REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10359068
Sônia Cristina Santos Foicinha
Orientadora: Profa. Dra. Heliana Trindade Marinho Santana
RESUMO
Os medicamentos indutores do sono são aqueles utilizados para a depressão, ansiedade e insônia, que na sociedade atual, são problemas comuns e crescentes, afetando a saúde e qualidade de vida das pessoas. O objetivo desta pesquisa foi analisar os medicamentos indutores do sono e os perigos do seu uso indiscriminado. Trata-se de uma revisão de literatura integrativa realizada nas bases e dados Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde (LILACS), PubMed e Google Acadêmico, utilizando os descritores combinados, em português e inglês: indutores farmacológicos do sono, (pharmacological sleep inducers), Fármacos Indutores do Sono (Sleep Inducing Drugs), automedicação (self-medication), uso abusivo (abusive use), efeitos adversos (adverse effects) vinculados ao operador boleano (AND), para garantir uma busca ampla, sendo selecionados 10 artigos. Em relação ao perfil dos pacientes, a maioria corresponde a mulheres (10/ 100%), na faixa etária de 19 a 38 anos (05/ 50%). Os principais problemas que levaram a utilização de indutores de sono foram a ansiedade (04/ 40%) e insônia (02/ 20%). Os medicamentos mais usados foram os benzodiazepínicos, entre eles o Clonazepam (05/ 50%) e Alprazolam (03/ 30%). Entre os principais efeitos adversos destacaram-se os problemas de coordenação e quedas (03/ 30%) e perda de memória (02/ 20%). Esta pesquisa revelou que a utilização de indutores do sono se deu em mulheres, com a ansiedade e insônia como as principais queixas, destacando-se a classe dos benzodiazepínicos, principalmente o Clonazepam como o medicamento mais prescrito, apresentando como principal efeito adverso problemas de coordenação e queda.
.Palavras-chave: Indutores de sono. Benzodiazepínicos. Insônia. Ansiedade.
ABSTRACT
Sleep-inducing medications are those used for depression, anxiety and insomnia, which in today’s society are common and growing problems, affecting people’s health and quality of life. The objective of this research was to analyze sleep-inducing medications and the dangers of their indiscriminate use. This is an integrative literature review carried out in the Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), Latin American and Caribbean Center for Health Sciences Information (LILACS), PubMed and Google Scholar, using the combined descriptors, in Portuguese and English: pharmacological sleep inducers, Sleep Inducing Drugs, self-medication, abusive use, adverse effects linked to the Boolean operator (AND), to ensure a broad search, with 10 articles selected. Regarding the profile of patients, the majority are women (10/100%), aged between 19 and 38 years (05/50%). The main problems that led to the use of sleep inducers were anxiety (04/40%) and insomnia (02/20%). The most commonly used medications were benzodiazepines, including Clonazepam (5/50%) and Alprazolam (3/30%). Among the main adverse effects were coordination problems and falls (03/30%) and memory loss (02/20%). This research revealed that the use of sleep inducers occurred in women, with anxiety and insomnia as the main complaints, highlighting the class of benzodiazepines, mainly Clonazepam as the most prescribed medication, presenting coordination problems as the main adverse effect. and fall.
Keywords: Sleep inducers. Benzodiazepines. Insomnia. Anxiety.
