ORAL MANIFESTATIONS OF LEUKEMIA IN PEDIATRIC PATIENTS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410231047
Beatriz da Costa Marques;
Beatriz de Sá Gomes.
RESUMO
As leucemias podem ser descritas como discrasias sanguíneas provenientes da multiplicação desordenada de células do tecido hematopoiético. As manifestações da doença ocorrem de forma sistêmica e tem grande impacto na cavidade oral, com repercussões em resposta à doença propriamente dita e ao tratamento eletivo, seja cirúrgico, quimio ou radioterápico. O objetivo deste trabalho é discorrer acerca das alterações orais de maior valor clínico em pacientes pediátricos, dissertando sobre papel do cirurgião dentista no diagnóstico e tratamento dessas manifestações. O estudo foi realizado sob a perspectiva de uma revisão bibliográfica integrativa obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos. Os resultados enfatizam a correlação entre a saúde bucal e a integridade de todos os sistemas, demonstrando que as alterações mais prevalentes são a mucosite oral, aumento gengival seguido de sangramentos espontâneos e petéquias, infeções oportunistas, cáries, xerostomia e hipossalivação. Conclui-se, portanto, a necessidade da avaliação e acompanhamento do cirurgião dentista no processo de tratamento do paciente pediátrico portador de leucemia alvo de terapia antineoplásica.
Palavras chave: leucemia, terapia antineoplásica, manifestações orais, pediátrico, mucosite oral.
ABSTRACT
Leukemias can be described as blood dyscrasias resulting from the disordered multiplication of hematopoietic tissue cells. The manifestations of the disease occur systemically and have a major impact on the oral cavity, with repercussions in response to the disease itself and to elective treatment, whether surgical, chemo- or radiotherapy. The objective of this study is to discuss the oral alterations of greatest clinical value in pediatric patients, discussing the role of the dentist in the diagnosis and treatment of these manifestations. The study was carried out from the perspective of an integrative bibliographic review, following the previously established inclusion and exclusion criteria. The results emphasize the correlation between oral health and the integrity of all systems, demonstrating that the most prevalent alterations are oral mucositis, gingival enlargement followed by spontaneous bleeding and petechiae, opportunistic infections, cavities, xerostomia and hyposalivation. It is therefore concluded that there is a need for the dentist to evaluate and monitor the treatment process of pediatric patients with leukemia who are the target of antineoplastic therapy.
Keywords: leukemia, antineoplastic therapy, oral manifestations, pediatric, oral mucositis.
INTRODUÇÃO
A leucemia se caracteriza como uma patologia decorrente da proliferação desordenada de células tronco hematopoiéticas neoplásicas em estados precoces de maturação linfoide, que acarreta na destruição da medula óssea dos pacientes afetados (Silveira et al., 2022). A classificação das leucemias é apresentada de acordo com sua origem histogenética e com o seu grau de maturação, sendo as principais classificadas em: Leucemias Mileloides Agúdas (LMA), Leucemias Mieloides Crônicas (LMC), Leucemias Linfoides Agudas (LLA) e Leucemias Linfoides Crônicas (LLC). (Silveira et al., 2022).
A Leucemia Linfoide aguda (LLA) é o câncer mais prevalente em pacientes pediátricos (Silveira et al., 2022). Em um estudo realizado por 16 anos que teve como metodologia coorte longitudinal, realizado em São Paulo de 1997 a 2013, foram relatados 1403 novos casos da doença em crianças de 0 a 14 anos. Revelou-se uma incidência de 34,7%, contando com uma taxa de mortalidade de 9%, enquanto a incidência mundial é de 3,7 por 100.000 pessoas, sendo responsável por 4% das mortes causadas por neoplasias malignas (Cammarata-Sacalasi et al., 2020).
Neste sentido, entendeu-se que a evolução de um câncer leva ao comprometimento de todos os sistemas do corpo, inclusive o sistema estomatognático (Machado et al., 2017). Atualmente, a conduta frente a LLA é dada por intervenção cirúrgica e/ou quimioterapia e radioterapia. O tratamento antineoplásico tem teor invasivo no que se refere a cavidade oral, mediante a necessidade de constante renovação tecidual nessa área, uma vez que a terapia atinge justamente a taxa de proliferação celular (Machado et al., 2017).
