MÁ ADESÃO DOS PACIENTES AO TRATAMENTO DE DIABETES MELLITUS E AS COMPLICAÇÕES: RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411300731


Leuzélio Bento da Silva Júnior;
Orientador: Rafael de Souza Bueno


RESUMO

INTRODUÇÃO: A diabetes mellitus é uma comorbidade que tem como definição a elevação da glicose do paciente, seja por componente autoimune ou por deficiência de produção hormonal. Devido a isso seu tratamento envolve medicações e mudança de hábitos de vida, ocasionando assim uma dificuldade de adesão. OBJETIVO: Relatar a experiência ao longo da formação médica da dificuldade de adesão ao tratamento e suas consequências. METODOLOGIA: Experiência durante a rotina médica associada a revisão teórica. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Foi possível observar que a dificuldade de adesão estava atrelada a diversos fatores tanto econômicos como sociais, tornando assim cada caso uma situação que necessitava de uma abordagem diferente. Observou-se também que após uma complicação importante os pacientes se tornavam mais fiéis ao tratamento. CONCLUSÃO: Foi possível enriquecer o conhecimento teórico e descobrir técnicas possíveis de aplicação para melhoria das condições que interferem no tratamento, contribuindo assim para o meio acadêmico.

Palavras-chave: Diabetes mellitus, Complicações do diabetes,Adesão do tratamento.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Diabetes mellitus is a comorbidity that is defined as an increase in the patient’s glucose levels, whether due to an autoimmune component or a deficiency in hormonal production. Because of this, its treatment involves medication and changing lifestyle habits, thus causing difficulty in adherence. OBJECTIVE: To report the experience throughout medical training of difficulty adhering to treatment and its consequences. METHODOLOGY: Experience during medical routine associated with theoretical review. RESULTS AND DISCUSSION: It was possible to observe that the difficulty of adherence was linked to several factors, both economic and social, thus making each case a situation that required a different approach. It was also observed that after an important complication, patients became more faithful to treatment. CONCLUSION: It was possible to enrich theoretical knowledge and discover possible application techniques to improve conditions that interfere with treatment, thus contributing to the academic world.

DESCRIPTORS: Diabetes mellitus, Diabetes complications, Treatment adherence.

1 INTRODUÇÃO

A Diabetes Mellitus (DM) é uma doença que é caracterizada pela elevação da glicose na corrente sanguínea, causando hiperglicemia. Dentre as possíveis causas pode-se destacar alterações nas células beta do pâncreas, responsáveis pela produção e secreção desse hormônio no corpo (Lyraet. al, 2006).

A DM é uma doença vasta em classificações, considerando sua fisiopatologia. No entanto, podemos destacar dois tipos mais incidentes na população mundial que é o tipo 1 e o tipo 2. A DM1 é causada pela destruição por meio imunológico das células beta pancreáticas, criando assim anticorpos que atacam essas células causando a deficiência de insulina e consequentemente a hiperglicemia, atingindo a população mais jovem. A DM2 não tem deficiência de produção da insulina, porém o corpo não é capaz de aproveitar adequadamente a produção existente, gerando assim uma resistência insulínica (Goes; Vieira; Liberato Junior, 2007; Nunes et. al., 2018).

Em relação ao tratamento medicamentoso temos os antidiabéticos orais, anti-lipêmicos e medicações injetáveis. O tratamento é estabelecido de acordo com o tipo de diabetes e a necessidade de adequação conforme adesão e efeitos adversos que podem ocorrer. Ao estabelecer o tratamento, deve-se levar em consideração também a condição socioeconômica do paciente, assim como os medicamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (Fariaet. al, 2014).

Ao pensarmos em dificuldades oriundas do tratamento alguns fatores podem ser destacados, como apresentado por Arrelias et. al (2015). Esses fatores são os pilares do tratamento da DM: Atividade física, plano alimentar e tratamento medicamentoso. Visto que essas partes do tratamento dependem não somente de uma orientação profissional como também da decisão do paciente em relação à mudança de comportamento que corresponda às orientações prestadas.

Considerando o frequente acompanhamento dos pacientes diabéticos e essa vivência nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) foi possível observar ao longo de 2 anos as consequências advindas da não adesão ao tratamento. Por isso, esse trabalho tem por objetivo relatar como foi a experiência na lida de casos de má adesão ao tratamento de diabetes e as consequências vivenciadas pelos pacientes.

2 OBJETIVOS

Este estudo tem como objetivo relatar a experiência ao longo da formação médica na residência de Medicina de Família e Comunidade sobre a dificuldade quanto à adesão ao tratamento de Diabetes e consequentemente as complicações que a doença causa no paciente com o tratamento irregular.

