MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

FAMILY AND COMMUNITY MEDICINE: AN INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8350760


Francisco Diogo de Souza Machado Teixeira[1]
Cibele Cristina Cunha Brígido[2]
Rogério Linhares Urtiga Júnior[3]
Henrique Miguel de Lima Silva[4]


RESUMO

Introdução: resgatar os processos de autocuidado; medicina preventiva e educação em saúde configuram-se com preconizações indispensáveis do Ministério da Saúde. Ao vislumbrar esta eficácia com base em evidências científicas, a Medicina da Família e Comunidade, por meio da Atenção Primária em Saúde – APS, vem, ao longo das últimas décadas, fortalecendo a qualidade de promoção à saúde em todo território nacional. Objetivo: refletir sobre as contribuições da medicina da família e comunidade enquanto atendimento primário em saúde, destacando suas contribuições para promoção e prevenção à saúde. Método: desenvolve-se uma revisão integrativa por meio das pesquisas científicas disponíveis na base de dados Medline entre os anos de 2018 e 2023. Critérios de inclusão, artigos originais redigidos em língua portuguesa. Critérios de exclusão, pesquisas escritas em outros idiomas; com problemas metodológicos e estudos incompletos. Resultados: o fortalecimento da atenção primária em saúde, bem como da formação do médico para atuação em medicina da família e comunidade, associados ao modelo de saúde baseada em evidência, tem ressignificado de modo substancial a qualidade do atendimento médico. Conclusão: a medicina da família e comunidade configura-se como indispensável para manutenção da saúde do brasileiro, bem como enquanto porta de entrada para saúde, da prevenção e da promoção por meio de educação em saúde.

Palavras-chave: Medicina da Família e Comunidade, Atenção Primária em Saúde, Educação em Saúde, Medicina Preventiva

ABSTRACT

Introduction: Rescuing the processes of self-care, preventive medicine and health education are indispensable recommendations of the Ministry of Health. By envisioning this effectiveness based on scientific evidence, Family and Community Medicine, through Primary Health Care (PHC), has been strengthening the quality of health promotion throughout the country over the last few decades. Objective: To reflect on the contributions of family and community medicine as primary health care, highlighting its contributions to health promotion and prevention. Method: An integrative review was carried out using scientific research available on the Medline database between 2018 and 2023. Inclusion criteria: original articles written in Portuguese. Exclusion criteria: research written in other languages; with methodological problems and incomplete studies. Results: the strengthening of primary health care, as well as the training of doctors to work in family and community medicine, associated with the evidence-based health model, has substantially reframed the quality of medical care. Conclusion: Family and community medicine is indispensable for maintaining the health of Brazilians, as well as being a gateway to health, prevention and promotion through health education.

Keywords: Family and Community Medicine, Primary Health Care, Health Education, Preventive Medicine

INTRODUÇÃO

De acordo com a literatura contemporânea, o cuidado com o paciente deve ser considerando como primordial e organizado sob três grandes pilares: compreensão do sujeito enquanto ser biopsicossocial, isto é, abandonando a visão biomédica da medicina; utilização de protocolos e práticas com base em evidência científica, isto é, ação médica pautada nos dados científicos vigentes e, por fim, utilização de modelos que promovam cuidado; autocuidado; prevenção; promoção e educação em saúde.

Para autores como Oliveira et al (2014), a Medicina da Família e Comunidade foi pensada nos modelos da Atenção Primária em Saúde, bem como seguindo os postulados da saúde enquanto direito constitucional de todo brasileiro (BRASIL, 1988); como um dos vinte direitos de todo cidadão do mundo (UNESCO, 2022) e com base nas preconizações da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020). Desta maneira, entende-se como indispensável preconizar os processos de autocuidado; medicina preventiva e educação em saúde configuram-se com preconizações indispensáveis do Ministério da Saúde (BRASIL, 2023).

