REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11046981
Ana Carla Pereira Chaves Da Silva1
Diogo Rogério Carlos2
Helison Cleiton Dos Santos Ferreira3
Williane Karen De Araújo Farias4
Thaís Alves Da Silva5
Jaiana Saraiva Do Nascimento6
RESUMO
A morte de um filho ainda no ventre gera silêncio e preconceito diante da sociedade, onde o espaço para falar da dor e da angústia dos pais e familiares é pouco reconhecido socialmente. A perda gestacional não é apenas a morte fetal, mas, a perda do sonho de ser mãe e de ser pai, perda dos projetos e planos de vida idealizados, das expectativas depositadas no nascimento desse filho. Diante disso, buscou-se, através de uma revisão da literatura, compreender as fases do luto, as particularidades do processo da perda gestacional, seus principais aspectos, analisando numa perspectiva psicanalítica o processo de luto pela perda gestacional. Compreendendo como se configura a relação dessa mulher-mãe com o objeto perdido, discutindo os fatores socioculturais e religiosos que podem interromper ou dificultar a elaboração do processo do luto.
Palavras chaves: Perda Gestacional. Luto. Psicanálise.
ABSTRACT
The death of a child still in the womb generates silence and prejudice in the face of society, where the space to talk about the pain and anguish of parents and family is little socially recognized. Gestational loss is not just fetal death, but the loss of the dream of being a mother and father, loss of idealized life projects and plans, of the expectations placed on the birth of this child. In view of this, we sought, through a literature review, to understand the stages of grief, the particularities of the process of gestational loss, its main aspects, analyzing the process of mourning for the gestational loss from a psychoanalytic perspective. Understanding how this woman-mother’s relationship with the lost object is configured, discussing the sociocultural and religious factors that can interrupt or hinder the elaboration of the grieving process. Keywords: Pregnancy Loss, Mourning, Psychoanalysis.
INTRODUÇÃO
Não é de hoje que a ciência se interessa pelos assuntos relacionados aos processos de luto, ao estudo da morte, e às fases vivenciadas pela pessoa enlutada. Os processos de elaboração de luto nem sempre são lineares e bem resolvidos; em muitos casos, podem ser conflituosos, levando os sujeitos a estagnarem numa das cinco fases, que vão da negação, passando pela raiva, barganha, depressão até chegar na aceitação (Ross, 1996). Na primeira fase, a negação funciona como um para-choque depois de notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo, mobilizando outras medidas menos radicais (Ross, 1996). Já na segunda fase, quando não é mais possível manter firme o primeiro estágio de negação, ele é substituído por sentimentos de raiva, de revolta, de inveja e de ressentimento (Ross, 1996). O terceiro estágio, o da barganha, é o menos conhecido, mas igualmente útil ao paciente, embora por um tempo muito curto (Ross, 1996). A maioria das barganhas são feitas com Deus, são mantidas geralmente em sigilo. A quarta fase é a depressão; é um instrumento na preparação da perda de todos os objetos amados, para facilitar o estado de aceitação. A última fase, a aceitação é como se a dor tivesse esvanecido, a luta tivesse cessado e fosse chegado o momento do repouso derradeiro (Ross, 1996).
Refletir e buscar compreender as dificuldades de elaboração de luto decorrente de óbito de feto, que chamaremos nesta pesquisa, genericamente de luto por perda gestacional, como também, pensar nos processos emocionais que essa mulher-mãe experiência é de grande importância, e justifica por si a necessidade da pesquisa. É comum evitar o assunto sobre a morte e sobre os processos do “morrer”, e este tem sido o movimento mais comum na sociedade: a fuga do assunto e da discussão que é tão necessária. A negação da dor não elimina a sua existência. Os processos de luto não são iguais, e o luto pela perda gestacional exige uma ampliação de olhar para o acontecimento, onde é imprescindível uma descrição do psiquismo da mulher que acaba por desvelar-se na situação de perda do bebê.
Segundo Edler (2021), o luto em sua profundidade, em um fator não elaborado, pode tornar-se um luto patológico, e ao observar a lacuna existente diante do luto por perda gestacional, ou seja, a pouca importância como esses lutos são apresentados no contexto social, em que se anula e invalida esses processos, percebem-se os riscos para a saúde dessas mulheres-mães, principalmente no que toca o desencadeamento de um quadro profundo de melancolia. Culturalmente, é mais comum nas falas da mulheres-mães a narrativa de que os filhos que as enterrarão, sendo comum escutar que “os filhos que devem enterrar as mães e não as mães os filhos” Essa narrativa parte de uma perspectiva de morte no envelhecimento, não considerando mortes inesperadas, acidentes e tragédias.
A perda de um filho é um dos acontecimentos mais difíceis de aceitar, pois nenhuma mãe deseja, nem espera enterrar seu bebê. Segundo Edler (2021), o luto é o afeto que emerge quando perdemos alguém muito amado ou algo que nos é precioso. Compreendendo que a perda gestacional tem suas singularidades distintas em relação a outros processos de luto, por não reconhecimento do objeto perdido, este artigo propõe analisar este processo numa perspectiva psicanalítica, observando o componente narcísico como também o componente objetal; refletindo sobre os conflitos que surgem como obstáculos no processo de elaboração desse luto. A pergunta norteadora da pesquisa é: como se configura a relação dessa mulher-mãe com o objeto perdido?
