MALEFÍCIOS RELACIONADOS AO USO DO GLIFOSATO: REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10364918


Victor Castro Carneiro1
Henrique Gontijo Tavares2
Vanessa Pereira Tolentino3
Natália de Fátima Gonçalves Amâncio4


RESUMO: Herbicidas contendo glifosato podem representar um risco a humanidade e ao ecossistema como um todo.Tanto o glifosato quanto seus sais são de alta solubilidade na água, o que pode gerar contaminação aquática pelo processo de lixiviação.Diversos efeitos deletérios como câncer, infertilidade, problemas na imunidade foram associados ao herbicida. Este artigo teve como objetivo apresentar uma revisão da literatura sobre os riscos à saúde humana, animais e ecossistemas associados à exposição ao glifosato. Para isso, foram utilizados descritores como “malefícios do glifosato”, “danos ao ecossistema e glifosato”, “`glifosato e saúde”, nas bases de dados Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (PubMed) e EbscHost. Foram encontrados 20 artigos que abordassem o necessário para a realização dessa revisão. Nesse sentido, foram identificadas relações do uso do glifosato a diversos problemas de saúde como, câncer, doenças neurológicas, entre outras doenças crônicas. Ademais, foram notadas ainda complicações acerca dos danos ao meio ambiente prejudicando o ecossistema. Espera-se que o conteúdo possa ser útil para aprimorar práticas e políticas públicas relacionadas ao uso dos agrotóxicos mencionados.

Palavras-chave: Glifosato; Malefícios; Ecossistema;

ABSTRACT: Herbicides containing glyphosate can pose a risk to humanity and the ecosystem as a whole. Both glyphosate and its salts are highly soluble in water, which can lead to aquatic contamination through the leaching process. Various deleterious effects such as cancer, infertility and immunity problems have been associated with the herbicide. The aim of this article was to present a review of the literature on the risks to human health, animals and ecosystems associated with exposure to glyphosate. Descriptors such as “harm of glyphosate”, “damage to the ecosystem and glyphosate”, “glyphosate and health” were used in the Virtual Health Library (VHL), Scientific Electronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (PubMed) and EbscHost databases. A total of 20 articles were found that addressed what was required for this review. In this sense, relationships were identified between the use of glyphosate and various health problems such as cancer, neurological diseases and other chronic illnesses. In addition, complications were also noted regarding damage to the environment, harming the ecosystem. It is hoped that the content can be useful for improving practices and public policies related to the use of the pesticides mentioned.

Keywords: Glyphosate; Harm; Ecosystem;

  1. INTRODUÇÃO

O glifosato (N- (fosfonometil) glicina) é o princípio ativo dos herbicidas organofosforado, com ação sistêmica de amplo espectro (Figura 1). Originalmente, o glifosato apareceu na indústria farmacêutica e foi usado para limpar metais e em um segundo momento, como um agrotóxico herbicida (MEIRELES, 2019). Herbicidas à base de glifosato são aplicados nas folhas de plantas daninhas, aquelas que crescem espontaneamente no meio das lavouras e prejudicam a produção agrícola.

Nas condições ambientes, tanto o glifosato, quanto seus sais, são sólidos cristalinos muito solúveis em água, visto isso o herbicida pode atingir os ambientes aquáticos através de processos de escoamento e lixiviação agrícolas.

Figura 1– Estruturas do glifosato e seu principal produto de degradação AMPA

Fonte: OLÍMPIA; REZENDE, 2001.

Em vários tipos de cultivo, o glifosato é geralmente pulverizado e absorvido pela planta através de suas folhas e novos caules. O herbicida é então transportado por toda a planta, atuando em vários sistemas enzimáticos para inibir o metabolismo de aminoácidos. As plantas tratadas com glifosato morrerão lentamente ao longo de dias ou semanas, e nenhuma parte da planta sobreviverá devido ao transporte pelo sistema (AMARANTE JÚNIOR et al., 2001).