Neste sentido, ao vislumbrar esta eficácia com base em evidências científicas, a Medicina da Família e Comunidade, por meio da Atenção Primária em Saúde – APS, vem, ao longo das últimas décadas, fortalecendo a qualidade de promoção à saúde em todo território nacional, destaca-se que “a Atenção Primária à Saúde (APS) é a base organizacional de um sistema que busca otimizar recursos e serviços em saúde. (OLIVEIRA, et a,2014, p. 86)”. Diante ao exposto, tem-se como objetivo geral refletir sobre as contribuições da medicina da família e comunidade enquanto atendimento primário em saúde, destacando suas contribuições para promoção e prevenção à saúde.

De modo mais específico, tivemos como objetivos específicos conhecer o histórico de desenvolvimento da Medicina da Família e Comunidade com ênfase na Atenção Primária em Saúde; compreender os principais princípios que regem a atuação do médico da família e comunidade e, por fim, compreender, por meio da revisão de literatura integrativa, os principais achados sobre medicina da família e da comunidade entre os anos 2018 e 2023.

Enquanto procedimentos metodológicos de pesquisa, optamos pela técnica de revisão integrativa por meio das pesquisas científicas disponíveis na base de dados Medline entre os anos de 2018 e 2023.  Enquanto critérios de inclusão, artigos originais redigidos em língua portuguesa. Os critérios de exclusão foram baseados em pesquisas escritas em outros idiomas; com problemas metodológicos e estudos incompletos.

Dessa maneira, destacamos que fortalecimento da atenção primária em saúde, bem como da formação do médico para atuação em medicina da família e comunidade, associados ao modelo de saúde baseada em evidência, tem ressignificado de modo substancial a qualidade do atendimento médico.

2 MÉTODO

Ao considerar a relevância científica e social da presente temática, selecionou-se pela técnica de revisão de literatura integrativa, com base em Severino (2015), por possibilitar melhor compreensão da contribuição da medicina da família e comunidade para sociedade como um todo por meio atenção primária em saúde, considerando seus princípios reguladores e os aspectos de tratamento; prevenção; promoção e educação em saúde.

Outrossim, destaca-se que do universo de bases de dados disponíveis foi selecionado a bases de dados Scielo, por meio dos descritores disponíveis no Decs para artigos escritos em português brasileiro, bem como dos foram selecionados os critérios de inclusão e exclusão conforme pode ser visualizado a seguir.

3.1 Critérios de inclusão

  1. Pesquisas completas e originais disponíveis no Medline;
  2. Artigos científicos escritos em língua portuguesa entre os anos de 2018 e 2023 na base de dados Medline;
  3. Pesquisas com descrição metodológica detalhada em sem problemas técnicos que comprometam o formato.

3.2 Critérios de exclusão

  1. Artigos científico incompletos;
  2. Estudos fora do período 2018-2023
  3. Pesquisas com problemas na metodologia;

Destaca-se que diante da técnica de pesquisa selecionada, bem como seguindo as recomendações legais, não se submeteu ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UNINORTE-AC por ser estudo de revisão sistemática com busca de dados secundários.

Figura 1. Fluxograma do processo de seleção dos artigos escolhidos.

Fonte: Adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (2021).

4 RESULTADOS

A Medicina da Família e Comunidade, sem dúvida, tem ressignificado o entendimento da família; da comunidade e dos diversos problemas que envolvem a relação saúde-doença com base nas inúmeras evidências científicas (OLIVEIRA et al, 2014). De acordo Cavalcanti et al (2020, p. 359),

A Medicina de Família e Comunidade (MFC) surgiu em 1975 e passou por diversas fases. Em 1981, como medicina geral comunitária e, só em 2001, chegou a sua atual denominação. A MFC é definida como a especialidade médica que presta assistência à saúde de forma continuada, integral e abrangente para pessoas, suas famílias e a comunidade

Além disso,  considerando os 40 anos da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade e os 45 anos de Medicina da Família e Comunidade enquanto especialidade médica no Brasil (ANDERSON, SAVASSI, 2023), muitos aprimoramentos nos protocolos de atendimento; na formação médica e no abandono do modelo biomédico em detrimento da concepção do sujeito enquanto ser biopsicossocial tem mudado o paradigma nacional de atendimento médico, bem como da equipe multiprofissional da APS, sobretudo, após o programa Mais Médicos no ano de 2013, ressaltando o papel primordial deste ramo da medicina na sociedade (BRASIL, 2013 tese)

Por meio da revisão de literatura, podemos verificar, por meio da revisão integrativa de literatura, que, o texto 01 discorre sobre a relação entre Medicina da Família e Comunidade e saúde suplementar considerando o papel do médico e os dilemas e desafios encontrados nesta atuação. No texto 02, há uma vasta discussão sobre os princípios filosóficos de McWhinney e Roger Neighbour aplicados no contexto da Medicina da Família e Comunidade por meio da revisão integrativa de literatura.