1 INTRODUÇÃO
O sono é um estado biológico complexo, porém indispensável para a sobrevivência do ser humano, pois é por meio dessa função biológica, que as energias vitais são recuperadas e conservadas. O sono ainda desempenha um importantíssimo papel na memória, aprendizagem, desenvolvimento neurológico, remoção de toxinas do organismo e regulações emocionais, cardiovasculares e metabólicas. 1, 2
Dependendo da faixa etária, cada pessoa possui uma necessidade de sono específica, um recém-nascido por exemplo, necessita de até 16 horas diárias de sono, enquanto um adulto precisa em média de 07 a 08 horas. Desse modo, é possível afirmar, que noites mal dormidas interferem negativamente no funcionamento de sistemas e órgãos, comprometendo assim, o bem-estar e a qualidade de vida. 3, 4, 5
Essa perturbação do sono deve-se ao moderno estilo de vida populacional – especialmente em áreas urbanas e países industrializados – caracterizado pelo sedentarismo, stress psicossocial constante, uso de aparelhos electrónicos em excesso e até uma dieta desequilibrada, ou seja, um ambiente predominantemente carregado de tensão e ansiedade. 6
Pesquisas tem mostrado o aumento de pessoas que tem negligenciado este assunto. Segundo um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 72% dos brasileiros sofrem de doenças relacionadas ao sono, entre elas, a insônia. É lamentável afirmar, mais o sono insuficiente tem sido um sério problema de saúde pública, pois ele tem sido relacionado ao aumento das Doenças Crónicas Não-Transmissíveis (DCNT), como diabetes e obesidade; ao risco de enfarte agudo do miocárdio, doença coronária, Acidente Vascular Cerebral (AVC), depressão etc. 1,2,3,7
Nesse contexto, o que tem sido observado na atualidade é o uso indiscriminado de medicamentos hipnóticos, utilizados especificamente para a regularização do sono. No geral, essas drogas são compostas por psicoativos, também denominados psicotrópicos (substâncias químicas que agem no Sistema Nervoso Central (SNC), alterando a função cerebral e mudando temporariamente a percepção, consciência comportamento e humor), porém, para os seus usuários, eles são identificados como tranquilizantes, calmantes e sedativos. 2, 8
Essa prática é deveras preocupante, pois o principal efeito colateral dos psicotrópicos é a possibilidade de causar tolerância e até dependência física, por esse motivo eles devem ser prescritos a curto período de tempo e com parcimônia. No Brasil, esse tipo de prescrição é controlada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (Portaria n° 344/98). 7 Portanto, esta pesquisa impulsionou o seguinte problema: quais os principais fármacos indutores de sono utilizados pela população nos últimos dez anos e os perigos associados ao seu uso?
Na sociedade atual, um dos problemas mais comuns e crescentes que tem assolado a população de um modo geral, é a ansiedade e os distúrbios do sono. Nessa perspectiva, considerando a grande importância do sono para a saúde e qualidade de vida das pessoas, e o fato de haver uma grande quantidade de problemas associados a má qualidade desse sono, incluindo o desenvolvimento de certas doenças, essa pesquisa foi elaborada, em virtude da relevância desse tema para a sociedade.
Nesse cenário, levando em consideração tudo que fora apresentado anteriormente, esta revisão literária integrativa tem o objetivo de analisar os medicamentos indutores do sono e os perigos do seu uso indiscriminado.
2 METODOLOGIA
Esse estudo caracteriza-se com uma revisão integrativa de literatura. Os dados bibliográficos foram coletados no banco de dados Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde (LILACS), PubMed e Google Acadêmico.
Para selecionar os artigos, foram utilizados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH), em português e inglês (Tabela 01): “indutores farmacológicos do sono, pharmacological sleep inducers, Fármacos Indutores do Sono, Sleep Inducing Drugs, automedicação, self-medication, uso abusivo, abusive use, efeitos adversos, adverse effects”, vinculados ao operador boleano (AND), para garantir uma busca ampla.
Foram incluídos artigos que abordassem sobre a temática proposta nesta pesquisa, publicados em português e inglês, apresentados com texto na íntegra, disponíveis para leitura e publicados no período de 2013 à 2023. Foram excluídos artigos com tangenciamento do tema, duplicados nas bases de dados, estudos pagos para leitura, teses, dissertações, monografias e estudos anterior ao ano de 2013.
Para garantir a validade da revisão, a análise crítica dos estudos foi iniciada a partir da categorização, ordenação e sumarização dos resultados, esta organização se deu por intermédio do software Microsoft Office Excel® (versão 2016), a fim de propiciar a produção de tabelas, pontuando as questões relevantes. Esta fase demandou de uma abordagem organizada para ponderar o rigor e as características de cada estudo.
A partir da interpretação e síntese dos resultados, foram comparados os dados evidenciados na análise dos artigos ao referencial teórico. Além de identificar possíveis lacunas do conhecimento.
Identificaram-se 982 publicações, e após a aplicação dos critérios de exclusão, foram eliminadas 947 publicações, destas, 864 publicações foram excluídas pois não estavam relacionadas ao tema e 83 por duplicidade, restando 35 artigos, que foram submetidos a leitura crítica do resumo, optando-se por selecionar apenas 10 estudos, sendo inseridos na amostra final da revisão, conforme visualizado na Figura 1.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para melhor organização e discussão dos dados os artigos foram identificados no Quadro 1, descritos conforme a base de dados, título do artigo, autor, ano, objetivos e desfecho da pesquisa.
