REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510071256
Ana Cleia Silva Pereira1
Yasmine Nainne e Silva Cardoso2
Cinthia Andréa Teixeira dos Santos3
Keury Carolaine Pereira da Silva4
Maria do Socorro Nascimento da Costa5
Ana Patrícia Chaves Ferreira6
RESUMO
O artigo analisa a obra “Despida” da autora Inês Maciel, enfocando a intersecção entre memória e cidade. Utilizando uma abordagem crítica, o texto explora como a autora constrói uma narrativa que reflete sobre as vivências urbanas e as memórias individuais e coletivas. A cidade é apresentada não apenas como um cenário, mas como um personagem que influência e molda as experiências dos protagonistas. Através de uma linguagem poética e reflexiva, Maciel provoca o leitor a reconsiderar sua relação com o espaço urbano e as memórias que o habitam. O trabalho destaca a importância da memória na formação da identidade e do pertencimento, mostrando como as narrativas urbanas podem revelar histórias esquecidas e resgatar o valor das experiências pessoais em meio à dinâmica da vida citadina. Na construção poemática de Despida, de Inês Pereira Maciel, a cidade transcende o mero papel de cenário e emerge como uma entidade viva que interage e molda a memória do eu poético. O ambiente citadino torna-se, assim, uma espécie de organismo que respira e pulsa e faz o leitor viajar pelo passado. Pensando nisso, o presente trabalho tem como objetivo analisar a relação entre memória e cidade na obra Despida, de Inês Pereira Maciel. Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa fundamentada nas obras de Halbwachs (2006), Bergson (1999), Fonseca (2012) e Santos (2021), na qual constatou-se que a cidade é portadora de memórias, e ao mesmo tempo referência para a recordação de fatos ligados ao indivíduo e à coletividade.
Palavras-chave: Memória. Cidade. Identidade. Experiências Urbanas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de rememoração do eu-lírico a partir dos espaços na obra Despida (2014), de Inês Pereira Maciel, com o intuito de compreender como se dá a construção dele.
Pesquisas envolvendo memória e espaço se tornam bastante relevantes, pois permitem revisitar lugares percorridos pelo sujeito que se pronuncia. Portanto, a relação entre esses dois elementos é bastante significativa na construção do eu-lírico de despida, bem como da relação que ele estabelece com os indivíduos ao seu redor.
Inês Pereira Maciel, nascida na cidade de Caxias, Maranhão, é advogada, professora, poeta e escritora. Sua carreira no campo das letras iniciou com a escrita de crônicas para o Jornal da Cidade de Caxias – MA, no qual resultou na produção da obra Ramos do Tempo, publicada em 2003. É membro da Academia Caxiense de Letras – ACL, ocupando a cadeira de nº 18. A poeta é atuante no cenário artístico-cultural de sua cidade natal, dando contribuições importantes para a cultura caxiense. Inês Maciel é filiada à Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – Coordenadoria do Maranhão (AJEB/MA) e membro da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão (SCLMA).
Em 2018, foi uma das escritoras homenageadas do IV Colóquio Internacional de Literatura e Gênero, realizado pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Atraída pelo mundo literário desde a sua infância, escreveu sua primeira poesia intitulada Quimera, aos 12 anos, poema que integra sua primeira obra intitulada Despida, publicada primeiramente em 2008 e é objeto deste trabalho. A obra possui uma construção baseada nas memórias do eu-lírico, no qual envolve lembranças familiares e vivências na cidade que a viu nascer, crescer e fixar suas raízes. O eu-lírico vai tecendo o passado, fazendo conexão com o seu presente e projetando-se em direção ao futuro.
1. A INTERSEÇÃO ENTRE MEMÓRIA E CIDADE NA OBRA “DESPIDA” DE INÊS MACIEL
Neste subitem, exploramos como a obra “Despida” de Inês Maciel reflete a relação intrínseca entre memória e espaço urbano. A autora utiliza a cidade como um pano de fundo não apenas físico, mas também simbólico, onde as memórias coletivas e individuais se entrelaçam.
Em “Despida”, a cidade surge como um personagem que influencia e é influenciado pela trajetória dos indivíduos. Maciel escreve: “A cidade é um corpo exposto, um lugar onde as memórias se desgastam e se renovam na mesma medida em que as avenidas são asfaltadas e os prédios erguidos.” Essa visão ressalta como o espaço urbano é permeado por histórias e lembranças que se sobrepõem, criando uma paleta rica de experiências humanas.
