MANEJO DA CETOACIDOSE DIABÉTICA NA INFÂNCIA: DA IDENTIFICAÇÃO AO CONTROLE DA DOENÇA

MANAGEMENT OF DIABETIC KETOACIDOSIS IN CHILDHOOD: FROM IDENTIFICATION TO DISEASE CONTROL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202502291923


Vinícius Cangussu Freitas; Paulo Henrique Conti Junior; Nelson Silvestre Garcia Chaves; Maria Eduarda Bastos de Faria; Alberto Lima de Souza Medeiros; Ana Júlia Melo Safe; Natália Mara Xavier Diniz; Carlos Eduardo Lima de Souza Cruz; Camily do Socorro Pinheiro Cardoso; Carolina Fernandes Reis Roriz


Resumo 

A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação metabólica grave do diabetes melito tipo 1 (DM1), 
representando a manifestação inicial em 15-70% dos casos novos na população pediátrica. Caracteriza-se por um estado de insulinopenia severa, levando a hiperglicemia, acidose metabólica e hipoperfusão tecidual. Fatores precipitantes incluem omissão de insulina, infecções e estressores  fisiológicos. O diagnóstico é baseado em critérios laboratoriais, como glicemia > 200 mg/dL, pH venoso < 7,3 e cetonemia elevada. A abordagem terapêutica envolve reidratação cuidadosa, correção eletrolítica e insulinoterapia endovenosa. Protocolos padronizados demonstram impacto positivo na redução da mortalidade, especialmente em casos de atendimento precoce. Biomarcadores inflamatórios emergem como potenciais ferramentas para avaliar a gravidade e prever complicações, incluindo o edema cerebral. A prevenção da CAD passa pela educação de pacientes e cuidadores  quanto ao manejo da insulina e ao reconhecimento precoce dos sinais clínicos. Políticas de saúde voltadas para o rastreamento do DM1 e o fortalecimento da atenção primária são essenciais para  reduzir a incidência e a gravidade da condição. 

Palavras-chave: Cetoacidose diabética. Diabetes melito tipo 1. Insulinoterapia. Complicações metabólicas 

1 INTRODUÇÃO

A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação metabólica grave associada principalmente ao diabetes melito tipo 1 (DM1), sendo sua manifestação inicial em 15-70%  dos casos novos. Caracteriza-se por um estado de insulinopenia severa, levando a um aumento da proteólise, gliconeogênese, glicogenólise e lipólise. Esse processo resulta na produção excessiva de corpos cetônicos, instaurando um quadro de acidose metabólica e hipoperfusão tecidual. A CAD pode ser a primeira manifestação do diabetes em crianças sem diagnóstico prévio e apresenta elevada morbimortalidade. Os principais fatores precipitantes incluem a omissão de insulina, infecções e outras condições de estresse fisiológico (Ministério da Saúde, 2019; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2022). 

A incidência da CAD varia de acordo com regiões geográficas e fatores socioeconômicos. Estudos indicam que crianças de famílias com menor acesso aos serviços de saúde apresentam maior risco de desenvolver CAD como primeira manifestação do DM1. A falta de conhecimento sobre sintomas iniciais e a demora no diagnóstico também contribuem para o desenvolvimento do quadro. Dados epidemiológicos apontam que cerca de 30% a 40% dos novos diagnósticos de DM1 em crianças já ocorrem com CAD instalada, sendo essa proporção maior em países com menor cobertura de atenção primária (ZUCCHINI, S. et al., 2023). Além disso, indivíduos com história familiar de diabetes devem receber orientação precoce para reconhecimento dos sinais de descompensação metabólica (Ministério da Saúde, 2019). 

Este artigo tem como objetivo revisar a fisiopatologia, critérios diagnósticos e abordagem terapêutica da CAD na população pediátrica, destacando as diretrizes atuais para manejo clínico. Além disso, busca discutir os fatores epidemiológicos e os desafios na prevenção e no reconhecimento precoce do quadro, enfatizando a importância da educação de pacientes e cuidadores para reduzir a incidência e a gravidade da CAD. 

2 METODOLOGIA 

Foi realizada uma revisão narrativa da literatura com base em artigos indexados nas bases PubMed, SciELO e diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes e do ISPAD. Os critérios de inclusão abrangeram estudos publicados nos últimos cinco anos sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da CAD pediátrica. Foram excluídos artigos que não abordassem especificamente a população pediátrica ou que não estivessem em língua inglesa ou portuguesa. 

Para a seleção dos estudos, utilizou-se a estratégia PRISMA, garantindo a inclusão de artigos com evidência clínica e recomendações de manejo. Foram analisados artigos de revisão, estudos observacionais e ensaios clínicos que abordassem a CAD na população pediátrica. A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada segundo a escala GRADE, garantindo maior rigor na análise dos dados. 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS 

As prováveis causas da CAD incluem omissão de doses de insulina, seja por erro humano ou dificuldades no acesso ao tratamento, além de infecções que aumentam a resistência à insulina e precipitam o estado hiperglicêmico. Estressores fisiológicos como traumas, cirurgias e doenças autoimunes associadas ao DM1 também podem desencadear o quadro. Além disso, fatores psicossociais, incluindo dificuldades familiares no manejo da  doença e transtornos alimentares em adolescentes com DM1, podem levar a episódios recorrentes de CAD. Por fim, em 2-10% dos casos de CAD não é possível identificar fator precipitante (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2022).  