Quadro 1 – Descrição dos artigos selecionados para esta revisão integrativa.
Base de dados | Título | Autores | Ano | Tipo de estudo | Objetivos | Desfecho do estudo |
Google Acadêmico | Avaliar o perfil do consumo de benzodiazepinicos por pacientes em farmácia privada do sertão de pernambuco: pesquisa realizada em uma drogaria do municipio de serra talhada | Silva e Nogueira9 | 2023 | Pesquisa exploratória | Analisar o perfil do consumo de benzodiazepínicos por pacientes que frequentaram farmácia privada do município de Serra Talhada/PE. | Em um total de 100 receitas de medicamentos benzodiazepínicos de uso controlado coletadas na Farmácia Santa clara em Serra Talhada, foram achados 16 tipos de benzodiazepínicos prescritos, os principais foram Alprazolam (23), Clonazepam (23) e Rivotril (21). As receitas foram adquiridas pelo SUS e algumas encontravam-se sem data de emissão. Ainda foi observado pelo autor que o sexo está diretamente ligado ao consumo de medicamentos benzodiazepínicos, onde mostra no gráfico 5, que a grande quantidade de vendas desses medicamentos, foram para o sexo feminino. Com base nas análises realizadas, quanto a legibilidade das receitas, foi constatado que, do total, 72 das receitas eram legíveis, 26 pouco legíveis e 2 ilegíveis. Foram encontradas 8 receitas com rasuras. |
Google Acadêmico | O uso de zolpidem, seus efeitos adversos e a qualidade de sono: uma análise entre os estudantes de medicina de uma instituição do oeste do Paraná | Brill et al.,10 | 2023 | Estudo transversal | Avaliar o uso de Zolpidem, os efeitos adversos e a qualidade do sono entre estudantes de medicina de uma instituição particular do oeste do Paraná | Dos 64 integrantes deste estudo (a maioria do sexo feminino), 44 foram diagnosticados com algum transtorno psiquiátrico e 25 deles sinalizaram fazer ou já terem feito uso de Trazodona, Clonazepam e Imipramina e principalmente Zolpidem. As patologias relatadas pelos universitários foram transtorno de ansiedade, transtorno afetivo bipolar, depressão maior, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno do pânico. Com relação aos efeitos adversos, 80% dos entrevistados relataram a presença constante de pelo menos um, sendo eles: alucinação foi a mais frequente, seguido por delirium, amnésia, pesadelos e sonambulismo |
LILACS | Fatores associados aos problemas de sono e ao uso de medicação para dormir em brasileiros | Araújo et al.,3 | 2022 | Estudo foi conduzido com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde – 2019 (PNS). | Estimar a prevalência e fatores associados a problemas de sono e uso de Medicamentos para dormir na população brasileira. | A maior prevalência do sono foi no sexo feminino, com predomínio de idade entre 30 a 59 anos. Indivíduos que autoavaliaram a saúde como regular/ruim/muito ruim (RP = 1,56; IC95% 1,51–1,62), aos que possuem alguma doença crônica (RP = 1,70; IC95% 1,64–1,78), aos que fazem uso excessivo de álcool (RP = 1,14; IC95% 1,09–1,20) e aos fumantes. As prevalências de problemas de sono e uso de medicamentos para dormir na população brasileira observadas neste estudo indicam a necessidade de atenção e cuidado com o sono dessa população, principalmente nas mulheres e aqueles que apresentam estilo de vida e condições de saúde que se associaram aos desfechos. |
Google Acadêmico | Uso de benzodiazepínicos na cidade de Porteirão, Goiás | Costa et al.,11 | 2022 | Estudo de campo | Analisar o perfil dos usuários de benzodiazepínicos de uma drogaria particular da cidade goiana de Porteirão e as características de sua utilização. | Foram entrevistados 60 indivíduos, a maioria do sexo feminino com idade entre 18 a 59 anos. Todos os medicamentos adquiridos correspondem a Benzodiazepínicos, principalmente Alprazolam, e Clonazepam. Os participantes (93,33%) relataram ainda, algum problema crônico de saúde como ansiedade, câncer, depressão e hipertensão. Neste estudo, 78,33% dos entrevistados não sabem o tempo correto de tratamento e acreditam que deva ser contínuo e essa mesma parcela de participantes nunca tiveram suas dosagens ajustadas. Ao serem questionados sobre algum sintoma referente ao uso de benzodiazepínicos, 58,33% relataram sintomas, tais como perda de memória, sonolência e quedas. |