Pacientes diagnosticados com leucemia enfrentam desafios significativos em relação à qualidade de vida, especialmente devido às complicações sistêmicas e orais que frequentemente surgem. Estes incluem sintomas dolorosos, como sangramentos, mobilidade dentária, dificuldade para engolir, dificuldade de abrir a boca e sensações de dormência (Soares et al., 2023). Essas questões não apenas afetam diretamente o bem-estar físico dos pacientes, mas também podem ter um impacto emocional e psicológico profundo, exigindo um cuidado integral e sensível por parte dos profissionais de saúde (Zaahed; Koohi, 2020), (Soares et al., 2022).
As principais manifestações orais identificadas em pacientes pediátricos portadores de leucemia podem ser classificadas em três tipos: primeiro, as lesões primárias – são aquelas que geralmente trazem o paciente ao consultório odontológico, denominadas lesões orais iniciais (Soares et al., 2023) – que consistem em hiperplasia de papila e gengiva marginal associada gengivite devido a invasão de células leucêmicas ao tecido gengival (Silveira et al., 2022). Depois, são denominadas lesões secundárias aquelas associadas a trombocitopenia e granulocitopenia, ou seja, lesões associadas a hemorragia (petéquias e o sangramento espontâneo propriamente dito), além do surgimento de infecções oportunistas como candidíase e herpes simples, decorrente do impacto da doença ao sistema imunológico. Por fim, classifica-se como lesões terciárias aquelas decorrentes do tratamento antineoplásico, caracterizadas pela xerostomia, mucosite, descamação da mucosa oral e ulcerações dolorosas (Soares et al., 2023), (Soares et al., 2022).
O conhecimento detalhado dessas manifestações é fundamental para o cirurgião dentista, pois permite a identificação precoce de lesões associadas à leucemia. Além disso, o profissional é responsável pela aplicação de abordagens terapêuticas que reduzem os efeitos da terapia frente a doença já diagnosticada, seja de maneira prévia (antes da sessão do tratamento antineoplásico), durante o tratamento e a longo prazo (Silveira et al, 2022), alcançando a redução de efeitos colaterais e de processos infecciosos oportunistas, oferecendo assim melhores resultados quanto a melhoria na vida do portador, facilitando o processo de controle e de cura da doença (Soares et al., 2022).
A ação do cirurgião dentista se inicia antes mesmo da quimioterapia e radioterapia, visando a regularização da cavidade oral removendo qualquer agente potencialmente irritante que possa se tornar um problema à medida que o paciente se torna imunocomprometido, tais como fatores retentivos de biofilme, lesões periapicais, cálculos e dentes cariados. Também é de extrema importância a educação acerca da importância dos cuidados bucais para o tratamento oncológico, reforçando orientações de higiene oral e aconselhando os pacientes sobre as repercussões colaterais ao decorrer da terapia (Soares et al., 2023). Devido às alterações hematológicas, a integridade das mucosas é afetada. Assim, o CD recomendará o uso de instrumentais auxiliares da higiene oral de acordo com a necessidade, sendo que, em caso de sangramento espontâneo da gengiva, frequentemente ocorre a substituição de uma escova macia por compressas embebidas em solução antisséptica, clorexidina ou bicarbonato evitando a irritação mecânica. (Zahed; Koohi, 2020).
Durante o tratamento, as ações se concentram na manutenção da saúde bucal e gerenciamento dos efeitos colaterais, através de medidas preventivas e interventivas. As principais alterações durante a terapia são mucosites (MO), aumento da incidência de cáries, infecções oportunistas como herpes e candidíase, disfunção das glândulas salivares associada a hipossalivação e xerostomia, disgeusia e dor (Zimmerman et al.,2015; Coella et al., 2023).
Como consequência do abandono do hábito da escovação mediante a sintomatologia causadas pelas lesões orais e pela redução da saliva devido os impactos da radiação nas glândulas salivares, o que interfere no sistema de tamponamento, a incidência de cáries e infecções é altíssima (Wang et al., 2021). Para isso, os CDs realizam a prescrição do uso de uma solução à base de bicarbonato ou clorexidina associada a um antifúngico e anestésico, que deverá ser utilizado na mucosa oral com o auxílio de um swab (Soares et al., 2023).
