MENINGITE E MASTOIDITE AGUDA COMO COMPLICAÇÃO DE OTITE MÉDIA AGUDA NÃO TRATADA: UM RELATO DE CASO

ACUTE MENINGITIS AND MASTOIDITIS AS A COMPLICATION OF UNTREATED ACUTE OTITIS MEDIA: A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202503070002


Luiza Degasperi Diniz1; Guilherme Rodrigues Fonseca2; João Guilherme de Oliveira Machado3; Alice Almeida Entringer4


RESUMO

A otite média aguda é uma infecção bacteriana que, apesar do desenvolvimento da terapêutica antibiótica e técnicas cirúrgicas, caso suas complicações (intra e extracranianas) não forem diagnosticadas e tratadas adequadamente, representam uma situação de risco que podem resultar em condições graves: a mastoide aguda e a meningite bacteriana. O presente estudo descreve um caso clínico de uma paciente atendida no Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves (HEJSN) com quadro de mastoidite e meningite bacteriana secundárias a otite média aguda não tratada em 2023. Trata-se de um relato de caso de um estudo do tipo observacional, básico, descritivo e qualitativo, realizado com base em dados obtidos em prontuários médicos eletrônicos fornecidos pelo hospital, Serra-ES, em 2024. O estudo foi realizado a partir do relato de uma paciente jovem sem comorbidades que desenvolveu mastoidite e meningite bacteriana secundária a otite média aguda. Os achados clínicos e a literatura revelam que a elevada incidência da otite média aguda, as imprecisões diagnósticas e a possibilidade de complicações representam grave risco para a vida do paciente. No presente relato, após várias idas ao pronto atendimento com quadro de cefaleia pulsátil, náuseas, vômitos, mialgia, otalgia e febre não aferida, foi medicada com analgésicos. Ressalvando que a anamnese e exame físico, associados a exames complementares apropriados são imprescindíveis no diagnóstico das complicações intra e extracranianas da otite média aguda, para uma intervenção precoce com melhora no prognóstico do paciente. A evolução clínica da paciente possibilitou para um melhor entendimento da evolução típica da otite média aguda e sua complicação mais grave, a meningite bacteriana, auxiliando no processo de raciocínio clínico para obtenção de um diagnóstico definitivo e terapia apropriada. Sugere-se novos estudos prospectivos abrangendo informações atuais sobre o uso correto de antibióticos e a importância vacinal pneumocócica conjugada, administrada rotineiramente em complicações da otite média aguda.

Palavras-chave: Complicações. Mastoidite. Meningite. Otite média aguda.

1. INTRODUÇÃO

A Otite Média Aguda (OMA) é um processo inflamatório, caracterizada como uma patologia de origem infecciosa ou não, que acomete a orelha média, com duração inferior a dois meses (ARAÚJO et al., 2024). A forma da doença que o paciente vai desenvolver depende de diversos fatores, tais como idade, imunidade local e sistêmica, virulência do agente causador e tratamentos prévios (LIEBERTHAL et al., 2013). O processo pode ser agudo, subagudo ou crônico, apresentando características, evolução e tratamentos clínicos distintos, tendo em vista que todos os espaços pneumatizados do osso temporal são contíguos, por isso, o processo inflamatório da orelha média pode abranger também outros três espaços pneumatizados: mastoide, ápice petroso e células peri labirínticas (PEREIRA et al., 2023). 

Na maioria dos casos, OMA está associada à infecção respiratória superior pré-existente. Tanto os vírus como as bactérias podem ser agentes etiológicos. As bactérias comumente encontradas são o Streptococcus pneumoniae (35%), o Haemophilus influenzae (25%), a Moraxella Catarrhalis (13%) e com menos frequência o Streptococcus pyogenes (4%) (HOLM, RUSAN, OVESEN, 2020; HOFFMAN et al., 2012; BRANDÃO, FERNANDES, 2008). Se conduzidas adequadamente apresentam raras complicações. Porém, essas quando desenvolvidas se demonstram com graves chances de causar morbimortalidade.

