LUTO PÓS COVID-19: O ENFRENTAMENTO SEM A PSICOLOGIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8328714


Ellis Dias Nogueira


RESUMO 

O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a importância do enfrentamento ao luto, respeitando o rito de passagem culturalmente concretizado diferentemente em cada país desde a pré-história. O rito aparece como forma de acomodar o fechamento de um pungente ciclo, na acomodação individual de emoções que pintam no abstrato uma nova realidade frente à perda de um ente querido. Além disso, o rito resguarda a qualidade do melhor cuidado ao seu morto, na preservação e simbologia de manter-se eterno quem morreu e na capacidade salutífera do indivíduo abrir um novo ciclo pós-perda de um ente, independente de como se deu a morte. Seja por: Pestes, fatalidades, mortes intercorridas, assassinatos, vírus e etc. Acentuando a necessidade do cuidado psicológico as pessoas diretas que perderam seus amados advindos da COVID-19. 

Palavras-chave: luto, COVID-19, cuidado psicológico. 

ABSTRACT 

The present work aims to reflect on the importance of coping with grief, and respecting the rite of passage culturally realized differently in each country since prehistory. The rite appears as a way to accommodate the closure of a poignant cycle, in the individual accommodation of emotions that paint in the abstract a new reality in the face of the loss of a loved one. In addition, the rite safeguards the quality of the best care for the deceased, in the preservation and symbology of keeping the person who died eternally and in the salutary capacity of the individual to open a new post-loss cycle of a loved one, regardless of how the death occurred, Either by: Plague, fatalities, intercurred deaths, murders, viruses, etc. Emphasizing the need for psychological care for direct people who lost their loved ones due to COVID-19. 

Keywords: mourning, COVID-19, psychological care. 

1. INTRODUÇÃO 

Qual a origem da vida quando se pensa nas teorias da criação?1 Simboliza-se nascer somente para ocupação de um espaço na terra sem manual ou mesmo com um propósito, nasce uma folha quase em branco se não fossem os instintos naturais de um bebê e as informações concretas de outras pessoas que são colocadas como verdades distorcidas no futuro adulto que se desenvolverá em seu dia a dia. Toda educação familiar dependerá dos adultos que se baseiam em suas próprias crenças, fazendo com que suas verdades sejam distorcidas. Aprendem-se pela ciência que o ser humano: Nasce, cresce se reproduz e depois morre sendo esta a única certeza padronizada e alcançada com êxito pelo ser humano. Ainda que a criação do universo tenha se dado pelas mãos poderosas de um Deus invisível ou pela teoria do Big-bang, se o homem evoluiu dos macacos ou veio do pó da terra feito de barro, dentre tantas teorias, a morte é para todos. 

Desde os primórdios o homem protagoniza o papel estarrecedor da sobrevivência individual dentro de uma civilização, sociedade, aldeias ou outras variadas formas de ocupar seu lugar na terra entre: dominador e dominados, pobres e ricos, fracos e fortes. As eras mudam, as pessoas, os séculos, mas a organização civilizatória humana mantém-se do mesmo modo de viver. A sociedade define papéis e os seres humanos se enquadram naturalmente ao que tiver haver com sua personalidade. 

O ser humano é munido de sentimentos e emoções boas e ruins, cruéis e benevolentes sendo experimentadas de forma única e multiversal, levando-o ao mesmo lugar em comum, o luto. As tristezas e angústias oriundas das perdas são enfrentadas individualmente pelo ser humano e a despedida ao seu ente morto é ritualizada por meio de símbolo cultural sendo efetuada de formas diferentes em cada país advindo de seus patriotas. As interações e trocas afetivas por misteriosas que sejam em seu feito, apontam para um sentido mútuo de vivência e assimilações na linguagem, no toque, na solidez que consolida e estrutura não só o psiquismo, mas elabora e influencia comportamentos e atitudes no entrosamento humano. Os vínculos, a troca diária que marca o outro, o cuidado, o amor, a afeição, a importância do ente amado que por anos fez parte de um convívio diário não só emocional, mas social, não pode ser esquecido ou negligenciado no momento da dor causada pela morte do ente amado como aconteceu por meio da COVID-19. 

No Brasil, além do isolamento social, a utilização de máscaras de tecido ou descartáveis foram utilizadas pelos indivíduos, mantendo o afastamento em filas de comércios locais como mercados, padarias, farmácias que com muito rigor mantiveram a segurança de distanciamento entre os consumidores. O uso contínuo do álcool em gel e o novo comportamento humano, que ao chegarem em suas residências, trocavam suas roupas ainda na parte externa da casa com todo cuidado, havia também o processo de desinfecção de qualquer produto, objeto, correspondências, alimentos, remédios que chegassem na determinada residência, com utilização do álcool, Já que a luta desvantajosa dava-se contra um vírus invisível e mortal. Nenhum desses novos costumes tinham garantias de não contágio, mas, uma vez que não se tinham imunizantes, contribuíam para dificultar a contaminação por COVID-19.

