REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7093781
Autoras:
Clivia Maria Moraes de Oliveira
Deborah Aben-Athar Unger
Maraya de Jesus Semblano Bittencourt
Lorena Aisa Oshikiri
Luiza Oliveira Reichelt
Resumo
O diagnóstico precoce da metástase cutânea (MC) é de extrema importância por ser o primeiro sinal clínico de uma neoplasia nova ou recorrente, impactando no prognóstico do paciente. Relata-se dois casos de pacientes femininas com manifestações incomuns de MC. O primeiro caso trata-se de paciente, 42 anos, com diagnóstico de carcinoma mamário metastático, confirmado por imuno-histoquímica com anticorpos GATA3 e HER2 positivos (FIG 3). Apresentou placas eritematoinfiltradas no tórax, abdome e ombro esquerdo (FIG 1), locais mais raramente acometidos. No segundo caso, paciente de 63 anos, com história prévia de exérese de tumor em glândula salivar, com exuberante placa eritematoinfiltrada na região cervical e terço inferior da face (FIG 4), a biópsia de pele confirmou adenocarcinoma metastático infiltrando a derme (FIG 6) e imuno-histoquímica positiva para citoceratina 19 e CDX2 (FIG 8 e FIG 9), com origem primária do tumor em pâncreas ou trato gastrointestinal alto. Há poucos relatos de MC de adenocarcinoma de esôfago, pâncreas e vias biliares, sendo a pele um local raro de metástase, o nódulo no abdome é a manifestação clínica mais comum. O dermatologista precisa estar atento para o diagnóstico das MC, pois com a detecção precoce, é capaz de, na maioria dos casos, mudar o prognóstico do paciente.
Palavras-chave: Metástase cutânea; Adenocarcinoma metastático; Malignidade; Dermatopatologia; Imuno-histoquímica.
Abstract
Early diagnosis of cutaneous metastasis (CM) is extremely important as it is the first clinical sign of a new or recurrent neoplasm, impacting the patient’s prognosis. Two cases of female patients with unusual manifestations of CM are reported. The first case is a 42-year-old patient diagnosed with metastatic breast carcinoma, confirmed by immunohistochemistry with positive GATA3 and HER2 antibodies (FIG 3). She presented erythematous plaques infiltrated in the chest, abdomen and left shoulder (FIG 1), which are more rarely affected sites. In the second case, a 63-year-old patient with a previous history of tumor excision in the salivary gland, with exuberant erythematous plaque infiltrated in the cervical region and lower third of the face (FIG 4), skin biopsy confirmed metastatic adenocarcinoma infiltrating the dermis (FIG 6 ) and positive immunohistochemistry for cytokeratin 19 and CDX2 (FIG 8 and FIG 9), with primary tumor origin in the pancreas or upper gastrointestinal tract. There are few reports of CM from adenocarcinoma of the esophagus, pancreas and bile ducts, with the skin being a rare site of metastasis, the nodule in the abdomen being the most common clinical manifestation. The dermatologist needs to be attentive to the diagnosis of CM, because with early detection, it is able, in most cases, to change the patient’s prognosis.
Keywords: Cutaneous metastasis; Metastatic adenocarcinoma; Malignancy; Dermatopathology; Immunohistochemistry.
INTRODUÇÃO
A metástase cutânea (MC) de doenças malignas internas é considerada um sinal de disseminação do câncer sistêmico2. É responsável por apenas 2% de todos os cânceres de pele, mas a incidência está aumentando devido à melhora na sobrevida dos pacientes com câncer como um todo1. A importância do reconhecimento imediato da MC é destacada pelo fato de que pode ser o primeiro sinal clínico de uma neoplasia nova ou recorrente3.
RELATO DE CASOS
CASO 1
Paciente do gênero feminino, 42 anos, foi encaminhada para avaliação dermatológica com suspeita de radiodermite. Referiu o surgimento, em março de 2021, de placas eritematosas no tronco, associado a prurido local, após realização de radioterapia para câncer de mama diagnosticado havia 2 anos. Ao exame dermatológico, observaram-se placas eritematosas, infiltradas, em faixa, distribuídas pelo tórax, abdome e ombro esquerdo. Diante do quadro clínico, optou-se por realizar biópsia cutânea na região do ombro esquerdo, bem como pela realização de exames complementares. Na investigação complementar, tomografia computadorizada de tórax e abdome e ultrassom transvaginal não apresentavam alterações. Além disso, os exames laboratoriais apontaram resultados normais.