A partir de um debruçar-se na literatura psicanalítica, buscar-se-á mostrar como a melancolia pode surgir interrompendo o processo natural do luto, fazendo com que ele não seja elaborado como precisa ser, e como essa melancolia também poderá, inconscientemente, colocar o sujeito em uma posição de busca constante para recuperar o objeto perdido. No primeiro capítulo será apresentado o conceito de luto normal e patológico, como a psicanálise olha para esses processos e fases de luto, e o que os principais autores psicanalíticos (Freud, Lacan, Melanie Klein), escrevem sobre luto e melancolia. No segundo capítulo se discutirá, a partir de uma revisão da literatura, o sofrimento psíquico no processo de luto pela perda gestacional. No terceiro e último capítulo, a discussão dos resultados.
Esta pesquisa revelou que o sofrimento psíquico pela perda gestacional não se dá só pelo objeto perdido, mas também pela perda de um projeto de vida, que, em geral permeia ao nível cultural e social; que pode gerar traumas, devido as diversas projeções e idealizações diante de uma gestação. Essa mulher enlutada necessitará de uma rede de apoio, de suporte e tratamento psicológico para elaborar o processo do luto.
METODOLOGIA
Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, de natureza exploratória. A concepção qualitativa, segundo Chizotti (1988), apresenta como pressuposto a existência de uma relação de funcionamento entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (CHIZOTTI, 1998, p. 79). A finalidade desta não é contabilizar opiniões, nem analisar os dados estatísticos, mas caracteriza-se como pesquisa exploratória porque é um estudo inicial onde poderá se conhecer mais sobre a temática do luto por perda fetal numa perspectiva psicanalítica. Nesse sentido, para constituição do corpus da pesquisa foram pesquisados artigos nas bases de dados Google acadêmico, Scielo e Livros.
A pesquisa ocorreu entre julho a novembro de 2022. Para tanto, as palavras de busca em fonte digital foram: Luto Gestacional; maternidade; psicanalise; vínculo materno. As palavras foram pactuadas de diferentes modos para que fosse rastreado o máximo possível de artigos não repetidos. Os critérios de inclusão da amostra foram: artigos publicados no período de 2007 a 2020 que contemplassem o tema do presente estudo. Os critérios de exclusão se enquadram em artigos incompletos, repetidos em uma mesma base de dados, que se distanciavam do tema da pesquisa, que não estivessem escritos em português ou inglês, que já fossem revisões que estivessem fora do recorte temporal estabelecido.
Sobre a pesquisa bibliográfica pode-se afirmar que: É desenvolvida a partir de material já elaborado, construído principalmente de livros e artigos científicos. Em quase todas as investigações seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há inquirição desenvolvidas unicamente a partir de fontes bibliográficas. (GIL, 2008, p.50). A análise de dados delimita o caráter exploratório e descritivo deste estudo. Segundo Gil (2008), a pesquisa exploratória é desenvolvida visando proporcionar uma visão geral e aproximativa do fenômeno estudado, consiste numa primeira etapa de estudos com vistas a uma investigação futura mais ampla. Optou-se por uma análise de dados descritiva (Gil, 2008).
MATERNIDADE, LUTO E PSICANÁLISE
O vínculo mãe-filho é idealizado muito antes da gestação concretizada. A mulher, enquanto menina, é induzida inconscientemente a uma preparação para a gestação, no brincar de boneca, fantasia seu futuro, no lugar de mãe e no cuidar materno. Assim, surge na relação de amor com o objeto. Para Klein (1969), a vida fantasmática se sustenta nos processos de introjeção e projeção, que são fundamentais na formação do ego e do superego primitivo. Isaa (1982), ainda ressalta que a compreensão da relação entre mecanismos e fantasias fica mais claro quando se pensa a relação de ambos com os instintos (pulsões). Para ela, a fantasia é um elo operante entre o instinto e os mecanismos do ego (ISAA, 1982. p. 113).
Podemos afirmar que a forma lúdica é um operante para a construção da relação com o mundo externo e interno, possibilitando a construção da estrutura psíquica. Ao brincar de casinha, a criança exerce a função de mãe, portanto projeta estar nesse lugar materno, e assim, o desejo desse lugar é idealizado muito cedo na vida da mulher. O processo de construção da maternidade, inicia-se muito antes da concepção, a partir das primeiras relações e identificações da mulher, passando pelas atividades lúdicas infantis, a adolescência, o desejo de ter um filho e a gravidez propriamente dita.
Contribuem também para este aspectos transgeracionais e culturais, associados ao que se espera de uma menina e de uma mulher, tanto dentro da família como numa determinada sociedade. (PICCNINI, 2008, p.64). Quando é confirmado a gravidez, algumas idealizações são concretizadas com as experiências da gestação; as rotinas de exames; os rituais de preparativos para chegada do bebê, todas as experiências vão deixando marcas na psique e fortalecendo o vínculo mãe e filho. Assim, afirma Marson (2008), que cada movimento do filho, quando se mexe ou chuta no seu ventre da mãe, os enjoos, as dores, as preocupações, tudo vai deixando marcas para ela, que passa a concentrar-se nas necessidades do filho, e essa energia para gerar e cuidar desse filho, pode ser chamada de libido.
Segundo Freud (1917), a libido, de maneira análoga à fome, designa a força com que o instinto se manifesta. Pode-se considerar que a libido seja colocada como a energia viva no papel marterno, nesse processo de gestação onde ocorre o maior investimento no seu filho, devido á busca de satisfação na relação materna. Além disso, existem reflexos dos vínculos que a mãe tem ou já teve em sua vida. Gutierrez (2011), diz que as vivências da maternidade terão como pano de fundo todos os outros vínculos da vida da mãe, essencialmente o vínculo primitivo com seus pais.
