MENINGITE INFANTIL NA REGIÃO AMAZÔNICA: PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO (2018–2023)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202507301433


Fernanda Teresa da Silva Martins1
 Fernando Antônio Martins Junior2


RESUMO

Objetivo: Analisar o panorama epidemiológico da meningite em crianças de 0 a 9 anos na Região Norte do Brasil, no período de 2018 a 2023, com foco na distribuição por faixa etária e unidade federativa. Método: Estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, baseado em dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), extraídos do DATASUS. Foram incluídos casos de meningite em crianças residentes nos estados da Região Norte, organizados por faixa etária (<1 ano, 1–4 anos, 5–9 anos) e ano de notificação. A análise foi realizada por meio de estatística descritiva, com representação gráfica. Resultados: Foram notificados 957 casos de meningite em crianças entre 2018 e 2023 na região. O estado do Pará concentrou 57,6% dos casos, seguido por Amazonas e Rondônia. Observou-se queda nos registros entre 2020 e 2021, coincidente com a pandemia de COVID-19, e aumento progressivo a partir de 2022, com predominância da faixa etária de 5 a 9 anos em 2023. Conclusão: A meningite infantil permanece um agravo relevante na Região Norte, com distribuição desigual entre os estados e mudanças no perfil etário ao longo do tempo. Os achados reforçam a necessidade de fortalecer a cobertura vacinal, a vigilância epidemiológica e o acesso ao diagnóstico precoce, especialmente em territórios amazônicos de maior vulnerabilidade.

Palavras-chave: Meningite; Saúde da Criança; Epidemiologia; Saúde Pública.      

1 INTRODUÇÃO

A meningite é uma doença infecciosa grave que acomete as meninges — membranas que envolvem o sistema nervoso central — e apresenta elevado potencial de gravidade, especialmente em crianças menores de cinco anos, com risco de morbimortalidade significativa (Silva et al., 2021) . No que tange à meningite viral, levantamento na Região Norte de 2018 a 2022 mostrou que o Pará concentrou o maior número de internações hospitalares entre crianças menores de cinco anos, com predominância no grupo < 1 ano (Pinheiro et al., 2023).

Em estudo mais amplo sobre o Brasil entre 2016 e 2023, foram confirmados 109.572 casos de meningite no país, com destaque para a estabilidade epidemiológica observada durante a pandemia de COVID‑19, embora com redução nas notificações (Santos et al., 2024) 

Esses trabalhos evidenciam a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a epidemiologia da meningite em crianças no Norte do Brasil, considerando as variações temporais, as faixas etárias mais acometidas e as disparidades territoriais. Assim, este estudo visa descrever o panorama da meningite infantil na região entre os anos de 2018 e 2023, com foco em faixas etárias, evolução e distribuição por estado, por meio de uma análise com dados secundários extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação e tabulados no software Microsoft Excel.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.
2.1 Gravidade clínica e perfil epidemiológico da meningite infantil

A meningite bacteriana em crianças, especialmente menores de cinco anos, continua a ser associada a alta mortalidade e sequelas neurológicas graves. Conforme analisado por Zavarise et al. (2024), na região Norte do Brasil entre 2018 e 2022, o estado do Pará concentrou 56,3 % das hospitalizações pediátricas, com taxa de mortalidade infantil por meningite bacteriana de aproximadamente 9,3 % no período analisado

2.2 Comparativo nacional da meningite viral

Em um estudo ecológico nacional entre 2012 e 2022, foram contabilizadas 17.674 internações por meningite viral em crianças de 0 a 14 anos. A região Norte, apesar de menor número absoluto de casos (778 internações), apresentou a maior taxa de mortalidade hospitalar (4,88 %), superando a média nacional de 1,35 % (Fernandes et al, 2023).