Ao longo dos anos, a dependência das atividades agrícolas sobre herbicidas tem sido uma questão ambiental e de saúde pública com uma resolução difícil. À luz dessa perspectiva, destaca-se o uso do glifosato (Roundup®), que é o herbicida mais utilizado no mundo e os fatos que atribuem nocividade ao seu uso, como será exposto nesta revisão.

Conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2011), é de grande importância o uso do Glifosato como herbicida nas culturas de grande impacto econômico: algodão, arroz, café, cana de açúcar, eucalipto, feijão, pinus, soja e trigo. A Agência informa que fez a reavaliação e concluiu que não há evidências suficientes que comprovem que o Glifosato é responsável por causar mutações, câncer, malformação congênita, interferir no funcionamento dos hormônios, provocar danos ao sistema reprodutor ou ser mais perigoso para o homem do que foi verificado nos estudos realizados em animais. A mesma agência informou que não há riscos relacionados à ingestão de Glifosato que, eventualmente, esteja contaminando os alimentos ou a água – que estão abaixo do nível de preocupação.

Entretanto, é importante ressaltar que há estudos relacionados ao uso incorreto do glifosato com danos ao ecossistema, e com outros malefícios à saúde humana, como o desenvolvimento de câncer, infertilidade, problemas na imunidade, Transtorno do espectro autista (TEA), entre outras doenças. Assim, novas abordagens são necessárias para que, se comprovados os riscos quanto ao seu uso, haja regulamentação, assim como há em alguns países (MADDALON et al., 2022).

De acordo com o levantamento da ONGestadunidense Sustainable Pulse, o glifosato está total ou parcialmente banido em 21 países. Malawi e Togo na África; Vietnã, Sri Lanka e Omã, na Ásia; Arabia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Catar e Bahrain, no Oriente Médio, estão entre os que proibiram totalmente o herbicida visto os malefícios de tal componente (GRIGORI, 2021). Diante da ampla gama de efeitos deletérios advindos do referido agrotóxico, o objetivo desse estudo é buscar evidências científicas que subsidiem futuras regulamentações de seu uso, levando em conta seu impacto direto na saúde humana. Assim, faz-se necessário uma pesquisa que busque avaliar a extensão das consequências da aplicação desregulada de glifosato, visto que o conhecimento amplo dos seus efeitos é fundamental para evitar sequelas a longo prazo na sociedade.

  1. METODOLOGIA

O presente estudo consiste em uma revisão exploratória integrativa de literatura. A revisão integrativa foi realizada em seis etapas: 1) identificação do tema e seleção da questão norteadora da pesquisa; 2) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos e busca na literatura; 3) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; 4) categorização dos estudos; 5) avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa e interpretação e 6) apresentação da revisão.

Na etapa inicial, para definição da questão de pesquisa utilizou-se da estratégia PICO (Acrômio para Patient, Intervention, Comparation e Outcome). Assim, definiu-se a seguinte questão central que orientou o estudo: “Quais os malefícios relacionados ao uso do glifosato?” Nela, observa-se o P: População mundial; I:Uso do glifosato; C: não se aplica; O:Malefícios do uso de glifosato.

 Para responder a esta pergunta, foi realizada a busca de artigos envolvendo o desfecho pretendido utilizando as terminologias cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs) criados pela Biblioteca Virtual em Saúde desenvolvido a partir do Medical SubjectHeadings da U.S. National Library of Medcine, que permite o uso da terminologia comum em português, inglês e espanhol. Os descritores utilizados foram: glifosato/câncer, glifosato/glifosato, glifosato/saúde, glifosato/ecossistema, glifosato/autismo. Para o cruzamento das palavras chaves utilizou-se os operadores booleanos “and”, “or” “not”.

Realizou-se um levantamento bibliográfico por meio de buscas eletrônicas nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientif Eletronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (PubMed), EbscoHost e Google Schoolar.