Além disso, a autora utiliza a cidade como metáfora para explorar a vulnerabilidade das memórias. Em diversos trechos, os personagens evocam lembranças que são frequentemente confrontadas pela mudança e pelo esquecimento, evidenciando a fragilidade das narrativas pessoais. Um exemplo disso é quando um dos protagonistas reflete: “Em cada esquina, uma lembrança enterrada; em cada praça, um eco do que fui.” Aqui, Maciel mostra que a cidade é um arquivo oral, um local onde o que ficou para trás continua a ressoar, mesmo que de forma enfraquecida.
A relação entre memória e cidade em “Despida” também é acentuada pela forma como os personagens navegam por seus ambientes. A autora utiliza descrições vívidas de cenários urbanos que evocam nostalgia, como em sua passagem: “Caminhei por ruas que me contavam segredos, onde cada paralelepípedo guardava uma história que eu havia esquecido.” Essa citação destaca a capacidade das cidades de servir como catalisadores para a memória, permitindo que os indivíduos se reconectem com fragmentos de suas vivências.
Por fim, a obra de Inês Maciel nos convida a refletir sobre como a cidade, com seu dinamismo e suas transformações, pode afetar a nossa percepção de passado e identidade. Através de seus escritos, a autora revela que a experiência urbana é indissociável da construção da memória, promovendo uma profunda conexão entre os espaços que habitamos e as histórias que carregamos. Em “Despida”, a cidade não é apenas um cenário, mas um complexo emaranhado de memórias que perpetuamente molda a humanidade de seus habitantes.
A PERSONIFICAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA OBRA “DESPIDA” DE INÊS MACIEL
Na obra “Despida”, Inês Maciel oferece uma reflexão profunda sobre a relação entre memória e espaço urbano, onde a cidade é tratada não apenas como um cenário físico, mas também como um organismo vivo e pulsante, capaz de contar suas próprias histórias. Maciel personifica a cidade de maneira que ruas, praças e edifícios adquirem características humanas, transformando-se em personagens que interagem com os indivíduos que as habitam. Essa abordagem revela a interdependência entre a memória pessoal e os espaços urbanos, onde cada esquina pode ser o guardião de lembranças, e cada edifício, o testemunho de vidas vividas.
A autora enfatiza essa ideia ao escrever: “As paredes respiram histórias, e os pisos, de tantos passos, ecoam risos e lágrimas” (Maciel, 2020). Essa citação indica que a cidade não é apenas um espaço, mas um receptáculo de experiências, formando uma tapeçaria rica e complexa de memórias coletivas e individuais. Maciel, ao personificar o espaço urbano, sugere que a cidade possui sentimentos e memórias, o que a torna um protagonista em sua narrativa. A cidade sente, vive e se transforma junto com os habitantes, refletindo suas alegrias, tristezas e esperanças.
Além disso, ao descrever um parque como “um refúgio de sussurros, onde os segredos dos amantes se entrelaçam com a rotina dos velhos” (Maciel, 2020), a autora cria uma imagem vívida da cidade como um lugar humano, repleto de histórias interligadas. Essa personificação intensifica a conexão emocional que os personagens sentem em relação ao espaço, destacando a ideia de que a memória urbana não é fixa, mas dinâmica e fluida, moldada pelas interações diárias.
Ademais, a autora também aborda o conceito de nostalgia, ao afirmar que “a cidade é uma câmera que registra tudo, mas também uma artista que pinta nossas lembranças com cores vibrantes ou em tons de cinza” (Maciel, 2020). Essa metáfora reforça que a memória da cidade varia conforme a experiência de cada indivíduo, sendo um reflexo não apenas do que foi, mais do que se deseja que seja. A cidade, portanto, torna-se um espelho das emoções humanas, um espaço onde a memória se entrelaça com a individualidade.
Em “Despida”, Inês Maciel apresenta uma abordagem inovadora ao explorar a relação entre memória e espaço urbano, utilizando a personificação da cidade como uma ferramenta narrativa poderosa. Ao conferir características humanas a ruas, praças e edifícios, a autora transforma o espaço urbano em um personagem central que narra suas próprias histórias. Essa humanização do ambiente destaca a interdependência entre as experiências pessoais dos indivíduos e os lugares que habitam, revelando como esses espaços estão impregnados de memórias coletivas e individuais.
