REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch102024261249
Ana Maria Esteves Cascabulho1; Fernanda Cardilo Lima2; Laura Boechat Seródio Lessa3; Lorena de Freitas Gottardi4; Luis Felipe Flores Soares de Oliveira Barros5; Maís Ismério de Oliveira Hermsdorff6; Maria Eduarda de Paula Ferreira7; Paula Martins Ribeiro Garcia8; Rebeca dos Santos Veiga do Carmo9; Vinicius Vardieri Monteiro de Barros10
RESUMO
Introdução: O megacólon psicogênico (MP) se configura como uma disfunção de incidência rara encontrada usualmente durante a infância, tal condição se caracteriza como uma dilatação anormal e irreversível do cólon intestinal de etiologia psicogênica, ou seja, estando tal distúrbio de motilidade atrelado a algum transtorno de ordem emocional. A compreensão integral desta desordem ainda se dá por distante em razão de sua escassa descrição na literatura médica, no entanto, autores como Liu et al (2019) a definem como uma dilatação persistente do cólon na ausência de quaisquer causas de fundo orgânico ou fisiológico, destacando seu diagnóstico como puramente eliminatório em razão de sua semelhança sintomática com o megacólon congênito (Doença de Hirschprung). Objetivos: O relato de caso a seguir visa um estudo retrospectivo e transversal, oriundo da análise do prontuário médico do devido paciente, a fim de lançar bases científicas para futuras pesquisas abordando o eixo temático do MP em concomitância ao desenvolvimento de novas propostas terapêuticas mais eficazes para a doença. Métodos: Os dados dispostos nesse estudo foram obtidos a partir da coleta ativa de informações oriundos do prontuário médico do paciente analisado em consonância com outros extraídos a partir de entrevista à sua responsável, não obstante, fora realizada revisão de literatura tendo como fontes plataformas de dados médicos de boa procedência como; Plataforma Scielo, Google Scholar e PubMed. Resultados: O caso descreve um paciente do sexo masculino de 3 anos, diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA) e com histórico de internações prévias relacionados a infecção do trato urinário (ITU) e otite média aguda (OMA). Na história atual, o paciente foi admitido em razão de um quadro agudo infeccioso não relacionado com o MP, no entanto, constatou-se um abdome distendido e indolor com aumento da peristalse com diminuição da frequência de evacuações e com presença de volumoso bolo fecal via ultrassonografia, com o diagnóstico de megacólon, relacionou-se a clínica ao diagnóstico de TEA e a dificuldade de adaptação do paciente no ambiente hospitalar, tornando a hipótese de MP muito provável. Conclusão: O relato acima descreve um quadro altamente sugestivo para o MP, ao passo que esse estudo busca levantar a hipótese de correlação desta com o TEA, ao passo que esse transtorno do neurodesenvolvimento pode influenciar o hábito intestinal daqueles pacientes incluídos historicamente dentro da faixa etária propícia para a manifestação dessa doença.
Palavras-chave: Megacólon, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Neuropsicologia
ABSTRACT
Introduction: Psychogenic megacolon (PM) is a rare dysfunction usually found during childhood. This condition is characterized as an abnormal and irreversible dilation of the intestinal colon of psychogenic etiology, that is, such motility disorder is linked to some emotional disorder. A full understanding of this disorder is still a long way off due to its scarce description in the medical literature, however, authors such as Liu et al (2019) define it as a persistent dilation of the colon in the absence of any underlying organic or physiological causes, highlighting its diagnosis as purely eliminatory due to its symptomatic similarity with congenital megacolon (Hirschprung’s disease). Objectives: The following case report aims at a retrospective and cross-sectional study, arising from the analysis of the patient’s medical records, in order to lay scientific foundations for future research addressing the thematic axis of MP in conjunction with the development of new, more effective therapeutic proposals for the disease. Methods: The data provided in this study were obtained from the active collection of information from the patient’s medical record, analyzed in line with others extracted from an interview with the person responsible, however, a literature review was carried out using data platforms as sources of good origin such as Scielo Platform, Google Scholar and PubMed. Results: The case describes a 3-year-old male patient, diagnosed with autism spectrum disorder (ASD) and with a history of previous hospitalizations related to urinary tract infection (UTI) and médium acute otitis (MAO). In the current history, the patient was admitted due to an acute infectious condition unrelated to MP, however, a distended and painless abdomen was found with increased peristalsis with decreased frequency of bowel movements and the presence of a large fecal cake. via ultrasound, with the diagnosis of megacolon, the clinic was related to the diagnosis of ASD and the patient’s difficulty in adapting to the hospital environment, making the hypothesis of MP very likely. Conclusion: The report above describes a highly suggestive picture for MP, while this study seeks to raise the hypothesis of its correlation with ASD, while this neurodevelopmental disorder can influence the bowel habits of those patients historically included within the age group conducive to the manifestation of this disease.