A busca foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2022. Como critérios de inclusão, limitou-se a artigos escritos em português, inglês e espanhol, publicados nos últimos 6 anos (2018 a 2023), que abordassem o tema pesquisado e que estivem disponíveis eletronicamente em seu formato integral, foram excluídos os artigos que não obedeceram aos critérios de inclusão.

Após a etapa de levantamento das publicações, foram encontrados 30 artigos, dos quais foram realizados a leitura do título e resumo das publicações considerando o critério de inclusão e exclusão definidos. Em seguida, realizou a leitura na íntegra das publicações, atentando-se novamente aos critérios de inclusão e exclusão, sendo que 10 artigos não foram utilizados devido aos critérios de exclusão. Foram selecionados 20 artigos para análise final e construção da revisão.

Posteriormente à seleção dos artigos, realizou um fichamento das obras selecionadas afim de selecionar a coleta e análise dos dados. Os dados coletados foram disponibilizados em um quadro, possibilitando ao leitor a avaliação da aplicabilidade da revisão integrativa elaborada, de forma a atingir o objetivo desse método.

  1. RESULTADOS

A tabela 1 apresenta uma série de achados de revisões e estudos relacionados ao uso do glifosato, abordando sua influência no ecossistema agrícola, na saúde humana e no meio ambiente.

Tabela 1. Principais achados da revisão integrativa de literatura em relação ao uso do glifosato

