EVIDENCE-BASED MEDICINE IN CARDIOLOGY RESIDENCY: AN EXPERIENCE REPORT
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10476857
Rafael Felipe Carvalho Canuto1
Paulo Henrique de Oliveira2
Resumo
A utilização do termo Medicina Baseada em Evidências (MBE) é termo usado com frequência na prática clínica atual. Este relato de experiência tem o intuito de demonstrar como a Medicina Baseada em Evidências é aplicada dentro da residência de cardiologia pela Universidade Evangélica de Goiás através de exemplos práticos onde se realiza através da orientação direta a análise dos melhores dados disponíveis e aplicação dos conceitos científicos nas decisões médicas tomadas diariamente no tratamento dos pacientes. Neste contexto, se observa que o uso de evidências científicas de alto nível é a forma mais segura de reproduzir o melhor tratamento.
Palavras-chave: Medicina baseada em evidências, prática clínica, cardiologia.
1 INTRODUÇÃO
A expressão Medicina Baseada em Evidências se remete ao termo utilizado no início da década de 1990, na Universidade McMaster, no Canadá. O interesse pelo assunto foi rápido e foi impulsionado pela necessidade da prática clínica do uso de dados que representassem de forma validada o melhor caminho a ser tomado quanto a prevenção, diagnóstico, tratamento e prognóstico surgindo naquela época em grupos de estudo semanais para o uso da literatura e aplicação na prática médica (GUYATT et al., 1992).
Em contraste ao modelo tradicional de medicina que traz em voga a experiência do médico como definidor de condutas em medicina o MBE nos mostra que observações assistemáticas pessoais que formam a experiência clínica e intuição são muitas vezes enganosas. Além disso, a medicina tradicional também se utiliza do estudo e a compreensão dos mecanismos básicos da doença e princípios de fisiopatologia para explicar condutas, mas que o seu uso isolado pode ser por vezes erroneo (GUYATT et al., 1992).
A experiência clínica surge do julgamento médico adquirido através da prática clínica. Ela precisa ser aliada as melhores evidências científicas para produzir o melhor resultado possível no tratamento do paciente. Entende-se que bons médicos utilizam esta e aquela e que nenhuma por si só é suficiente isoladamente. (SACKETT et al., 1996).
Para GUYATT et al. (1992), se espera que os médicos possam adquirir as habilidades de fazer avaliações independentes (ou seja, não vinculadas a “formadores de opnião” ou outros). Refere ainda que os médicos devem estar prontos para aceitar e viver com a incerteza e reconhecer que muitas vezes as decisões em medicina são feitas diante relativa ignorância.
Após cerca de um quarto de seculo se observou que o MBE evolui em alguns pontos e segue no mesmo sentido de colocar em prática da medicina numa base científica sólida e foi evidenciado o desenvolvimento de hierarquias de evidências mais sofisticadas, o reconhecimento da função de compartilhamento com o paciente na tomada de decisão clínica e no desenvolvimento da metodologia para gerar recomendações confiáveis (DJULBEGOVIC & GUYATT, 2017) .
O objetivo deste relato de experiência é demonstrar a importância da Medicina Baseada em Evidências e expor um modelo de aplicação na prática da residência de cardiologia.
Este trabalho é justificado pelo incentivo e inspiração ao ensino em medicina a pratica do uso de evidências científicas como forma de trazer o melhor cuidado ao paciente com maior segurança e eficiência.
2 METODOLOGIA
O método utilizado foi um relato de experiência nos campos de estágio dentro da residência de Cardiologia expondo o dia-a-dia da rotina do residente e exemplificando tipos de casos corriqueiros e como é feito para aplicar as evidencias científicas no cuidado do paciente. Também foram usados trabalhos científicos com o intuído de trazer o tema exemplificado em voga em confronto com bases teóricas que possam sustentar e possam levar a reflexão ao leitor sobre o tema. Para tanto, os artigos relacionados foram os de maior relevância, ou seja, os que são de alto nível de evidência (baixa chance de erro) usados mundialmente.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A residência em cardiologia da Universidade Unievangélica em Goiás em Anápolis é coordenado pelo Dr. Marco Aurélio Santos Cordeiro e é composto por 2 anos de graduação como é feito em outras residências em cardiologia.