É relevante citar que um dos tipos de tratamento para a Leucemia é o transplante de medula óssea. Nesse caso, crianças que recebem medula óssea são impedidas de realizarem procedimentos odontológicos durante um ano, devido ao alto nível de comprometimento sistêmico que esses pacientes se encontram. Dessa forma, as orientações de Higiene Oral de caráter preventivo são extremamente importantes para que o paciente consiga evoluir no tratamento (Soares et al., 2023)
Mediante o exposto, a compreensão das alterações decorrentes da LLA e LMA e sua fisiopatologia bem como seus impactos locais e sistêmicos são indispensáveis para que o cirurgião dentista, em conjunto a equipe multidisciplinar, alcance melhores resultados no diagnóstico e tratamento de pacientes com LLA e LMA (Silveira et al, 2022). O presente estudo tem como objetivo elucidar, através de uma revisão integrativa de literatura, as alterações bucais de maior valor clínico encontradas em pacientes pediátricos com Leucemia Linfóide Aguda e Leucemia Mieloide Aguda e discorrer acerca da conduta do cirurgião dentista frente às mesmas.
2 METODOLOGIA
A presente pesquisa desenvolve-se sob a perspectiva de uma revisão bibliográfica integrativa. Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma área específica de estudo. Inicialmente, estabelece-se uma pergunta problema a ser solucionado, objetivo específico, desenvolvimento de questionamentos ou hipóteses a serem analisadas, realiza busca de pesquisas primárias e os critérios de inclusão e exclusão, previamente estabelecidos (Mendes; Silveira e Galvão, 2008).
A pergunta norteadora para a realização deste estudo é baseada em “Qual o papel do Cirurgião Dentista frente ao diagnóstico e ao tratamento de leucemias mieloides e linfóides agudas?”. Com finalidade de verificar o contexto em que se insere a realidade do papel do dentista no tratamento oncológico mediante as reações do câncer e do tratamento antineoplásico.
A coleta de dados aconteceu nas bases de dados National Library of Medicine (PubMed), Scielo, Google Acadêmico, ScienceDirect a partir de descritores de “Leukemia” AND “Oral Manifestation”.
Os artigos foram selecionados de forma independente, por meio dos descritores segundo critérios de inclusão e exclusão, de acordo com a temática, semelhança com o objetivo da pesquisa, ano de publicação, estudos primários. Contudo, incluiu-se artigos publicados nos últimos 5 anos (2019 a 2024) de idiomas português e inglês, disponibilizados de forma gratuita nas bancas de dados utilizadas que respondem à pergunta norteadora e possui concordância ao assunto manifestações orais do LLA e LMA e manejo odontológico em pacientes oncológicos.
Mediante os princípios de exclusão, não foram incluídos nesta revisão objetos de pesquisa como teses, monografias e artigos ou estudos que não estavam dentro dos critérios estabelecidos ou que fugiam da temática e objetivo da pesquisa. Bem como foram excluídos artigos duplicados e artigos no qual os metadados não se encaixavam com os objetivos da pesquisa. O perfil etário da pesquisa é de 0 a 18 anos, e trabalhos que apresentam idade fora do escolhido foram incluídos, mas apenas os condizentes ao critério serão comparados e analisados.
Figura 1 – Fluxograma dos resultados de busca das publicações segundo os objetivos do presente estudo.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da coleta e análise de 341 estudos, 6 corresponderam aos critérios pré-selecionados para o tema. Na tabela 1, é possível observar o agrupamento e evidenciação dos principais aspectos dos estudos, como a descrição dos resultados, características da amostra, local de estudo e ano de publicação. Entre os selecionados há exemplos de estudos que adotaram metodologias observacionais, transversais e descritivo/analítico, relato de caso e estudo de caso controle.
Tabela 1: Estruturação dos artigos para análise de resultados e discussão.
Fonte: Autores (2024).
As Leucemias são um grupo de desordens que afetam milhares de pessoas por ano, tendo como principais modalidades de tratamento as terapias antineoplásicas: a quimio e/ou a radioterapia (Silveira et al., 2022). Diversas variáveis podem afetar a taxa de sucesso desses recursos terapêuticos, como, por exemplo, a adesão e viabilidade de permanência do paciente na mesma, ponderando os riscos e a integridade do seu corpo, a ação do câncer propriamente dito e a ação invasiva do método aplicado (Kusiak et al., 2020).
