitário e osmótico mantêm um estado disbiótico. estado que, por sua vez, mantém a desregulação imunológica e osmótica.
Rianda, D., Agustina, R., Setiawan, E. A., & Manikam, N. R. M.Efeito da suplementação de probióticos na função cognitiva de crianças e adolescentes: uma revisão sistemática de ensaios randomizados2019Conduzir uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados (ECR) sobre o efeito da suplementação de probióticos na função cognitiva em crianças e adolescentes.Sete estudos preencheram os critérios de inclusão e seus resultados cognitivos foram analisados. Apenas um estudo encontrou um resultado positivo com a suplementação de Lactobacillus rhamnosus GG (LGG) 1×10 10 cfu com resultados em manifestações de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou síndrome de Asperger (AS), conforme diagnosticado usando os critérios da Classificação Internacional de Doenças-10. As suplementações foram administradas às mães finlandesas durante 4 semanas antes do parto e continuamente durante 6 meses após o parto, se amamentassem, ou às crianças. TDAH ou EA foi diagnosticado aos 13 anos de idade em 17,1% das crianças no grupo placebo e em nenhuma no grupo probiótico (P = 0,008). Este estudo encontrou diferenças significativas na composição de espécies e no número de células pertencentes ao gênero Bifidobacterium entre crianças saudáveis ​​e crianças que posteriormente desenvolveram TDAH ou EA em diferentes momentos. Seis estudos restantes com cepas, durações de intervenção, horário de início da administração e resultados variados não demonstraram nenhuma diferença na cognição após a suplementação de probióticos. Análises metagenômicas da composição da microbiota intestinal não foram realizadas em nenhum desses estudos.O efeito favorável da suplementação de probióticos na função cognitiva em crianças e adolescentes foi observado num estudo com suplementação de LGG através de uma redução do risco de desenvolvimento de TDAH ou EA (ou seja, autismo). Mais ensaios de longo prazo e de acompanhamento usando probióticos que identifiquem o efeito na cognição são necessários antes do uso rotineiro.
Salvatore, S.; Pensabene, L.; Borrelli, O.; Saps, M.; Thapar, N.; Concolino, D.; Staiano, A.; Vandenplas, Y.Cuidado com o intestino: probióticos em neurogastroenterologia pediátrica2018O objetivo desta revisão narrativa é atualizar e resumir o efeito e a aplicabilidade clínica dos probióticos na neurogastroenterologia pediátrica.De acordo com diferentes meta-análises de ensaios clínicos randomizados, o uso de Lactobacillus reuteri (DSM 17938) foi associado a uma diminuição significativa no tempo médio de choro em cólicas infantis. Há evidências moderadas para esta cepa e LGG e evidências limitadas (baseadas em um estudo cada) para o efeito benéfico do VSL#3 e uma mistura de três cepas de bifidobactérias em DGFs de dor abdominal, particularmente no subgrupo de crianças com doença do intestino irritável, mas não na dispepsia funcional. Atualmente não há evidências claras de efeitos positivos dos probióticos orais no transtorno do espectro autista. A eficácia e a segurança de outras estirpes ou os efeitos benéficos noutras condições ainda precisam de ser comprovados, uma vez que as propriedades dos probióticos são específicas da estirpe e os dados não podem ser extrapolados para outras doenças do intestino cerebral ou do humor ou para outros probióticos da mesma espécie ou de espécies diferentes. Para transformar o uso de probióticos de uma sugestão tentadora em uma modalidade de tratamento promissora em distúrbios neurogastroenterológicos, ainda é necessária uma diferenciação mais precisa das cepas com eficácia comprovada, esclarecimento de dose, duração e resultado e uma seleção cuidadosa dos pacientes-alvo.
Martins-Silva, T., Salatino-Oliveira, A., Genro, J. P., Meyer, F. D., Li, Y., Rohde, L. A., … & Tovo-Rodrigues, LA genética do hospedeiro influencia a relação entre o microbioma intestinal e os transtornos psiquiátricos2021Neste estudo, pretendemos avaliar o papel das variantes genéticas associadas ao microbioma intestinal na suscetibilidade de indivíduos a quatro transtornos psiquiátricos: = 0,047).Estas descobertas sugerem que genes relacionados à composição do microbioma podem afetar a suscetibilidade dos indivíduos a transtornos psiquiátricos, principalmente esquizofrenia . Embora menos robustas, as associações com TEA, TDAH e TDM não podem ser descartadas.Neste estudo, exploramos o papel da genética do hospedeiro associada ao microbioma intestinal em quatro transtornos psiquiátricos usando os maiores conjuntos de dados genômicos disponíveis. Observamos que os marcadores genéticos estavam associados a todos os quatro transtornos psiquiátricos em pelo menos um nível de evidência. Os marcadores parecem estar mais relacionados à SCZ, cujos resultados mostraram associação tanto na análise de genes individuais quanto de conjuntos de genes. Para TDAH, TEA e TDM, encontramos uma associação positiva para alguns SNPs e/ou genes.
Gogou, M. e Kolios, G.Existe lugar para a nutrição no tratamento de crianças com transtorno do espectro do autismo?2020O objetivo desta revisão sistemática é fornecer dados da literatura sobre o efeito de intervenções dietéticas específicas nos aspectos clínicos de crianças com autismo.Os tipos de intervenções dietéticas avaliadas nesses estudos incluíram aminoácidos, ácidos graxos, vitaminas/minerais, bem como dietas específicas (isentas de glúten/caseína, cetogênicas). O mecanismo de ação subjacente das intervenções nutricionais nesta população pediátrica inclui principalmente a regulação dos níveis de neurotransmissores, bem como a modificação da microbiota intestinal. Mais especificamente, a Ν-acetilcisteína demonstrou exercer um efeito benéfico nos sintomas de irritabilidade. Este efeito benéfico pode ser atribuído às suas propriedades antiglutamérgicas e antioxidantes. No que diz respeito aos ácidos graxos, sabe-se que eles estão envolvidos no metabolismo da dopamina e da serotonina, enquanto foram relatados valores baixos de ácidos graxos no soro de pacientes com diversos distúrbios neuropsiquiátricos. Contudo, a sua administração em crianças com autismo não fez qualquer diferença em termos de aspectos clínicos da doença. Por outro lado, os dados disponíveis na literatura sobre o efeito da D-cicloserina, dimetilglicina e vitaminas/minerais eram poucos ou controversos. Paralelamente, conseguimos identificar na literatura estudos clínicos que mostram um efeito benéfico da dieta isenta de glúten/caseína e cetogênica no fenótipo clínico do autismo.Por fim, deve-se destacar que não foram relatados eventos adversos moderados ou graves em nenhuma das intervenções nutricionais acima. Em geral, os dados da literatura atual são encorajadores. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos randomizados para confirmar mais claramente o efeito de intervenções dietéticas específicas nos aspectos clínicos do autismo.