O programa conta com rodízios no Hospital Evangélico Goiano (HEG) e no Hospital Estadual de Anápolis (HEANA) e contém rodízios nas áreas da cardiologia como a clínica, cirúrgica e exames complementares diversos (ultrassonografia, cateterismo cardíaco, teste ergométrico, cintilografia miocárdica e outros).
A priori os residentes tem ampla discussão em cada área em que se é passado apontando os pontos principais sobre o contexto clínico do paciente e a evidencia científica mais relevante. Destaca-se o rodízio em cardiologia dentro do Hospital Evangélico Goiano que dentro da rotina diária da prática se vê pacientes dentro de todas a subáreas da cardiologia em diversas etapas do cuidado, dentro do contexto de urgência, intensivismo, internação e ambulatorial.
Os pacientes que são vistos internados no hospital, são vistos diariamente, e discutidos um por um dos pacientes e avaliados as condutas com evidência de alto nível de evidencia para nortear as condutas dos pacientes, levando em consideração as particularidades de cada um, aplicando os conceitos consolidados na evidencia e aplicados a cada contexto individual.
Outrora, os pacientes vistos ambulatorialmente são tanto os que estavam internados ou outros que procuram nosso ambulatório ou encaminhados pelo município aos nossos cuidados. Desta forma os pacientes são vistos de forma longitudinal, alguns com o acompanhamento inicial desde a prevenção outros desde o momento de adoecimento, cuidado intra-hospitalar e seguimento ambulatorial.
A discussão conduzida pelo Dr. Marco Aurélio Cordeiro Santos é feita todos os dias no Hospital Evangélico Goiano. Ela conta também com acadêmicos em medicina, residentes e eventualmente como outros cardiologistas. Nesta etapa, é de crucial importância para a formação de cada residente onde se pode acompanhar de forma gradual o crescimento em conhecimento e aplicação do mesmo na prática clínica.
Este modelo de ensino solidifica o conhecimento através da passagem repetida de pacientes que tem patologias de todas as subáreas da cardiologia. Por exemplo: são vistos pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio com diversas diferenças entres eles e que com o tempo começam a repetir casos semelhantes. Isto reforça a aplicação, ampliando a experiência tanto em lidar individualmente com cada caso, quanto com o uso adequado das principais referências literárias usadas.
Os pacientes internados são a priori avaliados pelos acadêmicos e a posteriori pelos residentes. Depois é passado preferencialmente pelo residente o caso com o coordenador a beira leito ou em local próprio para discussão e elencado as melhores estratégias para condução do caso.
Como forma de facilitar o entendimento deste relato de caso, optamos por exemplificar três tipos de casos que se repetem de forma corriqueira na residência de cardiologia, mostrando algumas referências usadas para nortear as condutas, colocando como enfoque algumas decisões clínicas que são embasadas com a literatura de alto nível de evidência.
3.1 Doença da Artéria Coronária (DAC) estável
Dentro do contexto da nossa residência, na rotina de passagem de caso, é muito comum a internação de paciente de com Doença da Artéria Coronária, devido a sua alta prevalência. De forma repetitiva, vemos esses pacientes com algumas diferenças entre eles. Portanto, se pode discutir várias nuances dentro deste tema e as remetendo a evidência de alto nível.
Sendo assim, além da discussão do caso do paciente em si, se é feito dentro da residência de cardiologia da Unievangélica a análise dos principais estudos e a sua relação com o caso exposto com sua aplicação na prática.
Ao avaliarmos o paciente com DAC estável, não é incomum a discussão sobre as várias lesões em artérias coronárias encontradas. Muitas vezes a dúvida levantada é se a revascularização com angioplastia de algumas artérias com isquemia moderada a grave (exceto lesões de tronco de artéria esquerda) traria algum benefício ao paciente.
Como extensamente já estudado e revisado durante nossa residência, podemos destacar o último trabalho publicado de alto nível sobre este tema que serio o “ISQUEMIA” publicado em 2020 no “The New England Journal of Medicine” (NEJM). Neste não foi encontrado evidencia de redução no risco de eventos cardiovasculares ou morte na estratégia conservadora (apenas terapia medicamentosa) comparada a invasiva (terapia medicamentosa adicionada a angioplastia) (MARON et al., 2020).