Na psicanálise busca-se compreender o narcisismo materno, que segundo Freud (1917), refere-se a conduta em que o indivíduo trata o próprio corpo, como se este fosse um objeto sexual. No narcisismo, a libido é inclinada para seu próprio Eu. Numa perspectiva psicanalítica, quando a mulher estar gestante direciona sua libido para seu filho, como o prolongamento do seu próprio corpo, e isso seria a tradução do narcisismo materno.
Ferrari (2006), expõe o narcisismo apresentado por Freud, no tipo narcísico, ama-se a si, ao que se foi, ao que se gostaria de ser e à pessoa que foi parte de si. Com isso passa de libido narcísico, dirigido ao seu próprio Eu, para a libido objetal, dirigido a um objeto externo ao Eu, e quando um aumenta o outro é diminuído. Nesse processo de gestação, o narcisismo da mãe é vivenciado como um estado especial por carregar um bebê no próprio ventre. Piccinini (2008), afirma que ao valorizar seu filho, a mãe está também valorizando a si. Quando esse sonho de gestar é interrompido, o luto se dá em múltiplas configurações da existência humana, manifestando-se nas diversidades de experiências e na subjetividade humana relacionada à perda. Para Freud (1917), o luto é descrito sendo um rompimento, a perda do objeto, onde tenho um investimento alto da libido. Portanto, o luto, justifica-se pelo fato do objeto amado não mais existir, ou pelo fato do mesmo não fazer mais parte de sua estrutura de vida. Bousso considera que: O luto é a consequência da experiência da perda que acontece sempre que nossa vida for afetada pelo o término de uma relação, de um projeto ou de um sonho. Ele significa um amargor emocional profundo causado pela perda, uma tristeza forte, um processo dinâmico individualizado e multidimensional pelo qual o indivíduo que perdeu algo significativo atravessa. (BOUSSO, 2011). É essencial que a libido investido, seja desse objeto amado (FREUD, 1914-1916 ), tal processo será cumprido, pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e energia de investimento, e uma vez concluído o trabalho de luto, o ego fica novamente livre e desinibido.
Quando acontece a perda gestacional, trata-se de uma perda real do objeto amoroso, o vínculo que existe na relação mãe-filho é rompido pela a morte e a mãe precisa enfrentar isso, sendo, que em sua mente, ocorre o que Freud chamou de trabalho de luto (FREUD, 1915). Na quebra da projeção materna, o objeto amoroso não existe mais; as idealizações do futuro bebê precisam ser reelaboradas, pois a continuação das idealizações desse vínculo, estão longe de sua realidade atual. Freud afirma: A cada uma das recordações e expectativas que mostram a libido ligado ao objeto perdido, a realidade traz o veredito que o objeto não mais existe, e o EU, como que posto diante de uma questão de partilhar ou não esse destino, é convencido pela soma das satisfações narcísicas em estar vivo, o romper seu vínculo com o objeto eliminado. Podemos imaginar que esse rompimento ocorra de modo tão lento e gradual que, ao fim do trabalho, também a dispendia que ele requeira foi dissipado (FREUD , 2013, P. 189 ).
Apenas essa mãe encontra-se nesse lugar de sofrimento, assim, é a única pessoa que pode verbalizar e dar significado a essa dor, aos porquês, diante da situação, aos seus sentimentos de culpa e suas dificuldades de negação. Freud (2010), afirma que se deve deixar o paciente livre para falar o que quiser e para escolher por onde começar seu relato. No primeiro contato consiste numa sondagem para conscientização do caso, deixando o paciente livre para falar-lhe guinado só o que for necessário para que ele consiga realizar a narrativa da sua história, sabendo que poderá surgir maneira contextualizada ou descontextualizada. Assim, irá surgir a transferência entre a mãe e o psicanalista, o que possibilitará que a mãe expresse todas as lembranças da gestação a suas idealizações diante do futuro bebê, do parto e dos cuidados. Ireland afirma que: A relação de transferência que se estabelece entre o terapeuta e a mãe pode incluir que a mãe coloque o terapeuta no lugar de sua própria mãe, sentindo-se amparada, segura, ocorrendo o que pode chamar psicanaliticamente de um revestimento narcísico, no qual a mãe em luto volta-se para si, por intermédio do laço que tinha com a própria mãe (IRELAND, 2011).
Além de relatar seu desejo de ser mãe, as fantasias no lugar de mãe, os sonhos em relação à chegada do bebê e o futuro do filho. Todos esses questionamentos são marcados de comoção e sofrimento, e precisam ser acolhidos, levando em consideração esse lugar de perda que a mãe se encontra. Conforme Macedo e Falcão (2005), a psicanálise visa escutar com atenção os lapsos, as repetições, os sonhos e os sintomas expressados pelo sujeito, possibilitando a este, recordar, analisar e interpretar os fatos por si.