No estudo 03 foi discutido o relato de experiência resultante da elaboração e aplicação de um protocolo classificação de risco com objetivo de melhorar a ordem de prioridades e da gestão para o trabalho com visitas domiciliares ressaltando o papel do planejamento estratégico na melhoria da Medicina da Família e Comunidade.

No estudo 04, discute-se sobre as políticas sociais no Brasil no contexto do capitalismo contemporâneo considerando a escolha de Medicina da Família e Comunidade, bem como dos desafios dos profissionais de medicina especialistas em MFC mediante os desafios contemporâneos de atuação médica no Brasil.

Considerando a educação em saúde e medicina preventiva como componentes que possuem relação direta com Medicina da Família e Comunidade, o texto 05, por meio de relato de experiência, discutiu e evidenciou o processo de inserção de oficinas, elaboradas por residentes em Medicina da Família e Comunidade,  sobre o eixo saúde e sociedade – sexualidade e educação para alunos do 8º ano do ensino fundamental anos finais em uma escola na cidade de Florianópolis – SC.

 Na pesquisa 06, por meio da revisão integrativa de literatura, foi desenvolvido um sumário online, em português, de prática clínica baseada em evidências contemplando as principais práticas; protocolos e métodos de atendimento médico considerando as evidências científicas e epidemiológicas, bem como destaca o papel indispensável da compreensão da ciência para atuação profissional em Medicina da Família e Comunidade, destacando o sujeito enquanto ser biopsicossocial.

No estudo 07 foi investigado, por meio da revisão integrativa de literatura, o  perfil do profissional médico da Família e Comunidade considerando a preconização do governo federal pela compreensão da saúde integral e do sujeito enquanto ser biopsicossocial. Além disso, os dilemas e desafios da atuação do médico da família e comunidade por meio do contexto de trabalho e das estruturas físicas; profissional e procedimental vivenciada no Brasil

As pesquisas 08 e 09, respectivamente, discorrem sobre a experiência dos  residentes de Medicina de Família e Comunidade de Brasília durante o contexto da pandemia, destacando os avanços científicos e o compromisso profissional como indispensáveis no processo de garantia do atendimento à saúde de qualidade, por meio do relato de experiência. No estudo 09, os organizadores relatam os principais dilemas e desafios na formação de médicos especialistas em Medicina da Família e Comunidade por meio do relato de experiência de pesquisadores renomados no Brasil, bem como destacam os avanços científicos na formação dos médicos que atuam na APS.

No texto 10, os pesquisadores discutem sobre a relevância do Papel do planejamento familiar na atenção primária enquanto estratégia de melhor direcionamento das técnicas; protocolos e procedimentos de atuação médica e da equipe multiprofissional, bem como da correlação com os fatores que indicam vulnerabilidade social; aspectos socioeconômicos e gravidez não planejada. Além disso, os investigadores ressaltam a indissociabilidade entre educação em saúde e autocuidado enquanto meios de promoção à saúde, destacando, ainda, a ação integrada dos profissionais da Atenção Primária em Saúde de modo a integrar saúde e sociedade como um todo.

Vejamos a seguir a análise dos artigos selecionados.

Quadro 1. Análise dos artigos selecionados.