2.3 Vulnerabilidades regionais na vigilância e acesso à saúde

A Região Norte do Brasil apresenta características geográficas, sociais e econômicas que dificultam a detecção precoce, a vigilância epidemiológica e o acesso ao tratamento adequado dos casos de meningite. A extensão territorial, a presença de comunidades indígenas e ribeirinhas e a distribuição desigual de serviços de saúde impactam diretamente na subnotificação e no manejo dos casos (Souza et al., 2022).

Além disso, a logística de distribuição de vacinas, a escassez de profissionais qualificados em áreas remotas e a baixa cobertura da atenção básica tornam a região mais suscetível à ocorrência de surtos e à evolução grave da doença em populações infantis (Carvalho et al., 2021).

2.4 Lacunas na produção científica e necessidade de estudos regionais

Apesar de haver estudos nacionais sobre meningite, ainda é escassa a literatura científica focada especificamente na epidemiologia da doença em crianças na Região Norte. Como destacado por Almeida e Torres (2023), há uma carência de estudos descritivos e analíticos que tratem das diferenças regionais no comportamento da meningite, considerando fatores sociais, étnico-raciais e estruturais.

Compreender a distribuição etária, os agentes etiológicos predominantes e os estados mais afetados pode contribuir para o fortalecimento das políticas de imunização, o planejamento territorial da atenção à saúde infantil e a mitigação das desigualdades epidemiológicas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, com abordagem quantitativa, baseado em dados secundários públicos. O objetivo foi analisar o perfil e a distribuição dos casos de meningite em crianças na região Norte do Brasil, entre os anos de 2018 e 2023.

Foram incluídos no estudo os casos notificados de meningite em crianças de 0 a 9 anos de idade, residentes nos sete estados da Região Norte do Brasil: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A escolha da faixa etária baseou-se na literatura, que destaca maior vulnerabilidade à doença nessa população.

Os dados utilizados foram extraídos do Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação (SINAN), disponível na plataforma TabNet/DATASUS, acessada em julho de 2025. Foram consultados registros anuais de casos confirmados de meningite, classificados por estado, faixa etária e ano de notificação. As faixas etárias foram agrupadas em: < 1 ano; 1 a 4 anos; 5 a 9 anos

O número total de casos por estado e por faixa etária foi organizado em planilhas eletrônicas e validado por dupla verificação para evitar inconsistências de digitação.

As principais variáveis analisadas foram: Ano da notificação (2018 a 2023); Unidade federativa (estado de residência); Faixa etária (<1 ano, 1–4 anos, 5–9 anos); Número absoluto de casos de meningite notificados.

Variáveis como sexo, agente etiológico e evolução do caso (cura, óbito) não foram incluídas por ausência ou inconsistência nos registros disponíveis.

A análise foi realizada por meio de estatística descritiva simples, com cálculo de frequências absolutas e distribuições percentuais.

Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários de acesso público, sem identificação dos sujeitos, esta investigação está dispensada de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa, conforme a Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período analisado (2018 a 2023), foram notificados 957 casos de meningite em crianças de 0 a 9 anos na Região Norte do Brasil. O estado do Pará concentrou o maior número de casos ao longo dos anos, totalizando 551 casos (57,6%), seguido por Amazonas (149 casos; 15,6%) e Rondônia (107 casos; 11,2%).

A Figura 1 ilustra a variação anual do número de casos por estado. Observa-se que o ano de 2018 registrou o maior volume de casos (256) em toda a região, com redução expressiva nos anos de 2020 e 2021, período coincidente com a pandemia de COVID-19. Em 2023, verificou-se uma nova elevação, totalizando 172 casos.

Figura 1. Casos de meningite infantil por estado da Região Norte, 2018–2023.

O Pará apresentou crescimento entre 2020 e 2023, com pico de 138 casos em 2018 e nova alta de 116 casos em 2023. Estados como Acre, Roraima e Amapá mantiveram número absoluto baixo de casos, com variação anual inferior a 15 notificações.