Autor e AnoTítulo do ArtigoPrincipais Achados
HASS; HOEHNE; KUHN, 2018.Revisão: avaliação dos efeitos do glifosato no Ecossistema agrícola e sua toxicidade para a Saúde humana.O uso intenso de agroquímicos favorecidos pela baixa regulamentação impõe efeitos cumulativos no solo, nos recursos hídricos e na saúde humana.
MARTINEZ; AL-AHMAD, 2019.Effects of glyphosate and aminomethylphosphonic acid on an isogeneic model of the human blood-brain barrier.A exposição ao glifosato pode causar danos neurológicos, afetando o metabolismo dos neurônios.
GUNATILAKE; SENEF; ORLANDO, 2019.Glyphosate’s Synergistic Toxicity in Combination with Other Factors as a Cause of Chronic Kidney Disease of Unknown Origin.Foi proposto que a exposição ao glifosato pode causar alterações em processos metabólicos que podem aumentar a incidência de doença renal crônica.
EHRENSTEIN et al., 2019.Prenatal and infant exposure to environmental pesticides and autistic spectrum in children: a baseline case-control study populational.O risco de recém-nascidos com transtorno do espectro do autismo aumenta após a exposição pré-natal a pesticidas ambientais próximo à residência de sua mãe durante a gravidez.
VILLA et al., 2019.Estudo da toxicidade do glifosato na germinação de couve e rabanete.Verificou-se elevada toxicidade do glifosato em algumas espécies de plantas quando usadoindiscriminadamente.
CENTNER; RUSSEL; MAYS, 2019.Viewing evidence of harm accompanying uses of glyphosate-based herbicides under US legal requirementsPesquisas recentes mostram aumento das toxicidades relacionadas ao uso do glifosato, ressaltando a influência do estado nas legislações acerca da aplicação do herbicida.
PEILLEX; PELLETIER, 2020.The impact and toxicity of glyphosate and glyphosate-based herbicides on health and immunityVerifica-se evidências do impacto do glifosato em peixes e mamíferos, como efeitos negativos no sistema imune.
LONGHI et al., 2020.Soja, glifosato y salud humana. Algunas evidencias enel Chaco Seco Argentino (1990 – 2012).  As evidências encontradas são insuficientes para concluir uma relação significativa entre a exposição ao glifosato e seu efeito na população.
IGUAL; HARTWING; IGNOTTI, 2020.Tendência das taxas de mortalidade por câncer e o do consumo de glifosato no Brasil.O aumento da taxa de óbito por câncer e o aumento do uso do glifosato nos últimos anos apresentaram tendências lineares ascendentes.
ZAVARIZ et al., 2020.A utilização de glifosato no cultivo de café, um estudo epistemológico.Há evidências de que o glifosato tem um impacto negativo no meio ambiente, principalmente devido ao desenvolvimento de resistência em algumas espécies de plantas daninhas após o uso prolongado do herbicida.
NODARI; HESS, 2020.Campeão de vendas, cientificamente o glifosato é um agrotóxico perigoso.Há vários efeitos tóxicos do glifosato e eles afetam não só as regiões onde são aplicadas, mas também atingem alvos muito distantes dos locais de aplicação. 
PU et al., 2020.Maternal glyphosate exposure causes autism-like behaviors in offspring through increased expression of soluble epoxide hydrolase.A exposição materna a altos níveis de glifosato pode desempenhar um papel na etiologia de comportamentos semelhantes à de recém-nascidos com transtorno do espectro do autismo.
BATISTA; OLIVEIRA; BARBATO, 2021.Tendência de mortalidade por linfoma não Hodgkin em uma área de exposição ao glifosato: comparativo entre Chapecó-SC e o cenário nacional.O aumento na incidência de óbito em Linfoma não Hodgkin é observada maiormente em Chapecó, indicando que nesta região há um conjunto de fatores, relacionados ao uso do glifosato, que podem favorecer a ocorrência do agravo.
CONTE; MOCELLIN, 2021.O impacto na saúde e no meio ambiente com o uso excessivo de agrotóxicos: uma revisão com ênfase ao Glifosato.Os efeitos adversos ao uso destes químicos foram comprovados, e alternativas foram propostas para diminuir o uso desse herbicida.
OLIVEIRA; ZAMIN 2021.Avaliação do efeito do tratamento com glifosato e Roundup® em linhagens de glioma.Os testes demonstraram que os efeitos toxicológicos do glifosato em linhagens de Glioblastomas apresentaram resultados significativos para a diminuição do número células.
RIBAS; LOCATELLI, 2022.Herbicida glifosato induz inflamação em animais expostos: uma revisãoIntegrativa.A relação do uso do glifosato e inflamação devido à reatividade de células do sistema imune do cérebro não é conclusiva, porém, é capaz de causar danos tóxicos ao ecossistema.
SOUSA;FERNANDES; ORSSATO, 2022.Toxicidade causada nos humanos expostos ao herbicida glifosato.A toxicidade aguda do glifosato é relativamente baixa, mas há preocupações acerca da sua toxicidade crônica, entretanto, pesquisadores afirmam que não encontram relação entre o glifosato e a incidência geral do câncer.
MARTIN-GOMES et al., 2022.Glyphosate vs. Glyphosate-Based Herbicides Exposure: A Review on Their Toxicity.Foram feitos testes com aplicação de glifosato em várias células animas, apresentando resultados significativos quanto a relação glifosato-câncer.
MADDALON et al., 2022.Direct Effects of Glyphosate on In Vitro T Helper Cell Differentiation and Cytokine Production.Os dados obtidos indicam que o glifosato em concentrações biologicamente relevantes pode afetar diretamente as células do sistema imune, causando desequilíbrios.
CARDOSO;HARTWIG, 2022.Glifosato e meio ambiente: um panorama das principais pesquisas relacionadas ao tema.Conclui-se que quanto ao uso glifosato sãonecessários mais estudos com enfoque em contaminações ambientais, visto que atingem diretamente o ecossistema.

Fonte: Autoria própria, 2022.

4. DISCUSSÃO

O glifosato é o ingrediente ativo de muitos herbicidas amplamente utilizados em todo o mundo, sendo o herbicida mais conhecido da marca Roundup®. Embora seja considerado eficaz na eliminação de ervas daninhas e, por isso, tenha sido amplamente utilizado na agricultura, jardins e áreas de paisagismo, vem sendo descrita uma grande variedade de efeitos negativos à saúde decorrentes do uso de herbicidas à base de glifosato.