AutorTipo De EstudoTituloObjetivoResultado/Conclusão
01Machado; Melo e Paula (2019)REVISÃO DE LITERATURAMedicina de Família e Comunidade na saúde suplementar do Brasil: implicações para o Sistema Único de Saúde e para os médicos  “problematizar a interação entre a Medicina de Família e Comunidade e a saúde suplementar no cenário atual do Brasil” (MACHADO; MELO; PAULA, 2019, p.01)da Medicina de Família e Comunidade na saúde suplementar para o SUS e para essa especialidade. Evidenciamos os riscos de o SUS, principalmente no contexto atual, perder tais profissionais para o setor privado, e de os próprios médicos de família e comunidade não mais considerarem a ESF como espaço importante de atuação. Esse movimento parece ser síncrono com o fortalecimento de uma determinada orientação técnico-política na Medicina de Família e Comunidade. (MACHADO; MELO; PAULA, 2019, p.04)  
02Jaco, Norman (2020)Revisão de LiteraturaA filosofia da Medicina de Família e Comunidade segundo Ian McWhinney e Roger Neighbour“Fortalecer a discussão sobre as bases teóricas da MFC na academia e nos programas de residência em MFC” (JACO, NORMAN, 2020, p. 01)Para navegar nas incertezas da prática generalista é necessário fomentar e refletir a respeito da essência do MFC, tanto nos cursos de graduação quanto nos programas de residência, para formar profissionais sensíveis à condição humana (JACO, NORMAN, 2020, p. 08)
03Pinheiro et al (2019)Relato de ExperiênciaFerramenta para avaliação e gestão da visita domiciliar na atenção primária à saúde: um relato de experiênciaApresentar a experiência de uma equipe ao utilizar uma nova ferramenta para avaliação e classificação de risco que visa otimizar a gestão da agenda das visitas domiciliares. (PINHEIRO et al, 2019, p. 01)O uso de instrumentos adequados permite identificar pacientes em situação de risco e vulnerabilidade, além de possibilitar a organização da agenda, a identificação das necessidades das pessoas, o acompanhamento das doenças crônicas, propor estratégias, e planejar intervenções futuras. (PINHEIRO et al, 2019, p. 07)
04Lazarini, Sobré (2019)Revisão de LiteraturaO SUS e as políticas sociais: Desafios contemporâneos para a atenção primária à saúdeanalisar as políticas sociais no Brasil no contexto do capitalismo contemporâneo, em que predomina a mais fetichizada forma do capital, qual seja, o capital portador de juros, e seus desdobramentos para o SUS (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p.01)a saúde configura-se em um espaço privilegiado para a obtenção de lucro, no qual se abre uma gama de possibilidades de investimentos, visto que o setor se caracteriza por sua complexidade e diversidade de componentes estruturantes (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p.11)
05Ferreira, Piazza, Souza (2019)Relato de ExperiênciaOficina de saúde e sexualidade: Residentes de saúde promovendo educação sexual entre adolescentes de escola públicaRelatar a experiência da implementação de oficinas de saúde e sexualidade por residentes de saúde da família com adolescentes do 8º ano de uma escola pública em Florianópolis (FERREIRA; PIAZZI; SOUSA, 2019, p. 01)As oficinas de saúde e sexualidade desenvolvidas pelos residentes de medicina de família e comunidade e saúde da família representaram uma oportunidade ímpar de interação entre os programas de residência, as equipes de Estratégia de Saúde da Família e a comunidade, utilizando o cenário escolar como ferramenta para a promoção de saúde e empoderamento social (FERREIRA; PIAZZI; SOUSA, 2019, p. 10)
06Lúcio, Scalco (2019)Revisão de LiteraturaCondutas em Atenção Primária: desenvolvendo um sumário online, em português, de prática clínica baseada em evidênciasRelato de experiência do desenvolvimento de um sumário online, em português, de prática clínica baseada em evidências. (LÚCIO; SCALDO, 2019, p. 03)O Condutas em Atenção Primária possui qualidade editorial e metodologia baseada em evidências adequada, se comparada a outros sumários online, o que é um avanço para a prática clínica nacional. (LÚCIO; SCALDO, 2019, p. 08)
07Cavalcanti el al (2020)Revisão Intefgrativa de LiteraturaO MÉDICO DA FAMÍLIA E COMUNIDADE E DIFICULDADES ENCONTRADAS PARA A ATUAÇÃO NA ÁREAConhecer o perfil do profissional médico da Família e Comunidade e dificuldades encontradas à atuação na área (CAVALCANTI et al, 2020, p. 01)Com base nos estudos encontrados, notou-se a escassez de literatura sobre a temática, contudo foi possível verificar as competências requeridas para o médico da Família e Comunidade, bem como quais as funções desempenhadas na Estratégia de Saúde da Família e as dificuldades enfrentadas cotidianamente (CAVALCANTI et al, 2020, p. 09)
08Resende; Teixeira, Rocha (2021)Relato de ExperiênciaA vivência de residentes de Medicina de Família e Comunidade no Consultório na Rua durante a pandemiaDescrever a vivência de residentes de Medicina de Família e Comunidade de Brasília durante o estágio Consultório na Rua, na pandemia de COVID-19 em 2020 (RESENDE; TEIXEIRA; ROCHA, 2021, p. 01)O estágio contribui de inúmeras formas para nossa formação, reforçando competências esperadas da nossa especialidade. (RESENDE; TEIXEIRA; ROCHA, 2021, p. 10)
09Anderson , Savassi (2021)Relato de ExperiênciaFormação, Ensino e Pesquisa na Medicina de Família e Comunidade e na Atenção Primária à Saúde no Brasil: situação atual, desafios e perspectivasRelatar experiências exitosas dos profissionais de Medicina da Família e Comunidade considerando os 40 anos da Sociedade Brasileira de Medicina da Familia e Comunidade e os 45 anos da Medicina da Família e ComunidadeSão explorados aspectos relacionados aos desafios, aos avanços e às perspectivas da MFC e da SBMFC no processo da qualificação do ensino, do aumento do número de especialistas e do incremento da pesquisa e da qualificação da gestão no campo da MFC e da Atenção Primária à Saúde (APS).(ANDERSON, SAVASSI, 2021, p.01)
10Rios et al (2023)Estudo transversal de métodos mistos, com triangulação concomitante de dados, de acordo com Creswell e Clack (RIOS et al, 2021, p. 01)Papel do planejamento familiar na atenção primária à saúde:  métodos mistos de análise de dadosAnalisar o papel do planejamento familiar na construção da parentalidade sob a ótica de usuários de serviços de atenção primária à saúde em Fortaleza (CE) (RIOS et al, 2023, p. 01)É necessário avançar na abordagem do planejamento familiar no contexto da atenção primária à saúde para que este possa se tornar de fato um espaço de cuidado, troca e desenvolvimento da parentalidade efetiva e afetiva (RIOS et al, 2023, p.12)
Fonte: Elaboração dos autores de acordo com os artigos encontrados.