Pacientes portadores dessa patologia sofrem alterações que afetam significativamente a sua qualidade de vida, principalmente em decorrência das complicações mentais, sistêmicas e orais ocasionadas pela progressão da doença (Brinkman et al. 2018; Alves et al., 2021). O mesmo ocorre em resposta ao tratamento eletivo, o que se torna um fator crítico que gera altos índices de insucesso (Kusiak et al., 2020).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para que um indivíduo seja classificado como saudável, deve apresentar estabilidade nas esferas do bem-estar físico, mental e social. Com a crescente inovação dos tratamentos voltados à doença, no que se refere às terapias antineoplásicas, pouco se pensa sobre o bem-estar integrado do paciente portador da doença.
Segundo o estudo realizado por Higginson e Gysels (2004) cerca de 10% dos pacientes necessitarão de apoio psicológico profissional em até 1 ano após o diagnóstico de câncer, e, 78% dos pacientes que conseguem concluir o tratamento não possuem suas necessidades emocionais atendidas, o que evidenciam o impacto da doença na qualidade de vida no que se refere à saúde do ponto de vista biopsicossocial.
Relatórios recentes do Childhood Cancer Survivor Study destacam que crianças em tratamento oncológico enfrentam uma ampla gama de alterações em várias áreas do corpo e da vida. Essas alterações incluem impactos em órgãos, tecidos e funções corporais, bem como no crescimento e desenvolvimento físico. Além disso, os efeitos do tratamento afetam o humor, os sentimentos e o comportamento das crianças, bem como aspectos cognitivos, como pensamento, aprendizagem e memória. Também são observadas dificuldades de adaptação social e psicológica, além de um risco aumentado de desenvolver outros tipos de câncer, como LMA após LLA.
No que concerne a integridade física propriamente dita, é possível observar manifestações em todo o sistema, principalmente em locais que possuem maior taxa de renovação celular, como por exemplo, a cavidade oral (Almeida et al., 2021), Kusiak et al., 2020). Em decorrência do local de radiação, onde a incidência geralmente é sobre a área de cabeça e pescoço, problemas com os dentes e maxilares são efeitos tardios que têm maior probabilidade de ocorrer após o tratamento de certos tipos de câncer infantil (Piret et al., 2021).
O mesmo ocorre no tratamento medicamentoso (quimioterápico), pois ambos visam a antineoplasia. Segundo Wang et al., (2021), portadores de leucemia submetidos às quimioterapias demonstram diversos efeitos adversos que frequentemente envolvem a cavidade oral. Tais alterações incluem a destruição de tecidos da área e a supressão da função imunológica, o que propicia o surgimento de infecções e, consequentemente, alteram os hábitos alimentares e de higiene.
O autor ainda destaca que as principais complicações orais incluem a mucosite oral, infecções oportunistas e inflamação gengival. É relevante citar que a quimio e a radioterapia afetam as glândulas salivares atingindo diretamente a produção da saliva. Uma vez que ocorre a diminuição desse fluido na cavidade oral, o pH reduz e a capacidade tampão da saliva é prejudicada, levando a sucessão de outras alterações como cárie e xerostomia (Wang et al., 2021).
Filho et al., (2022) expõe as complicações neurológicas geradas no tratamento que impactam diretamente o sistema estomatognático. Dentre essas alterações, destaca-se alterações na mobilidade da língua como a incapacidade de intrusão da mesma, dificuldade de deglutição, hipofunção dos músculos responsáveis pela mastigação, neuralgia do trigêmeo, parestesia e alterações sensoriais do lábio e língua. A ATM também pode ser atingida, e infecções oportunistas podem ocasionar o trismo, que limita a abertura de boca do paciente (Sousa FIlho et al., 2022).
A adesão ao tratamento e o sucesso do mesmo está intimamente ligada ao estado de saúde bucal do paciente leucêmico. Os achados da pesquisa de Alves et.al., (2021) evidenciam as principais alterações encontradas na cavidade oral de pacientes pediátricos portadores de leucemia submetidos a tratamento antineoplásico, onde alterações mais presentes foram a mucosite oral seguida de infecção oportunista (candidíase) que tinham predileção por sítios de lábios, mucosa jugal e língua.