A OMA ocorre como um continuum de doenças associadas, em que um processo inflamatório crônico do ouvido médio pode levar a alterações teciduais e lesões estruturais progressivas (ARAÚJO et al., 2024). Estima-se que sua incidência seja de 10,85% ou 709 milhões de casos por ano em todo o mundo para a condição e 31 milhões de novos casos por ano de Otite Média Crônica (OMC), e 22,6% desses casos ocorrem em crianças menores de 5 anos anos de idade (SANTANA et al., 2024; MONASTA et al., 2012; MORRIS, 2012). A incidência global de OMC supurativa é estimado em 4,8 novos casos por 1.000 pessoas/ano, com prevalência de cerca de 65-300 milhões de indivíduos (ARAÚJO et al., 2024). 

Na fisiopatologia da propagação de processos infecciosos para além dos limites do ouvido médio têm papel: a obstrução do aditus ad antrum, trajetos adquiridos por traumatismo temporal, erosão óssea na sequência de granulação crônica, colesteatoma ou infecção, particularmente por microrganismos mais virulentos, como Haemophilus influenzae, via janelas oval ou redonda para o ouvido interno.2 A manifestação clínica de uma complicação intracraniana otogênica varia de acordo com a mesma (PEREIRA et al., 2016).

A OMA não complicada é definida pela ausência de otorreia (LIEBERTHAL et al., 2013). São raras as complicações da OMA, estas se devem basicamente a extensão desta infecção para outras regiões do osso temporal (mastoide, região petrosa) e crânio (meninges, espaços meníngeos, parênquima) por contiguidade e, menos frequentemente, por via hematogênica (PIRANA et al., 2018), estas tiveram uma diminuição significativa depois da introdução a antibioticoterapia, porém observa-se o aumento da incidência de complicações (intratemporais e  intracranianas) na atualidade, devido ao tratamento inadequado. A decisão para o uso de antibióticos se deve a história natural de resolução espontânea da OMA, o risco aumentado das taxas de resistência bacteriana e a possibilidade de complicações, como a meningite e mastoidite aguda.

Apesar do desenvolvimento da terapêutica antibiótica e técnicas cirúrgicas, que alterou até então na conduta terapêutica eminentemente cirúrgica para um tratamento predominantemente clínico, as complicações das OMA, se não forem diagnosticadas e tratadas adequadamente, continuam representando uma situação de risco que podem levar a condições mais graves (MOREIRA; NASCIMENTO, 2013; MARANHÃO et al., 2013). 

A mastoidite aguda é uma das complicações da OMA mais frequentes, é decorrente de um processo congestivo da mucosa que forra o antro mastoideo e as demais células mastoideas. O edema inflamatório da mucosa associado a disposição anatômica dessa estrutura, facilita a obstrução parcial ou total dos orifícios celulares com purulenta retenção, aumento da tensão intracelular do exsudato e subsequente instalação de processo de osteíte. Os principais sintomas são: eritema pós auricular, a hipersensibilidade, a febre, o estreitamento do canal auditivo, a otalgia e a otorreia (TONELLO et al., 2024; MOREIRA; NASCIMENTO, 2013).

O diagnóstico precoce da mastoidite aguda é fundamental, visto que o atraso no diagnóstico e tratamento pode levar a taxas de mortalidade não negligenciáveis (CHANTRE et al., 2022). O tratamento objetiva eliminar a infecção, preservar a função do ouvido e prevenir complicações, baseia-se na miringotomia, na inserção de tubo de ventilação, antibiótico endovenoso e mastoidectomia em determinados casos, principalmente se houver resposta inadequada ao antibiótico ou complicações. O antibiótico deve ser dirigido contra o Streptococcus pyogenes do grupo A. A melhora clínica deve ocorrer nas primeiras 24 a 48 horas (PIRANA et al., 2018).