3 MATERIAIS E MÉTODO(S)

Esse trabalho é um relato de experiência baseado no acompanhamento de pacientes diabéticos ao longo da residência de medicina de família e comunidade. Os atendimentos foram realizados nas unidades básicas de saúde da cidade de Anápolis-Goiás. Ao longo dos dois anos de residência foi possível perceber uma grande quantidade de pacientes que não aderiam ao tratamento, o que resultou no aumento de casos de complicações da doença. Para fundamentação teórica desse trabalho, foi realizada, a busca de artigos nas plataformas acadêmicas como PubMed, Google Acadêmico e Scientific Eletronic Library Online (Scielo).

Considerando a incidência desse tema foram buscados artigos publicados entre 2003 e 2024, para avaliação dos últimos 20 anos de publicação. Os descritores utilizados foram os termos “Diabetes”, “Tratamento” e “Complicações do diabetes”. Selecionamos e incluímos os artigos de acordo com sua relação com esses descritores. Artigos que não abordassem diabetes tipo 1 ou tipo 2 foram excluídos, priorizando o foco nas variações mais comuns da doença.

Em Anápolis/GO tanto a residência em medicina de família e comunidade quanto os estágios do internato de medicina são realizados nas UBS. Os pacientes podem agendar consultas por meio de um aplicativo de mensagens utilizado pela prefeitura ou comparecer em demanda espontânea. Os pacientes que agendam as consultas são direcionados para UBSs conforme seu endereço de residência, enquanto os pacientes de demanda espontânea são triados para verificar se necessitam de atendimento urgente. Pacientes de demanda espontânea são aqueles que precisam de atendimento rápido, sem agendamento prévio.

Após o primeiro atendimento, os pacientes recebem um plano terapêutico contendo os objetivos das próximas consultas e a periodicidade de acompanhamento. No caso dos pacientes com DM, esse plano é adaptado conforme as metas de tratamento e a capacidade de adesão de cada paciente.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao longo da graduação em medicina, observou-se a grande quantidade de casos abordados nas unidades de saúde, bem como a diversidade de comorbidades que afetam a população diabética. Durante a residência, essa realidade pôde ser acompanhada mais de perto, e as unidades de saúde mostraram-se eficazes para a manutenção do cuidado continuado dos pacientes, permitindo o acompanhamento de várias condições que afetam ao longo da vida.

A rotina da UBS evidenciou que muitos pacientes não seguiam as orientações para tratamento, mesmo com orientação multiprofissional. Das doenças mais frequentemente negligenciadas, a diabetes foi a que mais apresentou riscos de complicações. O tratamento da diabetes inclui medidas não farmacológicas, como controle de peso, ajustes alimentares, cessação do tabagismo e prática de atividades físicas. De acordo com Assunção e Ursine (2008), a adesão ao tratamento não farmacológico entre portadores de diabetes geralmente não ultrapassa 50%; mas isso ocorre, se deve em parte à participação desses pacientes em grupos de apoio para diabéticos (Sartorelli; Franco, 2003).

Esses grupos promovem mudanças coletivas, promovendo a prática de atividade física e incentiva ao desenvolvimento de outros hábitos saudáveis que beneficiam a gestão da DM. Em Anápolis, foi estabelecido o “Hiperdia”, encontros mensais que acolhem portadores de diabetes e hipertensão. Embora nem todos os pacientes possam participar, aqueles que comparecem relatam que ver outras pessoas na mesma situação é um incentivo para o autocuidado, além de possibilitar a formação de laços de apoio e atividades conjuntas (Abreu et. al, 2016).

Segundo Lira et. al (2017), a baixa adesão ao tratamento está associada a fatores como idade, nível educacional e socioeconômico, além de esquemas terapêuticos complexos e falta de acompanhamento regular. Fatores que incentivam a adesão incluem apoio familiar, hábitos de vida saudáveis pré-existentes e compreensão adequada sobre a doença. Por outro lado, a percepção de que a doença é silenciosa e com baixo risco de complicações, questões financeiras e a falta de medicamentos no sistema público dificultam a adesão ao tratamento (Campos et. al, 2016).

A disponibilidade de fármacos nas UBSs é um fator essencial para a continuidade do tratamento. No caso do DM tipo 1, que exige uso regular de insulina desde o início, um dos desafios enfrentados foi com adolescentes que iniciam a transição do cuidado dos pais para o autocuidado. Observou-se que muitos jovens assumem o tratamento com maior independência, quando recebem suporte multidisciplinar (Kirchner; Marinho-Casa Nova, 2014; Victório et. al, 2019).

Ferreira et. al (2011) destacam que as complicações decorrentes do diabetes incluem aquelas causadas por hiperglicemia e hipoglicemia. As complicações por hiperglicemia incluem cardiopatias, comprometimento arterial, acidente vascular encefálico, cetoacidose diabética e neuropatia diabética. Já as complicações por hipoglicemia frequentemente resultam do uso inadequado de insulina, conforme descrito por Gallego e Caldeira (2007). Pacientes mais idosos, frequentemente atendidos na UBS, tendem a ter maior dificuldade em entender as orientações sobre tratamento e, consequentemente, sobre as possíveis complicações.