LILACS | Prevalência e fatores associados ao uso de medicamento indutor do sono entre mulheres assistidas na Atenção Primária à Saúde: estudo transversal em Vitória, Espírito Santo, 2014 | Leite et al., 6 | 2022 | Estudo transversal | Verificar a prevalência e fatores associados ao uso de medicamento indutor do sono entre mulheres assistidas na Atenção Primária à Saúde (APS), Vitória, ES, Brasil. | A mostra desse estudo foi composta por 991 mulheres, nas quais se observou que 18,5% usavam medicamento indutor do sono e 45,9% já haviam feito uso dessa classe de medicamentos alguma vez na vida. A maioria estava na faixa etária de 40 a 59 anos e afirmou fazerem uso de medicamento indutor do sono alguma vez na vida, por motivos relacionados a idade, escolaridade, ter parceiro controlador, assim como à experiência de violência por parceiro íntimo nos últimos 12 meses. Além disso, as mulheres com história de violência sexual na infância apresentaram maiores frequências do uso de medicamento indutor do sono alguma vez na vida. |
Google Acadêmico | Avaliação do uso de benzodiazepínicos em um município do interior paulista | Zancheta et al., 12 | 2021 | — | Analisar no munícipio de Viradouro (São Paulo), o consumo de Clonazepam e Diazepam por meio do cálculo da Dose Diária Definida (DDD), traçando o perfil sociodemográfico dos usuários | Novecentos e quarenta e cinco pacientes retiraram, pelo menos uma vez, Clonazepam ou Diazepam na Farmácia Municipal de Viradouro (São Paulo), sendo a maioria mulheres com média da idade encontrada de 53,9 anos. Quanto ao tempo de uso dos benzodiazepínicos, 101 pacientes retiraram pelo menos 3 vezes no ano a medicação, caracterizando o uso crônico. |
MEDLYNE | Gender differences in the nonmedical use of psychoactive medications in the school population- national trends and related factors | Garrido et al., 13 | 2019 | Estudo epidemiológico transversal | Descrever a prevalência do uso não médico de tranquilizantes, sedativos e pílulas para dormir (TSSp) entre a população em idade escolar residente em Espanha, | Dois virgula e oitenta e seis porcento da população escolar espanhola de ambos os sexos fez uso não médico de TSSp. A prevalência foi maior entre as meninas do que entre os meninos em todos os anos de estudo, principalmente o uso não médico. Padrões de uso não médico entre adolescentes do sexo feminino estavam relacionadas ao uso de álcool, tabaco e maconha. |
MEDLINE | Trends in the misuse of tranquilizers, sedatives, and sleeping pills by adolescentes in Spain, 2004-2014 | Garrido et al., 14 | 2018 | — | Relatar a prevalência e os fatores associados ao uso indevido de tranquilizantes, sedativos e pílulas para dormir (TSSp) em estudantes do ensino médio na Espanha | A prevalência de uso indevido de tranquilizantes, sedativos e pílulas para dormir entre a população escolar de 14 a 18 anos aumentou significativamente desde 2004 (2,40%) até 2014 (2,96%). Os valores de consumo sempre foram maiores nas meninas adolescentes do que nos meninos ao longo do estudo. O consumo de álcool, tabaco e maconha são fatores associados ao a esse uso. |