A crise na Política sobre os impactos econômicos dentro desse cenário fortaleceu a corrupção, que acaba sendo marcante nos países em desenvolvimento como o Brasil dentre outros, potencializando ainda mais a catástrofe que a COVID-19 por si só gerou sozinha, ao que no desvio de verbas destinadas a saúde, pessoas morreram por falta de cuidados emergenciais básicos chegando à falta de oxigênio nos hospitais, deixando os profissionais da saúde de mãos atadas e velozmente subindo o número de mortes por COVID-19 no Brasil com requinte de crueldade, uma vez que a corrupção friamente matou vidas, abastando-se dos insumos emergenciais destinados à saúde dos pacientes infectados pelo vírus. Perdeu-se o controle, a briga não era somente contra o tempo, contra o relógio, mas contra a morte, contra o agravo que em massa a COVID-19 estava causando. 

Por causa da corrupção, as vidas foram lesadas e sucateadas enquanto que rombos nos cofres públicos se davam, bolsos eram abastecidos enquanto pessoas eram sentenciadas a morte. Equipamentos que ajudariam na preservação das vidas foram substituídos pela ganância de uma sujeira política que transborda pelas barbas do Planalto e até hoje impera nas cortinas brasileiras. O governo descuidou-se, abrindo mão da afeição e respeito às vidas vulneráveis que nada podiam fazer, alargando ainda mais a lacuna entre governo e população, vida e morte, ritos e luto. A partir da tirania política, perdeu-se o sentido do contorno social. 

Desde a Mesopotâmia o ser humano enfrenta duas vertentes pertinentes em vista do que percebemos ao longo da história: o de evolução da espécie em sua intelectualidade, ao mesmo tempo em que enfrenta o retrocesso da evolução intelectual da espécie humana. 

Segundo a autora feminista Chimamanda Adichie (2015) “Para que serve a cultura? A cultura funciona, afinal de contas, para preservar e dar continuidade a um povo. A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura.” (p.47-48) E essas repetições de comportamentos fundamentam as características de um país deixando marcantes os simbolismos culturais de países como: Japão, Índia, Portugal, Arábia Saudita, Brasil e os demais países espalhados no mundo. 

Cada humano é singular dentro de suas complexidades e crenças englobando as transições de um tempo ao outro, apontando à comunicação de uma época a outra de acordo com as demandas de seu contexto histórico em vista que a história responde ao pós-modernismo, respeitando as camadas cristalizadas da antiguidade ao tempo presente fazendo com que o tempo passe o quanto for, mas os conflitos ainda assim existem, pois enquanto a vida houver faz-se saber que cada humano lê a vida de formas diferentes. E essa forma individual de se ver e viver a vida corporifica os vínculos relacionais, formando um aglutinado de pessoas que compartilham das mesmas ideias, quereres em comum formando famílias, tribos, grupos que se interligam e vivem seus individualismos subjetivos, dentro de um coletivo viável, fazendo com que essa multiforme maneira de amar, substantifique o amor. Como disse o psiquiatra, escritor e pesquisador Colin Murray Parker, em uma de suas fantásticas obras Amor e Perda: 

Podemos criticar quem amamos por não nos ajudar ou não atingir dado padrão de beleza, mas são exatamente as coisas que criticamos que compõem o que há de único nessas pessoas, a quem amamos pelo que são. (PARKES, 2009, p.13). 

A relação do homem com a vida depende de seu interior, do meio em que vive, sua multidisciplinaridade cotidiana e suas atitudes comportamentais desenvolvidas desde a infância. O amor é a base estruturante de todas as relações e a personalidade que se forma no ser humano o torna único em sua completude, é inviável esquecer quem ocupou a vida e fortaleceu vínculos físicos e emocionais em seu grupo de convívio direto. Mais agravante torna-se o luto, quando não ritualizado como ocorreu com os familiares das vítimas de COVID-19. “Em termos físicos, o amor se assemelha a um elástico, mais do que a qualquer forma de fio, ou seja, torna-se mais forte quanto mais os que se amam estiverem distantes.” (PARKES,2009, p.12). 