Maciel sugere que a cidade não é apenas um pano de fundo físico, mas um ente sensível, dotado de forças e fragilidades, capaz de guardar as recordações de aqueles que nela circulam. As descrições vibrantes e poéticas da autora fazem com que o leitor sinta a pulsação da cidade, percebendo suas emoções, suas dores e suas alegrias. Ao afirmar que “cada esquina guarda um segredo”, Maciel enfatiza a riqueza de histórias que permeiam o ambiente urbano, reforçando a ideia de que as memórias não são estáticas, mas sim dinâmicas e em constante transformação, assim como o próprio espaço que habitamos.
Além disso, a obra convida os leitores a refletirem sobre suas próprias interações com a cidade. As experiências vividas em certos lugares podem evocar sentimentos profundos de nostalgia, pertencimento ou perda, e Maciel habilmente conecta essas emoções à forma como os indivíduos percebem e se relacionam com o ambiente ao seu redor. A cidade, assim, emerge não apenas como cenário, mas como protagonista que influencia e é influenciada pelas histórias de vida de cada um.
Em suma, “Despida” nos leva a uma nova compreensão do espaço urbano, propondo que, ao humanizá-lo, reconhecemos a importância da memória coletiva e individual nos acontecimentos que moldam nossas vidas. A obra de Inês Maciel se torna um convite à exploração não só das ruas e edifícios, mas também das emoções e lembranças que eles evocam, revelando uma intersecção rica e complexa entre ser humano e espaço urbano.
DESPIDA: A RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E CIDADE.
A obra Despida é composta por 59 poemas e está dividida em três partes: com 44 poemas, a primeira parte da obra, que não possui título, traz recordações que envolvem diferentes enfoques, sendo que a cidade natal do eu-lírico se destaca um pouco mais, transmitindo sensação de acolhimento e proteção; a segunda parte intitulada “Breves” apresenta 4 poemas curtos que apresentam flashes de memória; a terceira parte nomeada “Álbum de família” é composta por 11 poemas longos destinados às relações familiares, envolvendo memórias infantis até a vida adulta.
Observamos que a obra de Inês Maciel é provocante a começar pelo título, pois nos mostra que o eu-lírico se apresentará livre e disposto a revelar todas as suas memórias. Em Despida, o eu-lírico torna público suas vivências, despindo-se de maneira sutil e delicada, sem timidez, tornando os espaços de memória visíveis. A partir do título vemos que o eu-lírico traz uma poesia livre, nos revelando, ao longo dos poemas apresentados, a leveza de suas memórias, cheias de alegrias, tristezas, as lembranças da cidade natal, dos lugares percorridos, observamos tais características no poema Fagulhas:
Ainda trago nos olhos
Aquela poeira
Das luzes amareladas
Dos velhos postes de madeira
Que iluminavam minha cidade.
(hoje soterrada no asfalto).
[…]
(MACIEL, 2014, p. 25)
O poema Fagulhas, a partir do título, já nos remete a faíscas, nos trazendo a imagem de pequenos fragmentos de memória (DA SILVA LIRA; SANTOS, p. 102-111, 2018). O eu-lírico, ao longo dos versos, vai apresentando as faíscas de suas lembranças que se desprendem aos poucos. Logo no primeiro verso “ainda trago nos olhos”, vemos que o eu-lírico apresenta a imagem da sua cidade, de quando ainda era criança, mas que nos dias de hoje se encontra “soterrada no asfalto”. A partir desse verso vemos que algo se perdeu ao longo dos anos e que as marcas da infância estão sendo apagadas com o tempo.
No poema, as memórias do eu-lírico vão se aflorando e ele vai recordar os costumes, as brincadeiras das crianças, o clima da cidade que lhe traz uma nostalgia, todos esses elementos são diluídos na vivência tanto do eu-lírico quanto das pessoas que constituem o lugar. De acordo com Halbwachs:
Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivermos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. É difícil encontrar lembranças que nos levem a um momento em que nossas sensações eram apenas reflexos dos objetos exteriores, em que não misturássemos nenhuma das imagens, nenhum dos pensamentos que nos ligavam a outras pessoas e aos grupos que rodeavam. (HALBWACHS, 2006, p. 30-43)
Na segunda estrofe destacada, observamos que o nome da cidade se apresenta em um único verso – Caxias. O eu-lírico deixa em evidência o seu lugar de pertencimento, evidenciando também sua identidade, suas raízes e o lugar que acolhe suas memórias. Apresenta uma cidade acolhedora, um lugar ilustre, pois é berço de grandes poetas, como Gonçalves Dias, citado no último verso da estrofe, que faz menção a estátua do poeta:
Cidade de poetas,
Mas que tem nome de freguesia:
Caxias,
Ruas de areias, pedras e piçarras.