Google Acadêmico | Uso abusivo de benzodiazepínicos entre mulheres de 20 a 40 anos de Morada Nova de Minas-MG: contribuições do farmacêutico no uso racional de medicamentos | Aparecido e Mata15 | 2016 | Estudo descritivo | Apresentar possíveis contribuições do profissional farmacêutico no uso racional desses medicamentos tendo como foco a segurança, eficácia e qualidade do tratamento. | A população do presente estudo foi constituída por 40 mulheres com idade média de 32,1 anos. Todas alegaram serem usuárias de benzodiazepínicos para auxiliar na manutenção do sono e ansiedade aguda, sendo o clonazepam o representante mais difundido, seguido de bromazepam e Alprazolan. Conforme o estudo desenvolvido o que se vê entre as entrevistadas é o uso prolongado desses medicamentos ultrapassando o tempo recomendado, algumas fizeram observações que ao longo do tratamento notaram dificuldade em lembrar detalhes do dia a dia, alterações na coordenação motora e tremores ao levantarem pela manhã. Segundo a presente pesquisa, a maior parte das dispensações (87,5%) foram realizadas por atendentes de balcão, e 24 participantes alegaram não obterem nenhum tipo de orientação. Por fim, 60% das entrevistadas afirmam em alguma oportunidade terem adquirido esse medicamento, em estabelecimento farmacêutico, sem o receituário obrigatório. |
Google Acadêmico | Contextos e padrões do uso indevido de benzodiazepínicos entre mulheres | Souza et al.,16 | 2012 | Metodologia qualitativa | Compreender qualitativamente crenças e valores associados ao consumo indevido dessa substância por mulheres | Foram entrevistadas 33 mulheres entre 18 e 60 anos de idade. Todas alegaram fazer uso de benzodiazepínicos, e os principais motivos foram: diminuição da ansiedade (por exemplo, estresse, sintomas de pânico, situações estressantes, como brigas familiares, problemas relacionados ao trabalho), problemas de insônia ou “fuga dos problemas”. Menos da metade das entrevistadas (14) relatou percepção de risco frente ao seu consumo de benzodiazepínicos, com base em experiências pessoais: problema de coordenação e dependência. A grande maioria das entrevistadas (28), mesmo aquelas que referiram já ter parado de usar o medicamento em algum momento da vida (12), não cogitavam a possibilidade de parar de usar o ansiolítico. Os principais motivos para a manutenção do uso estavam relacionados especialmente pelo receio de não conseguir dormir, pela reincidência dos sintomas ou por não perceber motivos para deixar de usar. |
Fonte: Próprio autor.
Através dessa revisão foi possível estabelecer o perfil dos pacientes que em algum momento de sua vida fizeram ou atualmente ainda fazem uso de fármacos indutores de sono, na tentativa de mascarar alguns problemas do dia a dia. Destes, a maioria corresponde a mulheres (10/ 100%), na faixa etária de 19 a 38 anos (05/ 50%). Deve-se ressaltar que as entrevistas foram realizadas em locais diferentes, incluindo: farmácias (03/ 30%), Universidades (02/ 20%), ensino médio (02/ 20%) e outras localidades não foram devidamente especificadas pelos pesquisadores (03/ 30%) (Tabela 02).
O predomínio de pacientes do sexo feminino que utilizam benzodiazepínicos foi observado em todas as pesquisas, realidade essa que pode ser atribuída a figura feminina, que geralmente, possui uma saúde mental prejudicada pelas preocupações pessoais ou profissionais, levando-as a apresentarem maiores níveis de ansiedade, depressão e estresse, estando associados as responsabilidades da casa e trabalho, bem como uma maior preocupação com a sua própria saúde e bem-estar. Nesse aspecto, existe uma internalização de valores estereotipados da mulher moderna como uma heroína, que necessita gozar de tranquilidade e um bom descanso ao dormir para atuar bem nos seus papéis diários. 6, 11,16
No que tange a idade dos pacientes, foi observado uma maior prevalência do uso de medicamentos indutores do sono a indivíduos que possuem a faixa etária a partir dos 19 anos. Considerando que a partir dessa faixa etária as pessoas tendem a ter uma maior atividade laboral e social, o uso de fármacos para dormir tende a acontecer na tentativa de uma melhor qualidade de sono, sensação de relaxamento e redução da ansiedade e insônia. 3
A tabela 03 demonstra os principais problemas que os levaram ao uso de indutores de sono. Os mais citados foram ansiedade (04/ 40%) e insônia (02/ 20%).