A falta de adesão ao tratamento traz conseqüências sérias, além de elevar os índices de internações. A neuropatia diabética foi a complicação mais freqüente entre os pacientes atendidos, em concordância com a literatura. Em alguns casos, o atendimento rápido evitou situações mais graves, como a amputação (Fonseca; Abi Rached, 2019).

Observou-se que pacientes que enfrentaram complicações graves frequentemente mudaram sua postura e aderiram melhor ao tratamento, impulsionados pelo receio de novas complicações. Embora nem todos demonstrem essa mudança, em muitos casos a experiência com complicações ajudou a melhorar o controle da doença.

5 CONCLUSÕES

Este trabalho, além de relatar uma experiência na residência medica, proporcionou uma imersão teórica sobre o manejo de complicações do diabetes e estratégias para melhorar a adesão ao tratamento. A experiência prática expandiu o conhecimento sobre métodos de abordagem e incentivo à adesão em um contexto de atendimento em atenção primária, contribuindo para a qualidade de vida dos pacientes.

A adesão ao tratamento ambulatorial é essencial, pois as complicações afetam negativamente a qualidade de vida. Observando o perfil dos pacientes com baixa adesão, é possível desenvolver intervenções como o envolvimento familiar no contexto do tratamento, o que fortalece a abordagem e aumenta as chances de sucesso.       

Vivenciar esses manejos durante a residência é uma experiência enriquecedora, e espera-se que este relato de experiência possa servir de referência para outros profissionais de saúde e para o meio acadêmico, oferecendo perspectivas sobre um tema relevante para as equipes de saúde da família, com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento.

REFERÊNCIAS

ABREU, Aline Moraes de et al. Adesão ao tratamento na hipertensão e diabetes mellitus: revisão integrativa. Revista de enfermagem da UFSM. v.6, n.3, p. 442-453,2016.

ARRELIAS, Clarissa Cordeiro Alves et al. Adesão ao tratamento do diabetes mellitus e variáveis sociodemográficas, clinicas e de controle metabólico. Acta Paulista de Enfermagem, v. 28, p. 315-322, 2015.

ASSUNÇÃO, Thaís Silva; URSINE, Príscila Guedes Santana. Estudo de fatores associados à adesão ao tratamento não farmacológico em portadores de diabetes mellitus assistidos pelo Programa Saúde da Família, Ventosa, Belo Horizonte. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, p. 2189-2197, 2008.

CAMPOS, Thais Silva Pereira et al. Fatores associados à adesão ao tratamento de pessoas com diabetes mellitus assistidos pela atenção primária de saúde. Journal of Health & Biological Sciences, v. 4, n. 4, p. 251-256, 2016.

FARIA, Heloisa Turcatto Gimenes et al. Adesão ao tratamento em diabetes mellitus em unidades da Estratégia Saúde da Família. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 48, p. 257-263, 2014.

FERREIRA, Leandro Tadeu et al. Diabetes melito: hiperglicemia crônica e suas complicações. Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde, v. 36, n. 3, 2011.

FONSECA, Kathlem Pereira; ABI RACHED, Chennyfer Dobbins. Complicações do diabetes mellitus. International Journal of Health Management Review, v. 5, n. 1, 2019.

GALLEGO, Rosa; CALDEIRA, Jorge. Complicações agudas da diabetes mellitus. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, v. 23, n. 5, p. 565-75, 2007.

GÓES, Anna Paula P.; VIEIRA, Maria Rita R.; LIBERATORE JÚNIOR, Raphael Del Roio. Diabetes mellitus tipo 1 no contexto familiar e social. Revista paulista de pediatria, v. 25, p. 124-128, 2007.

KIRCHNER, Luziane Fatima; MARINHO-CASANOVA, Maria Luiza. Avaliação da adesão ao tratamento do diabetes mellitus tipo 1: revisão de literatura. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 5, n. 1, p. 45-63, 2014.

LIRA, José Claudio Garcia et al. Controle metabólico e adesão medicamentosa em pessoas com diabetes mellitus. Acta Paulista de Enfermagem, v. 30, p. 152-158, 2017.

LYRA, Ruy et al. Prevenção do diabetes mellitus tipo 2. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 50, p. 239-249, 2006.

NUNES, J. Silva. Fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2. Portugal P, editor, v. 100, p. 8-12, 2018.

SARTORELLI, Daniela Saes; FRANCO, Laércio Joel. Tendências do diabetes mellitus no Brasil: o papel da transição nutricional. Cadernos de saúde pública, v. 19, p. S29-S36, 2003.

VICTÓRIO, Vanessa Marques Gibran et al. Adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1: estresse, coping e adesão ao tratamento. Revista Saúde e Pesquisa, 2019.