Keywords: Megacolon, Autism Spectrum Disorder (ASD), Neuropsychology
INTRODUÇÃO
Segundo SANTOS (2003), o termo megacólon, em si, designa a dilatação e o alongamento do intestino grosso em razão de alterações nervosas intrínsecas dessa víscera, ocasionando distúrbios morfológicos e funcionais, esses que poderão manifestar-se em alterações da motilidade intestinal. Portanto, para fins categóricos e práticos, optou-se por categorizar essa patologia em dois grupos, respectivamente, o megacólon congênito, uma anomalia congênita gerada pela ausência dos neurônios intramurais dos plexos nervosos parassimpáticos, lesando o mecanismo de inervação do intestino grosso e o megacólon adquirido, exemplificado majoritariamente pelo megacólon chagásico, uma das manifestações viscerais de acometimento tardio da doença de Chagas, cuja fisiopatologia relaciona-se a destruição das células ganglionares periféricas durante a fase aguda da doença.
No entanto, há ainda uma terceira categoria que ao contrário das duas anteriores, não possui até então ligação com causa de base orgânica, sendo então uma desordem de fundo psíquico; essa terceira categoria é denominada megacólon idiopático ou psicogênico (MP) em razão da falta por um fator fisiopatológico que justifique a causa e oriente no rastreio desta patologia, sendo esse um diagnóstico feito por exclusão das duas vertentes anteriores.
Essa variante do megacólon é demasiadamente rara e, portanto, ainda mais escassa na literatura médica, o que dificulta a investigação e organização de experimentos e grupos de estudos com muitos pacientes, ademais, o fundo emocional e psíquico da doença a torna ainda mais volátil para a pesquisa, imperando-se o consenso de que o grupo mais atingido é o das crianças de pouca idade. Neste relato de caso, observa-se um quadro de MP manifestado em uma criança portadora de TEA durante internação em ambiente hospitalar.
OBJETIVOS
Este relato de caso objetiva produzir um estudo transversal e retrospectivo, com análise do prontuário de um paciente com diagnóstico altamente sugestivo para MP e concomitantemente portadora de TEA, assim, debruçando-se sobre a temática do MP e suas possíveis coligações com o TEA e as etapas do neurodesenvolvimento infantil a fim de lançar bases para futuras pesquisas dentro desse eixo.
MÉTODOS
Os dados contidos e descritos a seguir foram extraídos de fontes legítimas e confiáveis, sendo essas, o prontuário médico do paciente em questão e outras informações relevantes extraídas mediantes sucessivas entrevistas a responsável por ele. Ademais, foram realizadas revisões bibliográficas através de meios de pesquisa tradicionais, como: PubMed, Plataforma Scielo e Google Scholar.
RELATO DE CASO
Paciente HAX, 3 anos, sexo masculino, admitido para internação hospitalar, acompanhado pela mãe, com quadro de febre (Tax: 39ºC – segundo informações colhidas), vômitos (5 episódios nas últimas 24 horas), cefaleia, tosse secretiva, inapetência e sonolência excessiva de início há 4 dias.
Sendo o mesmo tratado pelo serviço de pediatria em razão dos diagnósticos de infecção do trato urinário (ITU), Influenza A e uma otite de repetição com evolução para otite média aguda (OMA), mantendo tratamento com antibioticoterapia e corticoide. No entanto, uma vez aliviados os sintomas supracitados, constatou-se ao longo da evolução, um ritmo intestinal irregular caracterizado por grande intervalo entre as evacuações com queixas ocasionais de dor abdominal anteriores a evacuação volumosa de fezes com aspecto endurecido. Exame físico regular, exceto pela presença de abdome distendido, depressível, indolor a palpação profunda, ausência visceromegalias ou massas palpáveis e peristalse aumentada.