De acordo com Freud (2010), no seu ensaio “recordar, repetir e elaborar”, a clínica psicanalítica facilitará a mãe a recordar suas vivências na gestação, repetir situações no ambiente analítico e elaborar sua perda. Nesse processo, poderão surgir resistências por parte da mãe, sabendo que a resistência é o meio pelo o qual alguns conteúdos valiosos para o entendimento da história do paciente não são apresentados, ficando ocultos. Com isso, o analista irá auxiliar a mãe nesse processo de reencontro com seus conteúdos, facilitando a reelaboração da sua perda. O trabalho de simbolizar e elaborar a perda, reencontrando novos caminhos para o desejo, leva certo tempo e envolve algum pesar. É por meio desse deslocamento que esses objetos de amor podem ser desinvestidos e o sujeito passa a encontrar novos substitutos.
Evidentemente, esse avanço não é tão simples, pois envolve não apenas se defrontar com um objeto substituto, mas elaborar as fantasias conscientes e inconscientes que são ativadas com a perda de objeto. O movimento do luto é, portanto, um redimensionamento das fantasias e defesas do psiquismo, em busca de um novo equilíbrio de forças. (CAMPOS, 2013, p. 16). Entende-se a complexidade do processo de luto devido os vários fatores de ordens culturais, podendo compreender o sentindo que a mãe dá a gestação, suas idealizações e necessidades nesse lugar de mãe, entre outros fatores. Portanto, é necessária uma análise minuciosa para fazer as intervenções qualificadas e facilitar o processo do luto gestacional.
LUTO PELA PERDA GESTACIONAL: UMA REVISÃO DA LITERATURA
A perda gestacional é um fenômeno recorrente no Brasil e no mundo todo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), no ano de 2015, foram contabilizados mais de 25 mil casos de óbito fetal no país. No mundo, a World Health Organization (WHO, 2016), estima que houve 2,6 milhões de casos de natimortos (perda gestacional tardia) no ano de 2016. Para a WHO (2016), os casos de morte perinatal são sub registrados, o que dificulta um mapeamento mais preciso e limita possibilidades na qualidade da atenção.
O Ministério da Saúde (2009), afirma que óbito fetal é a morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, com peso ao nascer igual ou superior a 500 gramas, ou 145 dias de vida. Segundo o Ministério da Saúde (2009), ocorre o óbito quando acontece a separação, e o feto não respira; e quando não tiver sinais vitais. Apesar dos avanços no Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal, quando se trata de óbito fetal, os casos têm sido negligenciados por vários dispositivos de saúde que não visam um trabalho de análise de sua ocorrência e tampouco as instituições garantem o custeou para sua prevenção, como também na promoção de redução de danos sociais, estruturais e psicológicos para a celular familiar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
É preciso, portanto, estruturar uma rede de apoio com uma dimensão ampla, desde a saúde integral da mulher, visando não só o acompanhamento médico, mas também, a assistência psicológica, afim de minimizar danos psicológicos. Quando acontece o rompimento gestacional, é desafiante para a família saber lidar com essa nova realidade. Segundo Iaconelli (2007), o luto de um bebê recém-nascido desloca em si um aspecto de inerente incomunicabilidade e atrai, por sua vez, olhares de incompreensão. O luto gestacional acaba cercado de tabus, cercado de mitos; a sociedade trata a situação de perda como menor importância. É necessário desmitificar essas concepções, dando voz a essas mães e pais, que carregam consigo dores silenciadas pela cultura ocidental.
Como ponto de discurso, é necessário discorrer sobre o que afirma Gesteira (2006), que traz os três mitos do luto na perda gestacional. No primeiro mito, a dor do luto na perda gestacional é menor. Gesteira et al. (2006), define o luto como uma reação normal e esperada diante de um vínculo criado com o filho idealizado, gerando a interrupção de sonhos, provocando frustração e dor. Como pontua, Defey (1992), a morte de um feto está associada também a perda de um projeto de vida; e essa dor não está apenas ligada a perda da idealização do filho, mas de todo um planejamento que remete no presente e futuro que esse feto estava inserido.
O segundo mito alimenta a ideia que ter outro filho faz com que a dor do luto acabe (GESTEIRA, 2006). Segundo Gesteira (2006), a psicologia entende que para esvaecer a dor psíquica de uma perda, são indispensáveis que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca repudiada. Portanto, o caminho para a ressignificação do luto, não está na substituição do filho perdido, mas em reconhecer sua angústia, a sua dor, e isso, feito sem julgamento, sem culpabilização ou redução da dor do enlutado.
No último mito, surge a ideia de que os homens não sofrem com a perda gestacional, pois para o senso comum, existe a crença equivocada de que o homem não desenvolve o vínculo efetivo antes do nascimento (GESTEIRA, 2006). Segundo Maldonado (1986), com frequência o pai é grosseiramente comunicado da morte do bebê, com raros momentos em que lhe é permitido desabafar e demonstrar a dor de ter perdido o filho. O homem é colocado em uma posição de suporte para apoiar a mulher, deslegitimando sua dor; o silenciando, e o retirando totalmente do lugar de pai enlutado. É possível observar que na cultura ocidental, os homens e pais vivenciam a supressão de seus sentimentos, ou seja, eles são impossibilitados de expressar suas dores, seus afetos, suas fragilidades ou potencialidades emocionais; sendo exigido, pois, que ajam como seres racionais e provedores (QUINTANS 2018, p. 18). Estudos de vários autores como CURI (2016); DUARTI e TURATO (2009); LOPES (2017); SAUBIEUY e CAILLAUD (2015), mostram as singularidades nos processos de luto por perda gestacional, os autores comungam em apontar que o processo tem características únicas por se tratar de um momento em que estão se estabelecendo os vínculos pais-bebê (AGUIAR & ZORNIZ, 2016).