Ao se tratar do luto, entende-se que a Psicologia possui uma importância fundamental no processo de compreensão dessa vivência. Para que hoje se afirme que a psicologia é uma ciência comprovada, precursores margearam além dos paradigmas instituídos, ampliando os olhares à frente de seus respectivos tempos demostrando a importância da relação coletiva entre os homens e a natureza. Compreendeu-se que o homem é um ser pensante, perecível e infinito em sua forma de pensar, porém finito em seu existir. A partir desse fato, o psiquismo adoece no nível de matar neurônios em determinados casos e desenvolve sofrimentos e angústias que balizam a veemência da vida de um ser humano. 

O instrumento mais letal e curativo respectivamente é o ser humano, uma vez que nele há a capacidade de escolher a gentileza ou a impolidez em suas ações nas interações humanas como estilo de vida, sendo ele a autarquia mais poderosa que chama atenção dos estudiosos da filosofia, da psicologia e da ciência, convergindo para a história que norteia e dá sentido a humanidade, sua organização no mundo e como o homem se relaciona com os objetos. 

A curiosidade é uma premissa filosófica que espelha as teorias sobre a humanidade levando ao entendimento de que quanto mais se estuda o homem, menos se sabe e mais se descobre. A filosofia nascida na Grécia teve como “pai” Tales de Mileto2 um filósofo, matemático e astrônomo pré-Socrático que esmerilhava compreender a verdade originária do universo, obstando-se a mitologia Grega que explicava de forma fantasiosa como a criação do universo se formou. Seus conhecimentos tornaram-se estruturantes nos embates epocais refletindo sobre as problemáticas do existir. Sendo dividida em algumas etapas, a filosofia abarca a poesia, a religião, a sociedade, a política como bases fundamentadoras e até hoje a filosofia estrutura várias modalidades de graduação e na vida humana. 

A filosofia, como campo de conhecimento, emerge dessa necessidade de conhecer mais o homem. Desde sua concepção até seu nascimento e desenvolvimento, o homem assim como a psique sempre será um mistério e seu funcionamento é ressarcido pelas várias formas de entendimentos e teorias não concludentes, porém divergentes que seguem na direção de entender a mente humana em sua complexidade. A mente humana elabora comportamentos nem sempre tangíveis ao que se espera socialmente, promovendo uma infinitude sobre as teorias humanas. 

Ao mesmo tempo em que a filosofia disseminava-se entre os povos, culturas, pessoas, expandiu-se naturalmente as reflexões mediante a algo, ou a um objeto compreendendo-se em várias configurações de pensamentos, fortalecendo o ser humano e suas percepções no mundo propiciando uma direção de existência funcional. O homem é um perseguidor da saciação do desconhecido, do inalcançável, ao mesmo tempo em que é uma fonte inesgotável de impulsos, sentimentos e sensações.

Ao longo da história humana, as civilizações foram se formando e à medida que as sociedades eram construídas e constituídas traços específicos começaram a fazerem parte dos povos, tornando os países característicos com culturas específicas e diferentes, sublinhando inclusive o enfrentamento do luto. 

A pré-história deixou para o tempo presente como herança ancestral, os singulares cuidados aos seus mortos abrindo caminho para a arqueologia que ao longo da história descobriu características marcantes nos cuidados aos mortos, tal como objetos pessoais encontrados próximos de onde se enterrava o morto em questão. Até os dias de hoje, notamos semelhanças ancestrais aos mortos que se enterra. Desde o tempo onde se deixava o morto exposto e o entendimento de enterrá-lo em cavernas para durabilidade do corpo, até a arte de embalsamar desenvolvida pelos egípcios, a crença de que o morto ultrapassou outra dimensão é quase que generalizada solidificando as culturas ritualizadas até o presente tempo destinado aos mortos. 

As diferenças elaboram os países deixando-os marcantes em sua forma coletiva e característica daquele determinado povo. No Brasil destina-se o dia de finados para celebração dos mortos, gerenciado por lembranças significativas em uma data coletiva e visitas aos cemitérios munidos de flores, velas, algum objeto pessoal do morto que remeta ao vivo uma proximidade ao seu morto. A tristeza pela perda é mais delineada do que a alegria daquele morto um dia ter existido fisicamente, muito diferente no México em que se comemora o dia de las muertos, ou o dia dos mortos celebrado com alegria e ressignificação das memórias daquele morto com fotos, altares e oferendas de alimentos que em vida amavam e acredita-se que sua alma retorna e se alimenta novamente do que mais gostava podendo ser comemorado por até uma semana. 

Na Bolívia comemora-se o dia de las Ñatitas palavra que se refere a quem tem nariz pequeno e como os crânios dos entes queridos não tem nariz tornou-se o nome da comemoração. Os crânios são celebrados e enfeitados com flores, folhas de coca e velas no cemitério local levando-os a acreditarem que esse ritual trará sorte aos vivos, podendo suplicar-lhes ajuda ao seu morto para encontrar objetos que se perdeu e fazer-lhes pedidos de prosperidade. 

