UNCOMMON SALMONELLA SPP. MENINGITIS IN PEDIATRICS: CASE REPORT AND LESSONS LEARNED
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409051650
Angel Severo dos Santos1
Bruna Cristine Zoz1
Ramon Fernandes Olm2
Fernando Merlos3
Priscila Gabriella Carraro Merlos4
Resumo
A meningite por bacilos Gram-negativos é predominantemente observada em recém-nascidos, pacientes submetidos a trauma neurocirúrgico ou imunossuprimidos, sendo rara em crianças previamente saudáveis. Essas infecções são altamente letais e raramente ocorrem surtos epidêmicos, exceto em ambientes confinados. A meningite por Salmonella spp. é uma manifestação grave e incomum, responsável por menos de 1% dos casos de meningite bacteriana em países desenvolvidos, mas podendo atingir até 13% em países em desenvolvimento. Esta condição é associada a elevadas taxas de complicações neurológicas, como crises convulsivas, hidrocefalia e sequelas motoras. Este artigo apresenta o caso de uma paciente pediátrica de 7 meses de idade que desenvolveu meningite por Salmonella spp. após um quadro inicial de sintomas respiratórios inespecíficos. A paciente evoluiu com crises convulsivas e foi tratada com Cefepime por 21 dias, apresentando uma recuperação completa sem sequelas neurológicas. O caso ilustra a complexidade do manejo de infecções do sistema nervoso central em pediatria, destacando a importância de considerar patógenos atípicos em diagnósticos diferenciais, especialmente diante de apresentações clínicas incomuns. A boa evolução da paciente, sem sequelas cognitivas ou motoras, sublinha a relevância de um diagnóstico precoce e tratamento adequado, além da necessidade de vigilância contínua para infecções invasivas por Salmonella spp. em crianças, mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais. Este relato contribui para a literatura com insights sobre o manejo e a recuperação em casos raros de meningite por Salmonella spp. na população pediátrica.
Palavras-chave: Meningite, Salmonella spp., Infecção Pediátrica, Convulsões, Tratamento Antibiótico.
1. INTRODUÇÃO
A meningite bacteriana é uma condição médica grave, com potencial para causar morbidade e mortalidade significativas, especialmente em populações vulneráveis, como recém-nascidos, crianças jovens e indivíduos imunocomprometidos. A etiologia das meningites bacterianas está amplamente associada a patógenos oportunistas, como Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae e Listeria monocytogenes (FOCACCIA, 2015). No entanto, as meningites causadas por bacilos gram-negativos, incluindo Salmonella spp., representam um desafio clínico particular, ocorrendo principalmente em neonatos e pacientes submetidos a trauma neurocirúrgico ou imunossuprimidos. Esses casos, embora menos comuns, são notoriamente graves, com uma taxa de letalidade estimada em torno de 17%, e ainda mais elevada em pacientes de faixas etárias mais jovens (CASTRO et al., 2022; FOCACCIA, 2015).
Salmonella spp. são bacilos gram-negativos, não encapsulados, em forma de bastonetes, e anaeróbios facultativos, pertencentes à família Enterobacteriaceae. Este gênero inclui uma variedade de patógenos que podem causar uma ampla gama de infecções, como gastroenterite, febre entérica e bacteremia (FURQUIM et al., 2021). A meningite por Salmonella spp. é considerada uma manifestação rara, representando menos de 1% dos casos de meningite bacteriana em países desenvolvidos, mas podendo chegar a 13% em países em desenvolvimento, onde as condições de saneamento básico e acesso aos cuidados de saúde são limitados (CEDEÑO-BURBANO et al., 2016). Antes da era dos antibióticos, a meningite por Salmonella spp. era mais prevalente, particularmente em crianças, mas raramente associada a adultos (FOCACCIA, 2015).
