MELHORA DA EXPERIÊNCIA E FLUXO DO PACIENTE EM UM AMBULATÓRIO DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA EM BELO HORIZONTE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10156838


Fabrício Alves de Oliveira Campos,
Izabela de Menezes Rampi


1. Introdução

Em um mundo em que houve o desenvolvimento vertiginoso de tecnologias em diversas áreas nos últimos anos na área da saúde, observou-se o entendimento de muitas patologias e afecções antes pouco conhecidas ou inexistentes, aliado ao aumento da expectativa de vida da população em geral, que trouxe, por sua vez, espaço para o aparecimento de novas moléstias. Com o aumento das doenças diagnosticáveis e tratamentos, foi natural o processo de fragmentação das especialidades médicas e da Saúde em geral ¹. Juntamente com a necessidade crescente de se ofertar saúde aos pacientes, não raro o lado técnico se sobrepôs ao lado humano, com os pacientes sendo vistos como doenças, sem que sua opinião ou sentimentos sequer fossem considerados. Nesse contexto, Avedis Donabedian, poeta e pai da garantia de qualidade, propôs uma sistematização dos conhecimentos sobre a avaliação da qualidade em saúde, relacionando sete atributos para a qualidade do cuidado: eficácia; efetividade; eficiência; otimização; aceitabilidade; legitimidade e equidade². A aceitabilidade seria a importância de se considerar os valores do paciente, assim como respeitar suas crenças, desejos e considerar o que mais importa a ele². Este atributo está direta e indiretamente relacionado a vários aspectos, como o conhecimento que ele tem de seu quadro clínico e sua afecção (e suas preferências quanto ao que considera efeitos colaterais toleráveis ou não, riscos e custos dos tratamentos, por exemplo), as possibilidades de tratamento, o quão confortável ele se sente no ambiente, tanto em se falando de estrutura física quanto nas relações profissionais-paciente².

Já em 2001, o Institute of Medicine³ publicou uma revisão dos atributos de qualidade anteriormente definidos por Donabedian, elegendo seis atributos de qualidade, sendo eles: efetividade, eficiência, eficácia, otimização, segurança do paciente e o cuidado centrado no paciente. O cuidado centrado no paciente define-se como “cuidado respeitoso e responsivo às preferências, necessidades e valores individuais dos pacientes e que assegura que os valores do paciente orientem todas as decisões clínicas”, sendo um atributo importante para proteger o direito do paciente de ser o centro de todo o seu processo de prevenção, saúde, doença, tratamento e cura, considerando-o como um ser completo, com história própria, família e passado individual³.

No Brasil, iniciativas referentes ao processo de humanização e respeito à aceitabilidade e cuidado centrado na pessoa (ou paciente) já estavam em execução em alguns nichos dentro do país4. A Política Nacional de Humanização – HumanizaSUS (PNH) chega em 2003 com o objetivo de “efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.”5 Seu conceito de humanização está inteiramente relacionado ao cuidado centrado na pessoa 3,4, com a ideia de valorizar usuários, colaboradores e gestores no processo de gerir e produzir a saúde, fomentando o exercício da autonomia do protagonismo, ampliar a capacidade de transformarem o seu ambiente pela responsabilidade compartilhada e participação coletiva, aliando maior e melhor acolhimento, maior agilidade e melhores resultados (um dos importantes princípios do HumanizaSUS). É nesse contexto também que se explicita a diretriz de ambiência, que consiste na criação de ambientes colhedores, confortáveis, saudáveis, que respeitem a privacidade e que gerem, inclusive, alterações no processo de trabalho. Um ambiente adequado interfere diretamente na experiência do paciente e do colaborador.5

No âmbito multidisciplinar da Saúde, e mesmo dentro das diversas especialidades médicas que, juntamente com a Medicina da Família, acolhem o paciente e suas necessidades em algum momento de sua vida, temos aquelas que o acompanham por anos, sejam aquelas intimamente relacionadas a doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, ou as que acompanham o paciente em seus diversos estados fisiológicos, como a Pediatria. Neste mesmo grupo, existe a Ginecologia e Obstetrícia, que possui a particularidade de acolher a mulher na sua adolescência (algumas vezes antes disso), acompanhando-a em processos como menarca, vida sexual e reprodutiva, planejamento familiar, gestação, parto, puerpério e menopausa, adquirindo o caráter importante de ponto inicial para queixas de patologias das mais diversas áreas.