Aqui estão alguns dos efeitos negativos à saúde que têm sido associados ao uso de herbicidas à base de glifosato:

4.1 Glifosato e Câncer

Nos últimos anos, ficou evidente o aumento no consumo do glifosato e da taxa de mortalidade por câncer.Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), apesar de não haver evidências concretas, descobriu que não podia determinar se havia uma associação entre a exposição ao glifosato e o risco de Linfoma não Hodgkin.Entretanto, a EPA considerou que o acaso poderia explicar as associações entre a exposição ao glifosato e o câncer (CENTNER; RUSSEL; MAYS, 2019). Nesse viés, pode-se argumentar que essa resposta não atende aos requisitos do estado de cumprir suas responsabilidades de proteger o bem-estar público, visto que não há comprovações de que a exposição ao glifosato não está prejudicando as pessoas.

Nesse seguimento, de acordo com Batista; Oliveira; Barbato (2021), o aumento na incidência de morte por Linfoma não Hodgkin em Chapecó, tem se sobressaído quando se comparado com as taxas do Brasil, indicando que nesta região há fatores que contribuem para a ocorrência desse agravo. Dentre esses, inclui-se o uso de glifosato, visto que a agroindústria é o setor econômico predominante em Chapecó, sendo a agricultura baseada na utilização de tal composto. Tal achado corrobora com o estudo de Igual; Hartwing; Ignott (2020), que faz uma relação entre o aumento das taxas de mortalidade por câncer e o consumo de glifosato, que como resultado,apresentaram tendências lineares ascendentes no Brasil.

Em contrapartida, foi realizada uma pesquisa na região do Chaco Seco argentino, postulada na análise estatística de mortalidade vital, com o objetivo de buscar evidências sobre o impacto na saúde humana como agente associado ao aumento de certas causas de morte, como tumores, linfoma não Hodgkin, anomalias, abortos espontâneos e doença de Alzheimer. Os autores não identificaram, em termos de mortalidade, relação entre o glifosato e a saúde humana., indicando a necessidade de mais estudos para comprovação de seus efeitos deletérios (LONGHI; BIANCHI, 2020).

Somado a isso, estudos feitos afirmaram que a toxicidade aguda é relativamente baixa, normalmente ao entrar em contato com o herbicida ao fazer a aplicação. Porém,apesar de haver preocupações acerca da sua toxicidade crônica,Sousa; Fernandes; Oorssato (2022), concluíram que não há relação entre o glifosato e a incidência geral do câncer.

À luz dessa perspectiva, conforme Martin-Gomes e colaboradores (2022), foram realizados diversos testes com aplicação de glifosato em células de modelos animas, dentre eles em linhagens de células de câncer de mama humano dependentes de hormônios (linha celular T-47D), o qual demonstrou aumento na proliferação de células e também nas células de carcinoma alveolar humano (linha celular A549), que apresentou inibição da proliferação celular e dano oxidativo do DNA.

Nesse sentido, comprovando a sua toxicidade, o glifosato já foi alvo de estudos para um possível tratamento de câncer, visto que após diversos testes dos efeitos citotóxicos do glifosato em linhagens de Glioblastomas, foi possível verificar a diminuição da viabilidade celular, tanto para a linhagem humana como a de ratos. Dessa forma, esse estudo indica o potencial citotóxico do glifosato que precisa ser mais bem compreendido a fim de incluir como possível estratégia terapêutica. (OLIVEIRA; ZAMIN, 2021).

Desse modo, apesar de algumas análises estatísticas apontarem para um resultado positivo quanto a carcinogenicidade do glifosato, os estudos a respeito dessa relação são escassos e essa pauta permanece debatida, sendo necessário estudos mais aprofundados com o objetivo de concretizar os dados.