Monteiro, M. A., Santos, A. A. A. D., Gomes, L. M. M., & Rito, R. V. V. F.Transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática sobre intervenções nutricionais2020Identificar e analisar as evidências científicas de intervenções nutricionais realizadas em crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista.Dezoito estudos foram incluídos na revisão (16 ensaios clínicos randomizados, um estudo de caso-controle e um ensaio clínico aberto). As intervenções e os resultados variaram, entretanto a implementação de uma dieta livre de glúten e caseína foi a intervenção mais utilizada entre os estudos. Do total, dez estudos encontraram associação positiva entre intervenção e resultados avaliados, enquanto oito não encontraram associação significativa.Embora alguns autores exponham progressos nos sintomas associados ao autismo em indivíduos com esse transtorno submetidos a intervenções nutricionais, há poucas evidências científicas para apoiar o uso destas em crianças e adolescentes com autismo.
Barbosa, Renata SD e Maria A. Vieira-Coelho.Probióticos e prebióticos: foco em transtornos psiquiátricos – uma revisão sistemática2020Os probióticos parecem oferecer algum benefício no transtorno depressivo maior e na doença de Alzheimer. Um estudo mostrou que os probióticos reduziram a reinternação em pacientes com mania aguda. Nos transtornos do espectro do autismo, os resultados foram controversos; no entanto, um único estudo descobriu que a administração precoce de probióticos mostrou um papel preventivo. Nenhum benefício foi encontrado para pacientes com esquizofrenia. Na maioria dos estudos, nenhum efeito adverso importante foi relatado. Embora descobertas recentes em transtornos psiquiátricos específicos sejam encorajadoras, o uso de prebióticos e probióticos na prática clínica ainda carece de evidências suficientemente robustas.
Fraguas, David, et al.Intervenções dietéticas para transtorno do espectro do autismo: uma meta-análise2019Avaliar a eficácia de intervenções dietéticas específicas sobre sintomas, funções e domínios clínicos em indivíduos com TEA usando uma abordagem meta-analítica.Nesta meta-análise, examinamos 27 ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, incluindo 1.028 pacientes com TEA: 542 nos braços de intervenção e 486 nos braços de placebo. A idade média ponderada dos participantes foi de 7,1 anos. A duração média ponderada da intervenção pelos participantes foi de 10,6 semanas. A suplementação dietética (incluindo ômega-3, suplementação vitamínica e/ou outra suplementação), suplementação de ômega-3 e suplementação vitamínica foram mais eficazes do que o placebo na melhoria de vários sintomas, funções e domínios clínicos. Os tamanhos dos efeitos foram pequenos (a média do g de Hedges para análises significativas foi de 0,31), com baixa heterogeneidade estatística e baixo risco de viés de publicação.Esta metanálise não apoia intervenções dietéticas inespecíficas como tratamento do TEA, mas sugere um papel potencial para algumas intervenções dietéticas específicas no manejo de alguns sintomas, funções e domínios clínicos em pacientes com TEA.
Grimaldi, Roberta, et al.Um estudo de intervenção prebiótica em crianças com transtornos do espectro do autismo (TEA)2018Avaliar o impacto das dietas de exclusão e de uma intervenção prebiótica Bimuno® galactooligossacarídeo (B-GOS®) de 6 semanas em 30 crianças autistas.Os resultados mostraram que as crianças em dietas de exclusão relataram pontuações significativamente mais baixas de dor abdominal e evacuação, bem como menor abundância de Bifidobacterium spp. e família Veillonellaceae, mas maior presença de Faecalibacterium prausnitzii e Bacteroides spp. Além disso, foram encontradas correlações significativas entre populações bacterianas e aminoácidos fecais neste grupo, em comparação com crianças que seguiram uma dieta irrestrita. Após a intervenção B-GOS®, observámos melhorias no comportamento anti-social, aumento significativo da família Lachnospiraceae e alterações significativas nos metabolitos fecais e urinários.Até onde sabemos, este é o primeiro estudo onde o efeito de dietas de exclusão e prebióticos foi avaliado no autismo, mostrando potenciais efeitos benéficos. Uma abordagem dietética combinada resultou em mudanças significativas na composição e no metabolismo da microbiota intestinal, sugerindo que múltiplas intervenções podem ser mais relevantes para a melhoria destes aspectos, bem como das características psicológicas.
Li, Yong-Jiang, Ya-Min Li, and Da-Xiong Xiang.Intervenção suplementar associada a deficiências nutricionais em transtornos do espectro do autismo: uma revisão sistemática2018Nosso objetivo é fornecer as melhores evidências atuais sobre suplementos para deficiências nutricionais e sintomas essenciais em crianças com TEA e avaliar a eficácia e segurança.Foram incluídos 18 ensaios clínicos randomizados de cinco suplementos. B6/Mg não foi útil para melhorar os sintomas do TEA (sete ECRs). Dois ECRs de metil B12 relataram alguma melhora na gravidade do TEA, mas os efeitos na correção das deficiências foram inconclusivos. Dois ECRs de vitamina D 3 relataram níveis aumentados de 25(OH)D média no soro, mas resultados inconsistentes em resultados comportamentais. A suplementação de ácidos graxos ômega-3 não afetou os comportamentos de TEA, mas pode corrigir deficiências (seis ECRs). Um ECR de ácido folínico relatou resultados positivos na melhora dos sintomas de TEA medidos por várias escalas comportamentais.As evidências atuais sobre o uso de suplementos para corrigir deficiências nutricionais em crianças com TEA e para melhorar os sintomas são poucas. Mais estudos são necessários.