Para Lemos e Cunha (2015), a falta de rituais é um dos maiores problemas nos processos de luto por perda gestacional, dificultando a elaboração. Sem a possibilidade dos rituais para o funeral, tal processo, pode possibilitar a negação do falecimento do bebê. O bebê é parte do imaginário gestacional, pautado por idealizações (LEMOS & CUNHA, 2015). Na gravidez, com as transformações corporais e psíquicas, surge o narcisismo materno (FREIRE & CHATELARD, 2009), onde primeiro a mãe engloba o investimento no bebê ideal, que é modificado com a quebra das expectativas do bebê real. Quando ocorre o rompimento na perda gestacional, esse encontro com o bebê real é interrompido, originando uma ferida narcísica (IACONELLI, 2000).
As projeções em relação a esse bebê ideal retornam para a mãe que vivência sentimentos que se aproximam como “um deixar morrer uma parte de si” (AGUIAR & ZORNIG, 2016). A mulher vive o luto, pois foi negado a capacidade de procriação dessa gestação (MCDOUGAL, 1997). Devido às tendências narcísicas da perda gestacional, o filho perdido pode se constituir como um objeto melancólico (SOUBIEUY & CAILLAUD, 2015), o que para Freud significa má elaboração, pois, segundo ele, no luto descrito na melancolia não fica claro o que foi perdido com o objeto, mesmo que o sujeito tenha consciência do que perdeu. (Freud, 1917-1974). Simplificando as narrativas psicanalíticas, pode-se dizer que na perda gestacional é difícil vislumbrar o que se perde com o filho perdido.
O Ministério da saúde (2010), destaca os procedimentos físicos que podem desencadear uma experiência da perda na ordem do traumático; dependendo do manejo da retirada do feto, em abortos precoces, é realizado a aspiração manual intrauterina ou a curetagem; enquanto nos tardios, um parto por condutas expectantes ou ativos. Assim, a mulher que vivência esses procedimentos sem o manejo correto, pode ter dificuldades nos processos de elaboração e representação (FREUD, 19151916/1980).
Segundo Rei, Ramires e Berlinck (2014), o parto em si poderia ser entendido como uma experiência dessa ordem, com intensas dificuldades de elaboração psíquica, já que um de seus efeitos acarreta corpo partido e atravessado por uma dor à beira do insuportável, mas que existe o auxílio do bebê no processo de expulsão. Na perda gestacional, esse auxílio não ocorre e, após a extração do feto, não há o alívio de encontrar o bebê vivo nos braços, situação que poderia amenizar a dor física. Defey et al., (1992), afirma que os procedimentos físicos proporcionam dor psíquica com angústias relacionadas à perda gestacional e que essas angústias podem ou não vir a ser elaboradas posteriormente. Tudo pode ser agravado, quando falta o reconhecimento social referente a perda no processo de luto, e quando não se tem a atitude e a atuação da equipe de saúde (MCCOLLUM, MENEZESM & REIS, 2017); a falta de estruturação do ambiente e dos serviços (POSTINGHER, 2018), a ausência dos rituais de despedida ou a possibilidade de ver/contatar o bebê falecido (CANAVARRO, 2006), são fatores que comprometem o processo natural do luto, fazendo com que as angústias não sejam bem elaboradas.
Para esses autores anteriormente citados, são esses elementos que contribuem para uma negação da perda gestacional perante a sociedade e que anula a singularidade do sujeito, dificultando a elaboração psíquica dessa experiência. Outras vezes, mulheres que sofreram com a perda gestacional, são colocadas no quarto de recuperação (enfermaria) com mães com seus filhos, demonstrando assim, a falta de empatia com essa mãe e com a sua perda, desqualificando e deslegitimando a dor existente, revelando a falta de espaço para uma dor na qual a sociedade tenta anular.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram coletados 9 artigos, nas plataformas Scielo e Google acadêmico e 2 livros. Dentre esses 2 artigos foram descartados devido a não corresponder com os objetivos gerais e específico proposto neste artigo. Os 7 artigos e 2 livros apresentaram fatores consideráveis, que confirmam as hipóteses iniciais dessa pesquisa, considerando que uma das peculiaridades deste luto por perda gestacional é a impossibilidade de espaços na sociedade, como também o não reconhecimento. Isso ocasiona efeitos nefastos no psiquismo da mulher (MATHELIN, 1999, p. 17).
O processo de elaboração de luto tem suas dificuldades comuns e naturais, tensões próprias em cada uma das fases, como bem estruturou Ross (1996). Porém, mesmo com a consciência das dificuldades de elaboração do luto, a sociedade não lida com as demandas relativas à morte, desviando o contato com a angústia por meio da fase da negação do sofrimento. Esta negação acontece como movimento da sociedade e como movimento das mães e dos pais também, no caso dos genitores, entende-se essa negação como a perda da possibilidade de representação. Para Freud (1917), na ordem do traumático isso é assimilado como uma experiência, cuja proporção requer intensa energia psíquica que no momento do luto não encontra circunstâncias para ser operacionalizada.