4.2 Glifosato relacionado a imunidade e doenças crônicas

De acordo com estudos, há evidencias que comprovam efeitos negativos do uso do glifosato relacionado a imunidade. Os testes apresentaram estados inflamatórios aumentados nas espécies testadas (peixes e mamíferos), estes são demonstrados como, produção aumentada de citocinas pró-inflamatórias em peixes, inflamação de órgãos locais em roedores ou síndromes inflamatórias agudas ou crônicas em humanos (PEILLEX; PELLETIER, 2020).

Somado a isso, foram feitos estudos através de testes em ratos machos e fêmeas, que confirmaram a influência do glifosato no processo de diferenciação de células T auxiliares.O objetivo foi investigar a capacidade do glifosato em afetar diretamente os linfócitos T. Os resultados demonstraram que a exposição ao glifosato foi capaz de diminuir a razão Th1/Th2, aumentando a atividade de th2, causando inflamação alérgica das vias aéreas e também inibindo a produção de IFN-γ, o que prejudica a resposta imunológica (MADDALON et al., 2022).

Entretanto, conforme Ribas e Locatelli (2022), apesar de alguns resultados de sua pesquisa confirmarem a toxicidade do glifosato, relacionando com a reatividade de células do sistema imune do cérebro e no aumento da produção de citocinas ligado a resposta inflamatória, não são conclusivos.

 Nesse sentido, é necessária repetição das análises e investigação mais acentuada para fornecer uma ligação entrea exposição ao agrotóxico glifosato ealterações no sistema imune.

Quando se tratando de doenças crônicas, foi feito um estudo acerca da doença renal crônica da etiologia desconhecida (DRCu), uma doença com muitos fatores que podem contribuir para sua causa, dentre eles, a exposição ao glifosato, que trabalha sinergicamente com outros agentes aumentando os efeitos tóxicos. Gunatilake; Senef; Orlando (2019) propuseram um mecanismo a respeito da toxicidade do glifosato que através de sua ação como um análogo aminoácido da glicina interfere em mecanismos naturais de proteção contra outras exposições, logo aumentando a incidência da doença. Visto isso, uma maior exploração sobre esse fator, relacionado ao herbicida que pode causar a (DRCu), é justificada.

4.3 Glifosato relacionado ao autismo e danos neurológicos

Conforme Ehrenstein e colaboradores (2019), a partir de um estudo caso-controle baseado na população, realizado na Califórnia, o risco de transtorno do espectro do autismo aumenta com a exposição pré-natal e infantil a vários pesticidas, incluindo o glifosato. Além disso, a exposição das crianças na infância àqueles mesmos agrotóxicos aumentava os riscos para fenótipos mais graves associadas à incapacitação intelectual. Tal pesquisa corrobora com os resultados de estudos epidemiológicos feitos com descendentes de murinos (roedores) em 2020 acerca dessa relação. Os resultados mostraram que os animais que foram expostos a altos níveis de glifosato, apresentaram comportamentos semelhantes ao transtorno do espectro do autismo (TEA), marcado pelo aumento da atividade de enzimas epóxidohidrolases (EHs) no cérebro (PU et al., 2022).

Dentre os problemas neurológicos, estudos descreveram que, através de testes com células do cérebro humano, à exposição ao glifosato podem resultar em danos neurológicos, devido a uma difusão ativa através da barreira hematoencefálica, que pode causar diferentes tipos de alterações, como mudanças significativas na atividade metabólica dos neurônios (MARTINEZ; AL-AHMAD, 2019).

4.4 Glifosato e sua ação no ecossistema

Os efeitos tóxicos do glifosato foram citados por diversos autores. Diante desses efeitos tóxicos descritos, é relevante enfatizar que a ampla utilização de produtos à base de glifosato tem resultado de fato na contaminação ambiental não só nas regiões onde são aplicadas, mas também atinge alvos muito distantes dos locais de aplicação como foi proposto por Nodari; Hess, 2020; Conte; Mocellin, 2021; Centner; Russel; Mays, 2019; Villa et al., 2019; Sousa; Fernandes; Oorssato, 2022.