A apresentação clínica da meningite por Salmonella spp. pode variar significativamente, dependendo da idade do paciente e da gravidade da infecção. Em adultos e crianças mais velhas, os sintomas clássicos incluem febre alta, rigidez da nuca, cefaleia intensa e alterações do estado mental (BAY et al., 2020). No entanto, em crianças menores de 18 meses, a apresentação pode ser atípica, devido à imaturidade do sistema nervoso central. Nessas crianças, os sinais podem incluir hipotermia, irritabilidade, choro persistente, recusa alimentar e abaulamento das fontanelas. Além disso, sintomas como vômitos, diarreia, letargia e alterações na tonicidade muscular podem estar presentes, tornando o diagnóstico ainda mais desafiador (FOCACCIA, 2015; GUIMARÃES et al., 2022).
A gravidade das infecções por Salmonella spp. é exacerbada pela alta incidência de complicações neurológicas. Estudos relatam que pacientes com meningite por Salmonella spp. têm um risco elevado de desenvolver hidrocefalia, crises convulsivas, e sequelas motoras permanentes (CAMEO et al., 2012). Em um estudo observacional realizado por Cedeño-Burbano et al. (2016), foi relatado que 13% dos pacientes com meningite por Salmonella spp. morreram, enquanto 71% desenvolveram sequelas neurológicas graves, como epilepsia refratária e deficiências motoras. Esses dados sublinham a importância de um diagnóstico precoce e da intervenção terapêutica imediata para melhorar os desfechos clínicos.
Apesar de seu reconhecimento como um agente patogênico significativo, a incidência de meningite por Salmonella spp. em crianças saudáveis permanece baixa, com a maioria dos casos ocorrendo em populações imunocomprometidas ou em países com infraestrutura de saúde inadequada. No entanto, a gravidade da doença e a complexidade do manejo clínico, especialmente no controle de complicações como convulsões e hipertensão intracraniana, tornam essa infecção uma importante consideração em diagnósticos diferenciais de meningite bacteriana (FERNANDEZ; SAKURADA, 2023).
A literatura atual enfatiza a necessidade de vigilância contínua e de abordagens terapêuticas adequadas para o manejo de infecções do sistema nervoso central causadas por Salmonella spp.. A implementação de protocolos de diagnóstico rápidos e o uso apropriado de antimicrobianos são cruciais para prevenir complicações e melhorar a sobrevida dos pacientes. Em particular, a escolha do tratamento antibiótico deve ser guiada por testes de sensibilidade, uma vez que as Salmonella spp. apresentam uma diversidade de perfis de resistência (KHAN et al., 2023).
Este artigo apresenta um relato de caso de meningite por Salmonella spp. em uma paciente pediátrica previamente saudável, destacando os desafios diagnósticos e terapêuticos, bem como as lições aprendidas sobre o manejo desta infecção rara e grave. Através da revisão da literatura e da análise crítica do caso, esperamos contribuir para a compreensão e a abordagem clínica de casos semelhantes, que, embora raros, demandam atenção e intervenção imediata para evitar complicações severas.
2. METODOLOGIA
Este estudo é um relato de caso baseado na análise detalhada de dados clínicos de uma paciente pediátrica, coletados a partir de registros em sistema de prontuário eletrônico. A coleta de dados incluiu a revisão da história clínica da paciente, desde a apresentação inicial dos sintomas até a evolução durante o período de internação. Informações sobre intervenções terapêuticas, resultados de exames laboratoriais e de imagem, bem como desfechos clínicos, foram sistematicamente extraídas e organizadas para fornecer uma visão abrangente do caso. A análise foi conduzida com o objetivo de identificar os principais desafios diagnósticos e terapêuticos enfrentados no manejo da meningite por Salmonella spp., além de avaliar a resposta ao tratamento e o desfecho final da paciente.
Em relação aos aspectos éticos, este estudo não exigiu a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme as diretrizes de bioética. A pesquisa foi realizada utilizando dados retrospectivos coletados exclusivamente de prontuários eletrônicos, sem qualquer intervenção direta com a paciente. Segundo a Resolução CNS 510/2016, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), estudos que utilizam dados secundários, como registros médicos, em que não há identificação direta dos sujeitos e que não envolvem riscos adicionais aos participantes, não requerem a obtenção de TCLE. Adicionalmente, todos os cuidados foram tomados para garantir a confidencialidade e o anonimato dos dados, respeitando os princípios éticos de privacidade e sigilo das informações de saúde. Dessa forma, o estudo foi conduzido dentro dos padrões éticos exigidos para pesquisas envolvendo seres humanos, priorizando a integridade e a segurança das informações coletadas.