Piwowarczyk, Anna, et al.Dieta sem glúten e caseína e transtornos do espectro do autismo em crianças: uma revisão sistemática2018Faltam tratamentos eficazes para os sintomas principais dos transtornos do espectro do autismo (TEA). Atualizamos sistematicamente as evidências sobre a eficácia de uma dieta sem glúten e sem caseína (GFCF) como tratamento para TEA em crianças.Seis ECRs (214 participantes) foram incluídos. Com poucas exceções, não houve diferenças estatisticamente significativas nos sintomas centrais do transtorno do espectro do autismo entre os grupos, medidos por escalas padronizadas. Um estudo descobriu que, em comparação com o grupo de controle, no grupo de dieta FBCF houve melhorias significativas nas pontuações para o subdomínio “comunicação” do Cronograma de Observação Diagnóstica do Autismo e para o subdomínio “interação social” da Escala de Avaliação de Autismo Gilliam. Outro ensaio encontrou diferenças significativas entre grupos nas pontuações pós-intervenção para os subdomínios “traços autistas”, “comunicação” e “contacto social” de um esquema dinamarquês padronizado. As diferenças restantes, se presentes, referiam-se a ferramentas de avaliação baseadas nos pais ou outras características relacionadas ao desenvolvimento/relacionadas ao TEA. Nenhum evento adverso associado a uma dieta FBCF foi relatado.No geral, há poucas evidências de que uma dieta FBCF seja benéfica para os sintomas do TEA em crianças.
Shaaban, Sanaa Y., et al. O papel dos probióticos em crianças com transtorno do espectro do autismo: um estudo prospectivo e aberto2018Existem dados limitados sobre a eficácia dos probióticos em crianças com TEA, portanto, este estudo tem como objetivo avaliar a eficácia e tolerabilidade dos probióticos em uma coorte egípcia de crianças com TEA.Após a suplementação de probióticos, a PCR de fezes de crianças autistas mostrou aumentos nas contagens de colônias de Bifidobactérias e níveis de Lactobacilos , com uma redução significativa no peso corporal, bem como melhorias significativas na gravidade do autismo (avaliado pela ATEC), e sintomas gastrointestinais (avaliados pelo 6-GSI) em comparação com a linha de base avaliada no início do estudo.Concluímos que os probióticos têm efeitos benéficos nas manifestações comportamentais e gastrointestinais do TEA. Os probióticos (uma opção não farmacológica e relativamente isenta de riscos) poderiam ser recomendados para crianças com TEA como terapia adjuvante. Nesta fase, este estudo é um centro único com um pequeno número de pacientes e são necessários muitos ensaios clínicos randomizados em larga escala adicionais para confirmar criticamente a eficácia dos probióticos no TEA.
Sathe, Nila, et al.Intervenções nutricionais e dietéticas para transtorno do espectro do autismo: uma revisão sistemática2017Nosso objetivo foi avaliar a eficácia e segurança de intervenções dietéticas ou suplementos nutricionais no TEA.Dezenove ensaios clínicos randomizados (ECR), 4 com baixo risco de viés, avaliaram suplementos ou variações da dieta sem glúten/caseína e outras abordagens dietéticas. As populações, as intervenções e os resultados variaram. A suplementação de Ω-3 não afetou comportamentos desafiadores e foi associada a danos mínimos (baixo SOE). Dois ECRs de diferentes enzimas digestivas relataram efeitos mistos na gravidade dos sintomas (SOE insuficiente). Estudos de outros suplementos (metil B 12 , levocarnitina) relataram algumas melhorias na gravidade dos sintomas (SOE insuficiente). Estudos que avaliaram dietas sem glúten/caseína relataram algumas melhorias avaliadas pelos pais na comunicação e nos comportamentos desafiadores; no entanto, os dados eram inadequados para tirar conclusões sobre o conjunto de evidências (SOE insuficiente). Estudos de alimentos desafiadores contendo glúten ou caseína não relataram efeitos sobre o comportamento ou sintomas gastrointestinais com alimentos desafiadores (SOE insuficiente); 1 ECR não relatou efeitos do leite de camelo na gravidade do TEA (SOE insuficiente). Os danos foram díspares.Há poucas evidências que apoiem o uso de suplementos nutricionais ou terapias dietéticas para crianças com TEA
Masi, A., et al.Uma revisão sistemática abrangente e meta-análise de intervenções farmacológicas e de suplementos dietéticos no autismo pediátrico: moderadores da resposta ao tratamento e recomendações para pesquisas futuras2017Nosso objetivo foi investigar se existem características basais dos pacientes que moderam a resposta ou características do desenho do ensaio que impedem a identificação de intervenções eficazes para TEAs.A meta-análise de efeitos aleatórios de participantes de 1997 (81% do sexo masculino) identificou três moderadores associados a um aumento na resposta ao tratamento: ensaios localizados na Europa e no Médio Oriente; medidas de resultados designadas como status primário; e o tipo de medida de resultado. Relatórios inconsistentes sobre a gravidade dos sintomas iniciais e o funcionamento intelectual impediram a análise dessas variáveis. A síntese qualitativa das características basais identificou pelo menos 31 variáveis, com apenas idade e sexo relatados em todos os ensaios. Marcadores biológicos foram incluídos em seis ECRs.Poucos estudos relataram características basais adequadas para permitir uma análise detalhada da resposta ao tratamento. A consideração da localização geográfica, da gravidade da linha de base e da função intelectual é necessária para garantir a generalização dos resultados. O uso de marcadores biológicos e correlatos em ensaios de TEA ainda está em sua infância. Há uma grande necessidade de melhorar a aplicação da caracterização inicial e a incorporação de marcadores biológicos e correlatos para permitir a seleção de participantes em subgrupos homogêneos e para informar a resposta ao tratamento no TEA.
Sausmikat, J., and M. Smollich.Terapia nutricional para transtornos do espectro do autismo em crianças e adolescentes: quais são as evidências?2015O objetivo desta revisão é a avaliação baseada em evidências dos dados disponíveis sobre intervenções terapêuticas nutricionais em crianças e adolescentes com TEA12 estudos randomizados controlados e 2 estudos não controlados foram incluídos na análise (n=971). A eficácia das dietas isentas de glúten/caseína (FBCF) habitualmente utilizadas não foi comprovada e também não existem parâmetros preditivos válidos correspondentes.Com base nos dados disponíveis, não é possível derivar recomendações baseadas em evidências para intervenções terapêuticas nutricionais em crianças e adolescentes com TEA. Estudos futuros devem esclarecer se subgrupos individuais de pacientes ainda poderiam beneficiar de certos tipos de dieta.