No Brasil, conforme é pontuado pelo Conselho Federal de Farmácia a cada ano cresce a comercialização de fármacos relacionadas à saúde mental (antidepressivos e estabilizadores de humor), cerca de 58% entre 2017 e 2021. Neste cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara que o Brasil é um dos países mais depressivos e ansiosos do mundo, sofrendo com depressão (cerca de 5,8%) ou ansiedade (9,3%), explicando assim, a grande comercialização nos últimos anos de sedativos, ansiolíticos e antidepressivos. 10,16
Os distúrbios do sono são considerados atualmente como um significante problema de saúde pública, pois a medida que a idade tende a aumentar os padrão normais do sono também mudam, fato esse que por muitas vezes é fortemente influenciado por mudanças sociais e fisiológicas do envelhecimento. As mudanças hormonais ocorridas nas mulheres no período pós-menopausa têm sido a explicação para a maior prevalência de insônia encontrada no sexo feminino. Essa diferença tende a ser menor quando a população estudada é mais jovem.3
Outro dado alarmante diz respeito a prevalência também de diagnósticos do uso desses fármacos entre estudantes universitários e até do ensino médio, segundo a literatura existem vários fatores envolvidos (facilidade de acesso ao atendimento, diagnóstico, suficiente aporte financeiro etc.). Outra característica é o reflexo das incertezas, medos e utilização de medicamentos como instrumento para alívio de sintomas psíquicos, incluindo: ansiedade, bipolaridade, depressão, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno do pânico.10
Desse modo é apresentado na tabela 04, os medicamentos indutores do sono listados nessa revisão, cuja maior utilização foram dos benzodiazepínicos, entre eles: Clonazepam (05/ 50%) e Alprazolam (03/ 30%).
O Clonazepam foi o benzodiazepínico com mais prescrições e dispensações encontrados nesta revisão, resultado esse semelhante ao apresentado por Zorzanelli18, mostrando que nos últimos cinco anos foi crescente o uso do Clonazepam como ansiolítico nos estados nacionais. Essa classe de ansiolíticos ocupa o ranking dos benzodiazepínicos mais prescritos no Brasil, possuindo uma significativa margem de segurança e baixa capacidade de provocar depressão acentuada do sistema nervoso central (SNC), justificando assim, a sua alta indicação e aceitação entre os prescritores, ação essa que consequentemente vem acarretar o uso abusivo desses fármacos.15
No Brasil,o consumo de benzodiazepínicos sofre uma variedade de influência, fatores que vão desde a facilidade médica em receitá-los e até a automedicação, por ser popularmente indicado por familiares e amigos. Além disso, características da nossa sociedade moderna acabam favorecendo o uso desses medicamentos, como o estresse no ambiente de trabalho, desmotivação, má remuneração e longas jornadas laborais.17
Na pesquisa de Costa et al.,11 muitos participantes não tiveram as suas dosagens do benzodiazepínicos alteradas, e ainda não souberam afirmar ao certo o tempo correto de seu tratamento, o qual acreditavam ser contínuo. As novas consultas que realizavam, eram somente para obtenção de nova notificação de receita B azul. Esse é um dado preocupante, pois essa falta de ajuste de doses é crucial para se obter um tratamento eficiente. Além do fato, dessa ação ser propícia para o surgimento de efeitos adversos causados pelo uso do medicamento. 19
O ato de dispensação em farmácias, configura-se o campo mais efetivo de orientação, papel esse que é restrito ao farmacêutico, que possui conhecimentos suficientes para prestar as devidas orientações ao paciente. No entanto, lamentavelemente muitos atendimentos são realizados por terceiros, pessoas que por muitas vezes não possuem conhecimento suficiente sobre os medicamentos e acabam negligenciando informações necessárias a proteção da saúde.15
No estudo de Aparecido e Mata15 alguns pacientes acabaram conseguindo adquirir benzodiazepínicos sem receituário, sob alegação do facilitador “amizade”, sendo essa uma total falta de ética, configurando-se um crime contra a saúde, uma vez que está descrito na Portaria Nº 344/98 a obrigatoriedade de retenção de receituário para medicamentos psicotrópicos.
De acordo com Silva e Nogueira 9 a legibilidade das receitas de benzodiazepínicos foi um problema apresentado em sua pesquisa, estando em desacordo com a lei que transmite a RDC, 44/2009, que enfatiza sobre as Boas Práticas Farmacêuticas. Prescrições ilegíveis ou rasuradas não poderão ser dispensadas, pois pode ocasionar erros relacionados ao nome do princípio ativo, miligramagem e o modo de uso errado, sendo prejudicial ao paciente. Segundo Cárcamo20 falhas como essas pode acarretar sérios problemas ao paciente, como diversos danos a sua saúde e gastos desnecessários, diminuindo a qualidade e perspectiva de vida das pessoas.