A mucosite oral é uma inflamação da mucosa associada a ulcerações, o que gera dor intensa levando ao abandono da alimentação por via oral em grande parte dos pacientes acometidos por essa patologia, levando a necessidade de nutrição intravenosa por via parenteral total ou através de uma sonda de gastrostomia (Schirmer et al., 2012; Kusiak et al., 2020). Tais alterações implicam em uma taxa significativa de abandono do tratamento (cerca de 17,4%), e, mesmo os pacientes que seguiram com as maneiras alternativas de nutrição, tiveram perda de peso significativa gerando uma deficiência na resposta e resistência a complicações, o que impacta mais uma vez na permanência do mesmo ao tratamento e até mesmo nas taxas de sobrevida (Silva; Latorre, 2020).
Logo, alterações como a dor e a dificuldade nutricional impactam significativamente a qualidade de vida dos portadores da doença, bem como a sua integridade mental. De acordo com dados do NIH (Nacional Cancer Institute), pacientes que sobrevivem ao câncer infantil podem desenvolver ansiedade e depressão associadas às mudanças físicas em sua aparência, às dores e ao medo da regressão da doença. Esses fatores impactam diretamente nas relações pessoais, educacionais e de saúde geral dos pacientes.
O tratamento das manifestações orais do paciente leucêmico pediátrico requer cuidado integral, uma vez que os impactos nessa região estão intimamente associados a respostas sistêmicas das agressões ocasionadas pela doença e por seu tratamento, sendo necessário uma abordagem holística dos profissionais de saúde (Piret et al., 2021). No que concerne ao cirurgião dentista, é de suma importância que o seu trabalho se inicie pela adequação do meio prévia independentemente do tipo de tratamento escolhido (quimioterapia, radioterapia ou cirurgia de transplante). Através de exames de imagem simples, como a panorâmica, é possível observar o estado dos elementos dentários em relação ao osso, a fim de remover qualquer possível foco de infecção que possa promover uma colonização de microrganismos e, consequentemente, uma cadeia de eventos lesivos ao paciente (Piret et al., 2021).
Estudos apresentam uma versão à atitude radical que consistia na exodontia de todos os elementos dentários em região de irradiação de radioterapia, dando lugar ao saneamento modulado (Piret et al., 2021). A abordagem consiste no tratamento restaurador em dentística, periodontia e endodontia a depender da condição de higiene oral, dose medicamentosa ou de irradiação, acessibilidade a higienização e adesão do paciente (Piret et al., 2021).
Os casos em que são necessárias abordagens mais invasivas se concentram em elementos com alta probabilidade de foco infeccioso, tais como dentes que apresentam danos pulpares ou lesões cariosas muito profundas (tais como pulpites irreversíveis), restos radiculares visíveis ou acompanhados de osteólise, dentes semi inclusos, elementos com perda de inserção clínica superior a 50% decorrentes de periodontite prévia e elementos com reconstrução coronal total ou com tratamento endodôntico que necessitem de retratamento serão extraídos em virtude do balanço entre tempo e benefício, uma vez que o paciente oncológico precisa iniciar o seu tratamento o quanto antes (Piret et al., 2021).
Portanto, a radioterapia e a quimioterapia podem ser agendadas idealmente 3 semanas após as exodontias, tempo médio necessário para cicatrização completa, porém, se a situação oncológica estiver em estado de emergência, esse tempo pode ser reduzido para 15 dias.
A presença de microrganismos na cavidade oral durante o tratamento oncológico que se encontram imunossuprimidos possuem altos riscos de bacteremia por meio da invasão desses agentes na corrente sanguínea, portanto, destaca-se a importância da higiene oral durante todo o curso, prévio, inter e pós tratamento. A higiene bucal ineficiente está associada a doenças como hiperplasia gengival leucêmica, necrose e periodontite, todas apresentando risco de mortalidade em virtude da bacteremia, de infecções secundárias oportunistas virais e fúngicas e de abandono do tratamento em virtude da sintomatologia dolorosa (Ptasiewicz et al., 2022; Piret et al., 2021).