5 DISCUSSÃO

            De acordo com Machado, Melo e Paula, desde a garantia da saúde como um direito de todos por meio da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e da regulamentação da Atenção Primária em Saúde, regulada pelo Sistema Único de Saúde, e de caráter universal em 1994, que os dilemas de ressignificação do atendimento médico, sobretudo, na compreensão do sujeito enquanto ser biopsicossocial vem sendo debatido na academia como um todo.

            Para os autores, é preciso entender que a história da saúde no Brasil, assim como em inúmeras nações, não era universal, pública; gratuita, nem de acesso para todos, isto é, um direito universal e constitucionalmente garantido para todos os cidadãos de uma nação.

Os pesquisadores destacam ainda que,

Em 1994, instituiu-se, como principal modelo, o Programa Saúde da Família, que foi posteriormente reconceitualizado como Estratégia Saúde da Família (ESF). A ESF expandiu-se e aprimorou-se nas décadas seguintes, tendo, atualmente, 42 mil equipes (com médicos generalistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde), que cobrem 63% do território nacional (MACHADO, MELO, PAULA, 2019, p. 01)

            Ao considerar estes dados, outro aspecto que merece destaque enquanto valorização da Medicina da Família e Comunidade foi o Programa Mais Médicos de 2013 (BRASIL, 2013), ampliando a dimensão social da Atenção Primária em Saúde e do histórico dilema de valorização do médico especialista na área, bem como fazendo com que a “A Medicina de Família e Comunidade passa a figurar como força de trabalho útil para o setor privado” (MACHADO, MELO, PAULA, 2019, p. 01).