A meningite bacteriana aguda é rara e potencialmente grave. Nesses casos observa-se a disseminação através da erosão óssea, ou pelas janelas ou por flebite retrógrada (PIRANA et al., 2018). Comumente a condição cursa com sinais meníngeos, febre, alteração do estado de consciência, fotofobia, cefaleias, rigidez da nuca, entre outros sintomas. A meningite bacteriana demonstram elevada morbilidade com cerca de 17% de sequelas neurológicas, nomeadamente surdez neurossensorial, 5% destas podem mesmo consistir em défices neurológicos graves como afasia e ataxia (OSBORN; BLASER; PAPSIN, 2011; DANIERO, CLARY, O’REILLY, 2012). E quando se segue a uma otite média aguda é quase sempre resultado da disseminação hematogênica (PEREIRA et al., 2016).

O tratamento da meningite bacteriana decorrente da OMA é voltado para H. influenzae tipo B, com cefalosporinas de segunda ou terceira geração, com antibióticos de amplo espectro intravenosos (como ceftriaxona, vancomicina e metronidazol), ajustados conforme a cultura e o antibiograma. Ressalvando que a acelerada destruição das bactérias liberas expressivas quantidades de agentes inflamatórios, podendo resultar em sequelas neurológicas e auditivas. Os glicocorticóides, como a dexametasona, tem se revelado eficientes para redução das sequelas. Recomenda-se audiometria em série após a terapêutica, visto que a perda auditiva pode ser tardia (ARAÚJO et al., 2024). 

Penido et al. (2016), cita que a perda auditiva em decorrência de OMA é um problema mundial de saúde pública. Dados confirmam uma prevalência significativamente alta de perda auditiva e de surdez, visto que os eventos inflamatórios e infecciosos ocorrentes em casos de complicações da OMA ainda têm sido subavaliados. Mattos et al. (2014) corrobora, que a OMA bem diagnosticada e prontamente tratada não costuma estar associada a complicações graves, no entanto, sintomas persistentes e falhas no tratamento podem aumentar o risco de perda auditiva. 

O objetivo deste trabalho é descrever o caso de uma paciente atendida no Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves (HEJSN) com quadro de mastoidite e meningite bacteriana secundárias a OMA não tratada, ocorrido no ano de 2023.

2. METODOLOGIA 

O estudo consiste em um relato de caso, do tipo observacional, básico, descritivo e qualitativo, realizado com base em dados obtidos em prontuários médicos eletrônicos fornecidos pelo Hospital Doutor Jayme Santos Neves (HEJSN), na cidade da Serra, Espírito Santo, em 2024. O trabalho foi realizado a partir do relato de uma paciente jovem sem comorbidades que desenvolveu mastoidite e meningite bacteriana secundária a OMA. 

Não foram aplicadas prática interventiva, cálculo amostral, critérios de inclusão e critérios de exclusão. Utilizou-se dados secundários coletados do período de internação do paciente, por meio de revisão de prontuário eletrônico da base de dados do HEJSN, no Espírito Santo. As informações foram coletadas após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), a partir de prontuários médicos eletrônicos do Serviço de Enfermaria do HEJSN, localizado na Avenida Paulo Pereira Gomes, S/N – Morada de Laranjeiras, Serra – ES, CEP 29166-828. 

Por tratar-se de um estudo em que os dados utilizados serão coletados a partir da análise de prontuários da base de dados dos hospitais, não houve riscos físicos diretos relacionados à realização da pesquisa. Entretanto, há  risco de quebra do sigilo das informações contidas nos prontuários. Com o objetivo de minimizar este risco, os pesquisadores se comprometem a não divulgar dados pessoais que possam identificar o participante da pesquisa, sem sua autorização. Os dados clínicos foram utilizados com fins científicos e com os meios apropriados de divulgação, como congressos de saúde e revistas científicas especializadas.

O estudo seguiu as recomendações da Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi submetido para aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, através da Plataforma Brasil do Ministério da Saúde, Sistema CEP/CONEP. Com a aprovação, aplicou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), devido a utilização do prontuário médico de um paciente.

3. RELATO DE CASO

Paciente S.A.G.S., 47 anos de idade, deu entrada no  hospital estadual Dr. Jayme Santos Neves via SAMU transferido de uma unidade de pronto atendimento, no dia 09 de agosto de 2023 com quadro de rebaixamento de nível de consciência precedida de crise convulsiva e agitação psicomotora seguida de necessidade de intubação orotraqueal.