Soubieux (2014), ressalta que o lugar do feto morto no psiquismo dos pais não será o mesmo para todos. Por sua vez, Bleichmar (1994), fala-nos de um compartilhar do psiquismo da mãe que dá empréstimo narcísico ao filhote humano, recuperando um termo em desuso, o “ego auxiliar materno”. Neste espaço psíquico, ela projeta a construção do espaço físico, quarto, enxoval, as conversões corporais, e tudo vai construindo as identificações, sendo do sexo masculino, as brincadeiras de bola com o pai, sendo sexo feminino, as brincadeiras com a mãe, (BLEICHMAR, 1994). Podese dizer ainda que “o período que antecede a ‘comoção psíquica’ é de autoconfiança e de suposição de se estar seguro” (FERENCZI, 1992, p. 109). Se por um lado é notável a sensação de plenitude e de poder na gravidez, por outro lado, a mulher-mãe sente-se frágil e ansiosa, fazendo idealizações, atribuindo a gestação o caráter de “bênção”. Essa fantasia onipotente cria um solo favorável para uma consequência traumática quando acontece a perda gestacional.
Green (1988), aponta os efeitos funestos de um luto não elaborado, como, por exemplo, a impossibilidade de a mãe enlutada e deprimida vir a cuidar do restante da prole. Segundo Gesteira (2006), os principais aspectos do luto na perda gestacional são as sensações físicas de sangramento e dor; os sonhos que se desfazem; a sensação de vazio; a impotência; a culpa; o impacto nas futuras gestações e nos relacionamentos conjugais; a perda silenciada; a ideação suicida; o medo de engravidar novamente; ainda, as oscilações de sentimentos e a desesperança em achar que a dor será algo permanente. Ainda surgem pensamentos negativos que apontam para um fim breve, indisposição, entre outros. Para Klaus (1992), quando um bebê morre, geralmente elimina-se rapidamente qualquer evidência da morte; o que torna sua comprovação ainda mais árdua de ser reconhecida e elaborada. As instituições hospitalares não oferecem práticas e suportes que possibilitem que pais enlutados possam ressignificar suas vivências livremente, sua comoção de luto. Soubieux (2015), afirma que o reconhecimento e a elaboração dessa implicação em um espaço reflexivo são essenciais, porém, não existe a prática de estimular os pais a verem o bebê que morreu, nem mesmo a verbalização dessa perda é considerada importante, e tende a ser evitada. Após o óbito fetal, o que resta aos pais são poucas recordações, sendo elas sempre no âmbito das idealizações, já que não existiu contato com esse feto, que na idealização é um filho.
Lewis (1979), enfatiza a importância de se estabelecer a identidade do natimorto e nos lembra que um falecimento sem um corpo (que não tenha sido visto por seus pais) parece irreal. Socialmente, culturalmente, o luto após o nascimento de um bebê morto não conta como experiências a serem relembradas após o parto, as mães e os pais são privados dessas lembranças, elas, que são tão necessárias para a entrada no trabalho de luto. Os autores apontam que o maior problema está nesse luto silenciado, mas também negado. Qual o lugar para a dor das mães e dos pais que vivenciam os lutos por perdas gestacionais? Esses pais são invadidos por um senso de não existência, que supomos ser ainda maior em mulheres que estão maciçamente sedadas durante o parto (LEWIS, 1979).
Soubieux e Caillaud (2015), indicam que a morte do bebê e a passagem por um terrível momento de crise e de perturbação da identidade, multiplicam ao infinito os efeitos conhecidos do pós-parto, configurando um verdadeiro trauma. Lewis (1979), observou que após o parto de um natimorto, a mãe experimenta um senso duplo de perda. O vazio é sentido, naturalmente pelas mães após o parto, mesmo com o bebê vivo, entretanto, a sensação de perda é confortada por seu bebê real, que supera a estranheza da perda de seu bebê de dentro (LEWIS, 1979, p 12). No natimorto, a mãe lida tanto com um vazio interno quanto com um vazio externo. Esse vazio provoca uma perda de identidade, no qual o narcisismo dos pais entra em cena, alimentando as feridas narcísicas. Assim, é comum que o pai se sinta excluído da dupla mãe-bebê e vivencie o bebê como um antagonista, reacendendo sua própria vivência infantil de se sentir excluído da relação dos pais, ou que a mãe se sinta inadequada na função materna por não conseguir abrir mão de um modelo idealizado (Zornig, 2010). Sua utopia e suas fantasias se deparam com a violência da realidade, e a morte indica o fracasso e a impotência desses pais. Mathelin (1999), afirma que o bebê deixa a mãe sozinha diante de sua angústia, ele falta ao encontro da reparação. Nesse sentido, as experiências dessa gestação, especialmente no acontecimento do parto ou extração, tendem a suscitar imaginação positiva ou negativa, a serem revividas nas recordações da mulher, posteriormente. Em estudo de Lopes et al (2005), foi observado que após três meses se constatava ainda repercussões do parto no estado emocional, e que poderiam se prolongar por toda a vida. Com isso, o fato de a gestação ser constantemente vivenciada como um momento de completude, pode aumentar o risco para desencadear efeitos traumáticos, quando acontece a perda (IACONELLI, 2007).
No que concerne à perspectiva da psicologia, a perda gestacional tem sido abordada na literatura científica, especialmente no sentido de capturar as vivências das mulheres que excepcionalmente tem experiência da perda de um bebê (CARVALHO & MEYER, 2007. DUARTE & TURATO, 2009. SANTOS, ROSERBERG & BURALLI, 2004). Os autores vão pontuar que em muitos casos, a mulher revive nuances do processo de luto, mesmo já tendo elaborado essa perda, isso acontece em momentos como ao encontrar um bebê que tem a mesma idade que teria o filho perdido (DEFEY, DIAZ, NINEZ & TERRA, 1992), ou em pensar sobre uma futura gestação (BOWLBY, 1973/1980). Nos artigos com pesquisas de campo, que incluíam entrevistas com mulheres que sofreram ou sofrem por perda gestacional, constatava-se que na maioria das delas, havia referências a sentimentos de extrema de dor, sensação de vazio, e isso independentemente dos números de meses transcorridos desde o óbito gestacional (GONZÁLES, BELA, CALVA, LÓPES & PICJARDO, 2011).