Em Madagascar o país Africano comemora o dia dos mortos a cada sete anos, conduzido pelo chefe de família consistindo em enrolar os restos de seu morto em vestimentas novas, sendo um ritual de limpeza, uma vez que se abrem as criptas de seus mortos, mantendo a conexão com seu falecido. No leste, sul e sudeste da Nigéria, habitam os igbos que acreditam que os mortos continuam vivendo entre os vivos. Nesta ritualização, há um preparo de pelo menos seis meses para ritualizar a celebração dos mortos com comidas e sacrifícios realizados por líderes espirituais do sexo masculino de cada família, acreditam que os mortos ressuscitam e mascarados ficam no meio dos vivos, sendo recebidos pelos Igbos com desfile de máscaras, danças e tambores, posteriormente são convidados a entrarem nas casas de familiares para verem as mudanças que sua ausência promoveu, se alimentam e apesar dessa comemoração trazer alegria inicialmente, finaliza com tamanha tristeza quando esses mortos são novamente levados deles. 

No Japão, o festival Obon sublinha a importância da morte por trás da união de famílias, já que é comemorado por três dias, tendo um dia mais elevado em comemorações de respeito e carinho. Acredita-se que a família reunida recebe seus mortos, limpa-se também as lápides de seus entes mortos, pela crença de seu retorno e também é utilizado lanternas nas frentes das casas, nas ruas e sobre os lagos para alumiar o retorno dos mortos. Localizada em uma região da Indonésia o morto só é enterrado quando a família está pronta, ou tem condições financeiras suficientes para fazer um luxuoso cortejo, nesse ínterim podendo chegar a anos, o morto é colocado em seu ambiente particular, sendo um quarto, tem suas roupas trocadas, continua no convívio de filhos e netos como se a qualquer momento pudesse interagir, é embalsamado para controle de odor e recebem visitas de vizinhos e familiares, os mortos da região de Tana Toraja, tem um recipiente no canto do ambiente para fazer suas necessidades, são vistos como doentes e não mortos e recebem comidas, cigarros simbolicamente e cotidianamente. 

Essa diversidade humana de modos de lidar com a morte e o luto contempla o âmago individual de quereres, fazendo com que esses modos sintetizem as formas culturais para algo além do explicável e relacional da natureza que sozinha se manteria sem os danosos estragos oriundos da humanidade até os dias de hoje. 

Os vínculos são fortificados a partir das interações tanto em vida, quanto no cuidado com seu ente querido na morte, na arrumação de flores, na escolha de roupas e etc. A personalidade formada de alguém faz com que a pessoa ocupe seu lugar terreno, faz-se existir uma essência única e exclusiva que mesmo sua posteridade caso possua, não terá a mesma homogeneidade em sua essência. Ressignificar a perda de alguém que estrutura, compartilha a vida é uma árdua tarefa ainda que a religião robustece a fé e as crenças de alguém a levem a pensar sobre a existência de outra dimensão a quem morre. 

Os ritos peculiares e diferentes nos nivelam ao mesmo lugar: a importância do simbolismo na elaboração do luto coletivo. A morte faz parte da vida, mas não há aceitação plena quando se perde alguém de vínculos, se na condição de humano costuma-se sentir quando humanos desconhecidos morrem, que dirá aqueles que fazem parte da vida de quem o perdeu. Cada país é único em sua forma de celebrar ou demonstrar seu sofrimento ao seu ente morto e impedir esse ciclo como especificamente houve por meio da COVID-19, figurativamente é um crime pré-histórico, uma vez que os ritos existem desde os primórdios e a forma humana de viver baseia-se na ancestralidade. 

Todos os ciclos norteiam o desenvolvimento da vida, em suma, a vivência dos cinco estágios do luto elaborarão novos viveres a partir do impacto causado. Dentro da psicologia existem cinco fases, não sendo um padrão a forma vivida pela pessoa enlutada. Cada pessoa vivencia sua perda de forma singular assimilando a nova realidade no seu próprio tempo. Dentre vários teóricos como Freud, Parker, que contribuem com seus entendimentos sobre o luto, a psiquiatra Elisabeth Klübler-Ross3 percebeu em seus pacientes terminais e entes queridos, formas de vivenciarem tanto o luto antecipatório, quanto posterior à perda de um ente amado criando cinco importantes fases do luto sendo: a negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Não é regra tributária um indivíduo enlutado viver as fases de luto, nem se tem uma sequência a ser seguida. As fases podem não serem vividas na íntegra, ou mesmo serem puladas, mas a ritualização é de suma importância, uma vez que ajuda na compreensão dos enlutados frente à perda dolorosa de um ente amado. 