            Além disso, é importante destacar que “dar visibilidade a potenciais implicações da absorção da Medicina de Família e Comunidade na saúde suplementar para o SUS e para essa especialidade” (MACHADO, MELO, PAULA, 2019, p. 04) tem sido uma conquista recente e que ainda precisa de muito avanço em todos os sentidos. A este respeito, o estudo de Jaco e Norman (2020, p. 02) aprofundou a discussão sobre os elementos fundamentes da Medicina da Família e Comunidade, destacando que este ramo da medicina configura-se como “especialidade médica que surgiu para questionar o pensamento cientificista do século XX, em reação à tendência a  superespecialização  médica  e  a  consequente precarização da relação médico-paciente”.

            Para os autores, compreender o legado de Ian McWhinney e Roger Neighbour visto que os mesmos são, com base na literatura, conhecidos como  os “profissionais que fazem parte dos dos mais respeitados médicos de família e comunidade no mundo” Bem como destacam que  “as escolas médicas no Brasil não dedicam tempo para a discussão sobre as bases epistemológicas da medicina. Essa ausência de um olhar crítico sobre sua práxis perpetua conceitos e gera verdades ilusórias” (JACO, NORMAN, 2020, p. 02). Neste sentido, a ausência de reflexão crítica sobre a relação entre saúde e sociedade coaduna na perpetuação do modelo biomédico.

            Os pesquisadores concluíram que os principais problemas encontrados no modelo biomédico consistem em não promover respostas significativas para problemas como,

(1) Dissociação adoecimento/doença: a maioria das pessoas que se sente mal não tem uma doença classificável, por exemplo, a forma como a pessoa experiencia a doença é trazida em consulta muitas vezes por sintomas clinicamente inexplicáveis (SCI); (2) Etiologia específica: nem sempre se estabelece o agente causal, como a imposição de tratar todos os pacientes com H. pylori positivo; (3) Separação entre mente e corpo, tratando somente as causas orgânicas, entretanto, a manifestação do adoecimento é tridimensional (biopsicossocial); e (4) Efeito curativo do placebo: abundantemente documentado nos ensaios clínicos (média de 35% – variando de 10 a 90%). (JACO, NORMAN, 2020, p. 05)

A este respeito, os autores concluem que “a medicina de família e comunidade requer uma constante problematização dos seus pressupostos, visto que seu foco não se restringe aos aspectos biológicos do ser humano” (JACO, NORMAN, 2020, p. 08). Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Pinheiro et al (2019), por meio do relato de experiência, discutiram a eficácia da gestão em saúde por meio da visita domiciliar considerando os protocolos utilizados no intuito de ampliar a eficácia da Medicina de Família e Comunidade.

Dentre os principais resultados, os pesquisadores destacaram que,

Além da comprovada efetividade e da consequente redução nos custos com cuidado à saúde, que já foram bem documentados no contexto da atenção primária, a visita domiciliar permite ao profissional assistente  romper  com  o  modelo  centrado  na  doença,  voltando-se  para  uma  abordagem  centrada  no  indivíduo (PINHEIRO et al, 2019, p. 5).

            Outrossim, nos resultados encontrados, os autores puderam destacar que,

Este  instrumento  foi  apresentado  a  outros  médicos  da  atenção  primária  e  está  sendo  aplicado  a  outras equipes do programa de Residência de Medicina de Família, sendo avaliado como um instrumento de grande relevância para gestão das visitas domiciliares, assim como para ajudar a avaliação clínica e familiar dos pacientes de atenção domiciliar da atenção primária (PINHEIRO et al, 2019, p. 7).

Percebe-se, portanto que tanto a atuação em Medicina da Família e Comunidade, bem como o planejamento estratégico são indispensáveis para garantia da eficácia; qualidade; longitudinalidade e universalidade em saúde. Lazarini, Sobré (2019), acrescentam que também é primordial compreender que a dialética do SUS tem relação direta com as políticas públicas de investimento e manutenção da saúde pública no Brasil. A este respeito, os autores refletem sobre o fato de que o primeiro passo consiste em compreender a APS, bem como a Medicina da Família e Comunidade “enquanto política social e situá-la dentro do jogo de interesses e contradições no qual está inserida” (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p. 02).