Sobre os aspectos psicológicos da perda gestacional, Brazeltom (1988), afirma que o contato estabelecido entre mãe e filho durante a gestação não se resume a dimensão fisiológica, ou seja, durante a gestação o vínculo não seria apenas corporal, mas também emocional, a partir das experiências dos movimentos corporais diversificados, dos afetos e pensamentos vivenciados. A gestante começa a sentir sentimentos diante das reações e interações do bebê, e atribui significados distintos. (BRAZELTOM, 1988). Essa comunicação entre mãe e bebê já pode ser considerada como vínculo materno, e por isso, Freire e Chatelard (2009), mostram que uma perda gestacional não pode ser deslegitimada. A gestante vivência um luto verdadeiro, mas também uma perda objetal e, inclusive uma dor narcísica, porque se trata da perda de uma parte de si, de um amor idealizado, de uma esperança e da possibilidade de eternizar-se (BRAZELTOM, 1988).
Fatores que podem incidir a vivência do luto, de maneira geral: identidade e papel da pessoa perdida; idade e sexo da pessoa enlutada; causas e circunstâncias da perda; circunstâncias sociais e psicológicas que afetam a pessoa enlutada na época da perda e depois dela; personalidade da pessoa enlutada, especialmente o padrão de relação afetivas e de reação e eventos estressores. (BOWLBY, 1973/1980). Entre esses fatores, a personalidade é o fator de maior determinação na elaboração desse luto, visto que os outros impactos vão depender da interação com a personalidade do indivíduo. Nesse cenário, Montero (2012), entende que a perda ocorrida em fase inicial da gestação costuma estar mais associada à perda de ilusões e expectativas da gestante, enquanto a perda do vínculo já estabelecido com o bebê, acontece quando a gravidez já está avançada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa revelou que o sofrimento psíquico pela perda gestacional não se dá só pelo objeto perdido, mas também pela perda de um projeto de vida, que, em geral permeia ao nível cultural e social; que pode gerar traumas, principalmente pelas diversas projeções e idealizações diante da gestação. Essa mulher enlutada necessitará de uma rede de apoio, que ofereça suporte e tratamento psicológico para elaborar o seu processo do luto. Ampliando o olhar para a dor não só da mãe enlutada, mas também do pai enlutado, a pesquisa mostrou que o pai também e silenciado e anulado nesse processo de luto, descaracterizando seus sentimentos pelo filho perdido, e isto fomenta outras pesquisas que possam alcançar esses homens e seus lutos invisibilizados na sociedade. Verificaram-se as consequências físicas e psicológica, proveniente da perda gestacional, que contribuem para uma inscrição psíquica atravessada por fatores de ordem narcísicas e traumáticas.
Entre os efeitos dessa perda, foi visto o seu impacto abrindo uma ferida narcísica materna, tanto pelas implicações físicas, como as mudanças corporais e psíquica, quanto pelo investimento afetivo voltado ao bebê em gestação; em todos os casos há sofrimento, porém, se a perda gestacional acontece antes das 4 semanas, o rompimento de vínculos terá características de uma frustração de sonhos, de ideais e de projetos; fala-se de um bebê muito idealizado e pouco “real”; porém se a perda acontece em meses posteriores, a situação é mais dolorosa e profunda, pois é rompido o vínculo com o bebê que já mexe e chuta a barriga da mãe, que muitas vezes já possui um nome, um quarto, uma identidade sendo construída.
A perda gestacional é um acontecimento bastante complexo, que pode não ter uma ressignificação definitiva, também não pode ser avaliado de forma isolada, sendo preciso a consideração de fatores biológicos, psicológicos, sociais, culturais, religiosos. Para Soubieux (2014), a perda gestacional pode ser um processo infindável, revivido em outros momentos da vida, especialmente durante as gestações futuras. O olhar da psicanálise foi norteador de toda a pesquisa, visto ser a abordagem psicológica que busca investigar as forças inconscientes que regem os comportamentos humanos e dão origem a sentimentos e sintomas.
Diante do que foi analisado nessa perspectiva psicanalítica, pode-se afirmar que o óbito gestacional encerra um ciclo (gestação) marcado por mudanças corporais, sociais, ambientais e psicológicas para essa mulher-mãe. A partir disso, inicia-se o processo de luto, associado à perda de um filho que também significa um projeto de vida, e que é marcado por vários fatores que podem interromper o seu processo natural, bloqueando e estagnando a mulher em uma das fases.
A pesquisa chegou a alguns fatores, destacando a negação ou anulação sociocultural desse tipo de luto, e a importância da compreensão da personalidade da mãe, que para Psicanálise, é tido como o mais necessário. A pesquisa despertou diversos outros questionamentos e outras inquietações, como buscar compreender qual o lugar de representação desse filho na vida dessa mulher-mãe ou se a idade dessa mulher interfere nesse processo; também sobre o tempo da gestação e as causas da perda, ou como se deu a fecundação podem mudar as características do processo de luto por perda gestacional? São inquietações que devem provocar outras investigações, outras pesquisas.