Através do estudo de Villa et al. (2019), pode-se verificar a elevada toxicidade do glifosato através de testes em espécies de plantas (couve e rabanete), indicando que o glifosato pode ser extremamente agressivo quando usado indiscriminadamente.

O uso excessivo na agricultura pode levar a resistência das plantas ao produto, o que demandaria novos agroquímicos, além dos riscos ambientais e principalmente os danos causados a corpos d’águas dadas a elevada solubilidade dos herbicidas.

Ademais, principalmente devido à resistência desenvolvida por algumas espécies de ervas daninhas após a utilização prolongada deste herbicida, e também a introdução de culturas geneticamente modificadas submetem, cada vez mais, as elevadas doses desses compostos, tem acentuado o quadro de doenças crônicas e os potenciais efeitos deletérios para os ecossistemas de maneira geral, como foi abordado por Zavariz et al. (2020) e Hass; Hoehne; Kuhn (2018).

À luz dessa perspectiva, vários autores propuseram alternativas, para se caso comprovado esses efeitos negativos do glifosato, haja soluções salubres. Conte; Mocellin (2021), através de sua revisão chegou à conclusão de que os efeitos adversos ao uso deste químico foram comprovados e propôs alternativas para reduzir o uso deste na agricultura, dentre elas, por meio de inimigos naturais de pragas e também ampliar o uso dos bioinseticidas que já estão sendo usados em algumas culturas.

Visto isso, no estudo de Cardoso; Hartwig (2022), foi abordado a respeito do amplo uso do glifosato no país, visto que a quantidade de pesquisas relacionadas a determinação ou controle de danos ambientais vinculados ao seu uso ainda é pequena. Suas pesquisas analíticas mostraram-se eficientes na determinação da toxicidade do agrotóxico, desta forma, conclui-se que esses métodos podem ser utilizados pela comunidade cientifica com o fim de levar a ajustes mais rigorosos quanto ao controle do uso deste herbicida no meio ambiente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos estudos apresentados anteriormente, o glifosato é o herbicida mais utilizado no mundo, no entanto a toxicidade desse composto tem sido alvo de debates em várias partes do mundo, devido principalmente, pela falta de resultados claros e objetivos nos estudos voltados para tal assunto.  Considerando o amplo uso do glifosato, a quantidade de pesquisas relacionadas aos seus possíveis danos (ambientais ou na saúde) são escassase carecem de maior atenção.

Visando identificar relações entre o uso do glifosato e doenças como o desenvolvimento de câncer, TEA, problemas na imunidade e no neurodesenvolvimento e outras doenças crônicas, assim como os danos ao ecossistema como um todo, pode-se concluir que o Glifosatonecessita de mais estudos com enfoque nas contaminações ambientais, visto que podem atingir diretamente a saúde humana, de animais e ecossistemas terrestres e aquáticos.

Desta forma, com mais estudos e uma possível comprovação dos malefícios relacionado ao glifosato é imperativo que seu uso seja cancelado ou rigorosamente restringidos, para que se proteja a saúde das pessoas e a qualidade do ambiente. Diversos países já realizaram o banimento do produto, com destaque ao nações europeias em 2019, após a União Europeia optar por interromper o registro. Entretanto, em contrapartida ao movimento mundial, a ANVISA, também em 2019, resolveu manter o registro do glifosato, o que foi margem para questionamentos, afinal, uma ampla gama de efeitos tóxicos advindos do seu uso vem sendo descritos.

REFERÊNCIAS

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Victor Castro Carneiro – Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). – ORCID: https://orcid.org/0009-0002-6852-28441
Henrique Gontijo Tavares – Discente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3079-80442
Vanessa Pereira Tolentino – Docente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2566-22223
Natália de Fátima Gonçalves Amâncio – Docente do curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4006-86194