O enfrentamento individual do luto transcorre as eras, da Mesopotâmia, até os dias de hoje fazendo com que o ente vivo reorganize sua forma de pensar e existir após a perda de alguém próximo que existia em vida. A pessoa que parte, ocupava um lugar e a partir de sua morte deixou um vazio, uma reticência infinita. Segundo Klass: 

O que é isso que chamamos de amor? O amor tem muitos componentes, mas aquele considerado indispensável é o compromisso. Amor é o laço psicológico que vincula uma pessoa a outra por um período. Uma vez estabelecido, esse vínculo dificilmente poderá ser afrouxado, e alguns estudiosos afirmam mesmo que nunca poderá ser totalmente rompido (Klass et al.,1996,p.14-23 apud Parkes, Colin 2009, p.12). 

O luto revela ao vivente um mundo de possibilidades abstratas, desde a negação até a aceitação da nova e difícil realidade que se apresentou. Por pior que sejam os motivos das mortes, negar o ritual de passagem ao ente vivo impacta não só a psique, mas pode acarretar doenças psicossomáticas uma vez que a concretude do que deveria ter sido visto, tocado, ritualizado, deixou de existir com as mortes ocasionadas pelo vírus da COVID-19. Vivem-se todos os dias, independente das escolhas pessoais de cada ser humano, mas morre-se apenas uma vez. 

A COVID-19 inferiorizou os cofres públicos e particulares de modo impactante, nivelou os apanhados lucrativos ao nada, as acumulações de tesouros de quem poderia se abastecer de seus benefícios de nada serviram, mesmo quem dependia do estado como fonte pagadora, ou por meio de benefícios mostrando que a morte é o que torna todos os seres humanos verdadeiramente iguais. Ninguém é capaz de adquirir o direito da vida. Ninguém pode comprar sua alma e decidir existir, não se tem autonomia em nascer, nasce-se e pronto. Nascer é metafísico. A COVID-19 atravessou a linha da pobreza, a linha da riqueza, os palácios, as palafitas, o preto, o branco, o provido, o desprovido nivelando ao perecimento igualitário, dos que tinham planos de saúde e dos que dependiam da saúde pública. A morte não escolhe vítimas, ela apenas chega sem pedir licença, sem aviso prévio. De todas as formas e possibilidades, a morte dar-se-á a quem tiver vida. 

A COVID-19 não é a primeira peste mundial e como todas as anteriores trouxeram não só impactos negativos, perdas irreparáveis, mas potencializou o progresso na ciência, possibilitando novos saberes e conhecimentos funcionais a humanidade, resultando em vacinas como tentativas de salvamento de quem conseguiu se curar da COVID-19 e quem não se infectou, usufruindo de doses de reforços com intervalo de quatro meses contando da dose anterior. 

A COVID-194 é uma doença relativamente nova ocorrida no ano de 2019, sendo potencializada em 2020 em diante. É uma doença assemelhada a uma forte gripe seguido de tosse seca, náuseas, coriza, vômitos dores no corpo, febre complicando-se no decorrer dos dias e comprometendo a parte respiratória de uma pessoa, levando-a em sua maioria no início pandêmico devido a falta de imunizantes e melhor compreensão da doença, ao óbito. É um vírus altamente contagioso e é estudado por cientistas e médicos engajados em controlar a malfeitoria desse vírus. Sendo uma doença infecciosa grave, disseminada coletivamente e velozmente pelo mundo, a COVID-19 tem como alvo os pulmões levando em grande escala aos infectados o comprometimento de sua respiração, piorando o quadro de pneumonia, podendo transportar seu estado inicial para aintubação, sedação, pronamento como tentativas de curar um vírus tão malevolente, invisível e desconhecido ocasionando óbitos em milhares de pessoas pelo mundo. 

Devido a sua presteza e eficácia na infecção pulmonar, o isolamento social trouxe prejuízos econômicos, psicológicos, intelectuais, sociais acarretando a incerteza do que viria após a pandemia ou mesmo no processo pandêmico dos pacientes internados e suas respectivas famílias, no qual os internados não utilizavam suas próprias roupas, na UTI (Unidade de tratamento intensivo) podiam receber roupas pessoais do internado em questão, as visitas físicas foram expressamente proibidas interferindo abruptamente no vínculo direto de familiares e limitando a comunicação entre os familiares e médicos cotidianamente. 