Quando analisada a faixa etária, a maior frequência de casos em <1 ano foi registrada nos anos de 2018 (83 casos) e 2020 (62 casos). Contudo, a partir de 2022, observa-se um crescimento progressivo dos casos na faixa etária de 5 a 9 anos, que se torna a mais acometida em 2023, com 71 casos (41,3%).

Figura 2. Casos de meningite infantil por faixa etária – Região Norte, 2018–2023.

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN (DATASUS), 2025.

Essa mudança no perfil etário pode estar relacionada à redução da cobertura vacinal durante a pandemia, à exposição escolar ou a falhas no esquema de reforço vacinal.

       A análise da tendência temporal mostra uma redução acentuada no número total de casos entre 2018 e 2021, com mínima notificação em 2021 (95 casos). Em 2022 e 2023, os números voltaram a crescer, especialmente entre os escolares. O total anual por faixa etária sugere uma mudança na faixa etária de maior risco ao longo do tempo, fato que merece atenção das autoridades de saúde pública.

Os resultados apresentaram uma redução no número de casos de meningite infantil na Região Norte entre 2018 e 2021, seguida de aumento em 2022 e 2023, especialmente na faixa etária de 5 a 9 anos. Esse padrão é consistente com a queda na cobertura vacinal infantil observada em todo o Brasil a partir de 2016 e agravada durante a pandemia de COVID‑19 (Ferreira et al., 2023), o que pode ter contribuído para a maior suscetibilidade das crianças mais velhas que não completaram o esquema vacinal naquela fase.

Em consonância com a literatura nacional, a tendência de queda nos casos de meningite entre 2007 e 2019, especialmente para meningite pneumocócica após a introdução da vacina conjugada pneumocócica no Programa Nacional de Imunizações, resultou em redução de até 56,5% na incidência na população pediátrica (Bierrenbach et al., 2023). Isso reforça o papel central da imunização na prevenção de formas graves da doença.

Por outro lado, apreciações mais amplas indicam que, enquanto as taxas de prevalência e mortalidade decresceram no Brasil entre 2010 e 2019, a letalidade permaneceu estável, com destaque justamente para as regiões Norte e Nordeste como áreas de maior risco (Laís et al., 2024). Esse cenário reforça a necessidade de fortalecer ações de vigilância e diagnóstico precoce em territórios com vulnerabilidades estruturais. Além disso, a peculiaridade geográfica da região Norte — como a presença de comunidades indígenas, obstáculos ao acesso à saúde e subnotificação de casos em áreas isoladas — limitam a efetividade da vigilância epidemiológica e ampliam o risco de surtos e letalidade (Lima & Oliveira, 2023)

5 CONCLUSÃO

A análise epidemiológica da meningite em crianças de 0 a 9 anos na Região Norte do Brasil, entre 2018 e 2023, evidenciou que, embora tenha ocorrido uma redução no número de casos entre os anos de 2020 e 2021 — possivelmente influenciada pela pandemia de COVID-19 e pela diminuição na busca por serviços de saúde —, os números voltaram a crescer nos anos seguintes, com destaque para o aumento na faixa etária de 5 a 9 anos.

O estado do Pará concentrou a maior parte dos casos no período estudado, o que pode refletir tanto a magnitude real do problema quanto a maior eficiência na notificação. A inversão do perfil etário, com aumento de casos em crianças mais velhas, sugere possíveis lacunas na cobertura vacinal ou interrupções no esquema de reforço, que devem ser investigadas com mais profundidade.

As desigualdades estruturais da Região Norte, incluindo dificuldades de acesso, dispersão populacional e limitações da vigilância em áreas remotas, reforçam a necessidade de estratégias específicas para o enfrentamento da meningite infantil nesse território. Isso inclui o fortalecimento da atenção básica, a ampliação da cobertura vacinal, a capacitação de profissionais de saúde e o aprimoramento da vigilância epidemiológica.