A pesquisa apontou caminhos de intervenção, que aqui serão chamados de “cuidados”. Primeiramente, a mulher precisa ser vista em sua individualidade, com sua personalidade, o que caracterizará o seu processo de luto, que será único, não se igualando a outros. Isso precisa ser respeitado e garantido para a preservação de sua saúde. Os autores também apontaram ser de extrema importância um espaço que acolha a dor do pai enlutado, que tem sua dor anulada na dinâmica social, dinâmica essa, que espera um homem que não demonstre seus sentimentos, e que seja capaz de suportar todas as dores sem demonstração de fraqueza.
É necessário relocar esse pai e esses outros familiares desse lugar que os reduz a rede de apoio, para essa mulher que perdeu o “feto”, colocando-os junto com a mãe, pois todos sofrem a perda e precisam elaborar seus lutos. Assim, é possível criar um espaço de compartilhamento de falas, onde a mãe junto com seu parceiro e demais familiares expressem suas angústias e dores.
Além disso, é necessário a inserção de redes de apoio nos hospitais e maternidades, com a promoção de diálogos com as equipes médicas, de enfermagem, psicólogos e assistentes sociais, que promovam capacitações e programas de humanização, preparando essas equipes para acolher essa mulher que perdeu o bebê “parte de si mesma”. Faz-se necessário que os programas de tratamento contemplem as demandas e a singularidade de cada mulher que vivência essa experiência de perda gestacional. Os psicólogos devem elaborar intervenções psicoterapêuticas efetivas e integradas à visão da equipe multiprofissional, oferecendo suporte social e emocional, reconhecendo e legitimando um espaço onde a mãe e o pai passam a falar sobre suas experiências, e assim, elaborá-las.
É importante validar o processo de luto no exato momento da perda, conduzindo o processo de informações legítimos, com respeito e empatia. Assim criando um elo afetivo com os pais e familiares. Devido á invalidação social no luto por perda gestacional, é necessário atendimento psicológico desde o pós-parto ou da extração. Por fim, as descobertas do presente estudo retratam a importância de respeitar e garantir o lugar de fala dessas mulheres, legitimando suas vivências de perdas, visto que a lacuna de reconhecimento social para sua perda contribui para uma rede insatisfatória, dificultando o processo de elaboração da experiência, podendo levar para uma ordem traumática.
Outras possibilidades de cuidados, como ações e intervenções grupais, espaço para realizar rituais de sepultamentos, respeitando a singularidade das religiões de cada família. Provocar discussões nas instituição e demais espaços sociais como empresas, igrejas, ongs, praças e nos próprios espaços hospitalares, sobre o perigo do silêncio que permeia a perda gestacional, anulando totalmente o sofrimento da pessoa enlutada. Quando o silêncio ocupa o cenário onde a morte se dá, a elaboração será muito mais áspera. O trauma surge na falta de palavras que venham dar sentido ao ocorrido, pois o trauma é algo “sem fala; ele permanece sem palavras porque é por definição impensável” (MATHELIN, 1999, p.17). Sem falar dos filhos mortos e da morte, o acesso á experiência na vida simbólica dos enlutados será um grande obstáculo, e assim o fantasma dessa vida descontinuada poderá perpassar gerações.
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1-Formação em Recursos Humanos pela Faculdade Metropolitana de São Paulo , FAMESP, São Paulo, Brasil (2022). Discente da Especialização em Intervenção ABA Aplicada ao Transtorno do Espectro Autista,Faculdades Metropolitanas de São Paulo , FAMESP, São Paulo, Brasil (2024). Discente em Psicologia,Centro universitário Maurício de Nassau – Caruaru PE, UNINASSAU, (2024).
2– Professor do Centro Universitário Maurício de Nassau – Caruaru PE, Mestrando em Psicologia Social – UFLO, Buenos Aires – ARG, Especialista em Análise Existencial e Logoterapia – FACEAT/UNILIFE (2021). Graduação em Psicologia pela Unifavip Wyden (2012).
3– Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Pernambuco – UPE.
4– Psicóloga graduada pela UniFavip Wyden (2014), pós-graduada em Psicologia Clínica pela UniFavip Wyden (2019), Mestre no Programa de Mestrado Profissional em Psicologia – Práticas e Inovação em Saúde Mental na Universidade de Pernambuco UPE, com estudos voltados aos Povos Tradicionais de Religião de Matriz Africana.Atuação na gestão do Conselho Regional de Pernambuco enquanto conselheira, coordenadora da Subsede Vale do Ipojuca na cidade de Caruaru e colaboradora. Trabalha atualmente enquanto professora docente e supervisora de estágio do curso de Psicologia da Uninassau – Campus Caruaru.
5– Discente em Psicologia, Centro universitário Maurício de Nassau – Caruaru PE, UNINASSAU, (2024), Discente em Avaliação psicológica, Faculdade FGI, Goiânia (2022). Discente em Especializaçãoem Adolescente, Paret Coah, (2024). Discente em Análise de Desenho, Ello Cursos (2023).
6– Discente em Psicologia, Centro universitário Maurício de Nassau – Caruaru PE, UNINASSAU, (2024), Discente em Psicologia Hospitalar, Faculdade Faculeste, Minas Gerais, Brasil (2024), Discente em Psicologia Puerperal, Faculdade Faveni, Espírito Santo, Brasil (2024).