Praças de bancos de cimento,
E, no centro, o velho Gonçalves.
[…]
(MACIEL, 2014, p. 17)
Se comportando como um observador do lugar, assim como o eu lírico, a estátua de Gonçalves Dias que está localizada no centro da cidade, assiste à movimentação dos transeuntes que ali passam diariamente, que muitas vezes não observam as mudanças do ambiente ao longo dos dias ou dos anos, mas que esse eu-lírico carrega em seus olhos as lembranças dessa cidade. Como podemos observar no seguinte trecho do poema Fagulhas
O cupim do tempo foi roendo devagar,
Aqueles seus velhos postes de madeira,
Só não conseguiu roer, do meu olhar,
Aquelas luzes amareladas, de poeira…
[…]
(MACIEL, 2014, p. 20)
No dizer poético, podem dizer que a cidade é passível de leituras memorialísticas. Suas ruas e outros objetos que constituem os espaços citadinos representam uma paisagem simbólica por onde perpassam memórias. De acordo com Santos:
A cidade enquadra pontos de referência individuais e coletivos responsáveis pela formação da identidade do lugar, materializados em documentos, monumentos e componentes físicos (ruas, praças, becos, avenidas, moradas), sendo ela lugar que também abriga valores da tradição. Também ressaltamos que longe de se limitar à condição de espaço habitado, a cidade é movida por práticas sociais e por formas relacionais do homem consigo e com os outros, bem como com os lugares de convivência. (SANTOS, 2021, p. 300)
No poema a seguir vemos uma contraposição entre as duas cidades descritas, vemos a saudade de sua cidade natal e a cidade que acolheu esse eu-lírico. Terra mãe adotiva é um poema memorialístico, que retrata a saudade que o eu lírico sente da cidade de São Luís. Através de imagens instigantes traz memórias de vivências e experiências singulares do eu lírico no âmbito da cidade, retrata as paisagens naturais (praias), os patrimônios (os casarões, as igrejas), a cultura, (as noites de São João), entre outros.
De ti não esqueço, ilha querida!
Pois no meu peito sempre palpita,
Este sentimento, que meu peito invade,
E que todos dizem se chamar saudade…
O título do poema remete a cidade de São Luís, pois foi um local de acolhimento para o eu lírico. A palavra terra relaciona-se com casa, local de residência, mas ao mesmo tempo revela o pertencimento do eu lírico, tanto ao local da sua origem, quanto ao que lhe acolheu. A palavra mãe, assim como terra, também é empregada para traçar um caráter de pertencimento, pois mãe é tanto quem dá à luz, quanto quem cria. E a palavra adotiva corresponde ao ato pelo qual se cria um vínculo de filiação.
E se tanto amo a minha terra natal,
Saiba que também te amo por igual;
Pois tu és minha terra mãe, por adoção,
Doce e eterna São Luís do Maranhão!
Como observamos, a memória corresponde a uma intenção do eu lírico de resgatar suas lembranças da cidade que o acolheu. Outra particularidade observada é a relação do eu lírico com sua terra natal, o que revela características identitárias do sujeito poético, pois mesmo tratando da Cidade de São Luís, procura valorizar Caxias, que é sua cidade natal, o seu local de origem, onde nasceu e cresceu.
Tão distante ora me encontro,
De teus mistérios São Luís!
Daquele teu meigo acalanto,
Que tanto me deixa feliz!