A CAD se manifesta clinicamente por poliúria, polidipsia, perda ponderal, náuseas, vômitos, dor abdominal e sinais de compensação respiratória, como taquipneia e respiração de Kussmaul (ZUCCHINI, S. et al., 2023). O diagnóstico é estabelecido por meio de critérios laboratoriais, incluindo glicemia > 200 mg/dL, pH venoso < 7,3, bicarbonato sérico < 18 mEq/L e presença de cetonemia (> 3mMol/L) e cetonúria moderada ou grave. A gravidade da CAD é classificada conforme o grau de acidose metabólica e outros indicadores como nível do bicarbonato e de consciência (KOSTOPOULOU, E. et al., 2023; Ministério da Saúde, 2019). A Tabela 01 demonstra como é feita a classificação. 

Tabela 01: Classificação de gravidade de cetoacidose 

Estudos recentes apontam que o tempo entre o início dos sintomas e a busca por atendimento médico influencia diretamente a gravidade da CAD. Crianças com demora superior a 24 horas para atendimento apresentam maiores taxas de hipoperfusão tecidual e risco aumentado de edema cerebral. A implementação de protocolos padronizados em serviços de emergência tem demonstrado impacto positivo na redução da mortalidade (KOSTOPOULOU, E. et al., 2023). 

A abordagem inicial deve incluir uma anamnese detalhada, questionando sobre sintomas típicos e progressivos, como a presença de hálito cetônico, febre, hipotermia, obnubilação e outras queixas que possam surgir (ORDOOEI, M. et al., 2023). 

O tratamento deve começar com uma expansão volêmica cuidadosa para prevenir o desenvolvimento de edema pulmonar e cerebral. 

A infusão de NaCl 0,9% deve ser realizada a 10-20 mL/kg durante 30 minutos, com possibilidade de repetição até 4 vezes. Em seguida, deve-se iniciar a hidratação venosa de manutenção, seguindo a Regra de Holiday e Segar (BROWN, K. M. et al., 2023; COLLETT SOLBERG, P. F, 2001). 

A administração de insulina regular deve ser feita por via intravenosa, a uma taxa de 0,1 U/kg/h, com a ressalva de que, em casos de hipocalemia grave, o início da infusão pode ser adiado (KOSTOPOULOU, E. et al., 2023). 

Pesquisas indicam que a inclusão de biomarcadores inflamatórios no acompanhamento da CAD pode contribuir para a previsão de complicações. A dosagem de interleucinas e  proteínas inflamatórias tem mostrado uma correlação com a gravidade do quadro, o que pode  tornar esses biomarcadores uma ferramenta útil no futuro (COLLETT-SOLBERG, P. F, 2001;  KOSTOPOULOU, E. et al., 2023). 

O reconhecimento precoce, a abordagem terapêutica adequada e a identificação do fator desencadeante são fundamentais para reduzir a morbimortalidade da CAD pediátrica. A educação dos pacientes e cuidadores sobre a administração correta da insulina e monitorização glicêmica é essencial para prevenir novos episódios. Políticas de saúde voltadas para o acompanhamento precoce do diabetes podem contribuir para a redução da incidência e gravidade da CAD (KOSTOPOULOU, E. et al., 2023). 

4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A CAD permanece uma das principais emergências metabólicas em crianças e adolescentes com DM1. A implementação de protocolos baseados em evidências melhora o prognóstico e reduz complicações. O seguimento rigoroso e a educação dos pacientes são estratégias essenciais para prevenção. Estudos adicionais são necessários para otimizar o manejo e identificar novos biomarcadores que possam auxiliar no diagnóstico e tratamento precoces. 

Estudos longitudinais devem ser realizados para avaliar os efeitos do manejo da CAD a longo prazo e identificar intervenções mais eficazes. O desenvolvimento de novas terapias, incluindo análogos de insulina de longa duração e abordagens genéticas, pode representar avanços significativos na prevenção da CAD e no controle glicêmico em crianças e adolescentes. 

REFERÊNCIAS 

BROWN, K. M. et al. Rehydration Rates and Outcomes in Overweight Children With  Diabetic Ketoacidosis. Pediatrics, v. 152, n. 6, 1 dez. 2023. 

COLLETT-SOLBERG, P. F. Cetoacidose diabética em crianças: revisão da fisiopatologia e tratamento com o uso do “método de duas soluções salinas”; Jornal de Pediatria, v. 77, n. 1, p. 9–16, fev. 2001.  

ORDOOEI, M. et al. Diabetic Ketoacidosis in Children Before and During COVID-19  Pandemic: A Cross-sectional Study. International Journal of Endocrinology and  Metabolism, v. 21, n. 2, 3 abr. 2023.  

KOSTOPOULOU, E. et al. Diabetic Ketoacidosis in Children and Adolescents; Diagnostic  and Therapeutic Pitfalls. Diagnostics, v. 13, n. 15, p. 2602, 4 ago. 2023.  

Ministério da Saúde. (2019). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Diabetes Mellitus  Tipo 1. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Disponível em:  https://www.gov.br/conitec/ptbr/midias/protocolos/resumidos/pcdt_resumido_diabetesmellitus_tipo1.pdf. 

Sociedade Brasileira de Pediatria. (2022). Diabetes melito tipo 1 na criança e no adolescente. Departamento Científico de Endocrinologia. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/23796cDC_DMelito_tipo1_em_crc_e_adl_OrientPediatra.pdf 

ZUCCHINI, S. et al. Editorial: Diabetic ketoacidosis in children and adolescents: From  epidemiological data to clinical aspects. Frontiers in Pediatrics, v. 11, 9 mar. 2023.