Portanto, fora solicitada uma radiografia de abdome e uma ultrassonografia de abdome total, sendo constatado ao primeiro exame um achado radiológico com a formação de um grande bolo fecal, mediante tais constatações, tornou-se necessária a solicitação de parecer pelo serviço de cirurgia pediátrica, cuja especialista sob a luz da clínica e dos achados diagnosticou-o com MP. O paciente evoluiu de maneira satisfatória e proveitosa, recebendo alta médica com orientações à responsável e prescrições para continuidade do cuidado com o apoio de nutricionista e psicólogo.
Figura 1: Radiografía de abdomen, apresentando acúmulo de bolo fecal.
Fonte: Serviço de Imagenologia do Hospital São José do Avaí, 2024.
Figura 2: Radiografía de abdomen, apresentando acúmulo de bolo fecal.
Fonte: Serviço de Imagenologia do Hospital São José do Avaí, 2024.
Figura 3: Radiografía de abdomen, apresentando acúmulo de bolo fecal.
Fonte: Serviço de Imagenologia do Hospital São José do Avaí, 2024.
DISCUSSÃO
O MP possui um caráter singular ao compara-lo com outras variantes do megacólon, primeiramente, sua fisiopatologia ainda pouco elucidada possui forte afinidade com a psiquê do paciente, agindo como uma doença psicossomática, ou seja, obtendo sua origem nos mecanismos psíquicos do inconsciente, o que, somado ao fator de baixa incidência característico da doença, justifica a escassez de uma literatura mais robusta acerca dessa patologia e suas implicações ao médio e longo prazo na vida dos pacientes afligidos. Ao longo dos anos, tornou-se convenção entre os clínicos, categorizar o MP como um diagnóstico de exclusão dentro da apuração diagnóstica do megacólon, sucintamente, mediante a impossibilidade de apuração de causa ou origem orgânica e funcional para aquele distúrbio de motilidade intestinal, opta-se por enquadrar estes dentro da categoria idiopática ou psicogênica (ARAUJO, 2014).
Segundo as ponderações de Cuda et al, apesar da controvérsia e inespecificidade do diagnóstico de MP, tornou-se necessária a implementação de alguns critérios diagnósticos para o MP, os quais são: (1) A exclusão de doença orgânica por biópsia retal ou um reflexo inibitório anorretal intacto; (2) Sintomas, incluindo constipação, distensão abdominal e desconforto gasoso; (3) Um diâmetro de sigmóide de cerca de 10 cm na radiografia abdominal ou enema de bário. Sobre tais critérios, nosso paciente cumpriu pelo menos um critério, sendo os demais descartados em razão da experiência empírica do manejo terapêutico desta patologia, cujas intervenções terapêuticas demonstraram-se eficazes em todas as vezes anteriores; ademais; Liu et al (2019) põe em cheque esse critério de Cuda et al, apresentando este outros estudos que colocam a distensão de alça para o cólon proximal e não sigmóide, como sustentou o outro autor, mais uma vez, ressaltando a inespecificidade de métodos criteriosos para o diagnóstico do MP, fazendo valer portanto a experiência do clínico e do cirurgião como preditores diagnósticos mediante tais casos excepcionalíssimos.
Avançando a discussão, deve-se debruçar sobre as implicações de fundo psíquico ou emocional atrelados ao MP, afinal, sendo essa uma desordem atrelada a interação da mente com o intestino e havendo sido descartadas por ora a divagações de ordem sistêmica e orgânica, torna-se imperativo o fomento das teorias do neurologista e psiquiatra austríaca Sigmund Freud para uma compreensão proveitosa do tema.
Segundo Freitas et al (2012), Freud descobriu que as neuroses, os transtornos e desordens psíquicas, estão intimamente ligados à repressão dos desejos e pensamentos, sendo a pulsão ou desejo sexual aquele mais reprimido, principalmente nos primeiros anos de vida, a infância, mesmo período da vida no qual Freud postulou a gênese de muitas neuroses a partir de traumas reprimidos durante essa etapa do crescimento, traumas esses ocultados pela memória mas que acarretarão em reflexos ao longo de muitos anos. Seguindo tal premissa, que Freud inaugurou o conceito das fases psicossexuais, fases do neurodesenvolvimento infantil abordando aspectos ímpares como as zonas corporais erógenas (FREITAS, 2012).