3. RELATO DE CASO
I.P, feminino, 7 meses de idade, 7,5 kg, previamente hígido, iniciou com tosse, coriza e febre por 5 dias, passando por atendimento. Inicialmente, após avaliação médica, recebeu alta e prescrição de sintomáticas. Após 24 horas, evoluiu com surgimento de vômitos, piora do estado geral e manutenção de febre persistente, sendo suspeitado de meningite, coleta do líquor céfalorraquidiano e iniciado tratamento hospitalar com ceftriaxona. No 2º dia de internação hospitalar paciente apresentou crise convulsiva tonico-clonica generalizada com evolução para estado de mal epiléptico, sendo necessário hidantalização, sendo transferida a hospital de referência da região. O líquor coletado revelou crescimento de Salmonella spp. com antibiograma sensível a cefepime e meropenem. O tratamento foi ajustado para cefepime e mantido por 21 dias. Hemocultura e coprocultura não apresentaram crescimento. Paciente apresentou boa evolução, sem sequelas neurológicas ou cognitivas. Não apresentou mais crise convulsiva tolerando desmame e suspensão dos anticonvulsivantes após o quadro infeccioso.
4. DISCUSSÃO
A meningite causada por Salmonella spp. representa um desafio significativo na prática clínica, particularmente devido à sua apresentação atípica e ao risco elevado de complicações graves. Nos casos pediátricos, como o descrito neste relato, a infecção por Salmonella spp. pode inicialmente se manifestar com sintomas inespecíficos, como tosse e coriza, o que pode retardar o diagnóstico e a intervenção precoce. Esse atraso no reconhecimento da gravidade do quadro pode levar a complicações severas, como convulsões e deterioração neurológica, destacando a necessidade de uma vigilância clínica rigorosa em pacientes com suspeita de meningite (Ward et al., 2010; Prober & Dyner, 2011).
A literatura médica reforça que a meningite por Salmonella spp. é mais prevalente em países em desenvolvimento, onde as condições de saneamento inadequadas e o acesso limitado aos cuidados de saúde contribuem para uma maior incidência (Cedeño-Burbano et al., 2016). Além disso, estudos indicam que a taxa de mortalidade associada a essa infecção pode ser extremamente alta, chegando a 89% em países subdesenvolvidos, conforme demonstrado por Fernandez & Sakurada (2023). Esses números alarmantes enfatizam a importância de intervenções rápidas e eficazes, tanto em termos de diagnóstico quanto de tratamento, para melhorar os desfechos dos pacientes.
Um aspecto crucial discutido na literatura é a ausência de sintomas gastrointestinais em muitos casos de meningite por Salmonella, o que pode dificultar o diagnóstico. A infecção por Salmonella spp. é tradicionalmente associada a gastroenterites, mas quando essa bactéria invade o sistema nervoso central, os sinais clássicos de infecção gastrointestinal podem não estar presentes, como foi observado no caso descrito e em outros relatos semelhantes (Pediatric Oncall Journal, 2023). Essa ausência de sintomas típicos exige que os profissionais de saúde mantenham um alto índice de suspeição, especialmente em pacientes pediátricos com sintomas neurológicos inexplicados.
Além disso, o manejo terapêutico da meningite por Salmonella spp. requer uma abordagem multifacetada, que inclui o uso de antibióticos de amplo espectro e um monitoramento rigoroso das complicações neurológicas. Estudos sugerem que a ceftriaxona e outros antibióticos de terceira geração são frequentemente eficazes, mas a escolha do antibiótico deve ser orientada pela sensibilidade antimicrobiana específica do isolado (Chiu & Lin, 2014). No caso apresentado, a mudança para cefepime foi decisiva para o controle da infecção, com a paciente apresentando recuperação completa e sem sequelas neurológicas. Este resultado sublinha a importância de adaptar a terapia antimicrobiana com base em resultados de cultura e testes de sensibilidade, garantindo assim o tratamento mais eficaz.