A presença física se dava no caso de intercorrências, o familiar recebia a ligação de uma assistente social pedindo-lhes documentos do paciente internado e só era passado ao familiar acerca do óbito presencialmente em uma sala adjacente. O reconhecimento do corpo era feito por fotografias tiradas por enfermeiros, sendo apagada na frente do familiar posterior a confirmação de que é seu familiar morto, levando o ente vivo a uma enxurrada de sentimentos e sensações que movimentam a racionalidade, a ilusão e a ritualização pré-histórica de simbolismos comportamentais e organizacionais pós-evento traumático. 

O familiar de um paciente morto por COVID-19 não podia ver fisicamente seu ente morto, lhe era vedado tocar ou velar seu ente como culturalmente se faz, não obstante a complexidade do enterro que além do caixão ser fechado para não contaminação de pessoas, o morto não pode receber cuidados, nem velório, nem despedidas longas. Por sua vez, o caixão era banhado de álcool pelos coveiros e não podia passar de cinco minutos o evento fúnebre. 

Sobre o impacto na saúde mental e nos processos de subjetivação dessa experiência específica com a morte trazida pelo COVID 19 é matéria a qual a Psicologia precisa se a ver nesse momento. A psicologia é a rede de cuidados psíquicos que opera no desconhecido, elucidando e promovendo novas formas de entendimento humano, comportamentos e descobertas, aplacando os sofrimentos vivenciados pelo ser humano em sua psique. A falta do acompanhamento psicológico aos familiares dos pacientes internados por COVID-19 nos hospitais como acolhimento matricial, atenuaria a pressão do impacto no familiar que sozinho, buscava um fio de esperança e resposta em sua fé, no apoio de amigos, vizinhos que sem uma palpabilidade, germinou um misto de solidão, medo e sofrimento de uma perda que ainda nem tinha se dado, mas por antecipação solitária vivia-se. 

A COVID-19 não é a primeira pandemia mundial nem será a última. Das graves consequências de um luto repentino, misterioso, invasivo e cismarento, a psicologia emerge mais forte em sua reputação como préstimo a saúde mental de um familiar, que tem um ente crítico em uma UTI que luta pela vida e deixa seu familiar impotente vivendo a abstrusidade da incerteza do porvir. Roupas especiais utilizadas pelos profissionais de saúde poderiam ter sido utilizadas pelos familiares dos intubados em decorrência da COVID-19, seguindo minuciosamente o protocolo de segurança. Além disso, chamadas de vídeos mesmo em estado crítico, pois se o familiar estivesse fisicamente, não seria eximido de passar pela dolorosa e drástica situação de sofrimento psicológico pela impossibilidade de não poder curar seu ente amado, dando então continuidade ao curso pré-histórico, da importância do rito de passagem e no fortalecimento dos vínculos, as lembranças, honrando e dignificando os cuidados pelos anos vividos do ente entubado. 

Assim, em vista de que nos hospitais serão os desconhecidos que cuidarão do ente de alguém, atado a sua crença, motivação, estado de espírito podendo ser negligenciados ou assíduo, podendo se colocar ou não no lugar de um familiar a quem formou fortes laços. Em suma, ritualizar um ente amado é uma forma somente de amor, mas de dar significado ao evento cíclico permanente, que se estabeleceu na vida quem perdeu alguém estruturante. 

A psicologia equilibra o psiquismo para a promoção de uma saúde mental de qualidade, respeitando as demandas subjetivas do ser humano, sua história, seus vínculos sociais e etc. O luto é uma área de interesse de vários pesquisadores que abrange várias vertentes psicológicas para o cuidado tanto de um paciente em estado terminal, quanto para suas pessoas vinculadas, visando construir conjuntamente, um novo caminho individual ainda que seja por meio de grupos terapêuticos, entre psicologia e paciente na difusão de uma nova maneira de existir sem o ente amado em questão. Os ritos propagam a veracidade e a importância histórica da pré história que ecoa não só nos livros didáticos, mas no próprio ser humano da atualidade, o mundo é consolidado por camadas ancestrais, na continuidade da humanidade que administra as formas de existência costuradas por infinitos psiques. 

2. OBJETIVOS 

2.1 GERAIS 

Refletir a importância da realização dos ritos de passagem dos familiares das vítimas por morte decorrente ao vírus COVID-19 e a importância da inserção psicológica no acompanhamento e acolhimento dos familiares que estão no processo de perda de seus entes intubados por COVID-19, ajudando a aplacar seu sofrimento solitário de luto antecipatório, contribuindo na qualidade de sua saúde mental fronte a perda de um familiar pelo coronavírus. 