Anteriormente, paciente apresentou várias idas ao mesmo pronto atendimento com quadro de cefaleia pulsátil, náuseas, vômitos, mialgia, otalgia e febre não aferida sendo medicada com sintomáticos e analgésicos simples e liberada em todas as ocasiões.

Foi realizado no dia 09/08/23 tomografias de crânio e angiotomografia venosa e arterial sem evidências de eventos vasculares, entretanto não era possível descartar encefalite ou meningoencefalite.

Paciente foi então admitida em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde exames laboratoriais demonstravam leucocitose, PCR elevado, hipomagnesemia e hiponatremia leve, mesmo em uso de ceftriaxone iniciado de forma empírica.

No mesmo dia, foi realizado punção lombar com coleta de 15ml de liquor de aspecto turvo, em que cultura detectou a presença de streptococcus pneumoniae, fechando diagnóstico de meningite aguda.

Após estabilização clínica e melhora laboratorial, a paciente foi extubada no dia 13/08/23. Sendo encaminhada ao leito de enfermaria no dia 17/08/23, quando realizou tomografia de mastoide que evidenciou a direita preenchimento de algumas células da mastoide por material hipoatenuante, com septos intercelulares preservados e a esquerda com obliteração quase que completa das células da mastoide por material hipoatenuante, com esclerose de suas paredes e espessamento dos septos intercelulares.

Paciente foi avaliado por equipe de infectologia que orientou tratamento de 21 dias de antibioticoterapia devido ao quadro de mastoidite associado. Além de equipe de otorrinolaringologia que refere não ter sinais clínicos de mastoidite aguda que justificassem abordagem cirúrgica de urgência. Mas apresentava pequeno sinal de sangramento recente, provavelmente decorrente da infecção vigente. 

No dia 22/08 e posteriormente em 30/08 novas tomografias de controle de mastoide que evidenciaram redução de processo inflamatório-infeccioso.

Paciente recebeu alta no dia 30 de agosto após 14 dias de antibiótico venoso, sendo prescrito mais 7 dias de antibiótico oral com amoxicilina + clavulanato. Além de dose de fenitoína em desmame após o episódio de crise convulsiva provocada inicialmente.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A OMA é uma infecção bacteriana com complicações intracranianas consideradas situações de alto risco que requerem intervenção médica imediata. Na admissão, o paciente já apresentava sinais e sintomas clínicos sugestivos de otite média e complicações do processo infeccioso. Ainda em admissão, o paciente apresentou sinais e sintomas relatados na literatura em relação à OMA, como rebaixamento de nível de consciência, crise convulsiva, agitação psicomotora. A realização de exames laboratoriais confirmou as suspeitas de meningite aguda. 

Na maioria dos estudos consultados, epidemiologicamente, o sexo masculino foi o mais prevalente, diferente do caso em questão (SILVA et al., 2013; BRANDÃO, FERNANDES, 2008). Nos últimos anos, a condição vem sendo alvo de debate, com variados estudos a documentar uma crescente incidência, comumente associada a complicações associadas (PEREIRA et al., 2016; SILVA et al., 2013). De acordo com Penido et al. (2016), as complicações intracranianas secundárias da OM são comumente identificadas em crianças e jovens adultos do sexo masculino, em conformidade com relatos da literatura. As complicações intracranianas associadas à OMA são identificadas principalmente em indivíduos com menos de 15 anos, correspondendo à maior ocorrência da doença. 

Costumeiramente, a OMA é considerada um problema pediátrico, no entanto, não se desconsidera o segundo pico de incidência na população geriátrica para a condição. Essa distribuição bimodal da incidência distorce a média de idade de indivíduos com complicações intracranianas secundárias associadas à OMA, incitando em uma média enganosamente mais elevada dessas complicações associados à otite média crônica que, predominantemente ocorrem entre 10 a 39 anos (PENIDO et al., 2016; SANTANA et al., 2024).  