O exame histopatológico demonstrou derme expandida, desmoplásica, revelando em todos os níveis neoplasia composta por células epitelioides com citoplasma eosinofílico, grandes núcleos pleomórficos, hipercromáticos e nucléolos destacados. As células neoplásicas se organizam ora em agregados formando estruturas tubulares, algumas com material basofílico no lúmen, ora em agregados sólidos. Observaram-se ocasionais células neoplásicas isoladas nos interstícios do conjuntivo, padrão “em fila indiana”. Chamou a atenção a presença de agregados de células neoplásicas epitelioides em luzes vasculares. Em seguida, foi realizado exame de imuno-histoquímica para confirmação do resultado do histopatológico, o qual ratificou o diagnóstico de carcinoma mamário metastático, apresentando anticorpos GATA3, receptor de estrogênio e de HER2 positivos. Desta forma, paciente foi encaminhada para o serviço de Oncologia para iniciar tratamento adequado à doença recidivada.
FIGURA 1 – PACIENTE CASO 1
FIGURA 2 – ANATOMOHISTOPATOLÓGICO DE PELE DO CASO 1
FIGURA 3 – IMUNO-HISTOQUÍMICA CASO 1
FIGURA 4 – GATA 3 E HER2, RESPECTIVAMENTE
CASO 2
Paciente do gênero feminino, 63 anos, foi avaliada no serviço de Dermatologia devido a queixa de enrijecimento do pescoço iniciada em julho de 2021, associado a disfagia, e dispneia, além de mal-estar intermitente. Relata surgimento de eritema na região cervical em maio de 2021, e que a alteração de pele estava sendo tratada como consequência da radioterapia no serviço de Oncologia onde realizava seguimento. Apresentava como antecedente diagnóstico de carcinoma de ducto salivar, com imuno-histoquímica positiva para CK7, AE1/AE3 e HER2, além de CEA fracamente positivo. Tal quadro havia sido tratado com cirurgia não oncológica, radioterapia e quimioterapia em 2017. Ao exame dermatológico, observaram-se placas eritematosas, endurecidas, com importante infiltração, na face e toda a região cervical, com extensão até tórax superior.
Diante do quadro clínico, foi realizada biópsia de pele e solicitação de internação hospitalar, visto o risco iminente de obstrução de vias aéreas. Durante a internação, foram realizados exames complementares. Tomografia de toráx revelou espessamento pleuro-apical e linfonodos aumentados para-cardíacos à direita, porém demais tomografias de pescoço, abdome e pelve não apresentaram alterações. Exames laboratoriais tiveram resultados normais. O exame histopatológico revelou derme expandida, mostrando, em todos os níveis, células neoplásicas com núcleos pleomórficos, hipercromáticos, ora em agregados sólidos, ora com diferenciação tubular, que infiltram o interstício do tecido conjuntivo e estão presentes em invasão angiolinfática, caracterizando adenocarcinoma metastático de pele. Exame imuno-histoquímico resultou positivo para citoceratinas 7 e 19 e positividade fraca e focal para CDx2, o que levanta como principal possibilidade, origem em pâncreas, vias biliares e trato gastrointestinal alto. Dessa forma, paciente foi encaminhada para serviço de Oncologia para tratamento do quadro clínico específico.
FIGURA 5 – PACIENTE CASO 2
FIGURA 6 – ANATOMOHISTOPATOLÓGICO DE PELE CASO 2
FIGURA 7 – IMUNOHISTOQUÍMICA CASO 2
FIGURA 8 – CDX2
FIGURA 9 – CITOCERATINA 19
DISCUSSÃO
As metástases cutâneas são definidas como uma disseminação de células malignas de uma neoplasia primária em direção à pele, comprometendo a epiderme, a derme e/ou a hipoderme. MC ocorrem em 0,7 a 10,4% de todos os pacientes com diagnóstico de câncer2. Compreender a epidemiologia e o espectro das apresentações clínicas melhora a precisão do diagnóstico, permitindo a biópsia imediata e o início da terapia apropriada6. O intervalo entre o diagnóstico do tumor e o aparecimento de subsequentes metástases é variável, mas em geral, elas ocorrem nos primeiros três anos após o diagnóstico4. Na maioria dos casos, o tumor primário mais frequentemente associado às MC nas mulheres é o de mama, enquanto nos homens, excluindo o melanoma, é o de pulmão3.Cerca de 60% dos cânceres metastáticos são adenocarcinomas, como visto nos casos relatados. Diversos estudos descobriram que o carcinoma da mama é o carcinoma primário que mais comumente metastatiza na pele, sendo responsável por 51% de todos os casos de metástases cutâneas e 73% de todos os casos de metástases cutâneas em mulheres. Isso explica por que as metástases cutâneas são mais comuns em mulheres (a proporção de mulheres para homens é de 3:2)1.