Em resumo, a complexidade do manejo de meningite por Salmonella spp. em pediatria exige um alto grau de alerta clínico, diagnóstico rápido e intervenções terapêuticas eficazes. A colaboração entre diferentes especialidades, incluindo neurologia, pediatria e infectologia, é fundamental para garantir que todas as complicações sejam abordadas de maneira abrangente. Neste caso, juntamente com evidências da literatura, destaca a necessidade contínua de pesquisa e educação médica para melhorar os desfechos em pacientes com essa infecção rara, mas potencialmente devastadora.
5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A meningite por Salmonella spp. é uma condição rara, mas com potencial de causar complicações graves, especialmente em pacientes pediátricos. Este relato de caso exemplifica os desafios diagnósticos e terapêuticos envolvidos, enfatizando a importância de uma abordagem rápida e eficaz para minimizar os riscos de sequelas neurológicas permanentes. A ausência de sintomas gastrointestinais típicos e a apresentação inicial inespecífica tornam o diagnóstico particularmente desafiador, sublinhando a necessidade de um alto índice de suspeição clínica.
Os resultados positivos alcançados no caso apresentado reforçam a importância do uso adequado de antibióticos de amplo espectro, ajustados conforme os resultados de cultura e sensibilidade. A combinação de diagnóstico precoce, tratamento apropriado e monitoramento cuidadoso das complicações foi crucial para garantir um desfecho favorável, sem sequelas a longo prazo. Este caso contribui para a literatura existente e reforça a necessidade de vigilância contínua e educação médica para melhorar os desfechos em pacientes com meningite por Salmonella spp..
REFERÊNCIAS
BAY, Constanza et al. Meningitis por Salmonella Enteritidis en un lactante. Revista Chilena de Infectología, v. 37, n. 4, p. 470-476, 2020.
CAMEO, M. Isabel et al. Meningitis por Salmonella enterica. Rev Esp Quimioter, v. 25, n. 3, p. 216-217, 2012.
CASTRO, Silvia Thees et al. O desafio do tratamento de meningites relacionadas à neurocirurgia por gram negativos em um hospital neurocirúrgico. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 26, p. 102256, 2022.
CEDEÑO-BURBANO, L. A. et al. Salmonella enteritidis meningitis in an infant: Case report and literature review. Revista de la Facultad de Medicina, v. 64, n. 3, p. 575-580, 2016.
CHIU, C. H.; LIN, T. Y. Clinical features, acute complications, and outcome of Salmonella meningitis in children under one year of age in Taiwan. BMC Infectious Diseases, 2014. Disponível em: https://bmcinfectdis.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2334-14-321. Acesso em: 07 ago. 2024.
FERNANDEZ, Rafael; SAKURADA, Rogério Yassuaki. Análise etiológica, epidemiológica e evolutiva dos casos de meningite no município de Cascavel-PR. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, 2023.
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FURQUIM, Isabella Roland Volpini et al. Óbitos por Salmonella no período compreendido entre 2013 e 2017 de acordo com dados disponíveis no Datasus. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 5, p. 48323-48332, 2021.
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KHAN, M. et al. Salmonella Typhi meningitis in a young child from Pakistan: a case report. Journal of Medical Case Reports, 2023. Disponível em: https://jmedicalcasereports.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13256-023-03491-6. Acesso em: 07 ago. 2024.
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VAN SORGE, N. M., et al. Penetration and activation of brain endothelium by Salmonella enterica serovar Typhimurium. Journal of Infectious Diseases, 2011.
1Discente do Curso Superior de Medicina no Instituto de Educação Médica (IDOMED)
2Médico docente do Curso Superior de Medicina e mestrando em Saúde e Meio Ambiente da Universidade da Região de Joinville, residente em pediatria no Hospital Infantil Dr.Jeser Amarante Faria em Joinville, Santa Catarina.
3Médico intensivista, preceptor de clínica médica, docente na IDOMED em Jaraguá do Sul e mestrando em Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
4Médica infectologista, preceptora e infectologista no Hospital Infantil Dr.Jeser Amarante Farias de Joinville, coordenadora e docente na IDOMED de Jaraguá do Sul.