Não é incomum, atendermos pacientes encaminhados que são submetidos a angioplastia de lesões coronarianas e que como demostrado não trazem benefício ao paciente. Foi-se observado em nossa residência pacientes com piora de função renal decorrente ao uso de contraste da angioplastia e também com sangramento como a hemorragia digestiva de origem intestinal por consequência da dupla antiagregação que é indicada após se realizar o implante de “stent”. Desta forma, nos remetendo a Medicina Baseada em Evidências que denota a evidencia científica de alto nível de evidência como guia a conduta a ser tomada, e que evita possíveis complicações como nestes casos.
3.2 Fibrilação Atrial
Ainda em outro exemplo, outra questão muito vista no contexto de nossa residência de cardiologia, seria o paciente com Fibrilação Atrial (FA). Assim como supracitado, são vários pontos que se podem ser discutidos, no entanto, uma questão que aparece com frequência é sobre o seguimento do paciente com FA que pode ser pelo controle do ritmo ou pelo controle da frequência cardíaca.
Neste contexto, o estudo “AFFIRM” de 2002 no NEJM também nos mostra que a estratégia de controle do ritmo não oferece nenhuma vantagem de sobrevivência sobre a estratégia de controle de taxa, e há possibilidades vantagens potenciais, como um menor risco de efeitos adversos, com a estratégia de controle de taxa. Lembrando que a anticoagulação deve ser continuada no grupo de pessoas de alto risco de evento tromboembólico pela FA.
3.3 Insuficiência Cardíaca
No último exemplo elencado também se foi visto com frequência pacientes com insuficiência cardíaca com a fração de ejeção reduzida (ICFER) ou seja menor que 35% e que foram conduzidos clinicamente durante nossa residência.
Sabe-se que neste grupo de pacientes a morte súbita é uma das principais causas de morte. Sendo assim, uma questão que é levantada com frequência é sobre o uso de amiodarona nestes pacientes. De forma extensiva também foi estudado durante a residência o estudo “SCD-HeFT” de 2005 publicado em NEJM e que em pacientes ICFER de classe II ou III de NYHA, a amiodarona não tem efeito favorável na sobrevida. E ainda que o implante de Desfibrilador Cardioimplantável (CDI) reduz a mortalidade geral em 23% (BARDY et al., 2005).
Neste caso, além de nos mostrar que o uso de amiodarona não tem benefício na prevenção de morte súbita na ICFER, nos mostra que o implante do CDI é benéfico para evitá-la. No nosso contexto, temos diversas dificudades para o implante do mesmo, desde questões logísticas até questões de liberação pelo SUS para o implante do mesmo.
4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como exposto neste relato de experiência, a residência em cardiologia da Unievangélica faz o uso da Medicina Baseada em Evidências e como demonstrado como é feito na nossa prática e se mostra primordial pelos efeitos benéficos ao paciente como segurança e eficiência de tratamento.
Além de demostrar a relevância do MBE, neste relato de experiência foi demostrado uma forma de coloca-lo em prática, mostrando nossa rotina da residência e mostrando exemplos práticos de como usar referencias de alto nível na rotina médica.
O uso do MBE apesar de muito discutido não tem sido usado de forma extensiva por toda comunidade médica o que se deveria ser repensado de forma consciente dentro das residências e formação de novas gerações médicas com o intuito de melhorar a forma como lidar com o cuidado do paciente.
REFERÊNCIAS
BARDY, G. H. et al. Amiodarone ou na Implantable Cardioverter-Desfibrillator for Congestive Heart Failure. The New England Journal of Medicine, v. 352, n. 3, p. 225-237, 2005.
DJULBEGOVIC, B; GUYATT, G. H. Progress in evidence-based medicine: a quarter century on. The Lancet, v. 390, p. 415-423, 2017.
GUYATT, G. et al. The Evidence-based medicine: a new approach to teaching the practice of medicine. Journal of the American Medical Association, v. 268, n. 17, p. 2420-2425, 1992.
MARON, D. J. et al. Initial Invasive or Conservative Strategy for Stable Coronary Disease. The New England Journal of Medicine, v. 382, n. 15, p. 1395-1407, 2020.
SACKETT, D. L et al. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. British Medical Journal, v. 312, p. 71-72, 1996.
WYSE, D. G. et al. A Comparison of Rate Control and Rhythm Control in Patients with Atrial Fibrillation. The New England Journal of Medicine, v. 382, n. 15, p. 1395-1407, 2020.
1Residente de Cardiologia da Universidade Evangélica de Goiás
2Docente do Curso Superior de medicina da Universidade Unievangélica de Goiás