Em seu trabalho conduzido na Clínica de Hematooncologia e Transplante de Medula Óssea do Hospital Clínico Público independente em Lublin, Ptasiewicz realizou a comparação do ciclo de quimioterapia em relação aos índices periodontais, onde os achados revelaram que todos os pacientes possuíam sangramento gengival após sondagem, cálculos ou bolsas periodontais, fatores esses que comprovam a colonização bacteriana no local. Em seu trabalho, Laine (Laine et al., 1992) demonstrou a associação de quadros febris á achados infecciosos odontológicos, onde dos 38 episódios piréticos, 22 tinham algum tipo de infecção de origem odontogênica comumente associadas a outros achados patológicos em mucosa oral, como a mucosite.
Referente ao período durante a terapia, os principais achados orais em pacientes oncológicos se concentram em xerostomia e hipossalivação que estão associadas à disfagia, mucosite oral e infecções oportunistas em virtude da supressão imunológica. O tratamento inicial está sempre associado a adequação do meio e higiene oral, prevenindo a ação de infecções e realizando o controle da presença de microrganismos (Ptasiewicz e al., 2022). No entanto, uma vez instalado quadros patológicos, alguns recursos terapêuticos podem ser utilizados.
A terapia fotodinâmica antimicrobiana (aPDT) é uma alternativa de tratamento convencional medicamentoso em casos de infecções. Associada ao azul de metileno, o laser de baixa potência pode ser utilizado como agente antimicrobiano afetando bactérias gram negativas e gram negativas sem prejudicar as células hospedeiras (Engel et al., 2020). Em seu estudo, Jori et al., (2006) destaca a efetividade da ação do laser associado ao fotossensibilizante em combate a uma grande variedade de patógenos bacterianos, fúngicos e protozoários (Jori et al., 2006). A pesquisa demonstrou uma excelente desenvoltura no tratamento de candidíase oral e doenças periodontais, problemas comuns a pacientes em estado de imunossupressão causado pelo tratamento antineoplásico; além disso, a laserterapia (sem o azul de metileno) apresenta bons resultados na prevenção de ulceralções se aplicadas de maneira profilática em pacientes em tratamento, aliviando a dor e auxiliando no reparo (Cronshaw et al., 2020).
A mucosite oral, sendo essa um dos mais frequentes achados em paciente leucêmicos pediátricos, tem como tratamento o reforço da prática de higiene oral e alterações de hábitos alimentares do paciente, uma vez que a sintomatologia dolorosa da mucosite pode impedir a ingestão de alimentos sólidos, além da piora no consumo de ácidos e açúcares. A redução da sintomatologia pode ser realizada por meio de agentes farmacológicos anestésicos em soluções enxaguatórias como o composto de benzidamina e soluções com morfina, anestésicos tópicos, antinflamatórios e analgésicos compostos por benzidamina nas lesões de mucosite oral (Kusiak et al., 2020; Ariyawardana et al., 2019).
Neste estudo, investigamos o papel do cirurgião dentista frente ao diagnóstico e tratamento de lesões orais associadas à leucemia e ao tratamento antineoplásico, em modalidades de quimio ou radioterapia, em pacientes pediátricos. O problema de pesquisa está associado a uma questão de saúde pública, uma vez que a negligência desse conhecimento pode afetar significativamente a qualidade e expectativa de vida das crianças submetidas a esse tratamento. É uma vertente que requer atenção iminente, dada a prevalência e não tratamento correto dessas afecções, como demonstraram os estudos. Os objetivos foram definidos a fim de elucidar questões acerca das mais frequentes alterações em pacientes pediátricos oncológicos.
Em suma, as análises aqui apresentadas demonstram o impacto das manifestações orais da leucemia e do tratamento antineoplásico sobre a saúde geral do indivíduo. Alterações como hiperplasias, hemorragias, infecções oportunistas (fúngicas, bacterianas e virais), cáries e mucosites foram as mais encontradas nas análises. Além disso, a identificação das lesões como papel coadjuvante no diagnóstico prévio também foi destacada.
Tais resultados fornecem dados que comprovam a importância do papel do cirurgião dentista no ambiente oncológico hospitalar, tendo impacto direto na vida dos pacientes desse setor. A habilidade de diagnosticar e tratar as lesões que acometem a cavidade oral é de responsabilidade desse profissional, o qual também é necessário para encontrarmos um pré, trans e pós terapia com maiores índices de sucesso. Há uma necessidade evidente de pesquisas contínuas na área, explorando as melhores alternativas para questões de prevenção e tratamento.
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