O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) inclui o autismo, transtorno global do desenvolvimento sem outras complicações (PDD-NOS) e o transtorno de Asperger. O autismo geralmente aparece nos três primeiros anos de vida, manifestando três características principais: dificuldades na comunicação verbal e não verbal; dificuldades nas interações sociais; e presença de comportamentos repetitivos e estereotipados. O que mais chama atenção no autista não são os comportamentos apresentados, mas  a omissão dos mesmos, o que a criança não faz, ou desconhece. O diagnóstico de autismo é mais preciso se baseado na dificuldade ou falha da pessoa em função do domínio específico sociocomunicativo e relacional. 

O TEA tem como adjetivos complementares o retardo no desenvolvimento neurocognitivo e a seletividade alimentar. Parte dessa seletividade é dada pela relação gastrointestinal com o cérebro, advinda de marcadores alérgenos e inflamatórios (THEIJE et al., 2011). 

O diagnóstico de TEA é totalmente clínico, baseado em marcadores comportamentais, de acordo com os critérios do DSM-V (Associação Psiquiátrica Americana, 2013). É observado um aumento epidemiológico de diagnóstico nas últimas décadas, equivalente a mais de 20 vezes mais casos em 30 anos. Zwaigernbaum e colaboradores (2009) afirmam que esse aumento se deu pela melhoria da qualidade de diagnósticos baseados em pesquisas mais avançadas e recentes, outros concluem que apenas essa melhoria não justifica a quantidade de aumento, e que nesse período algum marcador biológico potencializou de maneira epigenética o aparecimento desse transtorno (HERTZ-PICCIOTTO; DELWICHE, 2009). 