Mais especificamente, tendo em vista as implicações do MP, torna-se interessante a observância e compreensão de uma fase psicossexual específica, a chamada “fase anal”, cuja experiência abrange aproximadamente o segundo e terceiro ano de vida, mesma idade do paciente supracitado, e concentra-se na descoberta e exploração do ânus como zona erógena, nessa fase, a criança descobre novos mecanismos daquilo que Freud chamou de “autogratificação sexual”, ou seja, além do prazer inerente a eliminação de fezes através da contração e relaxamento do ânus, a criança passa a experienciar a retenção de fezes até que o acúmulo massivo cause contrações da musculatura esfincteriana para então ocorrer a liberação brusca e descontrolada do bolo fecal com estimulação subsequente da mucosa anal (FREITAS, 2012).
Ainda que polêmico, o pensamento freudiano lança bases teóricas dentro do eixo psicanalítico que ajuda a justificar um possível mecanismo psicogênico para o MP, o mesmo campo psicanalítico permite a interpretação da disfunção excretora da criança portadora de MP como uma espécie de mecanismo compensatório de autoerotismo durante a dita fase anal, portanto, segundo a mesma premissa, o infante extravasaria seus traumas infantis e possíveis repressões comportamentais de seus impulsos sexuais com a autoestimulação de sua zona erógena recém descoberta, no caso, o anus, mediante controle esfincteriano para retenção do bolo fecal, impedindo sua eliminação e provocando ao prazo a dilatação anormal do cólon intestinal. A explanação teórica de como esse paradigma implica-se ao paciente portador de TEA ainda segue sombria em razão da escassez de dados isolados acerca do MP, ainda mais em sucessão ao TEA.
CONCLUSÃO
Logo, o caso supracitado revela-se pelo seu próprio mérito uma amálgama de diversos fatores, abrangendo as esferas biológicas, psicológicas e sociais, exigindo, portanto, novas pesquisas acerca do rico eixo temático, o qual ainda carece de mais explicações. Contudo, esse estudo salienta para a necessidade do compartilhamento do cuidado entre os vários níveis da atenção à saúde, principalmente nesses casos, para o acompanhamento com o serviço de psicologia e neuropsicopedagogia, essencialmente no que tange o acompanhamento das fases do neurodesenvolvimento infantil, visando constituir uma rede de apoio integral com o fomento de ideias e dados entre o médico e os pais, garantindo por meio desta uma dimensão integralizada do cuidado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- LIU, Y. et al. Na unusual cause of idiopathic megacolon in juvenile. Medicine, v. 98, n. 30, p. e16487-e16487, 1 jul. 2019.
2- SANTOS JÚNIOR JCM. Megacólon – Parte I: Doença de Hirschsprung. Rev bras Coloproct, 2002(3):196-209
3- ARAUJO, T. et al. Megacólon psicogênico em gêmeos: relato de caso. GED gastroenterol. endosc. dig, p. 27–28, 1 jan. 2014.
4- CUDA, T.; GUNNARSSON, R.; DE COSTA, A. Symptoms and diagnostic criteria of acquired Megacolon – a systematic literature review. BMC Gastroenterology, v. 18, n. 1, 31 jan. 2018.
5- FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio De Janeiro: Imago Ed, 2002.
6-FREITAS, A. P. DOS S. DE et al. ESTUDO SOBRE DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL INFANTIL NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE EM CRIANÇAS DE CACOAL-RO. Revista Brasileira de Sexualidade Humana, v. 23, n. 2, 2012.
1Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: anacascabulho@hotmail.com, https://orcid.org/0000-0003-2493-7183;
2Instituição: Hospital São José do Avaí, Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: fernandacardilo@hotmail.com, https://orcid.org/0000-0003-0446-0322;
3Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: laurabserodio@hotmail.com, https://orcid.org/0009-0002-8648-3586;
4Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: lorenagotti@hotmail.com, https://orcid.org/0000-0001-9650-8942;
5Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: luisfelipebarros014@gmail.com, https://orcid.org/0009-0002-4024-6083;
6Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: maishermsdorff@yahoo.com.br;
7Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: dudadepaula64@gmail.com;
8Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000 , Email: paulinhamrgarcia@gmail.com, https://orcid.org/0000-0002-9013-4533;
9Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: rebecasveiga@gmail.com, https://orcid.org/0000-0002-2223-5340;
10Instituição: Hospital São José do Avaí, Rua Cel. Luiz Ferraz 397, Itaperuna, RJ, CEP: 28300-000, Email: vvardieri@gmail.com