Ao assumir que a idade de aparecimento da OMC seja de aproximadamente 11 anos e que a duração seja de cerca de 15 anos, postula-se que os casos pediátricos negligenciados de OMC, isto é, que não foram adequadamente diagnosticados, tratados ou seguidos, se transformarão em doença mais agressiva que pode culminar em complicações intracranianas durante a adolescência e na vida adulta jovem (PROCÓPIO et al., 2022; PENIDO et al., 2016, BRANDÃO, FERNANDES, 2008). Como pode ser observado no relato clínico em questão.

O curso clínico da OMA costuma ser curto, o processo infeccioso é limitado na maioria dos pacientes devido à resposta do sistema imunológico e à sensibilidade do germe ao antibiótico utilizado. E depara-se com complicações intracranianas representando perigo à vida do paciente. Pacientes com complicações intracranianas permanecem hospitalizados por longos períodos, e esses indivíduos exibem morbidade significativa, em decorrência de sequelas auditivas e neurológicas permanentes, além de um substancial percentual de mortalidade (GOVEA-CAMACHO et al., 2016). Entre as complicações associadas à OMA, o estudo realizado por Araújo et al. (2017) cita que mastoidite foi a mais comum, correspondendo a 49% dos casos. Segundo Mattos et al. (2014), apesar de ser uma complicação rara (incidência entre 0.2-2.8%), alguns trabalhos demonstraram que a sua incidência está a aumentar. 

No caso clínico em questão, a paciente realizou punção lombar, coleta de 15ml de liquor de aspecto turvo, detectando presença de streptococcus pneumoniae, diagnosticando meningite aguda. A tomografia evidenciou quadro de mastoidite associado, devido ao preenchimento direito de algumas células da mastoide por material hipoatenuante, com preservação dos septos intercelulares e a esquerda, obliteração quase completa das células da mastoide por material hipoatenuante, com esclerose das paredes e espessamento dos septos intercelulares. 

Os abcessos cerebrais associados com OMA quase sempre estão localizados na porção adjacente ao osso temporal, quase que exclusivamente ao lobo temporal e cerebelo. Essa localização característica é indicativa do mecanismo principal da infecção que progride através dos limites ósseos  do osso temporal por processos de osteíte e erosão óssea. Essa posição do abscesso permite, na maioria dos casos, a simultânea drenagem através da abordagem mastoidea, evitando uma craniotomia adicional (PEREIRA et al., 2016). 

A punção lombar para diagnóstico da meningite merece atenção, visto a possibilidade de mais de uma complicação intracraniana comum e a presença de hipertensão intracraniana ou efeito da massa, pode promover herniação encefálica com repercussões que podem pôr em causa a vida. Recomenda-se a punção lombar após o exame de imagem (PEREIRA et al., 2016).

Citam Dongol, Rayamajhi, Gurung (2020) que as complicações da OMA associadas à mastoide variam, conforme o estágio de mastoidite, formação de abscesso subperiosteal até a formação de fístula mastoide. Sendo importante mencionar que 6% a 17% dos pacientes com diagnóstico de mastoidite aguda, podem desenvolver complicações intracranianas. Sendo que a terapêutica precoce de uma complicação associada à mastoidite é primordial.

A meningite é a complicação intracraniana mais comum identificada nos estudos de Osma, Cureoglu e Hosoglu (2000) e Kangasanarak et al. (1993), informação que se encontra de acordo com os achados. No estudo de Dongol, Rayamajhi, Gurung (2020) foi a segunda complicação mais comum. A taxa de mortalidade por OMA é geralmente secundária às complicações intracranianas. Houve redução da taxa de mortalidade em 75% no período pré-antibiótico em países desenvolvidos. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1988 publicou um consenso alegando que a otite média é um importante problema de saúde pública, especialmente em comunidades menos favorecidas de países em desenvolvimento e desenvolvidos (ARAÚJO et al. (2017). A incidência de complicações intracranianas da OMA vem reduzindo, de 2,3% para 0,04% após a introdução dos antibacterianos, no entanto, continuam sendo um grave problema de saúde pública em países em desenvolvimento como o Nepal (DONGOL, RAYAMAJHI, GURUNG, 2020).