Neste recorte, notamos que o verso “tão distante ora me encontro”, corrobora com a noção de saudosismo, assim como “Daquele teu meigo acalanto” revela uma memória íntima, uma percepção do eu lírico sobre a cidade, além disso, o poema em si, traz elementos específicos da cidade de São Luís, e conforme Bergson:
“na verdade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada. Na maioria das vezes, estas lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais não retemos então mais do que algumas indicações, simples “signos” destinados a nos trazerem à memória antigas imagens (BERGSON, 1999, p.30)
A memória da cidade fornece imagens e temas que revelam muito sobre sua história. No poema, observamos que o eu lírico também traz uma representação sentimental e crítica da cidade, exposta no fragmento abaixo:
Teus gemidos, dores, prantos e lamentos,
Escondidos sob as pedras suadas do passado,
Que ainda são ouvidos e espalhados pelo vento,
Na escuridão do silêncio triste e escabrunhado…
Nessa passagem somos levados a refletir sobre o passado de São Luís, quando o eu lírico trata de suas dores e sofrimentos, e sobre aqueles que, de alguma forma, contribuíram para sua construção, mas que foram esquecidos pela história. Os versos citados se contrapõem às imagens da cidade, que são criadas nas estrofes anteriores, pois nestes, observamos um choque de clima, quando o eu lírico traz à tona a personificação de um passado omitido pelo tempo. Ao discorrer sobre a cidade, Fonseca evidência que:
[…] exprimir a cidade em versos significa domá-la, pô-la nas rédeas da linguagem, de novo humanizá-las, tornando-a inteligível, transparente ao sentimento humano. Se o desafio do homem moderno é, como domador, dominar a técnica pondo sua força extraordinária a serviço da humanidade, o desafio do poeta é exatamente tentar dar expressão à cidade, humanizando-a ao torná-la novamente um espaço poético, segundo uma nova concepção de poesia. (FONSECA, 2012, p. 72)
Desse modo, o poema Terra mãe adotiva traz um jogo de sentidos e imagens que revelavam a memória do eu lírico dentro do contexto da cidade, local simbólico para sua existência e que abarca várias sensações e lembranças que contribuem para a definição da sua identidade. Assim a relação entre memória e cidade é fundamental para a construção do poema, pois as lembranças, do sujeito poético, estão interligadas com a história de São Luís.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A memória faz um trabalho de reconhecimento e reconstrução das experiências, está ligada diretamente as nossas relações coletivas. O tempo e os espaços vividos fazem parte desse processo, pois segundo Halbwachs (2006) são “localizadores” de memórias, além disso, quando nos lembramos reconstruímos espaços que foram fundamentais para nossas vivências.
Dessa maneira, na obra Despida, de Inês Pereira Maciel, contemplamos um eu lírico que resgata memórias que vão desde a sua infância até sua fase adulta, como pode ser evidenciado nos poemas Fagulhas e em Terra mãe adotiva, onde essas lembranças estão ligadas diretamente as relações construídas no âmbito da cidade, que na obra é representada por Caxias, sua cidade natal, e pela cidade de São Luís, lugar acolhedor e que se manifesta também como um local de memórias do sujeito poético.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o vínculo que o eu lírico tem com a cidade, e as imagens que ele cria, revelam memórias subjetivas e coletivas e que, ao mesmo tempo, nos dão uma dimensão de como o lugar é de extrema importância para a construção da memória, uma vez que é neste que as experiências e vivências são produzidas e, dessa forma, ao tratar da cidade, através de suas lembranças, o eu lírico estabelece uma relação de identidade, uma vez que o espaço da cidade, nos poemas trabalhados, articula-se com as memórias do sujeito poético.
Em suma, o estudo da memória vinculado a representação da cidade em Despida, de Inês Pereira Maciel, revelou-nos que o lugar é portador de memórias individuais e coletivas. Na obra, as cidades são locais de referência para as lembranças, além disso evidenciamos que lugar e memória estão conectados por imagens que construímos e armazenamos ao longo de nossas vidas, e que são trazidas à tona quando rememoramos algum acontecimento que, de alguma forma, foi marcante em nossa vida.
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Trad. Paulo Neves. Martins Fontes. São Paulo. 1999
CANDAU, Joel. Memória e identidade. 1. ed. São Paulo. Editora: Contexto, 2011.
DA SILVA LIRA, R. R.; Pantoja dos Santos, S. M. Memória e identidade na tessitura do eu feminino em Despida, de Inês Pereira Maciel. Revista de letras – juçara, [s. L.], V. 2, n. 1, p. 102-111, 2018.
FONSECA, Aleilton. O Arlequim da Paulicéia: imagens de São Paulo na poesia de Mário de Andrade. São Paulo: Geração Editorial, 2012
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.
Maciel, Inês Pereira. Despida. 2º edição. Caxias: Gráfica & Editora JM Ltda, 2014.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.
SANTOS, S. P. A rua em mim: memória urbana na poesia de Ferreira Gullar e Joãozinho Ribeiro. Texto Poético, 2021, 17(32), 300–318. https://litercax.webnode.com/news/biografia-de-in%C3%AAs-pereira-maciel/.
1Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. E-mail: cleiasp-ana1@hotmail.com
2Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. E-mail: yasminecardoso@hotmail.com
3Mestre em Teoria Literária – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA- cinthianead@hotmail.com
4Acadêmica curso do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. carolainekeury@gmail.com
5Mestre em Teoria Literária – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA- Maria.ncosta@hotmail.com