Na tabela 05 é apresentado os principais efeitos adversos associados ao uso prolongado de indutores de sono. Conforme os relatos dos próprios pacientes, os efeitos com maior preeminência foi problemas de coordenação e até quedas (03/ 30%) e perda de memória, inclusive dificuldades para lembrar detalhes do dia a dia (02/ 20%).
Silva e Nogueira 9 alegam que é comum pacientes que fazem uso prolongado de benzodiazepínicos apresentam sintomas como perda de concentração, coordenação motora, atenção e raciocínio, chegando a comprometer simples ações diárias tornando-as dúvida à segurança da paciente. Sobre isso, Oliveira11 pontua que trinta dias é o prazo de validade dos receituários para aquisição desses medicamentos, após esse período faz-se necessário nova consulta médica para a avaliação da continuidade do tratamento.
A literatura relata que múltiplos efeitos colaterais podem aparecer após uso inadequado desses medicamentos. Porém, ainda assim, foi relatado um aumento na dispensação de benzodiazepínicos nos últimos anos, remetendo na ampliação do número de pessoas utilizando, ou o aumento individual da dose, ou ambos. Como consequência, o número de eventos adversos também foi amplamente registrado. 20,21
O uso indiscriminado de medicamentos indutores de sono, o auto ajuste de suas dosagens e a carga psicológica vivida por cada indivíduo, pode ser um fator primordial para a alta taxa de eventos adversos descritos na literatura ou ainda ser predisponente para eventos mais graves. 3
Para Brill et al.,10 os eventos psiquiátricos relatados na literatura, induzidos pelo Zolpidem incluem: alterações neurológicas, psiquiátricas, comportamentais, e até mesmo irreversíveis, resultados esses semelhantes aos descritos pelo autor. A gravidade e a prevalência destes eventos aumentam na presença de prévias comorbidades psiquiátricas.
Para Aparecido e Mata15 e Costa et al.,11 a maioria dos participantes do seu estudo nunca tentou retirar o uso de benzodiazepínicos, e aqueles que tentaram, somente uma pequena parte obtive sucesso. Segundo o autor, a não utilização desses medicamentos provocou sintomas de insônia, ansiedade e até depressão. Portanto, caso o paciente decida retirar o medicamento, ele deverá fazer isso de forma gradativa, caso contrário, alguns sintomas de abstinência podem surgir. Por isso, para melhorar a expectativa de sucesso da retirada, ela deve ser feita de forma gradativa, com períodos de redução de dose, que varia para cada paciente, até a retirada completa.
Dessa forma, é possível afirmar que os benzodiazepínicos, compõe uma classe farmacológica frequentemente prescrita com alto padrão de consumo, utilizada por períodos prolongados e de forma contínua. Assim, Costa et al.,11 pontua que as pessoas devem ser orientadas a terem uma prescrição e uma dispensação racional de medicamentos, por meio de informações emitidas por profissionais capacitados e com acompanhamento farmacológico eficiente. Nesse contexto, o farmacêutico, como o profissional do medicamento, deve atuar conjuntamente com o profissional médico, para promover uma dispensação segura e bem instruída.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, essa pesquisa de revisão revelou que a utilização de indutores do sono e deu em mulheres, com a ansiedade e insônia como as principais queixas, destacando-se a classe dos benzodiazepínicos, principalmente o Clonazepam como o medicamento mais prescrito.
Outra importante característica presente nesse estudo, foi a falta de informação de uma grande maioria dos pacientes, sobre os perigos da automedicação, a presença de problemas relacionados ao uso prolongado sem o ajuste de doses desses medicamentos, acentuando os riscos de dependência e a dispensação desacompanhada de atenção farmacêutica. Assim, tendo em vista os malefícios associados ao uso prolongado de fármacos indutores de sono, torna-se importante o desenvolvimento de mais pesquisas sobre este assunto, com o objetivo de aumentar o uso racional, sempre deixando o paciente ciente de que o ponto de partida para o cuidado da saúde é a mudança nos hábitos de vida.
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