Os autores destacam que a nova ordem mundial, fortemente influenciado por setores com relação direta com “o mundo das finanças e do comércio, como o Banco Mundial, a Organização Internacional do Trabalho, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional” (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p. 08) contemplam a percepção de que “mediante de um contexto socioeconômico marcado pela individualidade e pela força do capital especulativo, faz-se necessário o debate sobre a viabilidade até mesmo dessas políticas minimalistas.” (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p. 10).

Neste sentido, os autores concluem que,

Embora apresente sérios problemas relativos à sua estrutura, gestão do sistema, financiamento, entre outros, ainda segue com reconhecimento internacional devido à grande dimensão de sua cobertura. Vários são os programas de referência para o mundo todo. Logo, faz-se urgente a aglutinação de forças daqueles que estejam, de fato, comprometidos com a consolidação do SUS e o fortalecimento da APS  (LAZARINI, SOBRÉ, 2019, p. 11).

            Com base nos autores, podemos concluir que a nova ordem mundial faz com que as políticas públicas voltadas para o SUS, mais especificamente, para APS devem fomentar formação de profissionais qualificados e preparados para as dialéticas vigentes, como tem sido com a expansão da formação em Medicina da Família e Comunidade.

            Outrossim, ao conceber a APS como interdisciplinar e transversal, no estudo de Ferreira, Piazza e Souza (2019) abordou oficinas de saúde e sexualidade com residentes em Medicina da Família e Comunidade, envolvendo educação e saúde. Para os autores, o Programa Saúde na Escola é uma das estratégias de educação em Saúde que o médico de família e comunidade, bem como equipe multiprofissional, aborda de modo preventivo, bem como promove educação em saúde e autocuidado à comunidade local visto que “considerando o papel estratégico da ESF na consolidação do PSE, torna-se essencial a formação de profissionais de saúde capacitados a desenvolver atividades voltadas às comunidades” (FERREIRA; PIAZZA, SOUSA, 2019, p.03).

            Após a proposta que envolveu temas como Machismo, ISTs; anatomia e fisiologia dos sistemas reprodutores; gravides na adolescência; projeto de vida, dentre outros, os autores concluíram que,

As oficinas de saúde e sexualidade desenvolvidas pelos residentes de medicina de família e comunidade e saúde da família representaram uma oportunidade ímpar de interação entre os Programas de  Residência  em  Saúde  da  Família,  as  equipes  de  Estratégia  de  Saúde  da  Família  e  a  comunidade,  utilizando o cenário escolar como ferramenta para a promoção de saúde e empoderamento social FERREIRA; PIAZZA, SOUSA, 2019, p.03).

            Convém destacar que estas propostas, além de significativas, contribuem diretamente com a percepção de sujeito biopsicossocial, bem como está em consonância com as normativas vigentes em saúde e com a concepção de saúde integral do cidadão.

            Em continuidade, Lúcio e Scalco (2019) desenvolveram um sumário online com base nas evidências científicas, bem com concluíram que,

O Condutas em Atenção Primária possui qualidade editorial e metodologia baseada em evidências adequada, se comparada a outros sumários online, o que é um avanço para a prática clínica nacional. Seu perfil inovador democratiza o acesso a informações atuais, consistentes e diversas, antes restritas ao leitor de língua inglesa, contudo, ao mesmo tempo ainda enfrenta as limitações por seu pioneirismo e inerente amadorismo (LÚCIO, SCALDO, 2019, p. 08).

            Percebe-se, dessa maneira, que as inovações e adaptações da Medicina da Família e Comunidade aos diversos contextos de atuação contribuem diretamente na ressignificação do cuidado e do autocuidado por meio do público em geral. Nesta mesma linha de raciocínio, Cavalcanti et al (2020, p. 378) destacam que “o profissional dessa área deve desenvolver estratégias de planejamento participativo, saber da cultura particular da população e conhecer o território que a Unidade Básica de Saúde na qual ele trabalha abrange.”

            Em seu estudo, as principais conclusões, após revisão de literatura integrativa, apontaram que,

a carga horária exaustiva e despreparo diante da relação médico paciente ao longo da graduação desestimula o profissional em seguir o ramo da Medicina da Família e Comunidade, direcionando-se aquelas mais especializadas. Talvez a solução fosse uma formação centrada na relação médico-paciente. Uma medicina humanizada que possa deixar o contato durante as consultas mais familiar.