As particularidades extrapolam o período da vida extenso para atendimento. A consulta exige um tempo maior para que a paciente possa se despir, vestir um avental e se posicionar adequadamente na mesa ginecológica, permitindo um acesso a uma região íntima com ética e respeito nesse momento delicado de uma paciente com limitações físicas, idosa obesa ou até mesmo vítima de abuso. É ali também que a paciente faz confidências e desabafos, despejando confiança em alguém que, não raro, são os únicos ouvidos para ela. Por fim, algumas vezes a consulta envolve diretamente duas pessoas, mãe e feto, e indiretamente uma família inteira, com medos, expectativas e sonhos, no caso das consultas de pré-natal6

2. Objetivos

Apresentar os pontos relacionados a queixas já existentes dos pacientes do ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia do Centro de Especialidades Médicas do Hospital dos Servidores do Estado de Minas Gerais, que possam estar prejudicando a Experiência do Paciente;

Identificar a origem das queixas realizadas pelos pacientes usuários do serviço;

Realizar um plano de ação que aborde as principais queixas identificadas e que possa melhorar a satisfação e Experiência do paciente que utiliza o serviço;

Produzir conteúdo disponível, de linguagem acessível e alta qualidade para os usuários do serviço;

Capacitar os profissionais envolvidos nos pontos de contato do paciente e demais usuários do ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia da instituição;

Melhorar o tempo da entrada na instituição ao atendimento médico da paciente no ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia da instituição;

Melhorar o fluxo dos usuários da ala de Ginecologia e Obstetrícia da instituição;

Melhorar a experiência dos usuários da ala de Ginecologia e Obstetrícia da instituição.

3. Método

Foi solicitado à gestão do ambulatório de saúde da Mulher do Centro de Especialidades Médicas do Hospital dos Servidores do Estado de Minas Gerais um banco de dados sobre as ferramentas de medição da Experiência do Paciente da instituição, com a posterior informação de que havia apenas um relatório de queixas principais de acordo com a percepção subjetiva dos pacientes, advindo de cartões de satisfação do paciente e contato pela ouvidoria. As queixas foram informadas e, a partir delas, foi criado o Diagrama de Causa e Efeito, com a categorização das mesmas segundo a natureza da queixa, tendo como base o desfecho final: a demora no atendimento da Ala em questão. Devido à informação da impossibilidade de aplicação na instituição de ferramentas de medição de experiência, optou-se pela realização do diagrama com base nos dados já colhidos pelo setor responsável do ambulatório.

Logo após a elaboração do diagrama de Causa e Efeito, foi elaborado um plano de ação, com os tópicos que poderiam estar relacionados à demora do atendimento, com orçamento, colaborador responsável, motivo, prazo e o modo a ser realizado.

Após o plano de ação, definiram-se os Indicadores e Metas a fim de amenizar ou sanar o problema, melhorando a boa Experiência do paciente no ambulatório de Saúde da Mulher.

4. Diagrama de Causa e Efeito

O diagrama abaixo resume as queixas dos usuários do serviço ambulatorial de Ginecologia e Obstetrícia da instituição. No quesito mão de obra, temos o problema do absenteísmo de colaboradores, falta de engajamento e capacitação. Em métodos, há o problema da ausência de qualquer treinamento para as secretárias, ausência de atualizações para os médicos e a obrigatoriedade de atender consultas em caráter de encaixe para suprir ausências de outros pacientes da agenda de cada profissional. Em sistema, o serviço possui rede com capacidade inferior à necessária, com travamentos constantes no sistema de prontuários e consultas, além de ausência de manutenção de equipamentos como computadores e ventiladores. O calor é a queixa principal relacionada ao meio ambiente, presente nos consultórios, recepção e sala de espera. A poluição sonora é relato frequente de incômodo por parte dos usuários, advinda de trânsito pesado em avenida movimentada, nas adjacências do local. Por fim, inexiste material informativo aos pacientes e acompanhantes, relacionados a rotinas ginecológicas e de pré-natal na sala de espera, o que, juntamente com os demais fatores já citados, podem contribuir para a demora no atendimento dos usuários do serviço.]