Dessa forma, o estudo contribui para a compreensão do comportamento da meningite infantil no contexto amazônico, oferecendo subsídios para gestores e profissionais de saúde atuarem de forma mais eficaz na prevenção e no controle da doença. Futuras pesquisas poderão incorporar dados sobre agentes etiológicos, evolução clínica e óbitos, aprofundando a compreensão do impacto da meningite na saúde infantil da região.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, D. S.; TORRES, L. C. Disparidades regionais na distribuição de casos de meningite no Brasil: uma revisão integrativa. Revista Saúde & Desenvolvimento, v. 17, n. 2, p. 85–94, 2023. Disponível em: https://revistasaude.univates.br/index.php/saude/article/view/1759. Acesso em: 24 jul. 2025.

BIERRENBACH, A. L. et al. Trends in Pneumococcal and Bacterial Meningitis in Brazil from 2007 to 2019. PubMed, 2023. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37631847/ . Acesso em: 24 jul. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN. Brasília: Ministério da Saúde, 2025. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/. Acesso em: 23 jul. 2025.

CARVALHO, R. A. L.; LIMA, D. V.; FONSECA, E. A. Cobertura vacinal e meningite em crianças: desafios no Norte do Brasil. Revista Saúde em Debate, v. 45, n. 2, p. 140–148, 2021. Disponível em: https://saudeemdebate.org.br/sed/article/view/6558. Acesso em: 24 jul. 2025.

FERNANDES, A. C. A. et al. Internações Por meningite viral no brasil em crianças: Estudo ecológico. The Brazilian journal of infectious diseases: an official publication of the Brazilian Society of Infectious Diseases, v. 27, n. 103463, p. 103463, 2023.

FERREIRA, J. M. et al. Impacto da pandemia de COVID‑19 na cobertura vacinal infantil no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 39, n. 4, e00123423, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311xpt123423 . Acesso em: 24 jul. 2025.

LAÍS, L. R. S. et al. Geography and public health: analysis of the epidemiological dynamics of meningitis in Brazil, between 2010 and 2019. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 27, 2024. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rbepid/2024.v27/e240031/pt/ . Acesso em: 24 jul. 2025.

LIMA, D. V.; OLIVEIRA, R. Panorama vacinal e desafios para a vigilância em saúde na Região Norte. Revista FT – Análise do perfil epidemiológico da meningite, 2024. Disponível em: https://revistaft.com.br/…/analise…meningite…norte… . Acesso em: 24 jul. 2025.

PINHEIRO, J. L. et al. Morbimortalidade por meningite viral em crianças menores de 5 anos na Região Norte (2018–2022). Anais da IV Jornada Nacional de Urgência e Emergência Lauec, 2023. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/…/morbimortalidade‑por‑meningite‑viral‑na‑região‑norte‑(2018‑2022). Acesso em: 23 jul. 2025.

SILVA, A. F. T. et al. Estudo epidemiológico sobre meningite bacteriana no Brasil no período entre 2009 a 2018. Revista de Medicina (USP), 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v100i3p220-228. Acesso em: 23 jul. 2025.

SANTOS, E. C. R. dos et al. Estudo epidemiológico dos casos confirmados de meningite no território brasileiro (2016‑2023). Revista Eletrônica Acervo Saúde, 2024. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/18744.

ZAVARISE, M. C. et al. Análise epidemiológica da meningite bacteriana em crianças: um estudo no Norte do Brasil de 2018 a 2022. Anais do Congresso Nacional de Neurologia Multidisciplinar, 2024. Disponível em:https://www.even3.com.br/anais/1-congresso-nacional-de-neurologia-multidisciplinar-412958/789101-analise-epidemiologica-da-meningite-bacteriana-em-criancas–um-estudo-no-norte-do-brasil . Acesso em: 24 jul. 2025.


1Acadêmica de Enfermagem – Universidade Federal do Pará
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8069-4302

2Tecnólogo em Gestão de Saúde Pública – Faculdade Anhanguera
Orcid: https://orcid.org/0009-0000-1124-4834