MANIFESTAÇÕES CEREBELAR E COGNITIVA DA DOENÇA DE FAHR: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10572089


Jeanina Cabral Dionizio¹; Isabella de Araújo Mota²; Daniel Vicente de Siqueira Lima Júnior²; Mylena Gaudêncio Bezerra¹.


Resumo

A doença de Fahr, ou calcinose estriado-pálido-denteada idiopática, é caracterizada por calcificações bilaterais nos núcleos da base de origem idiopática, apresentando uma variedade de sintomas, como movimentos anormais, parkinsonismo e demência. O diagnóstico, muitas vezes confirmado por exames de imagem, destaca a complexidade clínica da condição, com alguns autores utilizando o termo “Síndrome de Fahr” para descrever a calcificação patológica. A presença de depósitos calcificados, predominantemente compostos por cálcio, em diversas regiões cerebrais, reforça a confiabilidade do diagnóstico, independentemente do estado clínico. Com uma evolução progressiva e irreversível, a doença intensifica-se com o envelhecimento, resultando em um distúrbio degenerativo cujo prognóstico é geralmente reservado. Atualmente, o tratamento é direcionado ao alívio sintomático, com suporte e acompanhamento a longo prazo, visto que não existe uma terapia definitiva estabelecida.

Palavras-chave: Doença de Fahr, núcleos da base, calcificação

Abstract

Fahr’s disease, or idiopathic striatopallidodentate calcinosis, is characterized by bilateral calcifications in the basal ganglia of idiopathic origin, presenting a variety of symptoms such as abnormal movements, parkinsonism, and dementia. The diagnosis, often confirmed through imaging tests, underscores the clinical complexity of the condition, with some authors using the term “Fahr’s Syndrome” to describe pathological calcification. The presence of calcified deposits, primarily composed of calcium, in various brain regions reinforces the reliability of the diagnosis regardless of the clinical status. With a progressive and irreversible course, the disease intensifies with aging, resulting in a degenerative disorder with a generally reserved prognosis. Currently, treatment focuses on symptomatic relief, with long-term support and monitoring, given the absence of an established definitive therapy.

Keywords: Fahr’s Disease, basal ganglia, cerebellum, calcification

Introdução

A doença de Fahr, também conhecida como calcinose estriado-pálido-denteada idiopática, é caracterizada pela presença de calcificações bilaterais nos núcleos da base (IBGC) de origem idiopática. Essas calcificações podem ocorrer de forma esporádica ou apresentar um componente hereditário, sugerindo uma possível herança autossômica dominante. Apesar de ter sido nomeada em homenagem a Theodor Fahr, a condição já era reconhecida desde 1850, muito antes da descrição detalhada feita por ele em 1930.¹

Alguns especialistas empregam a expressão “Síndrome de Fahr” para caracterizar a calcificação patológica nos núcleos da base, podendo ser originada por diversas doenças com etiologias variadas. Para calcificações primárias nos gânglios da base, sem etiologia conhecida, deve-se utilizar o termo “doença de Fahr”.² Contudo, a diferenciação precisa entre síndrome e doença ainda não foi completamente definida, e não há um consenso claro na literatura sobre essa distinção.

Trata-se de uma condição rara que se manifesta por meio de uma variedade de sintomas, incluindo movimentos anormais, parkinsonismo, demência, convulsões e disfunção cerebelar, cuja combinação pode variar. O diagnóstico geralmente é estabelecido clinicamente, com base nos sintomas, e é corroborado por exames de imagem que revelam calcificação dos gânglios da base. Infelizmente, a doença é incurável, apresentando uma evolução progressiva e irreversível. Devido ao comprometimento do sistema nervoso central, o prognóstico é reservado, frequentemente culminando em um desfecho fatal.³

A sintomatologia da doença de Fahr é diversificada, abrangendo desde comprometimento cognitivo, que pode evoluir para um quadro de demência, até transtornos psicológicos, comportamentais, movimentos anormais e outras manifestações neurológicas.⁴

Relato do Caso

Feminino, 61 anos, sem comorbidades. Encaminhada ao serviço de emergência de um hospital devido desorientação e lentificação da fala. No exame físico neurológico, além das alterações citadas, apresentou dismetria bilateral de MMSS, marcha atáxica. Exames laboratoriais admissionais não demonstraram alterações que justificassem tais alterações. Foi solicitado Tomografia Computadorizada de crânio que evidenciou calcificações importantes e simétricas dos núcleos da base e cerebelo, sugerindo diagnóstico de doença de Fahr, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1. Tomografia computadorizada de crânio com contraste evidenciando calcificações em gânglios da base e cerebelo bilateralmente.