5. Plano de Ação (5W2H) 

CAUSAO QUÊ?POR QUÊ?QUEM?QUANDO?ONDECOMOQUANTO CUSTA?
AbsenteísmoConfirmação da consulta por SMS, WhatsApp e EmailImpacto financeiro para a instituição, no funcionamento das agendas dos profissionais e no engajamento dos mesmosControle automatizado de clínica com áreas integradas e inteligência artificial10/01/2024VirtualmenteContratação após preenchimento do Formulário e Integração da Agenda ao sistema, pela própria empresa (SHOSP®)R$ 193,49 ao mês
Falta de Capacitação/ Secretárias sem TreinamentoTreinamentoImpacto nas reclamações de pacientes, no tempo para o atendimento e na capacidade de resolução de problemas pontuaisCooperativa médica (COOPERCON)10/01/2024Por videoconferênciaAcionamento da Cooperativa Médica, que fornece treinamento periódico para secretárias, que ocorre mensalmente. Cadastramento dos profissionais que receberão treinamento e definição de dataGratuito para as Instituições e secretárias dos médicos que são cooperados
Ausência de Atualizações e medidores de desempenho para os médicos.Reunião para definição de Indicadores para aferir desempenho do profissionalImpacto no absenteísmo dos pacientes, aumento de efeitos colaterais de tratamentos, reincidências e reclamaçõesDr. Anderson Bruno (direção geral da instituição).05/02/2024Virtualmente por videoconferênciaDefinição de representantes em cada área mediante escolha dentre voluntários para tal.Gratuito
Obrigatoriedade de Encaixar Pacientes para Suprir Faltas, Independente do Horário que ChegaremDefinição de encaixe de pacientes para suprir outros pacientes que se ausentaram somente nos horários em que a agenda do profissional já não esteja ocupada.Redução do engajamento dos médicos, que se sentem constrangidos a atender fora dos horários marcados de atendimento.A coordenação de agendas (Dr. Rodrigo)10/01/2024Através de email.A coordenação enviará um email comunicando o novo protocolo às secretárias, com data para seu início.Gratuito
Travamentos do Prontuário Virtual/ Rede com Capacidade Inferior à NecessáriaSolicitação de substituição da Tecnologia de rede por fibra óptica, com maior capacidade de velocidade e menos perda.Aumento no tempo das consultas com perda de tempo útil, redução do engajamento dos colaboradores que utilizam o sistemaCoordenação do Ambulatório (enfermeira Shirley)10/01/2024Através de solicitação por email.A coordenação enviará um pedido por email para a diretoria. Após aprovação, a nova tecnologia será instalada.R$ 800,00 ao mês
Computadores e Ventiladores sem ManutençãoOrganização da escala para verificação e manutenção periódica de equipamentos geraisProblemas frequentes de hardware, incômodos devido a mau funcionamento de computadores e ventiladoresCoordenação dos funcionários da Manutenção (senhor Fernando).10/01/2024  e mensalmente, a cada 30 diasAtravés de email.A coordenação enviará um pedido para definição da data periódica das manutenções.Gratuito (organização de escala existente entre funcionários já contratados)
Poluição Sonora na Sala de EsperaIsolamento acústico da áreaDesgaste mental e de voz dos colaboradores e pacientesEnfermeira Suellen fará o contato com a empresa especializada.05/02/2024Sala de EsperaApós aprovação da diretoria, será realizada contratação de serviço especializadoR$ 8000,00 para isolamento sonoro intermediário das janelas na sala de espera.
Calor no Consultório, Sala de Espera e RecepçãoInstalação de ar condicionadoRedução de engajamento com a temperatura e aumento de reclamações a respeito de calorEnfermeira Shirley fará o contato com o Serviço terceirizado.10/01/2024Sala de EsperaApós aprovação da diretoria, será contratado o serviço especializadoR$ 15000,00 para instalação de equipamentos e mão de obra
Falta de Material Informativo Sobre Rotinas 
Ginecológicas e Planejamento Familiar na Sala de Espera
Definição de material desenvolvido pelos residentes de cada especialidade e os internos da InstituiçãoPacientes sem engajamento por falta de informação, sem a consciência e capacidade de serem o centro do cuidado. Aumento da adesão e melhoria dos desfechos com o paciente engajadoResidentes de todas as especialidades e internos das faculdades que estagiam na instituição, sob supervisão de seus preceptores, coordenados pela residente da Ginecologia Dra. Mariana.
Limite para a conclusão até dia 29/02/2024Sala de EsperaOs internos e residentes farão materiais referentes a sua especialidade sobre tópicos de rotina para prevenção e promoção a saúde. Os materiais estarão disponíveis nos monitores na sala de espera e na forma de impressos disponíveis próximos às cadeiras.R$ 500,00

6. Indicadores

7. Metas

Aumentar o número de secretárias treinadas para 100% até 4 de dezembro de 2020.
Aumentar a carga horária de treinamento para 80% do total de hora/homem treinamento  até 22 de dezembro de 2020.
Reduzir as reclamações dos atendimentos em 70% até 31 de dezembro de 2020.
Aumentar o número de inspeções nos equipamentos gerais em 30% até 31 de outubro de 2020.

8.Referências

1 DWAMENA F et al. Interventions for providers to promote a patient-centred approach in clinical consultations. Cochrane Database Syst Ver, Oxford, U.K; v. 12. 2001. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD003267.pub2/abstract>. Acesso em 20 set. 2023.

2 DONABEDIAN; A. The seven pillars of quality. Arch Pathol Lab Med, Chicago, v 11, n 114, p. 1115-1118, 1990. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2241519. Acesso em 20 set. 2023.

3 INSTITUTE OF MEDICINE. Crossing the Quality Chasm: A New Health System for the 21st Century; Washington, 2001. Disponível em: <http://www.nap.edu/openbook.php?record_id=10027>. Acesso em 20 set. 2023.

4 FERREIRA, Laura Ribeiro; ARTMANN, Elizabeth. Discursos sobre humanização: profissionais e usuários em uma instituição complexa de saúde. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, v. 23, n. 5 [Acessado 20 Setembro 2020] , pp. 1437-1450. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.14162016>. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.14162016.

5 POLÍTICA Nacional de Humanização – HumanizaSUS. [S.I.: Ministério da Saúde, 2013 | 2020. Disponível em: < https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doacao-de-sangue/693-acoes-e-programas/40038-humanizasus>. Acesso em 20 set. 2023.

6 MARQUINI, Gisele Vissoci et al. Ginecologia e Obstetrícia – “Medicina” ou “Missão” baseada em evidências?. Rev Med Minas Gerais 2019; 29: e-2043.