2.2 ESPECÍFICOS 

I. Compreender a influência dos rituais aos mortos desde a pré – história. 

II. Refletir a importância psicológica como suporte aos familiares que sofrem luto antecipatório por seus familiares intubados com a COVID-19. 

III. Pensar métodos psicológicos que auxiliem no cuidado mental dos familiares dos intubados com a COVID-19 contribuindo na manutenção de manterem-se proximidades e vínculos ao seu familiar intubado. 

3. JUSTIFICATIVA 

O presente tema foi escolhido a partir da vivência de perda decorrente do vírus COVID-19, experienciada sem o alicerce basilar que a psicologia promove desde que a mesma foi reconhecida como ciência. Esse trabalho propõe contribuir com a importância da inserção da psicologia em todas as esferas relacionadas ao ser humano priorizando e promovendo o tratamento eficaz da saúde mental no respeito às fases e intercorrências apresentadas na vida dos sujeitos, nas vidas usuais. Foram empregados artigos científicos, livros e pesquisas como suportes na elaboração deste trabalho na reflexão do luto por morte por COVID-19 e a importância de se manter as ritualizações que perduram desde a pré-história. 

4. METODOLOGIA 

Quanto à metodologia, decidiu-se a abordagem do presente tema, principalmente pela vivência, resultante em perda familiar decorrente do vírus COVID-19 no ano de 2021. Sendo assim, pela falta da inserção psicológica, os impactos pela falta de ajuda psicológica no processo abrupto de um familiar ser separado de seus vínculos familiares sem direito de escolha, estruturou-se esse projeto com pesquisa bibliográfica para melhor compreensão das ritualizações culturais, de onde vem a importância do cuidado ao ente morto, extraindo da pré-história comportamentos obtidos até os dias atuais. Analisou-se artigos que relatam sobre as fases psicológicas do luto, o impacto do coronavírus na população brasileira, os rituais de alguns países do mundo . Foram utilizadas as bases de dados do Sielo e Google acadêmico por meio das seguintes palavras chaves: COVID-19, luto antecipatório, rituais fúnebres, cultura do luto, psicologia no processo de luto, livro Amor & Perda e Notas sobre o luto. 

5. REFERENCIAL TEÓRICO 

Estudos têm revelado que tanto a pandemia propriamente dita quanto as medidas adotadas para contê-la parecem impactar a saúde mental, aumentando o risco para surgimento de sintomas de estresse, ansiedade e depressão, o que vem sendo identificado na população geral (WANG et al., 2020, p. 2). 

A pré-história sublinha a importância dos rituais na perda por morte. A psicologia intensifica a importância da ritualização de um ente morto, elaborando uma nova maneira de viver a partir da dolorosa despedida de um enlutado. Pelas vertentes múltiplas da psicologia, os ritos, as fases, o enfrentamento do luto alumiará a compreensão e codificação do indivíduo em sua leitura subjetiva da vida. A COVID-19 impactou diretamente no direito a acomodação sentimental de um familiar por perda proveniente do coronavírus, colidindo com os mecanismos milenares que a pré-história demonstra no cuidado de seu morto. Assim criou, a partir da COVID-19 uma lacuna mental entre o existir e o vazio de ser privado ao acompanhamento físico de seu familiar intubado e no processo de luto e sepultamento. 

Até quem não perdeu familiares na pandemia da COVID-19, viveu o isolamento social, fazendo com que as pessoas permanecessem reclusas em suas casas. O descumprimento dessa “ordem social”, festas e aglomerações clandestinas, saídas desnecessárias sem o uso da máscara descartável ou de pano, resultava em multas sociais na maioria das cidades, fechamento de empresas e escolas e a incerteza de quando terminaria a drástica pandemia. Quem já sofria de ansiedade, depressão e doenças psicossomáticas teve que lidar com o viver repentino de isolamento aumentando seu sofrimento psíquico, enquanto os enlutados experimentavam um sentimento de vazio sobre as perdas em massa que a COVID-19 vitimou. 

As lembranças dolorosas e persistentes impedem que surjam lembranças felizes, e isso interfere no trabalho do luto. Sendo assim, para Parkes (1998), é razoável assumir que essa é uma das razões para a longa duração das reações traumáticas de luto repentino/inesperado como prediz o artigo das autoras Crepaldi et al. (2020) (SCHMIDT; NOAL; BOLZE et al., 2020, p.46). 