Dentro do grupo de pessoas com TEA, há grande heterogeneidade no grau de acometimento e nos sintomas manifestados, interligados com o comportamento cognitivo, envolvendo o grau de comprometimento, que normalmente, surgem ainda no desenvolvimento da primeira infância, sem contar que a dificuldade do diagnóstico precoce do TEA, pode acarretar na dissociação dos sintomas com o autismo. 

Diante disso, o que se demonstra em crianças com TEA em relação ao sistema digestivo são sinais gastrointestinais insistentes, como diarreia, constipação, dor abdominal, recusa alimentar, refluxo gastroesofágico, perda de peso e déficit de crescimento. Esses sinais se apresentam com mais frequência que suas contrapartes neurotípicas, o que gera questionamentos a respeito da relação do eixo microbiota-intestino-cérebro e a sua influência sobre crianças com o transtorno do espectro autista.     

EIXO MICROBIOTA-INTESTINO-CÉREBRO

De acordo com Andrew Wakefield (1998), desde a primeira publicação da avaliação histológica e descrição da inflamação do TGI que acometia crianças com sintomas gastrointestinais e autismo, um novo campo de pesquisas se iniciou. As manifestações gastrointestinais mostram ser correlatas com sintomas característicos do autismo, e isso levanta a hipótese de uma comunicação entre os dois através do eixo microbiota-intestino-cérebro, onde os produtos de um processo patológico do TGI contribuiriam para a disfunção do SNC (KRIGSMAN WALKER, 2021). 