Kangasanarak et al. (1993) desenvolveram um estudo na Tailândia, identificando uma prevalência de complicações da OMA de 0,69%; no estudo realizado por Dongol, Rayamajhi, Gurung (2020) encontrou uma taxa de 0,78%. Essa taxa ainda é considerada alta, comparada com a de países desenvolvidos, em que as complicações intracranianas são de 0,04%.

Apesar de a incidência ter baixado drasticamente desde a introdução dos antibacterianos na rotina médica, estas complicações, consideradas raras, podem ter consequências graves. Sendo assim importante estar alerta para o seu diagnóstico e tratamento adequado, uma vez que nem sempre se apresentam com os sintomas otológicos clássicos da OMA, sendo o quadro dominado pelos sintomas neurológicos (OSBORN, BLASER, PAPSIN, 2011), sendo a alteração do estado de consciência, vômitos, cefaleias e fotofobia são importantes sinais de alerta (ATKINSON, WALLI, COATESWORTH, 2015). 

Após a análise da literatura, constata-se a evidência amplamente aceite de que o uso de antibioterapia no tratamento da otite média aguda e agudizações de otite média crônica reduziu drasticamente o número de todas as complicações derivadas de infecções do ouvido médio. Estudos indicam que a incidência de complicações intracranianas é de cerca de 0,13 a 1,97%. Pesquisas com grandes séries de complicações são provenientes de países pouco desenvolvidos e provavelmente relacionados com cuidados médicos deficitários, dificuldade de acesso aos mesmos e custo elevado dos antibióticos apropriados (PEREIRA et al., 2016). 

A terapêutica da OMA nos últimos anos, tem sido alvo de discussão e investigação, visto que na Holanda cerca de 56% dos casos são tratados com antibacterianos, e noutros países, como os Estados Unidos da América e Canadá, representa um percentual maior, 90% (VENEKAMP, 2015). Alguns autores, como van Zuijlen et al. (2001) identificaram num estudo de 2001, que o atraso na prescrição de antibacterianos estaria associado a um aumento da incidência de complicações supurativas, nomeadamente a mastoidite aguda.

No presente relato, após várias idas ao pronto atendimento com quadro de cefaleia pulsátil, náuseas, vômitos, mialgia, otalgia e febre não aferida, foi medicada com analgésicos. Sendo importante ressalvar que a anamnese e exame físico, associados a exames complementares apropriados são imprescindíveis no diagnóstico das complicações intra e extracranianas da OMA, possibilitando uma intervenção precoce com melhora no prognóstico do paciente. Corroboram Pereira et al. (2016) e Silva et al. (2013) que a possibilidade de ocorrer complicações depende de fatores principais: uso indiscriminado de antibióticos, condicionado ao aumento das resistências do pneumococo à penicilina, e o aparecimento de serotipos multirresistentes.

Uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento tem como foco o controle da dor, tratar o processo infeccioso e o acompanhamento da evolução da doença. O uso de anti-inflamatórios não esteroides podem ser utilizados para controle da dor, já a prescrição de antibióticos é uma decisão criteriosa que deve levar em consideração a certeza diagnóstica de OM, a gravidade dos sinais e sintomas e a idade do paciente (DANISHYAR; ASHURST, 2023). 

Uma abordagem multidisciplinar é essencial para o sucesso do tratamento. Os desafios no manejo da OMA incluem a habilidade de um diagnóstico de certeza e a ausência de fortes evidências em relação à eficácia do tratamento com antibióticos. 

Atualmente há um sobrediagnóstico de OMA e, consequentemente, um uso imprudente de antibióticos, contribuindo para o aumento gradual da incidência mundial de microrganismos multirresistentes. Diante disso, é necessário uma melhora dos métodos diagnósticos a fim de evitar a medicalização indevida e instituir o tratamento correto quando necessário (JAMAL et al., 2022).