O ser humano possui mecanismos de defesas que o impedem de ampliar sua alegria sobrepondo a sua tristeza, dor e sofrimento vivido em eventos traumáticos. O luto tem suas fases e é de suma importância vivenciá-las em seu contexto de vida, respeitando seu próprio tempo ainda que o tempo não seja lógico. Criar uma nova postura, romper com alguém que por anos ocupou um lugar terreno é complexo em demasia, se o vínculo de rito é cortado, perde-se o sentido de perda, de cuidado ao morto, dificulta a ressignificação do ente perdido por morte anuviando os pensamentos e o comportamento como lembrança do ente vivo. A psicologia auxilia na organização da mente intangível, que perdeu contato a partir do momento que seu ente querido acometido pelo vírus da COVID-19, deu entrada em uma unidade hospitalar ficando sob domínio da equipe de saúde, impedido de receber visitas até o enterro de caixão fechado quando se dá o óbito. É de suma importância não só a realização do velório, como o acompanhamento hospitalar fisicamente do familiar ao seu ente entubado. “A morte é um assunto pouco abordado na sociedade contemporânea, sendo compreendida como algo a ser combatido e não como um evento natural da vida” (CREPALDI et al., 2020, p.44). Culturalmente no Brasil, não se é discorrido sobre a morte como processo natural, não se aprende sobre a importância do enfrentamento ao luto como meio comum, ato que fatalmente, todos, sem exceção viverão um dia. Tais práticas acarretam doenças psicossomáticas e psicológicas gerando tamanho sofrimento e indagações pessoais e divinas em sua maioria. Para Freud, o sentimento de imortalidade acometeu o ser humano tornando-o sofredor pela perda de alguém, mas não se vendo no lugar de quem morreu. Em suma, a psicologia edifica junto ao paciente uma nova forma de viver e ajuda na construção de novas lembranças a partir do que se viveu com seu ente querido. 

6. CRONOGRAMA 

Ano: 2023 Março Abril Maio Junho
Delimitação do Tema x
Levantamento Bibliográfico x
Leitura da Bibliografia x
Elaboração do Projeto x
Preparação para Apresentação do Projeto x
Apresentação do Projeto TCC 1 x

1SANTOS, Vanessa Sardinha dos. “Origem da vida”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/origem-vida.htm. Acesso em 18 de março de 2023. 

2PORFíRIO, Francisco. “Tales de Mileto”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/tales-de-mileto.htm. Acesso em 22 de março de 2023. 

3ESCOLA, Equipe Brasil. “Estudo Teórico da Morte”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/psicologia/estudo-teorico-morte2.htm. Acesso em 09 de abril de 2023. 

4SANTOS, Vanessa Sardinha dos. “Coronavírus (COVID-19)”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/doencas/coronavirus-covid-19.htm. Acesso em 10 de abril de 2023.


7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

Crepaldi, M. A., Schmidt, B., Noal, D. S., Bolze, S. D. A., & Gabarra, L. M. (2020). Terminalidade, morte e luto na pandemia de COVID-19: demandas 

psicológicas emergentes e implicações práticas. Estudos de Psicologia (Campinas), 37. REVISTA PSIQUE. Juiz de Fora, 2016. 

Brazilian Journal of Development. Perdas, mortes e luto durante a pandemia de COVID-19: uma revisão sistemática. Brazilian Journal of Development. Curitiba, v.7, n.9, 2021. 

FUNDAÇÃO ROBERTO ROCHA BRITO. FRRB. 2020. O que significa “Pronar o Paciente”? Disponível em: < https://www.frrb.com.br/2020/04/29/o-que-significa pronar-o-paciente/ > Acesso em: 10 de nov.de 2022. 

BRASIL. O que é a COVID-19? Disponível em:<https://www.gov.br/saude/pt br/coronavirus/o-que-e-o-coronavirus> Acesso em: 10 de nov.de.2022. 

BOL.16 Celebrações diferentes para o “Dia de Finados”. 2015. Disponível em: <https://www.bol.uol.com.br/listas/16-celebracoes-diferentes-para-o-dia-de-finados.htm> Acesso em : 04 de nov.de.2022 

SOUZA, Christiane Pantoja; SOUZA, Airle Miranda Rituais Fúnebres no Processo do Luto: Significados e Funções. Psicologia : Teoria e Pesquisa. 2019. 

SILVA, Daniel Neves. As piores epidemias da história. Mundo Educação, 2022. Disponível em : https://mundoeducacao.uol.com.br/curiosidades/as-piores epidemias-historia.htm Acesso em: 08 de out. de 2022. 

SANTOS, Wigvan Junior Pereira. Filosofia Grega. Mundo Educação, 2022. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/filosofia-grega.htm Acesso em 07 de out. de 2022. 

CARNAÚBA, Raquel Arruda et al. Luto em situações de morte inesperada. REVISTA PSIQUE, Juiz de Fora. 2016. 

PARKES, Colin Murray. Amor e Perda : As raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus, 2009.