Tal eixo consiste em uma comunicação mútua entre microrganismos do intestino e o cérebro, com uma grande possibilidade de rotas para explicá-la, desde redes neuronais complexas e modificáveis até pequenas moléculas que compõem sutis sistemas de mensageiros. São possibilidades: o sistema nervoso autônomo (SNA), principalmente através do nervo vago; o sistema nervoso entérico, que forneceria uma oportunidade para que fatores derivados do lúmen intestinal influenciem além da função intestinal; o sistema imune, onde crescentes evidências sugerem a participação de citocinas e quimiocinas na comunicação; os enterócitos, apesar de representarem apenas 1% das células epiteliais do TGI, possuem grandes efeitos pleiotrópicos; neurotransmissores; aminoácidos de cadeia ramificada; ácidos graxos de cadeia curta; mecanismos espinhais; peptideoglicanos e eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (Figura 01) (CRYAN et al., 2019).

Figura 2: Eixo microbiota-intestino-cérebro

Fonte: adaptada CRYAN et al., 2019.

Sugere-se, segundo Cupertino e colaboradores (2019), que há a interação, através desse eixo, de metabólitos microbianos com o sistema nervoso, gerando, então, os sintomas neurológicos. Dentre esses metabólitos, a capacidade da microbiota de produzir neurotransmissores é um dos principais mecanismos descritos, visto que modula a função neural, homeostase e o desequilíbrio da mesma, logo, poderia gerar alterações comportamentais (TONINI et al., 2020). 

Pode-se dizer, por conseguinte, que tal eixo é um forte ator nesse espectro. Sua influência nas manifestações e etiologia do TEA são importantes, mas ainda não  sabe-se, ao certo, se as alterações intestinais são causa ou consequência das alterações neurológicas (CUPERTINO et al., 2019).

Tendo em vista que alterações no funcionamento do microbioma intestinal podem estar relacionados com a promoção de sintomas no TEA, e que a dieta e macronutrientes são os principais fatores que afetam a composição da microbiota intestinal, direcionar a composição da microbiota pode ser uma terapia eficaz para o tratamento do distúrbio (YANG; TIAN; YANG, 2017). 

Figura 3: Diagrama esquemático representando achados patológicos em uma porção do trato gastrointestinal de uma criança sintomática com transtorno do espectro autista.

Fonte: adaptada KRIGSMAN, A e WARKER, SJ., 2021. 

MODIFICAÇÃO DA DIETA COMO TRATAMENTO

A microbiota intestinal é composta por diversos microrganismos vivos, que se responsabilizam por colonizar o intestino. Ocorre de forma imediata ao nascimento, com maior prevalência de bactérias anaeróbias. O intestino constitui-se de microbiota nativa e é considerado um ecossistema complexo, que pode chegar ao ápice aos dois anos de idade (GUARNER, 2007; BARBOSA et al., 2010). Uma das primeiras fontes de contato com microrganismos colonizadores ocorre durante o parto natural, após o recém-nascido contactar a microbiota fecal da mãe ao nascer e posteriormente ao se alimentar via aleitamento materno (PENNA; NICOLI, 2001). 

Inicialmente, a flora bacteriana intestinal pode apresentar desequilíbrio e quando presente no processo inicial da vida, distúrbios neurológicos no desenvolvimento podem surgir. (PENNA; NICOLI, 2001). 

Evidências indicam uma disfunção associada ao TGI, correlacionado à integridade do intestino impermeável, permitindo a entrada de bactérias e produtos derivados na circulação sistêmica, que leva a disfunção neural quando atravessado a barreira hematoencefálica. A disbiose pode levar a alterações locais e sistêmicas. (PENNA; NICOLI, 2001). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as considerações assinaladas acima, o TEA, transtorno diagnosticado clinicamente, apresenta diversas manifestações gastro-intestinais, que influenciam muito em seu desenvolvimento. A microbiota intestinal, importante atuante na vivência de indivíduos com TEA, pode ser uma fonte de modificações, as mesmas, implementadas na nutrição, de forma promissora como tratamento. No entanto, ainda há pouca evidência científica que apoie o uso de probióticos para o tratamento de TEA.

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