5. CONCLUSÃO

Com os achados ao longo da pesquisa observa-se que a elevada incidência de OMA, as imprecisões diagnósticas e a possibilidade de complicações representando risco para a vida do paciente fazem com que esse seja um problema ainda importante. Dessa forma, o médico deve atentar-se ao examinar um paciente, visto que o sobrediagnóstico é generalizado, levando ao incorreto uso de antibióticos, podendo contribuir para o desenvolvimento de resistência a esses medicamentos, elevando o risco de complicações e desfechos potencialmente fatais. 

Sendo assim, a avaliação da condição clínica em questão e sua evolução possibilitou para um melhor entendimento da evolução típica da OMA e sua complicação mais grave que é a meningite bacteriana, auxiliando no processo de raciocínio clínico para obtenção de um diagnóstico definitivo e terapia apropriada, determinando assim uma diminuição nas taxas de complicações e morbimortalidade. 

Sugere-se novos estudos prospectivos abrangendo informações atuais sobre o uso correto de antibióticos e a importância vacinal pneumocócica conjugada, administrada rotineiramente em complicações de OMA.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ana Luiza Papi Kasemodel de et al. Audiometric evaluation in different clinical presentations of otitis media. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, v. 90, n. 1, p. 101359, 1 jan., 2024.

ATKINSON, Helen; WALLIS, Sebastian; COATESWORTH, Andrew P. Acute otitis media. Postgraduate Medicine, v. 127, n. 4, p. 386-390, 2015.

BRANDÃO, Ana Claúdia; FERNANDES, Maria Teresa. Diretrizes para o diagnóstico e tratamento da otite média aguda. Saúde Baseada em Evidências. Einstein: Educação Contínua em Saúde, São Paulo, v. 6, n. 3, Pt(2), p. 103-106, 2008.

CHANTRE, Tiago. Abcessos subperiósteos como complicação de Mastoidite Aguda em idade pediátrica: experiência de 22 anos. Revista Portuguesa de Otorrinolaringologia – Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Lisboa, v. 60, n. 3, p. 205-2011, set., 2022.

DANIERO James J.; CLARY, Mathew.; O’REILLY, Robert. Complications of Otitis Media. Infectious Disorders – Drug Targets, v. 12, p. 267-270, 2012.

DANISHYAR, Amina; ASHURST, Joj]hn. V. Acute Otitis Media. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, jan., 2023.

DONGOL, Kripa; RAYAMAIJHI, Pabina; GURUNG, Urmila. Complications of acute and chronic otitis media in a tertiary referral center in Nepal. Turk Arch Otorhinolaryngology, v. 58, n. 4, p. 234-40, 2020.

HOFFMAN, Howard J. et al. Panel I: Epidemiology, Natural History and Risk Factors. Otolaryngology – Head and Neck Surgery, v. 148, 4S, E1-E25, 2012.

HOLM, Niels Højvang; RUSAN, Maria; OVESEN, Therese. Acute otitis media and antiotics – a systematic review. Danish Medical Journal, v. 67, n. 11, p. A0400272, out. 2020.

GOVEA-CAMACHO, Luis Humberto et al. Diagnosis and treatment of the complications of otitis media in adults. Case series and literature review. Cirugía y Cirujanos, v. 84, n.  5, p. 398-404, 2016.

JAMAL, Abdulah et al. Etiology, Diagnosis, Complications, and Management of Acute Otitis Media in Children. Cureus, v. 14, n. 8, e28019, ago. 2022.

KANGSANARAK, Jaran et al. Extracranial and intracranial complications of suppurative otitis media. Report of 102 cases. The Journal of Laryngology & Otology, v. 107, p. 999-1004, 1993.

LIEBRETHAL, Allan S. et al. The Diagnosis and Management of Acute Otitis Media. Pediatrics, v. 131; e964, 2013.

MARANHÃO, André Souza de Albuquerque et al. Intratemporal complications of otitis media. Brazilian Journal Otorhinolaryngoly, v. 79, n. 2, p. 141-9, 2013.

MATTOS, Jose L. et al. Intratemporal and intracranial complications of acute otitis media in a pediatric population. International Journal Pediatric Otorhinolaryngology, v. 78, p. 2161-4, dez., 2014.