A paciente ficou hospitalizada por três dias, sem apresentar sintomas, e recebeu alta para acompanhamento ambulatorial com a equipe de Neurologia. O diagnóstico de doença de Fahr foi sugerido com base nos achados da Tomografia Computadorizada de crânio, exames laboratoriais normais e a história clínica.

Discussão

A doença de Fahr pode ser assintomática, mas quando os sintomas estão presentes, eles abrangem uma ampla gama de manifestações clínicas, incluindo deterioração cognitiva, alterações motoras, convulsões, dores de cabeça e manifestações extrapiramidais, que variam de acordo com a duração da doença e os locais de lesão inicialmente envolvidos. O distúrbio do movimento é comum, afetando 55% dos casos, sendo parkinsonismo a manifestação predominante em 57% dos casos (coreia em 19%, tremor em 8%, distonia em 8% e discinesia orofacial em 3% dos casos). Essa diversidade destaca a complexidade clínica da doença de Fahr.5

As calcificações bilaterais anormais nos gânglios da base, identificadas por Tomografia Computadorizada, podem ser utilizadas como um diagnóstico confiável, independentemente do estado clínico do paciente. Estudos patológicos indicam que o cálcio é o principal elemento presente nessas calcificações. Além disso, são encontrados mucopolissacarídeos, traços de elementos como alumínio, cobre e ferro, entre outros. Esses depósitos, especialmente os de cálcio, são responsáveis pelo aspecto observado nas imagens neurológicas.6

Depósitos calcificados anormais (compostos por carbonato de cálcio e fosfato) não se limitam apenas aos gânglios da base, mas também ocorrem em outras regiões, como tálamo, hipocampo, núcleo dentado, córtex cerebral e substância branca subcortical do cerebelo.²

A calcificação pode se intensificar com o envelhecimento, simultaneamente ao agravamento dos sintomas, resultando em um distúrbio degenerativo progressivo. O prognóstico desse quadro é variável, porém geralmente reservado, indicando uma evolução clínica incerta.⁷

O tratamento da doença de Fahr é direcionado para aliviar os sintomas apresentados pelo paciente, sendo enfatizado um plano terapêutico de suporte e acompanhamento a longo prazo. Atualmente, não há uma terapia definitiva estabelecida para a doença de Fahr.¹

Conclusão

A doença de Fahr, devido à sua raridade e à ausência de tratamento específico, tem sua relevância significativa como um grande diagnóstico diferencial, devido sua progressão clínica.

Referências

  1. DA COSTA, Karla Souza et al. Doença de Fahr: relato de caso na adolescência, 2020.
  2. AMISHA, Fnu; MUNAKOMI, Sunil. Fahr syndrome. In: StatPearls [Internet]. StatPearls Publishing, 2023.
  3. MALHEIRO, A.; PESTANA, N.; GRANITO, S.; PESTANA, A.; COSTA, A. I.; BRAZÃO, M. L. Doença de Fahr: um caso clínico inesperado. Med Intern. 2017;24(1):33-5.
  4. MANYAM, B. V.; WALTERS, A. S.; NARLA, K. R. Bilateral Striopallidodentate Calcinosis: Clinical Characteristics of Patients Seen in a Registry. Mov Disord, 16(2):258–264, 2001.
  5. BENKE, T.; KARNER, E.; SEPPI, K.; DELAZER, M.; MARKSTEINER, J.; DONNEMILLER, E. Subacute dementia and imaging correlates in a case of Fahr’s disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75:1163-5.
  6. CONFORTO, L. B.; TIEL, C.; GASPARETTO, E.; CAVALCANTI, J. L. S.; ENGELHARDT, E. Doença de Fahr. Rev Bras Neurol. 2009;45(2):47.
  7. KÜMMER, A.; CASTRO, M.; CARAMELLI, P.; CARDOSO, F.; TEIXEIRA, A. L. Alterações comportamentais graves em paciente com doença de Fahr. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64(3-A):645-9.

¹Residente Neurologia SESPB
²Neurologista Preceptor Residência Neurologia SESPB