Dessa maneira, adotar uma postura que compreenda o sujeito enquanto ser biopsicossocial, bem como de práticas voltadas para desenvolvimento do interesse profissional e da melhoria das condições de trabalho, tornando a especialidade mais atrativa.

No estudo de Resende, Teixeira e Rocha (2021), foi discutido a importância do consultório de rua no contexto da pandemia, considerando o estágio de discentes de medicina como de sua relevância da APS, mais especificamente, em Medicina da Família e Comunidade, fazendo com que os pesquisadores pudessem concluir que,

O estágio no Consultório na Rua contribuiu de inúmeras formas para nossa formação enquanto Médicos de Família e Comunidade, reforçando competências esperadas da nossa especialidade, tais quais o desenvolvimento de habilidades comunicativas, o exercício de uma medicina centrada na pessoa, o fornecimento de um atendimento humanizado e cuidado longitudinal, além da responsabilização sanitária pelo nosso território (RESENDE; TEIXEIRA, ROCHA, 2021, p. 15505).

Além disso, os pesquisadores puderam evidenciar que a “presença no cenário, portanto, enquanto residentes e especialistas em formação, tem a enorme capacidade de qualificar o serviço de saúde no qual estamos inseridos” (RESENDE; TEIXEIRA, ROCHA, 2021, p. 15506).

Na pesquisa de Anderson e Savassi (2023), os pesquisadores reuniram pesquisadores de renome para discutir sobre os caminhos e desafios da Medicina da Família e Comunidade no Brasil, após 45 anos de Medicina da Família e Comunidade, bem como 40 anos da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade. Além disso, os autores destacaram e concluíram que,

aspectos relacionados aos desafios, aos avanços e às perspectivas da MFC e da SBMFC no processo da qualificação do ensino, do aumento do número de especialistas e do incremento da pesquisa e da qualificação da gestão no campo da MFC e da Atenção Primária à Saúde (APS) (ANDERSON, SAVASSI, 2023, p.01)

Ainda em se tratando da expansão da formação da Medicina da Família e Comunidade, bem como dos dilemas contemporâneos de atuação profissional, Rios et al (2023) preconizam o fato de que  deve promover ações de organização das famílias e comunidades, bem como destacam que a “assistência  ao  planejamento  familiar  no  âmbito  da  atenção  primária  compreende  um importante conjunto de ações capazes de garantir o direito à saúde reprodutiva aos usuários do Sistema Único de Saúde brasileiro.” (RIOS et al, 2023, p. 01)

Dentre as principais conclusões do grupo investigado, os autores destacaram que “os resultados mostram que, sob a ótica dos usuários participantes, o PF não é bem explorado no contexto da  saúde  pública  em  Fortaleza,  uma  vez  que  grande  parte  dos  participantes  desconhecia  o  programa.” (RIOS et al, 2023, p. 11).

Além disso, nas conclusões do estudo foi explicitado a relação entre gravidez não planejada e abandono dos estudos visto que “foi evidenciada a prevalência da gravidez na adolescência e seus impactos, como evasão escolar e inserção precoce no mercado de trabalho.” (RIOS et al, 2023, p. 11).

6 CONCLUSÃO

O redimensionamento do modelo biomédico em saúde e medicina para o entendimento do sujeito enquanto ser biopsicossocial; a medicina baseada em evidência e os estudos realizados no Brasil e no mundo contribuem de modo substancial da ressignificação da Medicina da Família e Comunidade, bem com na atuação médica e na superação das adversidades encontradas em território nacional, criando um novo perfil de médico e, por fim, da própria atuação da APS.

7 REFERÊNCIAS

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[1] Graduando em Medicina pela UNINORTE-AC

[2] Médica.  Pós-Graduada em Medicina da Família e Comunidade. Preceptora do curso de Medicina pela UNINORTE-AC.

[3]  Graduando em Medicina pela UNINORTE-AC

[4] Pós-Doutorado em Ensino pela UERN. Docente da UFPB, professor permanente do PROLING/UFPB e do MPLE/UFPB.