MONASTA, Lorenzo et al. Burden of disease caused by otitis media: systematic review and global estimates. PLoS One, v. 7, e36226, 2012. 

MOREIRA, Pablo Alves Auad; NASCIMENTO, Islan da Penha. Otite Média Crônica com evolução para mastoidite, meningite e abscesso encefálico: relato de caso. 2013. Disponível em: https://www.ufpb.br/ccm/contents/documentos/biblioteca-1/tccs/tccs-2013/tcc-pablo-alves-auad-moreira.pdf. Acesso em: 2 jan. 2025.

MORRIS, Peter. Chronic suppurative otitis media. BMJ Clinical Evidence, v. 0507, 2012.

OSBORN, Alexander J.; BLASER, Susan; PAPSIN, Blake C. Decisions regarding intracranial complications from acute mastoiditis in children. Current Opinion in Otolaryngology & Head and Neck Surgery, v. 19, p. 478-485, 2011.

OSMA, Ustun et al. The complications of chronic otitis media: report of 93 cases. Journal of Laryngology and Otology, v. 114, p. 97-100, 2000.

PENIDO, Norma de Oliveira et al. Complications of otitis media – a potentially lethal problem still presente. Brazilian of Jounal Otorhinolaryngology, Sãp Paulo, v. 82, n. 3, p. 253-262, 2016.

PEREIRA, Denise Rotta Ruttkay et al. Otopathogens in the middle ear and nasopharynx of children with recurrent acute otitis media. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngol, v. 169, p. 111552–111552, 1 jun. 2023.

PEREIRA, Sara Martins et al. Intracranial Complications of Otitis Media: 7 Years of Experience of Hospital de Braga. Gazeta Médica, n. 4, v. 3, p. 174-178, out.dez., 2016.

PIRANA, Sulene et al. Relato de 3 casos de complicações de Otite Média Aguda. Revista Médica de Minas Gerais, v. 28, e-1994, 2018.

PROCÓPIO, Gustavo Silva et al. Otite média na infância – aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e manejo terapêutico. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 8, n. 10, p. 80981-80991, oct., 2022.

SANTANA, Isabela de Oliveira et al. Aleitamento artificial e o risco de otite média em crianças. Revista da Saúde, ft fa, Rio de Janeiro, v. 28, edição 13, p. 32-35, 2024.

SILVA, Helena M. et al. Mastoidite aguda: aumento da incidência e das complicações? Acta Pediatrica Portuguesa, v. 44, n. 1, p. 25-9, 2013.

TONELLO, Neila Dutra et al. Mastoidite aguda em crianças. Brazilian of Implantology and Health Sciences, v. 6, Issue 9, p. 2859-2868, 2024.

VAN ZUIJLEN, Diederick A. et al. National differences in incidence of acute mastoiditis: relationship to prescribing patterns of antibiotics for acute otitis media? Pediatric Infectious Disease Journal, v. 20, n. 2, p. 140-144, 2001.

VENEKAMP, Roderick P. et al. Antibiotics for acute otitis media in children. Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue 6, 2015.


1 Graduada em Medicina pelo Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória (HSCMV), Residente de Clínica Médica no Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV). Endereço: Av. Paulo Pereira Gomes, S/N – Morada de Laranjeiras, Serra-ES, 29166-828. E-mail: draaliceentringer@gmail.com

2Especialista em Clínica Médica e Medicina de Emergência. Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves (HEJSN). Endereço: Av. Paulo Pereira Gomes, S/N – Morada de Laranjeiras, Serra-ES, 29166-828. E-mail: medicina.fonseca@gmail.com

3Graduado em medicina pela Faculdade Brasileira-Multivix Vitória-ES. Endereço: Av. Paulo Pereira Gomes, S/N- morada de laranjeiras, Serra-ES, 29166828. e:mail: jgmachado.medico@gmail.com

4 Graduada em Medicina pela UNESC. Residente de Clínica Médica – Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves (HEJSN). Endereço: Endereço: Av. Paulo Pereira Gomes, S/N – Morada de Laranjeiras, Serra-ES, 29166-828. E-mail: luizadegasperi.diniz@hotmail.com