A imuno-histoquímica do câncer de mama revela o padrão de citoceratina CK7 + / CK20 -; além disso, receptores de estrogênios e progesterona são marcadores que aumentam a sensibilidade de detecção do câncer de mama. Tumores primários com receptores de estrogênio (RE) positivos têm significativamente mais períodos livres de doença do que neoplasias negativas para RE8, porém na paciente do caso 1, nota-se que isso não ocorreu, com manifestação de recidiva cerca de 1 ano após o tratamento.
Mais comumente, metástases ocorrem na vizinhança anatômica do tumor primário, normalmente na parede torácica anterior que recobre a mama afetada. Mais raramente, a disseminação da malignidade pode ser vista na parte superior das costas, pescoço, extremidades superiores, abdome e axilas5. No caso 1, paciente apresentou tanto localizações comuns e incomuns. Entre pacientes com câncer de mama conhecido, metástases cutâneas normalmente ocorrem nos primeiros três anos após a detecção de carcinoma primário e estão frequentemente associados a estágios mais avançados do câncer e, consequentemente, pior prognóstico8.
Em ambos os casos, a princípio, a suspeita era de radiodermite. A radiodermite crônica pode se apresentar vários meses a anos após a conclusão da radioterapia (RT). Suas características clínicas incluem hipo ou hiperpigmentação, atrofia, telangiectasia, fibrose, xerose, escamas e hiperceratose. A fibrose induzida por radiação pode ser uma doença grave, progressiva e com potencial de complicação tardia irreversível, manifestando como retração da pele, endurecimento, linfedema, movimento articular restrito, e possível necrose e ulceração devido à diminuição suprimento vascular. O diagnóstico pode ser feito por palpação e inspeção, mas a biópsia deve ser obtida para confirmar fibrose e descartar possíveis mimetizadores, como cânceres secundários, angiossarcoma ou morfeia induzida por radiação (MIR)7.
No que se refere à MIR, sabe-se que é uma entidade rara e subdiagnosticada, também consequência de tratamentos radioterápicos, com tendência a acometimento mais superficial da pele. Entretanto, difere da radiodermite crônica pela possibilidade de acometimento de locais à distância, enquanto, na radiodermite crônica, a patologia se restringe aos sítios irradiados11. Não há correlação bem estabelecida entre as variáveis utilizadas na radioterapia (esquema, dose, frequência de sessões e tempo decorrido do término de tratamento) e o surgimento da entidade13. A literatura vigente destaca a possibilidade de MIR após tratamento radioterápico de diversas neoplasias, principalmente câncer de mama, e mais raramente de outros sítios primários, como gástrico, endométrio e linfomas11,12. Diante da suspeita, seu diagnóstico precoce é importante, devido à possibilidade de o tratamento impedir progressão para doença avançada e irreversível13.
Existem poucos relatos de metástases cutâneas de adenocarcinoma de esôfago e colangiocarcinoma pâncreas e vias biliares. A pele é um local raro de metástase para esses carcinomas e, quando ela ocorre, a pele abdominal é o local mais comum, e a manifestação geralmente ocorre como nódulo. Metástases à distância também foram relatadas. O principal diagnóstico diferencial em casos de carcinoma metastático para a pele é o carcinoma anexial primário9,10. Se considerarmos o tumor primário do caso 2 a glândula submandibular, estaremos diante de um caso muito raro, devido ao carcinoma do ducto salivar (CDS) ser uma neoplasia maligna rara e altamente agressiva que foi descrita pela primeira vez em 1968 por Kleinsasser et al. Esta neoplasia surge mais frequentemente na glândula parótida, seguida pela glândula submandibular e menos frequentemente nas glândulas salivares menores. CDS afeta principalmente homens de meia-idade e mais velhos. Histologicamente, a neoplasia se assemelha ao carcinoma ductal da mama e é caracterizada por um padrão de crescimento cribriforme e comedonecrose intraductal, semelhante ao resultado do caso 2. As metástases cutâneas de CDS são incomuns11. Conforme o estudo de Chakari et al. existem apenas 6 casos relatados na literatura e em todos os casos relatados o carcinoma surge na glândula parótida. O Caso 2 seria o segundo caso apresentado de metástases cutâneas da glândula submandibular.
CONCLUSÃO
Apesar de ser uma entidade incomum na prática diária, a incidência está aumentando devido à melhora na sobrevida dos pacientes com câncer como um todo. A importância do reconhecimento imediato de uma metástase cutânea é destacada pelo fato de que pode ser o primeiro sinal clínico de uma neoplasia nova ou recorrente e pode levar a um rápido e preciso diagnóstico e tratamento oportuno, proporcionando melhor prognóstico e qualidade de vida para o paciente.
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Serviço de Dermatologia, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.